1. A prescrição não é de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia.
2. Invoca a prescrição, pretendendo dela se aproveitar o réu que responde à defesa antecipada efectuada pelo autor na petição inicial ao justificar a não extinção do direito que se visa exercer com a acção.
3. O regime decorrente do nº 1 do artigo 567º do nCPC CPC mostra-se excepcionado nas hipóteses contempladas no artigo 568º que, na sua alínea a) prevê que, em caso de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário, voluntário ou coligação, contestando um dos réus a ineficácia da revelia relativamente aos factos por este impugnados deverá subsistir.
4. O princípio do enriquecimento sem causa é subsidiário, não funcionando quando a lei faculta ao empobrecido outros meios de se indemnizar ou ser restituído.
5. Nas situações em que a deslocação patrimonial se opera mediante uma prestação, se a obrigação não existe ou porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu, a prestação carece de causa.
6. A transferência patrimonial de determinado montante, a título de sinal, no âmbito de um contrato-promessa, não ocorre sem causa justificativa, antes está inteiramente justificada pelo próprio contrato-promessa, pelo que não assiste ao autor o direito de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa.
I. RELATÓRIO
EDUARDO …. e MARIA ……., residentes …… e PALMIRA ….., intentam, em 23.01.2013, contra:
1. MANUEL ……..,
2. JORGE ……., ambos residentes na Rua ------- e,
3. JOAQUIM ….., residente ……..,
acção declarativa de condenação, com processo ordinário, através da pediram a condenação dos réus a pagarem aos autores:
a. O primeiro e segundo réus, as quantias de €60.000,00 e €90.000,00, respectivamente;
b. O terceiro réu a quantia a liquidar,
c. Juros de mora, sobre todas as mencionadas quantias, à taxa legal, a contar da data da citação.
Fundamentaram os autores, no essencial, estas suas pretensões da forma seguinte:
1. Decorreu pelos serviços do MP de …… o processo de Inquérito n.° 1323/97.0 movido pelos AA. Tal inquérito foi arquivado por não se terem verificado os pressupostos de facto e de direito que obrigavam a um despacho de acusação — vide doc. n.° 1.
2. A prova carreada para os autos era suficiente para obter uma decisão condenatória sobretudo pela prática de um crime de burla qualificada previsto e punido pelos arts. 217 e 218 do Código Penal.
3. Foram juntos os respectivos contratos de compra e venda celebrados entre as partes e a documentação camarária que comprovava a impossibilidade de celebração objectiva do negócio proposto aos AA.
4. Apesar da matéria estar suficientemente comprovada o MP decidiu em 31 de Janeiro de 2001 arquivar o inquérito pela insuficiência de indícios definidos no Art. 283 do Código do Processo Penal que permitisse acusar o arguido e o mediador, submetendo-os a julgamento.
5. Impossibilitada ficou assim, por inexistência de libelo acusatório, a hipótese de deduzir o respectivo pedido cível, o que se fará presentemente ao abrigo do disposto no art. 473 do Código Civil.
6. Face ao decurso do tempo, e porque a prescrição apenas se interrompeu em 2001, resta-nos apelar ao prazo ordinário previsto no art.° 309 do Código Civil, segundo o qual: "O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos."
7. Os AA. estabeleceram negociações com o mediador Joaquim ….., com vista à aquisição das moradias melhor identificadas nos contratos, -doc. n.° 2.
8. No decurso das mesmas vieram a celebrar os contratos promessa para titular os respectivos negócios, tendo sido subscritos não pela imobiliária mas sim pelo 1° R.
9. No dia 12 de Setembro de 1996 os AA. subscreveram os contratos promessa e titularam o respectivo negócio jurídico, no escritório do 3° R., mediante a entrega das quantias que se passam a discriminar:
a) Eduardo …… e mulher entregaram um cheque no valor de um milhão de escudos e outro cheque pós datado com data de vencimento a 10 de Janeiro de 1997, no valor de quinhentos mil escudos;
b) Palmira …… entregou na mesma data como sinal e princípio de pagamento a quantia de um milhão e quinhentos mil escudos e um cheque pós-datado com data de vencimento em 10 de Janeiro de 1997, no valor de um milhão de escudos. (doc. n.° 3)
10. Pese embora terem subscrito os contratos promessa de compra e venda e sinalizado o respectivo negócio, tal não veio a suceder por razões completamente alheias à vontade dos AA.
11. Veio a constatar-se que lhes foi apresentado um projecto de construção de uma urbanização, à data considerada de luxo, para a construção de vários apartamentos que pretensamente seriam edificados ao Sítio …….;
12. O mediador exibiu aos AA. o projecto, entregou-lhes as plantas, tendo-se deslocado diversas vezes ao terreno onde seria implantada a construção conforme resulta do teor do doc. n.° 4.
13. Os AA., convencidos da veracidade dos documentos apresentados e da legalidade camarária, subscreveram os contratos promessa supra referidos.
14. Tentaram certificar-se se estaria tudo conforme, deslocando-se ao local e reunindo diversas vezes na imobiliária sita, à data, em ………..
15. Nas conversações, reuniões e na obra esteve maioritariamente presente o 1° R.
16. Foram celebrados inúmeros contratos promessa, nos quais o primeiro R. identificou o imóvel onde seriam construídos os apartamentos como prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo …. da secção Dl e todo o artigo 8/27 da secção Dl, ambos da Freguesia de ….., deste Concelho, descritos na respectiva conservatória do registo predial sob o n.° 00509/060891.
17. A data estipulada para a realização das respectivas escrituras públicas remontava a finais de Fevereiro de 1997.
18. Como a obra não avançava os AA. agendaram uma reunião em Janeiro de 1997 no escritório do intermediário Joaquim …., na qual compareceu o 1.° R.
19. Tentou, uma vez mais, ludibriar os AA., nada referindo de conclusivo, afirmando que apenas estava à espera que a obra fosse autorizada pela Câmara Municipal ….., segundo ele demoraria apenas alguns dias.
20. Foi nesta altura que os AA. descobriram a verdade dos factos, ou seja, o 1° R. não era dono do terreno conforme constava dos contratos promessa, tendo o mesmo sido adquirido pelo 2° R. Jorge ……, seu filho.
21. Também apuraram, nessa mesma data, junto da Câmara Municipal de ….., que não existia nenhum projecto aprovado para aquele local e que, inclusivamente, não poderia ser aprovado já que o PDM de ……. apenas permitia a construção de moradias unifamiliares geminadas e nunca edificações em regime de propriedade horizontal.
22. Também subsistiram dúvidas quanto à titularidade do terreno onde de facto começou a ser implantada a construção em virtude de alguns trabalhadores referirem que o "patrão" era o 1° R. e outros que seria o 2° R.
23. O 1° R. sempre soube que não era legítimo proprietário do lote de terreno para construção e que o PDM daquela zona não permitia semelhante projecto e tudo fez para convencer os AA. do contrário.
24. Depois de constatarem o logro em que haviam caído, solicitaram uma peritagem a uma equipa especializada a fim de aferir a viabilidade da construção de acordo com o REGEU, concluindo os AA. que não era possível edificar tais moradias.
25. Tentaram sanar a situação, resolvendo os contratos promessa celebrados com o 1° R..
26. Deslocaram-se à imobiliária e pediram justificações que jamais lhes foram concedidas.
27. O 3.° R. eximiu-se sempre a responsabilidades, referindo que nada tinha a ver com o assunto, e que os contratos não se encontravam assinados por si.
28. Sendo conivente com toda a situação até porque o negócio foi por si apresentado, competindo-lhe aferir a legalidade da construção e a verificação das certidões de teor e prediais a fim de elaborar os respectivos contratos promessa.
29. Jamais podendo alegar que não é civilmente responsável porque a assinatura de um contrato pressupõe que estejam reunidos os pressupostos legais para o efeito, nomeadamente conferir a titularidade do lote de terreno e o projecto camarário.
30. Agiu dolosamente, sabendo de antemão que estava a violar as normas aplicáveis ao exercício das suas funções.
31. Os três RR. agiram dolosamente a fim de se apropriarem de quantias monetárias a que sabiam não ter direito.
32. Os AA. não têm outro meio de serem indemnizados porque decorreram os respectivos prazos legais para propor acções de responsabilidade civil nos termos previstos no art.° 483 do Código Civil.
33. Facto este que não lhes é imputável: tendo-se provado que recorreram aos meios criminais para dirimir o litígio que os opunha os RR.
34. Não tinham conhecimentos jurídicos para saberem que poderiam interpor a acção nos 3 anos subsequentes à data da prática dos factos ou, no caso concreto, após a prolação do despacho de arquivamento.
35. Apesar de ser possível a entrega dos montantes, ou seja, a restituição natural, os RR. não só não o fizeram como nem sequer foram indiciados pela pratica dos respectivos crimes.
36. O MP parece ter-se preocupado apenas que o processo não estivesse sobre a sua alçada e fosse remetido para os meios comuns,
37. Esquecendo-se que a matéria em causa revestia natureza e dignidade penal, consubstanciando a prática dos crimes inicialmente imputados aos arguidos.
38. A decisão de arquivamento do Processo de Inquérito pelo MºPº obriga presentemente os AA. a recorrerem aos meios cíveis, podendo apenas exigir a restituição do indevido com a correspondente correcção monetária e juros legais, o que limita consideravelmente os direitos dos AA. até porque os contratos remontam ao ano de 1996 e, nessa altura, os montantes em causa eram significativos e tinham outro valor de mercado.
39. Importa referir que, no decurso do processo crime e posteriormente, o 1° e 2° RR. construíram moradias conforme resulta das fotos que se juntam.
40. Enriquecendo duplamente: apropriaram-se das quantias supra referidas e voltaram a celebrar novos contratos, com a realização das respetivas escrituras públicas.
41. Não se preocupando sequer, nessa data, em restituir os montantes devidos aos AA., sendo certo que, realizaram dinheiro e negócios que permitiam reparar os actos praticados anteriormente e não estavam apenas em causa os AA,
42. Os RR. são obrigados a restituir as importâncias indevidamente recebidas, sendo responsável, de igual modo, o 3.° R. porque recebeu determinados montantes para mediar o negócio, montantes estes que se desconhecem, e que por serem objecto de produção de prova, se relegam para posterior execução de sentença.
43. O 1° e 2° RR. devem aos AA. , com fundamento no enriquecimento sem causa prevista no art. 473 n.° 1º do Código Civil, as quantias que se passam a discriminar:
a. Eduardo ……. e mulher entregaram um cheque no valor de um milhão de cudos, ter-lhe-ão ser restituídos o valor de € 60.000,00;
b. Palmira …… entregou um cheque no valor de 1 milhão e quinhentos mil escudos, terá de lhe ser restituída a quantia global de € 90.000,00.
c. O 3.° R. deve aos AA. a quantia que se vier a liquidar, após produção de prova, o que se relega para posterior execução de sentença.
44. Os montantes supra referidos resultam de simples operações aritméticas que se prendem com as taxas de inflação anuais, desde 1996 até à presente data, bem como dos juros de mora calculados às diversas taxas aplicáveis no decurso dos últimos 12 anos.
Por despacho de 04.04.2013, foi determinado que, uma vez que a autora Palmira ….. não havia procedido à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial devida pela interposição da acção, esta não prosseguiria relativamente ao pedido por si deduzido.
Citados, os 2º e 3º réus apresentaram cada um contestação, em 30.05.2013 e 30.04.2013, respectivamente.
O 3º réu, Joaquim ……, contestou, impugnando os factos alegados pelos autores e invocou, em síntese, a falta de alegação de pressupostos ou requisitos que fundamentam a acção, por entender que os autores não haviam alegado factos que permitam sustentar em que medida e de que forma terá, o Réu Joaquim, enriquecido à custa dos autores, bem como o carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa, visto que ao autores fundam o seu pedido alegando que “ não têm outro meio de serem indemnizados porque decorreram os respectivos prazos legais para propor acções de responsabilidade civil nos termos do 483º do CC.”.
E, com relação ao carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa e ao decurso do prazo para a propositura da presente acção, alegou o 3º réu:
Concluiu o réu Joaquim que a contestação deveria ser julgada procedente, absolvendo-se o mesmo da instância.
O 2º réu, Jorge ……, contestou, por excepção, invocando a prescrição, a ineptidão da petição inicial, a excepção de caso julgado, a ilegitimidade e impugnou os factos alegados pelos autores.
Alegou, para tanto e em síntese que:
1. O direito que os autores querem fazer prevalecer, encontra-se também prescrito, nos termos do art.º 482.º do CC., porquanto, mesmo com uma suspensão do prazo, para efeitos de procedimento criminal, tal prazo voltaria a correr decorrido o trânsito em julgado do arquivamento do processo criminal ocorrido em 2001.
2. Os autores não podem prevalecer-se de um alegado prazo de prescrição ordinário que não existe.
3. Sendo a prescrição uma excepção peremptória, extingue-se o efeito jurídico que os autores pretendem com a apresentação da presente P.I., devendo os RR. serem absolvidos dada instância, ao abrigo do art.º 493.º, nº 3 do CPC.
4. A P.I. enferma de uma insanável contradição entre o pedido e a causa de pedir, considerando os termos do art.º 193.º, nº 2,al.b) do CPC, posto que, todo o articulado da P.I. levaria os autores, a existir esse direito, facto que não se concede, a pedir a devolução dos valores “pseudo entregues”, o cálculo efetuado, no pedido, que é descabido, desconexo com toda a causa de pedir, o que determina a nulidade de todo o processo, excepção dilatória que invoca, nos termos do art.º 494.º, al. b), conjugado com o art.º 193.º, nº1 do CPC.
5. Existe uma excepção de caso julgado, pois que, “o direito” que os autores pretendem ver reconhecido, já foi dirimido, na instância criminal, tendo corrido os seus termos, no Tribunal Judicial ….., sob o nº 1323/97.0, tendo os réus sido absolvidos do alegado crime de burla, em sede de Inquérito, motivo pelo qual, vêm os AA., presentemente a esta instância, com os mesmos fundamentos, invocar um hipotético enriquecimento ilícito, o que se traduz numa excepção dilatória, que evoca considerando os termos dos art.ºs 497.º, 498.º, 493.º, nº 2 e 494.º, al. i) todos do CPC
6. Considerando que o art.º 26.º do CPC. que baliza o conceito de legitimidade e atendendo que, o 2º R. Jorge, não assinou, qualquer contrato promessa, não outorgou mandato para alguém agir em seu nome, existe ilegitimidade, do R. Jorge, excepção dilatória, que invoca, nos termos do art.º 493.º, nº 2 e 494.º, alínea e) do CPC., obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância do 2.º R.
Concluiu o 2º réu que as invocadas excepções deverão ser consideradas procedentes por provadas, tendo como consequência legal a absolvição do réu do pedido, devendo a acção ser considerada totalmente improcedente por não provada e, em consequência, ser o 2.º réu, absolvido do pedido.
O 1º réu, Manuel ……., não apresentou contestação.
Notificados, os autores apresentaram articulado de réplica no qual responderam às excepções invocadas pelos réus.
Em 05.11.2014, foi proferido o seguinte Despacho:
Considerando que as diversas questões processuais/incidentais e excepções suscitadas nos autos já foram debatidas pelas partes e por entender mais adequado ao fim do processo, dispenso a realização de audiência prévia, ao abrigo do disposto no art. 593º, n.º 1 do CPC.
Após, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, no qual concluiu:
a) Pela improcedência das excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade passiva deduzidas pelo réu Jorge ……, declarando-o a ele e ao co-réus parte legítima, pelo lado passivo, na acção.
b) Pela procedência da excepção de prescrição deduzida, absolvendo, em consequência, os réus Jorge …… e Joaquim ….. do pedido.
Relativamente à excepção de prescrição, consta da decisão recorrida o seguinte:
(…)
O art. 474º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Natureza subsidiária da obrigação ”estipula que “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”
Resulta de tal normativo legal, que o empobrecido apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos.
Significa isto que “sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado. E, então, só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa (ex.: em hipóteses de responsabilidade civil). [] À inexistência da acção normalmente adequada equipara-se a circunstância de esta não poder ser exercida em consequência de um obstáculo legal (ex.: prescrição do direito de indemnização – cfr. o art. 498º, nº 4) ou de não poder sê-lo utilmente por razões de facto («maxime» a insolvência do devedor). Também neste caso caberá ao interessado recorrer à pretensão de enriquecimento. [] a falta de outro meio jurídico pode ser originária ou superveniente. [] Por exemplo, se o enriquecimento resultar de um facto ilícito praticado pelo enriquecido, o empobrecido deve basear-se nesse facto ilícito para obter a reparação dos prejuízos sofridos. Mas, logo que a acção de indemnização prescreva, desaparecerá o obstáculo da primeira parte do art. 474º ao exercício da acção de enriquecimento sem causa (cfr. o art. 498º, n.º 4)” – cf. neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição,págs. 420 e 421
Neste caso, os autores baseiam a sua acção na relação contratual existente entre eles e o réu Manuel ….. decorrente da celebração, em 12 de Setembro de 1996, de um contratopromessa de compra e venda, contrato que não foi cumprido porque a construção prevista no prédio em causa não era possível, nem o prédio pertencia ao promitente-vendedor, pelo que, em relação ao primeiro réu, a pretensão de restituição da quantia entregue a título de sinal poderia reconduzir-se ao incumprimento do contrato (não sendo, à partida, caso de recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa).
Contudo, relativamente aos segundo e terceiro réus, estes não foram parte no contratopromessa em referência, não podendo, pois, ser demandados com base em eventual incumprimento contratual.
Consequentemente, a terem estes réus recebido dos autores qualquer importância monetária, tal factualidade, a não ser possível a sua responsabilização por facto ilícito (porque não existe facto ilícito ou porque existindo a respectiva acção já prescreveu), apenas poderá ser enquadrada no instituto do enriquecimento sem causa.
Nos termos do art. 298º do C. Civil ficam sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição. Assim, como regra, todos os direitos estão sujeitos a prescrição.
A prescrição tem por fundamento específico a recusa de protecção a um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular e ainda a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica.
O prazo de prescrição destina-se a servir a segurança e certeza da ordem jurídica, pondo-se assim termo a situações contrárias ao direito e à demora no seu exercício.
Completada a prescrição, o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – cf. art. 304º, n.º 1 do C. Civil.
Dispõe o art. 482º do C. Civil que “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.”
Resulta da certidão que consta dos autos a fls. 289 a 342 p.p. que em 5 de Maio de 1997 os autores participaram criminalmente contra os aqui primeiro e segundo réus pelos factos em causa nestes autos, o que deu origem ao processo n.º 1323/97.0TAFUN que correu termos pela 2ª Secção dos Serviços do Ministério Público do Funchal.
Em 31-01-2001 foi proferido despacho de arquivamento no âmbito desse processo-crime e tal decisão foi notificada aos aqui autores em 12-02-2001. Não havendo notícia da abertura de instrução, tal decisão transitou em julgado em 8 de Março de 2001.
Se não antes, pelo menos em 8 de Março de 2001, os autores tinham conhecimento de que haviam entregado diversos valores aos réus para aquisição de uma moradia, que esse negócio estava inviabilizado e nessa data, extinto o procedimento criminal, poderiam demandar civilmente o réu Ricardo Mendonça para exigir a devolução dos valores por este recebidos.
Como se referiu, o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária. Como consequência disso, o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido puder invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento e tiver à sua disposição outro meio que justifique a restituição – cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-02-2012, relatora Desembargadora Cristina Coelho, processo n.º 295/11.4TVLSB.L1-7, publicado na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt.
“Mostra-se decisivo o momento do conhecimento, não um qualquer conhecimento, mas o conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa. Esta particular natureza do direito que se pretende exercer justifica que a jurisprudência tenha adoptado um critério especial no que concerne à densificação do conceito: momento do conhecimento. Defende-se, assim, dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 474º do CC), que o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido pode invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, que o mesmo é dizer enquanto tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição. [] conta-se o prazo desde que aquele sabe que ocorreu um enriquecimento à sua custa e quem se encontra enriquecido.” – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-04-2013, relatora Desembargadora Ana Paula Pereira Amorim, processo n.º 826/11.0TBGDM.P1 publicado na base de dados do ITIJ já referida.
Notificados do despacho de arquivamento em processo penal, os autores poderiam ter dirigido contra o primeiro e segundos réus pedido de indemnização civil por facto ilícito, em separado, nos termos do art. 72º, n.º 1, b) do C. Processo Penal.
Sucede que esse direito prescreve ao fim de três anos (cf. art. 498º, n.º 1 do C. Civil) pelo que, na ausência de demonstração da prática de facto criminal, deveriam os autores ter intentado a respectiva acção por responsabilidade civil extracontratual até Março de 2004, o que não fizeram.
Ainda que se admitisse a possibilidade de ser demonstrada a natureza criminal do ilícito para efeitos do disposto no art. 498º, n.º 3 do C. Civil, sempre o prazo de prescrição seria de cinco anos (cf. art.ºs 217º, n.º 1 e 118º, n.º 1, c) do C. Penal), de tal modo que tal prazo se completaria em Março de 2006.
Admitindo, pois, que o direito a accionar os réus por enriquecimento sem causa se iniciou apenas no momento em que aos autores já não era lícito demandar os réus por responsabilidade civil extracontratual, ainda assim o prazo de três anos a que alude o art. 482º do C. Civil mostra-se integralmente decorrido em Março de 2007 (ou, eventualmente, em Março de 2009).
A presente acção deu entrada em juízo em 15 de Janeiro de 2013, logo, muito depois do curso integral do prazo de prescrição a que alude o art. 482º do C. Civil.
De igual modo, ainda que o réu Joaquim ….. não tenha sido arguido no âmbito do processo n.º 1323/97.0, conforme alegam os próprios autores, já em Janeiro de 1997 tinham tomado consciência de que o réu Manuel …..não era dono do terreno conforme constava do contratopromessa, que tal terreno tinha sido adquirido pelo réu Jorge …. e que o PDM daquela zona não permitia a construção do projecto a que se reportava o contrato-promessa, sendo certo que todas essas negociações foram efectuadas no escritório do mediador Joaquim …….
Ou seja, desde então tinham conhecimento dos montantes entregues, da falta de causa justificativa e das pessoas que alegadamente se locupletaram à sua custa, o que significa que também relativamente ao réu Joaquim …… os prazos prescricionais previstos quer no art. 498º, quer no art. 482º do C. Civil se mostravam completados à data da interposição da presente acção.
Completada a prescrição, impõe-se reconhecer que os réus Jorge …. e Joaquim ….. têm, sendo dela beneficiários, a faculdade de se opor ao exercício do direito prescrito (de notar que, não obstante o réu Joaquim Andrade não classificar juridicamente a situação como sendo de prescrição, a tanto não obsta a apreciação desta pelo tribunal porquanto alegou, em concreto, o decurso do prazo de que os autores disponham para deduzir a presente acção), o que conduz à sua absolvição do pedido.
Nessa mesma data e, por entender que o processo continha já os elementos necessários para apreciação das questões suscitadas, o Tribunal a quo conheceu imediatamente do pedido formulado pelos autores contra o réu não contestante, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:
Pelos fundamentos explanados, decide este Tribunal julgar improcedente, por não provada, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário e, em consequência:
a. Absolver o réu Manuel ….. do pedido.
Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes:
i. Os recorrentes discordam do teor da decisão da 1ª instância por enfermar de nulidade insanáveis e por violação de disposições legais que imperam no nosso ordenamento jurídico. Senão vejamos,
ii. Existe manifesto excesso de pronúncia, no que respeita ao despacho saneador/sentença, por o tribunal ter apreciado a exceção perentória da prescrição - não invocada pelo recorrido Joaquim …... O julgador tentou contornar esta questão referindo que: “ …não obstante o réu Joaquim ….. não classificar juridicamente a situação como sendo de prescrição, a tanto não obsta a apreciação desta pelo tribunal…”
iii. Não tendo invocado tal exceção terá de se dar cumprimento ao preceituado na lei que determina que esta exceção só aproveita a quem a invocar – vide art.ºs 301º e 303º do CC.
iv. Fez-se uma errada interpretação da lei porquanto não pode o julgador subsumir-se às partes, sanando o que não disseram nem suscitaram com vista a uma sentença absolutória.
v. O ordenamento jurídico existe para ser cumprido e o art.º 607º do CPC obriga-nos a uma aplicação da lei e a uma correta interpretação da sentença – esta constitui um verdadeiro ato jurídico a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos, estamos vinculados à letra da lei e ao conhecimento de exceções que são invocadas pelas partes. Não tendo a prescrição sido alegada pelo recorrido Joaquim ….. não pode o tribunal apreciar a mesma por violação da lei e excesso de pronúncia.
vi. Não se tratando de uma exceção dilatória o tribunal só pode conhecer oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado – vide Ac. do STJ de 05-05-1998, BTE, 2ª Série.
vii. A sentença recorrida enferma de nulidade por violação expressa da lei. Ao não dar como provados os factos articulados pelos recorrentes face à não contestação do recorrido Manuel …… violou o disposto no artº 567º do CPC.
viii. Impunha-se, face à não contestação, a imediata condenação do recorrido nos precisos termos articulados pelos recorrentes face à norma supra referida e á doutrina vigente sobre a matéria – vide a propósito o teor da decisão condenatória proferida no âmbito do proc. nº 1150/13.9 que correu termos pelo 2º Juízo Cível de …… em que na fundamentação de facto se pode ler: “Resultaram provados por confissão todos os factos alegados pela A. na sua petição inicial”;
ix. Não podem existir dois pesos e duas medidas e impõe-se a correta aplicação da lei.
x. Se o recorrido, regularmente citado, optou por não contestar não se vislumbra como é que é absolvido?...
xi. Como principal corolário dos princípios dispositivos da auto-responsabilidade das partes e do contraditório, o réu fica constituído no ónus de contestar ou de responder, ou seja, no de comparecer em juízo e contestar e cada uma das partes de responder aos articulados apresentados pela outra.
A consequência do incumprimento do ónus de contestar é, de acordo com o princípio da auto responsabilidade das partes e como regra entre nós, no processo ordinário, o da admissão como confessados dos factos alinhados na petição inicial – cominação semiplena – art.º 567º do CPC.
xii. Existe jurisprudência que defende que independentemente da não impugnação dos factos o julgador encontra-se obrigado a aplicar o direito.
xiii. Dir-se-á, em primeiro lugar, que a análise sobre os pressupostos do enriquecimento sem causa previsto no art.º 473º do CC constitui matéria de facto, não contornável por via do direito
xiv. Em segundo lugar realça-se que, mesmo que se aceite a tese da matéria de direito, o que não se concede e só por mera cautela de raciocínio se invoca, não assiste razão ao julgador quando defende que os recorrentes teriam de optar por ações cíveis de resolução do contrato promessa e não pela ação de enriquecimento atento o seu carater subsidiário. A resolução do contrato promessa tem um prazo mais curto de prescrição e não o previsto no art.º 309º do CC contrariamente à posição vertida na sentença.
xv. Mesmo que o prazo fosse lato o julgador esqueceu-se da matéria que considerou provada e que elencou nos pontos 1 a 9 da sentença em que consta que os recorrentes ao participarem criminalmente em 1997 exprimiram a intenção de resolução do contrato promessa de compra e venda, a impossibilidade de manutenção do negócio, com inviabilidade de execução específica e de marcação da escritura pública. Afinal a propriedade não pertencia ao recorrido Manuel …. e constataram junto da C.M. que não existia projecto aprovado para aquele local, o PDM apenas permitia a construção de moradias unifamiliares geminadas.
xvi. Face à matéria que resultou provada da conjugação dos diversos articulados e dos documentos juntos aos autos, designadamente a certidão de fls 289 a 342, impõe-se destronar a tese vertida na sentença de que: “Não há notícia de que os autores tenham intentado qualquer ação judicial para reconhecimento do direito à resolução do mencionado contrato-promessa e consequente restituição das prestações efetuadas ou devolução do sinal.
xvii. A participação crime que correu termos sob o nº 1323/97.0, junta aos autos por certidão, contém a matéria fatídica que impõe a imediata resolução do contrato promessa por impossibilidade objetiva e dentro do art.º 799º do CC.
xviii. O arquivamento do processo-crime por insuficiência de indícios não refere que o projeto de construção estava devidamente licenciado e aprovado pela C.M. Pelo contrário aí consta toda a matéria que o julgador entendeu pertinente apreciar e que impõe uma decisão condenatória do recorrido Manuel ……
xix. Não se encontrando devidamente fundamentada de facto e de direito restava aos recorrentes insurgirem-se contra o teor da decisão proferida, impondo-se a ação do enriquecimento sem causa como ultima ratio e solução para viabilizarem a sua pretensão: não se peticionam danos morais ou patrimoniais que não seja a simples restituição da quantia entregue a título de sinal, com juros e correcção monetária.
xx. Ao decidir como decidiu violou o disposto nos art.ºs 301º, 303º, 473º e 799º do CC; 574º, 579º, 567º e 607º do CPC.
xxi. Devendo a sentença recorrida ser revogada, apreciando-se as nulidades invocadas, com expressa aplicação do direito, com a imediata condenação do recorrido Manuel ….. nos precisos termos formulados. Devendo a ação proceder e prosseguir para condenação dos restantes recorridos.
Os réus não apresentaram contra-alegações.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguição de nulidades da sentença deduzida pelos apelantes, nos seguintes termos:
Não se verificam nulidades que cumpra suprir ou obscuridades e deficiências que cumpra esclarecer.
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i) DA NULIDADE DA SENTENÇA, POR EXCESSO DE PRONÚNCIA;
ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, COM RELAÇÃO AO 1º RÉU, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
O que implica a ponderação sobre:
Û OS EFEITOS DA REVELIA DO 1º RÉU E A ALEGADA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 567º DO NCPC
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foi dado como provado na sentença recorrida o seguinte:
1. Com data de 12 de Setembro de 1996, Manuel ….., como primeiro outorgante, e Maria …… e Eduardo ……, como segundos outorgantes, subscreveram um documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda” mediante o qual o primeiro declarou prometer vender aos segundos ou a quem estes indicarem um apartamento T2 no R/C, do
prédio urbano situado ao Sítio da …… confrontando do Norte com a Empresa de Electricidade, Sul com David …., Leste com José …. e Oeste com o Caminho, descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o n.º 00599/060891, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 8/1 da Secção D1, pelo preço de Esc. 12 500 000$00 (doze milhões e quinhentos mil escudos); mais consignaram os outorgantes que nesse acto, como sinal e princípio de pagamento o primeiro recebeu a quantia de Esc. 1 000 000$00 (um milhão de escudos) e que os segundos passarão ao primeiro, nessa data, um cheque pré-datado para 10 de Janeiro de 1997, no valor de Esc. 500 000$00 (quinhentos mil escudos, devendo o apartamento ser entregue nos finais de Fevereiro de 1997 (documento de fls. 306 p.p.).
2. O contrato definitivo de compra e venda prometido celebrar conforme o acordo referido em 1. não chegou a ser realizado (por admissão).
3. Foi apresentado aos autores um projecto de construção de uma urbanização com vários apartamentos, ao Sítio da ……. (por admissão).
4. Em Janeiro de 1997, como a obra não avançava, os autores descobriram que o réu Manuel ….. não era titular do terreno e apuraram junto da Câmara Municipal do …. que não existia projecto aprovado para aquele local, até porque o PDM apenas permitia a construção de moradias unifamiliares geminadas (por admissão).
5. Eduardo …. emitiu o cheque n.º 35737129 sacado sobre a conta titulada no Banco Comercial Português, S. A., à ordem de Manuel ……, com data de 16-09-1996, no valor de Esc. 1 000 000$00 (documento de fls. 22 p.p.).
6. A propriedade do prédio urbano, localizado ao Sítio da ……. com a área total de 1182 m2, sendo 300 m2 de área coberta, inscrito na matriz sob o artigo 3511, composto por quatro moradias em banda, designadas de Sul para Norte de A a D, confrontando a Norte com António ….., Sul com Mendonça ….., Leste com Mendonça …..e Correia ….. e Oeste com Caminho, anteriormente inscrito na matriz sob o artigo 8/1 da secção D1 (parte e 8/27, da Secção D1 foi adquirida por Jorge ……., conforme Ap. 13 de 1999/12/03 e, posteriormente, por José & Ferreira, Limitada conforme Ap. 22 de 2000/03/17 (documento de fls. 187 a 193 p.p.).
7. Em 5 de Maio de 1997 Freitas ….. e mulher Graça …..; Lino ….. e mulher Palmira ……; Eduardo …. e mulher Maria ….. e Fernando …… e mulher Fernanda …… participaram criminalmente contra Manuel …… e Jorge ….., imputando ao primeiro a prática de quatro crimes de burla qualificada e um crime de infracção de regras de construção e ao segundo um crime de infracção de regras de construção, o que deu origem ao processo n.º 1323/97.0 que correu termos pela 2ª Secção dos Serviços do Ministério Público do ……. (documento de fls. 289 a 342 p.p.).
8. Com data de 31-01-2001 foi proferida decisão no âmbito do processo de inquérito identificado em 7. que, por insuficiência de indícios, determinou o arquivamento dos autos (documento fls. 289 a 342 p.p.).
9. A decisão referida em 8. foi notificada aos participantes Eduardo …… e Maria …….., em 12-02-2001 (documento fls. 289 a 342 p.p.).
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
i) DA NULIDADE DA SENTENÇA, POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
Qualquer acto jurisdicional, nomeadamente uma sentença ou mesmo um despacho, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretado e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do novo Código de Processo Civil.
A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3 do mesmo diploma que:
“1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....”
Os recorrentes visam imputar à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, o qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.
A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, nº 1 do nCPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do nCPC.
Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.
As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável, são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.
Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.
Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.
E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
E, refere ainda ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.
Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, que “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou
vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia ”.
No caso em apreciação, invocam os apelantes que a sentença padece da nulidade por excesso de pronúncia, visto entenderem que na decisão recorrida o julgador apreciou da excepção de prescrição que, por não ter sido invocada pelo réu/recorrido, Joaquim Andrade, dela não poderia conhecer.
Como é sabido, a prescrição é causa extintiva das obrigações civis e, como salienta ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 10ª ed, 1120-1121, «consiste no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito quando este se não verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos»
Visa punir a inércia do titular do direito em fazê-lo valer em tempo útil, fazendo presumir a sua renúncia ou, ao menos, a desnecessidade da sua tutela jurídica.
A sua justificação radica nos valores da certeza do direito, por referência à aludida inércia do titular do direito, bem como da segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis.
Traduz-se, como se disse, na extinção de um direito que desse modo deixa de existir na esfera jurídica do seu titular, e que tem como seu principal e específico fundamento a negligência do titular do direito em concretizá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou pelo menos, o torna indigno de ser merecedor de protecção jurídica.
Em regra, as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – v. artigo 304º, nº 1 do Código Civil. O devedor não precisa de alegar que nunca deveu ou que já pagou. Basta-lhe alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, já que o mero decurso do prazo extingue o direito.
É igualmente sabido que a prescrição não é de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia, conforme decorre dos artigos 303º do Código Civil e 579º do nCPC que reproduz o que já resultava do artigo 496º do aCPC.
No caso vertente, os autores, não obstante assentem a sua causa de pedir no enriquecimento sem causa, alegam como fundamento para demandarem os réus, uma relação contratual incumprida, por parte do 1º réu, e uma situação de responsabilidade civil extracontratual, com relação aos 2º e 3º réus.
Invocam também os autores, na sua petição inicial, a circunstância de terem apresentado uma participação crime contra o 1º e 2º réus, sobretudo pela prática de um crime de burla, que deu origem à abertura de um Inquérito que, todavia, foi arquivado por insuficiência de prova, em 31.01.2001, aludindo essa circunstância para, mediante defesa antecipada, invocar que “a prescrição apenas se interrompeu em 2001” e que teria aplicação o prazo ordinário de prescrição, que é de 20 anos.
E, com efeito, decorre do artigo 309º do Código Civil que o prazo geral de prescrição é de vinte anos, mas quando se trate do direito de indemnização por factos ilícitos, ou do direito à restituição por enriquecimento sem causa, tem aplicação o disposto nos artigos 498º e 482º, ambos do Código Civil.
O 3º réu, Joaquim ……, na sua contestação, não obstante impugnar os factos alegados pelos autores na petição inicial, refuta a aplicação ao caso em apreço do instituto do enriquecimento sem causa, sustentado no facto dos autores terem invocado, na petição inicial, que já haviam decorrido os prazos legais para propor acções de responsabilidade civil nos termos previstos no artigo 483º do C.C.
A esse propósito e ainda subordinado à epígrafe “C) Do decurso do prazo para a propositura da presente acção” invocou o 3º réu que:
Ora, forçoso é concluir que o réu Joaquim ….. respondeu à defesa antecipada invocada pelos autores - de que não havia decorrido o prazo prescricional de 20 anos que consideravam aplicável - manifestando, da forma supra elencada, a vontade de se aproveitar do prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 482º do Código Civil, embora se refira, de forma algo incorrecta, ao prazo para propositura da acção.
Assim, entende-se que não conheceu, a 1ª instância, relativamente ao 3º réu, de questões de que não podia tomar conhecimento, razão pela qual o aludido vício de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil, não se verifica na sentença recorrida, pelo que improcede o que, relativamente ao qualificado vício da sentença, consta das conclusões da alegação dos apelantes (CONCLUSÕES i. a vi.).
Mas, situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”, pelo que importa apurar se há errore in judicando ou erro judicial, o que implica a análise das concretas questões suscitadas no recurso.
Û DOS EFEITOS DA REVELIA DO 1º RÉU E A ALEGADA VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 567º DO NCPC
Insurgem-se os autores/apelantes contra a decisão recorrida por entenderem que, quanto ao 1º réu, uma vez que o mesmo não apresentou contestação, deveria o Tribunal a quo ter considerado provados os factos alegados pelos autores, condenando-o no pedido, invocando, por isso, que a sentença recorrida enferma de “nulidade por violação expressa da lei”, violação ao disposto no artigo 567º do CPC.
Vejamos.
Decorre do disposto no citado artigo 567º do nCPC que:
1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
2 – O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
3 – Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
Em regra, a citação constitui o réu, no ónus de contestar, pelo que a inobservância deste ónus, resulta do enumerado preceito que o mesmo se constitui em situação de revelia.
A revelia é absoluta, como resulta do artigo 566º do nCPC, quando o réu não intervém de modo algum no processo. E, será relativa, se o réu intervém no processo, nem que seja para constituiu mandatário, juntando aos autos a devida procuração.
Excepcionado o regime decorrente do citado artigo 567º do nCPC está, entre outras hipóteses contempladas no artigo 568º do mesmo diploma, aquela que, na alínea a) do mesmo artigo, preceitua: não se aplica o disposto no artigo anterior, quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.
Como bem esclarece JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, tal como igualmente salientava no Código de Processo Civil, Anotado, no âmbito do anterior CPC, cuja redacção se mantém inalterável, esta excepção contempla todos os casos de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário, seja de litisconsórcio voluntário ou coligação (artigos 28º, 29º e 30º).
Com efeito, nenhum sentido faria que, numa mesma acção, os mesmos factos pudessem ser considerados como não provados em relação a um dos réus, porque os impugnou, e como provados em relação aos restantes, que não ofereceram contestação.
Porém, o benefício concedido aos réus revéis circunscreve-se à matéria efectivamente impugnada pelo réu contestante. Por isso, os factos da petição inicial que não hajam sido impugnados são dados como assentes, em relação a todos os réus, pelo que a eficácia da norma excepcionante acaba por se limitar aos factos de interesse para o réu revel e para o réu contestante, dado não ser relevante, fora duma relação formal de representação, a impugnação de factos que, por só respeitarem ao revel, o réu contestante não tem interesse em contradizer.
Ora, no caso vertente, toda a matéria de facto, excluindo as alegações conclusiva e de direito, foram expressamente impugnadas ou admitidas por acordo, nomeadamente pelo 2º réu, pelo que não pode deixar de se entender que essa impugnação se estende ao réu revel.
Não havia, portanto, que considerar provada toda a matéria alegada pelos autores, tanto mais que grande parte da alegação constante da petição inicial é conclusiva e de direito (por exemplo, artigos 5 a 10, 15, 31 a 49, 58 a 60).
Nesta medida, tão pouco haveria de dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 567º do nCPC.
Entendeu o Tribunal a quo – o que não foi colocado em causa no recurso – dispensar a realização de audiência prévia, por considerar que as diversas questões processuais/incidentais e excepções suscitadas nos autos já haviam sido debatidas pelas partes.
Por considerar que os autos continham os elementos necessários, ao abrigo do disposto no artigo 595º, nº 1, alínea b) do nCPC, a Exma. Juíza do Tribunal a quo, aquando da prolação do despacho saneador, no qual julgou procedente a excepção de prescrição, com relação aos 2º e 3º réus, absolvendo-os do pedido, decidiu conhecer de imediato do mérito da causa, com relação ao 1º réu, não contestante.
E, ponderando apenas a alegação factual constante da petição inicial, exceptuando – como cumpre - as alegações conclusivas e de direito, bem como o que resulta dos documentos constantes dos autos, e os factos admitidos nos articulados, elencou o Tribunal a quo a matéria que resultou provada nos autos, e com a qual se concorda inteiramente, procedendo à necessária subsunção jurídica, tendo em consideração o pedido e a causa de pedir invocados pelos autores na petição inicial, com observância do que decorre do disposto no nº 5 do artigo 5º do nCPC, nos termos do qual o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Aliás, ainda que tivesse plena aplicação o preceituado no nº 1 do artigo 567º do nCPC, não seria o réu não contestante, condenado, sem
mais, no pedido, já que impõe o disposto no nº 2 do aludido normativo, que a causa terá de ser julgada conforme for de direito (bold e sublinhado nossos).
Inexiste, consequentemente, qualquer violação ao disposto no artigo 567º do nCPC, pelo que improcede o que, a esse respeito, consta das alegações dos recorrentes (CONCLUSÕES vii. a xiii.)
Importa, então, analisar da verificação de erro de julgamento na subsunção jurídica aduzida, com relação ao 1º réu, tendo em consideração os factos que resultaram demonstrados nos autos.
Causa de pedir na presente acção radica no enriquecimento sem causa, sendo o pedido a restituição (reembolso) da importância objecto do dito enriquecimento.
Dispõe o n.º 1 do artigo 473.º do CC que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
E, o n.º 2 do mesmo preceito refere que “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
Para além disso, e como expressamente resulta do disposto no artigo 474º do Código Civil: Não há lugar à restituição por enriquecimento sem causa, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecido.
São, assim, requisitos deste instituto:
a) o enriquecimento, consistente na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista
b) o empobrecimento, traduzido no inerente sacrifício económico correspondente à vantagem patrimonial alcançada, ou seja, o valor que ingressa no património de um é o mesmo que saí do património do outro;
c) o nexo causal entre um e outro;
d) a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, ou porque nunca a tenha tido ou porque tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido
Tal significa que o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, com aplicação apenas quando a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser ressarcido.
Como esclarece MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9ª edição, Revista e Aumentada, 451 (…) Não permite o nosso sistema que o empobrecido disponha de uma acção alternativa. Ele apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos. Sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado.
E, se o aludido instituto não funciona quando a lei faculta ao empobrecido outros meios de se indemnizar ou ser restituído, o mesmo apenas terá aplicação se inexistir outro meio de indemnizar ou restituir o empobrecido, mas ainda se esse outro meio se configurar como insuficiente.
Face à matéria dada como provada é manifesto que a transferência patrimonial em que redundou a entrega dos autores ao 1º réu, do montante de Esc. 1.000.000,00, correspondente ao sinal, no âmbito de um contrato-promessa – v. Nºs 1 e 5 dos Fundamentos de Facto - não ocorreu sem uma causa justificativa, antes está inteiramente justificada pelo próprio contrato-promessa.
A quantia que os apelantes reclamam, a título de restituição, corresponde ao alegado equivalente à entrega efectuada pelos autores ao 1º réu, Manuel ….., a título de sinal, por força de um contrato-promessa entre eles celebrado, contrato esse de natureza obrigacional.
O que caracteriza o enriquecimento sem causa, como acima ficou dito, é precisamente a inexistência de qualquer negócio ou facto a justificar a apropriação de valores cuja restituição é pedida.
E, se a lei prevê a indemnização a atribuir no caso de incumprimento do contrato-promessa, quando imputável ao promitente-vendedor, ou impossibilidade da prestação imputável ao devedor, o exercício desse direito não poderá ter como fundamento o enriquecimento sem causa, que se reitera, tem natureza subsidiária.
Nas situações em que a deslocação patrimonial se opera mediante uma prestação, se a obrigação não existe ou porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu, a prestação carece de causa.
Ao invés, se a prestação que se visa satisfazer provém de uma relação jurídica é esta que releva.
Sendo a obrigação de restituir, fundada em enriquecimento sem causa, subsidiária em relação a qualquer outro meio de reparação, forçoso é concluir que a obrigação de restituição aqui em apreço só poderia ser fundada no contrato-promessa, seja na perspectiva do seu incumprimento, seja na perspectiva da eventual impossibilidade culposa imputável ao devedor.
Neste contexto, e face aos factos alegados e dados como provados pelos autores/apelantes, há que concluir que a quantia recebida pelo réu Manuel ……, a título de sinal, em resultado do celebrado contrato promessa, o qual não está demonstrou que haja sido resolvido, se mantém na ordem jurídica. A invocada deslocação patrimonial tem, portanto, uma causa justificativa.
Na verdade, não se pode acompanhar a alegação dos autores/apelantes quando defendem que a participação crime que, conjuntamente com outros, efectuaram, em 1997 - v. Nº 7 da Fundamentação de Facto - supõe e impõe a resolução do contrato-promessa por impossibilidade objectiva, tanto mais que diversos são a natureza e os âmbitos de intervenção cível e criminal.
Ademais, a aludida participação foi alvo de arquivamento por insuficiência de prova indiciária, salientando-se mesmo, no despacho de arquivamento, a fls. 13 dos autos, ainda que como mero parêntesis, que é um pouco contraditório afirmar-se que o arguido Manuel ….. nunca teve intenção de cumprir os contratos promessa, até por impossibilidade absoluta de o serem, e depois admitir-se que a integridade física ou a vida dos promitentes compradores pudessem vir a correr riscos (devido aos vícios graves das construções efectuadas pelos arguidos no terreno em causa, que os participantes invocaram).
Ora, a causa de pedir na presente acção não se funda na resolução do contrato-promessa, mas sim no enriquecimento sem causa, pelo que razão assiste à sentença recorrida quando ali se afirma que os autores optaram por se socorrer da acção de enriquecimento, instituto que não tem qualquer aplicação se o invocado enriquecimento puder ser destruído mediante simples acção de cumprimento/resolução (…), não podem os autores lançar da presente acção por enriquecimento sem causa sem antes demonstrarem estarem esgotadas as outras vias de que dispunham para obter a restituição visada.
Assim sendo, a sentença recorrida não merece censura, quando, em suma, decidiu que não assiste aos apelantes o direito à restituição da quantia peticionada, com fundamento no enriquecimento sem causa, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos, maxime, a falta de causa justificativa da apurada deslocação patrimonial.
Improcede, por conseguinte, a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Os apelantes serão responsáveis pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condenam-se os apelantes no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 30 de Abril de 2015
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Ondina Carmo Alves - Relatora
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Eduardo José Oliveira Azevedo
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Olindo dos Santos Geraldes