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LEGÍTIMA DEFESA
Sumário
1. A legítima defesa pressupõe uma agressão atual, o que significa em execução ou iminente, e ilícita, ilicitude que se deve considerar relativamente à globalidade da ordem jurídica, não apenas ao direito penal. 2. Não são ilícitas as agressões justificadas, isto é as desenvolvidas ao abrigo de uma causa de justificação. 3. Quando o agente atue em tais circunstâncias (em legítima defesa, em estado de necessidade, no exercício de um direito, etc.), não lhe pode ser oposto pelo visado o direito à legítima defesa. Contra legítima defesa não vale legítima defesa. 4. Devem ainda o facto praticado e os meios utilizados em defesa serem necessáriospara pôr termo à agressão,o quesignifica idóneose os menos gravosos que estejam disponíveis para atingirem o objetivo. 5. Mesmo sendo necessária, a defesa legítima exige uma adequação dos meios usados para repelir a agressão ou afastar a iminência da agressão. 6. O uso de um meio não necessário à defesa representa um excesso que determina a não justificação do facto por legítima defesa. 7. A legítima defesa pode ser própria, em benefício do agente, ou alheia, ou seja, exercida pelo defendente em proteção de interesses de terceiro, sendo os requisitos os mesmos. 8. O elemento subjetivo da legítima defesa restringe-se à consciência da «situação de legítima defesa», isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objetivos daquela concreta situação, 9. Não basta a mera convicção ou intuito de defender interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, é necessário que a conduta do defendente seja adequada, necessária e proporcional ao mal que pretende evitar. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.RELATÓRIO.
1.1. No âmbito do inquérito n° 1332/14.6PCSNT que corre termos nos serviços do Ministério Público junto da Comarca de Lisboa Oeste, 1° Secção da Instância Criminal de Sintra, após o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, por despacho de 290UT14, a Mma Juíza de Instrução Criminal,[1] aplicou ao arguido I.T.S., devidamente identificado nos autos, a medida de coação de termo de identidade e residência (TIR), porquanto julgou não verificados os pressupostos de que dependeria a aplicação de medida de coação mais grave do que a prevista no artigo 196° do Código de Processo Penal (termo de identidade e residência), determinando que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito a tal medida de coação mínima.
1.2. Inconformado com este despacho dele interpôs recurso o Ministério Público que motivou, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
«Ia - Constitui objecto do presente recurso a decisão proferida nos autos em epígrafe referenciados, em sede de primeiro interrogatório judicial que aplicou ao arguido I.T.S. a medida de coacção de termo de identidade e residência.
2" - Existem fortes indícios nos autos da prática pelo arguido, como autor material e em concurso real, de um crime de homicídio doloso p. e p. pelo art. 131°, do CP, punível com pena de 8 a 16 anos de prisão, agravado pelo uso de arma proibida nos termos do disposto no art, 86°, n° 3, da Lei n° 5/2006, de 23.02, na sua actual redação, e de um crime de detenção e uso de arma proibida p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 3°, n°s 1 e 2, al e) e 86°, n°l, al d) todos da Lei n° 5/2006, de 23.02, na sua actual redacção, punível com pena de prisão até 4 anos ou multa até 480 dias.
3a - A Exma Juiz de Instrução sujeitou o arguido a termo de identidade e residência por ter entendido que o arguido agiu em legitima defesa.
4a- No entanto, na nossa opinião, e salvo o devido respeito, a medida aplicada é desadequada e mostra-se insuficiente para assegurar as elevadas exigências cautelares que o caso requer, pois, sem qualquer causa de justificação que afastasse a ilicitude do acto doloso que praticou, o arguido matou, num acto inconsequente, com duas facadas no peito, um jovem da sua idade, 18 anos.
5a - A gravidade dos factos que os autos fortemente indiciam e as circunstâncias que rodearam a sua prática, bem como a situação pessoal do arguido reclamam medida mais eficaz e adequada.
6a - Com efeito, da factualidade indiciada nos autos ressalta o evidente perigo de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.
7a - O princípio da adequação que deve orientar a escolha do Juiz de entre as medidas tipificadas na lei é integrado pelo princípio da proporcionalidade que impõe que a medida deve ser proporcionada à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido.
8a - No caso em apreço, em que se indicia fortemente um crime de homicídio doloso cometido com arma branca proibida, como é a faca de borboleta, que é consabidamente um dos crimes mais gravemente punidos pelo nosso direito penal e em que a comunidade sente uma maior necessidade de protecção exigindo uma intervenção mais acentuada e rigorosa por parte dos mecanismos judiciários, justifica-se, salvo melhor entendimento, a aplicação de uma medida de coacção privativa da liberdade.
9a - Ademais, importa referir que em face da matéria indiciada nos autos se antevê a possibilidade razoável, dir-se-á eminente de, em sede de julgamento, o arguido vir a ser condenado em pena de prisão efectiva.
10a - Assim sendo, pugnamos pela aplicação da medida de prisão preventiva, a cumular com termo de identidade e residência, já prestado, pois que é a única que se mostra adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional às sanções que previsivelmente virão a ser aplicadas, nos termos do disposto nos artigos 191°, 192°, 193°, 196°, 202°, n° 1, ais. a), b) e e) e 204°, ais. a) e c), todos do Código de Processo Penal.
11a - Pelo exposto, ao aplicar a medida de coacção mínima aqui visada a Exma Juiz de instrução interpretou erradamente e, em consequência, violou o disposto nos artigos 191°, 192°, 193°, 202°, n° 1, ais. a), b) e e) e 204°, ais. a) e c), todos do Código de Processo Penal. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra em que, em conformidade com o ora alegado, seja aplicada ao arguido medida coactiva privativa da liberdade. Com o que decidindo pelo exposto, farão V. Exas JUSTIÇA».
1.4. Nesta Relação a Exma Procuradora Geral-Adjunta emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso, concordando com a motivação de recurso interposto pelo Ministério Público em 1a Instância.
1.5. Foi cumprido o art. 417°, do CPP.
1.6. Foram colhidos os Vistos Legais.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. Em 290UT14 o Ministério Público apresentou o arguido I.T.S. à Mma JIC, para primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do art. 141° do CPP, indiciado pela prática de um crime de homicídio, p. e p., pelo art. 131°, do Código Penal, agravado pelo uso de arma proibida, nos termos do art. 86°, n°3, da Lei n° 5/2006, de 23FEV, na sua redacção atual, e de um crime de detenção e uso de arma proibida, p. e p., pelas disposições conjugadas dos artigos 3o, n°s 1 e 2, al. e) e 86°, n°l, al. d), da Lei n° 5/2006, de 23FEV, porquanto, conforme consta do despacho de apresentação:
«No dia de ontem, 28 de Outubro de 2014, pelas 20:00 horas, o arguido encontrava-se na companhia de P.P., de L.P., irmã deste, e de A.R.S., todos pessoas suas amigas. O arguido caminhava com os seus amigos quando encontraram W.V.G. junto ao «mercado amarelo» localizado nas imediações da Estrada ………, no Cacém. Sabedor de que a sua irmã L.P., ex-namorada de W.V.G., tinha sido esbofeteada por este durante a parte da tarde desse mesmo dia, P.P. dirigiu-se a W.V.G. a fim de tirar satisfações sobre o sucedido. Nessa sequência, envolveram-se os dois em agressões físicas mútuas, altura em que W.V.G. empunhou uma faca de cozinha, com 11 cm de lâmina, que trazia consigo e com a qual vibrou um ou mais golpes no corpo de P.P., atingindo-o na região torácica do lado esquerdo. Incapacitado pelos golpes sofridos, P.P. afastou-se, de imediato, da vítima, que continuou a empunhar a referida faca.
É nesta altura que o arguido I.T.S., que a tudo isto assistiu, bem como a L.P. e a A.R.S., intervém nesta contenda, interpondo-se entre W.V.G. Garcia e o seu amigo P.P. Pereira, para os afastar um do outro. Nessas circunstâncias, W.V.G. e o arguido agrediram-se fisicamente um ao outro, tendo W.V.G., a dada altura, desferido um golpe na cabeça do arguido com a faca que então empunhava. Por sua vez, o arguido empunhou também uma faca de borboleta que trazia consigo e com a qual desferiu vários golpes em W.V.G., atingindo-a na região do tórax e na pálpebra esquerda, conforme quis e conseguiu, o que fez com o propósito de lhe tirar a vida. Em consequência dos golpes que o arguido desferiu no tórax da vítima esta veio a falecer, pouco tempo depois, no interior do café denominado "X", situado nas proximidades do local onde ocorreram as agressões e onde aquela conseguiu chegar, procurando refúgio. O óbito de W.V.G. foi verificado às 21 h 15m do dia de ontem».
2.2. A Mm° JIC deu cumprimento ao disposto nas als. a) e b) do n°4, do citado art. 141°, bem como ao disposto nas als. c), d) e e), do n°4, do citado art. 141°, do CPP, dando conhecimento ao arguido dos motivos da detenção, designadamente dos factos que lhe são concretamente imputados, nos exatos termos do despacho de apresentação, tendo-lhe comunicado os elementos do processo que os indiciam.
2.3. Findo o interrogatório em 290UT14 a Mma JIC proferiu despacho no qual aplicou ao arguido a medida de coação de termo de identidade e residência (TIR), prevista no art. 196°, do CPP, porquanto julgou não verificados os pressupostos de que dependeria a aplicação de medida de coação mais grave.
2.4. A MmQ JIC deu como indiciariamente verificados os seguintes factos:
«No dia de ontem, 28 de Outubro de 2014, pelas 20:00 horas, o arguido encontrava-se na companhia de P.P., de L.P., irmã deste, e de A.R.S., todas pessoas suas amigas. O arguido caminhava com os seus amigos quando encontraram W.V.G. junto ao «mercado amarelo» localizado nas imediações da Estrada …………., no Cacém. Sabedor de que a sua irmã L.P., ex-namorada de W.V.G., tinha sido esbofeteada por este durante a parte da tarde desse mesmo dia, P.P. dirigiu-se a W.V.G. a fim de tirar satisfações sobre o sucedido. Nessa sequência, envolveram-se os dois em agressões físicas mútuas, altura em que W.V.G. empunhou uma faca de cozinha, com 11 cm de lâmina, que trazia consigo e com a qual vibrou um ou mais golpes no corpo de P.P., atingindo-o na região torácica do lado esquerdo. Incapacitado pelos golpes sofridos, P.P. afastou-se, de imediato, de W.V.G., que continuou a empunhar a referida faca. E nesta altura que o arguido I.T.S., que a tudo isto assistiu intervém nesta contenda, interpondo-se entre W.V.G. e o seu amigo P.P. para os afastar um do outro. Nessas circunstâncias, W.V.G. e o arguido agrediram-se fisicamente um ao outro, tendo W.V.G., a dada altura, desferido um golpe na cabeça do arguido com a faca que então empunhava. Por sua vez, o arguido empunhou também uma faca de borboleta que trazia consigo e com a qual desferiu vários golpes em W.V.G., atingindo-a na região do tórax e na pálpebra esquerda. Em consequência dos golpes que o arguido desferiu no tórax da vítima esta veio a falecer, pouco tempo depois, no interior do café denominado "X ”, situado nas proximidades do local onde ocorreram as agressões e onde aquela conseguiu chegar, procurando refúgio. O óbito de W.V.G. foi verificado às 21hl5m do dia de ontem».
Deu como não indiciada a seguinte factualidade:
«Que o arguido ao atingir W.V.G. na região do tórax e na pálpebra esquerda pretendeu atingi-lo na região do tórax e na pálpebra esquerda com o propósito de lhe tirar a vida».
A Mma JIC baseou-se quanto aos factos indiciados, nos elementos constantes dos autos (auto de notícia, doc. fls. 5, auto de declarações de fls. 8, auto de declarações de fls. 9 e 10, fotografias de fls. 11 e 12, doc. de fls. 14 fotografias de fls. 29 a 43, depoimentos de fls. 53 a 55 e de fls. 56 a 58, do auto de apreensão de fls. 59 e 60, auto de inquirição de fls. 66 a 68) e nas declarações do arguido que admitiu a factualidade descrita.
Relativamente à factualidade que não considerou indiciada, louvou-se, exclusivamente, nas declarações do arguido que julgou plausíveis, na parte em que este refere que estava a ser atacado por W.V.G. com uma faca e que procurou defender-se desses ataques valendo-se da faca de borboleta que trazia consigo.
Analisando as declarações do arguido, que não são espontâneas e são em si contraditórios, verifica-se que o mesmo, quando
questionado sobre a detenção da faca de borboleta, afirmou logo no início, que: «anda habitualmente armado com a faca de borboleta, que já a tinha na sua posse há 4 semanas, andando sempre com ela "para se defender".
Quanto à dinâmica e da sequência dos factos, ao ser-lhe expressamente perguntado se foi antes ou depois de ter sofrido o golpe da vítima W.V.G. que tirou a sua faca, o arguido começa inicialmente por declarar, que tirou a sua faca antes, declarando: «como ele tinha a faca na mão eu também tirei a minha faca, como «távamos» ali envolvidos, «távamos» frente a frente, ele estava a ameaçar a tentar dar-me golpes, e acertou-me na cabeça, (...) depois disso eu também tentei lhe dar4')"(...) isso foi anteá'',"(...) eu já tinha tirado a minha faca'.
Perante a insistência da instância, o arguido acabou por alterar a versão inicial dos factos, declarando que só tirou a sua facado bolso depois de ser atingido por W.V.G.
Quando lhe foi perguntado pela Mma JIC se quando tirou a sua faca do bolso, a vítima W.V.G. procurou fugir ou procurou ficar ali a lutar com ele, a resposta do arguido foi a seguinte; "fugir".
Posteriormente, prosseguindo o interrogatório, veio a alterar esta versão dos factos, referindo que a vítima continuou a procurar atingi-lo, prosseguindo a luta. Ao fim de cerca de metade do seu interrogatório, o arguido acabou por declarar, quando questionado pela Mma JIC, que ao procurar dar golpes em W.V.G. quis defender-se. Porém, anteriormente, já havia declarado "ele tentava dar golpes e eu também"; "estávamos a tentar dar golpes"; "ele tentava, eu também".
Mais adiante declarou que a sua intenção era: "Dar um golpe em W.V.G.onde lhe apanhasse"; "eu pensava em lhe aleijar também como ele me aleijou"; "estávamos em movimento"; "sim, em luta"; "como ele «táva» a tentar atacar-me também «táva» a tentar atacá-lo"; "a minha intenção era, lhe aleijar também"; "a minha intenção era aleijá-lo também, como ele me aleijou na cabeça".
Quando a Mma JIC lhe perguntou por que razão não fugiu ou não pediu ajuda, admitiu que não fugiu nem pediu ajuda, apesar de poder fazê-lo, declarando ainda que: "no momento em que ele já me tinha dado"; "eu sou um bocado nervoso, às vezes perco a consciência"; "podia fugir, sim, fugir podia"; "... porque ele me deu também".
Vejamos, o que resulta do depoimento de P.P. que se envolvera momentos antes com a vítima a fim de tirar satisfações, sobre o facto da sua irmã L, ex-namorada da vítima, ter sido esbofeteada por esta durante a parte da tarde desse mesmo dia], o mesmo declarou que se «envolveu com a vítima em agressões físicas mútuas, chegando a deitar o W.V.G. ao chão, agarrando-o nas pernas, ficando este de costas, sendo que o P.P. ficou curvado sobre o W.V.G.. Reagindo o W.V.G. tentou levantar-se, senão que o depoente agarrou-o com as duas mãos envolvendo o pescoço dele, altura em que sentiu um impacto mais forte do lado esquerdo do abdómen e logo de imediato um outro mais fraco, ligeiramente acima do primeiro, sentindo uma forte dor largou o W.V.G. e afastou-se deleuns passos para trás e viu que ele empunhava uma faca tipo cozinha na mão direita e queavançava na sua direção.
Que neste momento o V.( I.T.S.) que se encontrava próximoveio a correr detrás do depoente e colocou-se entre os dois, aproveitando o depoente para sea fastar um pouco mais para junto das pessoas que ali estavam. Logo que o V. se aproximou, oW.V.G. que avançava na direção do devoente com a faca no ar. desferiu um golpe na cabeça doV. que com a forca do golpe a lâmina da faca se dobrou e ouviu o barulho do impacto dalâmina a bater na cabeça do V.. Depois, o V. e o W.V.G. envolveram-se em confronto físico,sendo que m dinâmica da luta iam-se afastando-se do local onde o depoente estava. (...) Pediu ajuda a uma pessoa que ali passava na rua para telefonar para o 112. De imediato o depoente começou a caminhar na direção do Centro de Saúde do Cacém, juntando-se logo a seguir o V., momento em que percebeu que o V. sangrava da cabeça, dizendo que também estava ferido e pedia que chamassem o 112. Chegados ao centro de Saúde XX encontraram o local já encerrado, no interior do qual apenas se encontrava o vigilante e pessoal de limpeza. Neste local, o depoente e o V. aguardaram pela chegada da ambulância, tendo o depoente sido transportado directamente ao Hospital de
Santa Maria. No Centro de Saúde também compareceu a PSP que apenas perguntou ao depoente sobre a roupa que o W.V.G. vestia. Questionado, afirma aue em momento algum o V. disse o que havia acontecido kwo após ter-se afastado do local durante a agressão com o W.V.G.. Que soube que o W.V.G. tinha falecido através de um agente da PSP que veio falar com o depoente no Hospital de Santa Maria. Questionado afirmou que desconhece se o W.V.G. se fazia acompanhar de facas, pois não mantinha uma relação próxima com ele. Já o V., apenas o viu na posse de canivetes, situação que é comum entre os amigos do depoente, existindo inclusive uma espécie de competição pela exibição do canivete mais bonito. Esclarece que esses canivetes são de pequena dimensão, com uma lâmina de quatro a cinco centímetros de comprimento. Esses canivetes são disponibilizados nas máquinas de brindes» (fls. 62 a 66).
Do documento de fls. 61 - Registo Doentes - Posto Policial do Hospital de Santa Maria consta que P.P. deu entrada nos Hospital em 28-10- 2014, às 21h30m.
Do auto de notícia de fls. 4 a 5 consta que a PSP foi chamada ao local via rádio, no dia 28-10-2014, às 21h05m; que quando os agentes chegaram ao local interior do estabelecimento "X", cujo proprietário entrou em contacto com o 112, a equipe da VMER continuava a efetuar as manobras de reanimação durante cerca de 30 minutos a W.V.G., que resultaram infrutíferas, tendo o óbito sido verificado às 21hl5m. O suspeito I.T.S. foi transportado ao Hospital Amadora Sintra onde deu entrada peias 21h26m, tendo tido alta hospitalar.
Consta dos autos que a faca tipo borboleta foi recolhida debaixo de um canteiro de flores junto à entrada do centro de Saúde sito na Rua ………..
Os depoimentos de L.P. e A.R.S., constantes respetivamente a fls. 49 a 51 e 52 a 54, referem-se no essencial à circunstância de W.V.G. ter esbofeteado L.P., durante a parte da tarde do dia 280UT14, e ao confronto físico de P.P. com a vítima, quando soube do sucedido com a sua irmã L., ex-namorada da vítima.
2.5. No despacho recorrido a Mma JIC, considerou que, quanto ao crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131° do Código Penal, agravado pelo uso de arma proibida nos termos do disposto no artigo 86°, n° 3, da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, imputado ao arguido, deu por indiciariamente não verificado que, ao agir conforme descrito nos autos, o arguido tenha querido tirar a vida a W.V.G., tomando por indiciariamente assente que o arguido agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, já que atuou em legítima defesa, conforme previsto no artigo 32° do Código Penal.
Quanto ao crime de detenção e uso de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3o, n°s 1 e 2, al. e) e 86°, n 1, al. c), da Lei n° 5/2006, de 23FEV, na sua actual redação, igualmente imputado ao arguido em concurso real com aquele outro de homicídio, julgou como não verificada nenhuma das condições gerais de aplicação de medidas de coação (mais graves do que o termo de identidade e residência) previstas no artigo 204° do Código Penal.
***
3. O DIREITO:
3.1. O objeto do presente recurso, face às conclusões da motivação do recorrente, que definem e limitam o objeto do recurso, prende-se com as seguintes questões:
- se existem fortes indícios e da prática pelo arguido, como autor material e em concurso real, de um crime de homicídio doloso p. e p. pelo art. 131°, do CP, agravado pelo uso de arma proibida nos termos do disposto no art. 86°, n° 3, da Lei n° 5/2006, de 23FEV, na sua atual redação;
- se a medida aplicada ao arguido é desadequada e mostra-se insuficiente para assegurar as elevadas exigências cautelares que o caso requer, uma vez que não se verificou qualquer causa de justificação que afastasse a ilicitude do ato doloso que praticou;
- se deve ser aplicada ao arguido a medida de prisão preventiva, a cumular com termo de identidade e residência, já prestado, pois que é a única que se mostra adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional às sanções que previsivelmente virão a ser aplicadas, nos termos do disposto nos artigos 191°, 192°, 193°, 196°, 202°, n° 1, ais. a), b) e e) e 204°, ais. a) e c), todos do Código de Processo Penal.
3.1.1. Como é sabido as medidas de coação são meios processuais de limitação de liberdade pessoal, e estão sujeitas aos princípios da legalidade, da adequação, da proporcionalidade, da precariedade e, quanto à prisão preventiva, da subsidiariedade (arts. 191°, n° 1,193°, 215° e 218°, 202° e 209°, do CPP).
Com efeito, as medidas de coação têm uma função cautelar tendo em vista assegurar os fins do processo, quer para garantir a execução da decisão final condenatória, quer para assegurar o regular desenvolvimento do procedimento, e como tal são limitativas da liberdade pessoal e patrimonial dos arguidos.
Tais medidas porque limitativas de direitos fundamentais têm que, contudo, estar em conformidade com as garantias da Constituição e da Lei.
Assim, o art. 191°, n° 1, do CPP, no qual se consagra o princípio da legalidade das medidas de coação, determina, em conformidade com o preceito constitucional do art. 27°, n° 2, da CRP, que “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função das exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e garantia patrimonial previstas na lei”.
O direito à liberdade pessoal, como direito fundamental, é de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas e a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da lei - arts. 27°, n° 2 e 28°, da CRP e art. 5o, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - não deixando, porém, também a Lei Fundamental de prever os casos de violação dos deveres a que os cidadãos estão adstritos ou as situações particulares decorrentes da prática de crimes.
Com efeito, a Constituição admite restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, mas consagra que tais limitações se hão de limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, princípio este previsto no art. 18°, n° 2, da Lei Fundamental, que assume especial relevância no âmbito das medidas de coação.
Nestas circunstâncias, pode justificar-se não só a limitação, como a suspensão ou mesmo a privação de alguns direitos fundamentais, incluindo o direito à liberdade, desde que salvaguardada a legalidade e a proporcionalidade. E aos tribunais judiciais compete não apenas a aplicação das reações criminais (art. 29°, n°s 1 e 5, CRP), como a aplicação de quaisquer outras medidas que atinjam os direitos, liberdades e garantias.
As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (art. 193°, do CPP).
Para a aplicação de qualquer medida de coação, à exceção do TIR, têm que se verificar alguns dos requisitos gerais enumerados nas alíneas a), b), e c), do art. 204°, e por outro que a medida seja adequada e proporcionada para salvaguardar as exigências cautelares que o caso requer, em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da adequação que se encontram expressamente consagrados no art. 193° do Código de Processo Penal.
Dos citados normativos resulta que os perigos que justificam a imposição de uma medida de coação são, necessariamente, os enunciados no artigo 204° do Código de Processo Penal, bem como os requisitos específicos de cada uma das medidas.
Relativamente ao princípio da proporcionalidade a dimensão deste princípio que está em causa nas medidas de coação é o de proibição de excesso e não qualquer outra. Quer isto dizer que o princípio da proporcionalidade não exige a aplicação de uma medida de coação a um crime grave, impedindo apenas a aplicação de uma medida de coação desproporcionada à gravidade do crime fortemente indiciado.
3.1.2. A prisão preventiva prevista no art. 202°, do CPP, que é a medida mais grave das medidas de coação, e dada a sua excecionalidade e subsidiariedade, conforme resulta da Constituição, em que a liberdade é a regra e a prisão preventiva a exceção (arts. 27° e 28°, da CRP), só pode ser aplicada quando: «-Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, e a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos; b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta; c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão».
O ar. 202°, n° 1, al. a), do CPP, emprega a expressão “fortes indícios", não definindo a lei o conteúdo de indícios fortes, definindo apenas o que se considera indícios suficientes (art. 283°, n° 2, e 308°, n°l, do CPP), ou seja, o conjunto de elementos dos quais resulte a probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
Por indiciação suficiente entende-se «a possibilidade razoável» de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova já existentes, uma pena ou medida de segurança, a prova é a «certeza» dos factos (...) a natureza indiciária da prova significa que não se exige a prova plena, a «prova», mas apenas a probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança criminal. [2]
3.1.3. Vejamos, se no caso, se mostra fortemente indiciada a prática pelo arguido, como autor imediato, de um crime de homicídio doloso p. e p. pelo art. 131°, do CP, agravado pelo uso de arma proibida nos termos do disposto no art. 86°, n° 3, da Lei n° 5/2006, de 23FEV, na sua atual redacção.
Considerando os elementos probatórios constantes nos autos (f Is. 3 a 13, 25 a 39, 49 a 66), e supra enunciados, podemos dar como indiciada a seguinte factualidade:
«No dia 28 de outubro de 2014, cerca das 20h00m, junto ao «mercado amarelo» localizado nas imediações da Estrada de …………, no Cacém, P.P. foi tirar satisfações junto de W.V.G., por ter sabido através de I.T.S., que W.V.G. durante a tarde desse dia tinha esbofeteado a sua irmã L.P, A.R.S., ex-namorada de W.V.G.
Nessa sequência, P.P. envolveu-se com W.V.G. em agressões físicas mútuas, chegando P.P. a deitar o W.V.G. ao chão, agarrando-o nas pernas, ficando este de costas, sendo que o P.P. ficou curvado sobre o W.V.G., Reagindo o W.V.G. tentou levantar-se e P.P. agarrou-o com as duas mãos envolvendo o
pescoço dele, altura em que sentiu um impacto mais forte do lado esquerdo do abdómen e logo de imediato um outro mais fraco, ligeiramente acima do primeiro, sentindo uma forte dor largou o W.V.G. e afastou-se dele uns passos para trás e viu que ele empunhava uma faca tipo cozinha na mão direita e que avançava na sua direção.
Neste momento I.T.S., que se encontrava próximo veio a correr detrás de P.P. e colocou-se entre os dois, aproveitando P.P. para se afastar um pouco mais para junto das pessoas que ali estavam.
Logo que I.T.S. se aproximou de W.V.G., que avançava na direção de P.P., empunhando na mão no ar, uma faca de cozinha com uma lâmina de 11 cm, W.V.G. desferiu um golpe na cabeça de I.T.S..
Em seguida, I.T.S., que se encontrava municiado de uma faca tipo borboleta, com 12,5cm de comprimento de lâmina, e W.V.G. envolveram-se em confronto físico, sendo que na dinâmica da luta, I.T.S. desferiu vários golpes em W.V.G., atingindo-a na região do tórax e na pálpebra esquerda, em consequência dos quais W.V.G. veio a falecer, pouco tempo depois, no interior do café denominado "X”, situado nas proximidades do local onde ocorreram as agressões, e onde aquele ainda conseguiu chegar, procurando refúgio.
Após ter desferido os golpes em W.V.G., o arguido I.T.S., juntou-se a P.P., que estava ferido e a sangrar, e caminhava em direção do Centro de Saúde XX, porquanto o arguido também sangrava da cabeça.
Junto à porta do Centro de Saúde arguido I.T.S. aproveitou para desfazer-se da faca tipo borboleta com a qual deu os golpes na vítima W.V.G., escondendo-a debaixo de um vaso que se encontrava à porta.
Como o Centro de Saúde se encontrava encerrado, P.P. e o arguido, aguardaram pela chegada da ambulância, que entretanto havia sido chamada por um terceiro ao local, tendo P.P. sido transportado diretamente ao Hospital de Santa Maria e o arguido I.T.S. para o Hospital Fernando Fonseca, onde foi suturado o ferimento no couro cabeludo e tendo alta.
Por seu turno a vítima, que procurou refúgio no interior do estabelecimento de Café “X", e cujo proprietário entrou em contacto com o 112, quando a PSP chegou ao local, cerca das 21h05m, a equipe da VMER, continuava a efetuar as manobras de reanimação durante cerca de 30 minutos a W.V.G., que resultaram infrutíferas, tendo o óbito sido verificado às 21hl5m».
3.1.4. O despacho recorrido considerou como não indiciado «Que o arguido ao atingir W.V.G. na região do tórax e na pálpebra esquerda pretendeu atingi-lo na região do tórax e na pálpebra esquerda com o propósito de lhe tirar a vida», estribando-se exclusivamente nas declarações do arguido que julgou plausíveis, na parte em que este refere que estava a ser atacado por W.V.G. com uma faca e que procurou defender-se desses ataques valendo-se da faca de borboleta que trazia consigo, motivo pelo qual, quanto ao crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131° do Código Penal, agravado pelo uso de arma proibida nos termos do disposto no artigo 86°, n° 3, da Lei n° 5/2006, de 23FEV, imputado ao arguido deu a Mm° JIC por indiciariamente não verificado que, ao agir conforme descrito no despacho de apresentação, «o arguido tenha querido tirar a vida a W.V.G., antes se tomando por indiciariamente assente que o arguido agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, já que atuou em legítima defesa, conforme previsto no artigo 32° do Código Penal».
Estabelece o art. 31°, n°s 1 e 2, a), do CP que o facto não é punível quando praticado em legítima defesa, definindo o art. 32° do mesmo diploma a legítima defesa, enquanto causa de exclusão da ilicitude, como “o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”.
A legítima defesa pressupõe, assim, uma agressão atual, o que significa em execução ou iminente, e ilícita, ilicitude que se deve considerar relativamente à globalidade da ordem jurídica, não apenas ao direito penal. Deve ainda o facto praticado em defesa ser necessário para pôr termo à agressão, assim como os meios utilizados serem igualmente necessários, o que significa idóneos e os menos gravosos que estejam disponíveis para atingirem o objetivo.[3] Relativamente à ilicitude, há ainda que acentuar que não são evidentemente ilícitas as agressões justificadas, não são ilícitas nomeadamente as ações desenvolvidas ao abrigo de uma causa de justificação. Quando o agente atue em tais circunstâncias (em legítima defesa, em estado de necessidade, no exercício de um direito, etc.), não lhe pode ser oposto pelo visado o direito à legítima defesa. Em síntese: contra legítima defesa não vale legítima defesa.[4]
Acrescente-se ainda que a legítima defesa pode ser própria, em benefício do agente, ou alheia, ou seja, exercida pelo defendente em proteção de interesses de terceiro, sendo os requisitos os mesmos.
A doutrina mais representativa defende que o elemento subjetivo da ação de legítima defesa se restringe à consciência da «situação de legítima defesa», isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objetivos daquela concreta situação, o que se justifica e fundamenta no facto de a legítima defesa ser a afirmação de um direito e na circunstância do sentido e a função das causas de justificação residirem na afirmação do interesse jurídico (em conflito) considerado objetivamente como o mais valioso, a significar que em face de uma agressão atual e ilícita se deve ter por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os atos que, objetivamente, se mostrem necessários para a sua defesa.[5]
«O juízo de necessidade reporta-se ao momento da agressão, tem natureza ex ante, e nele deve ser avaliada objetivamente toda a dinâmica do acontecimento, merecendo especial atenção as características pessoais do agressor (idade, compleição física, perigosidade), os instrumentos de que dispõe, a intensidade e a surpresa do ataque, em contraposição com as características pessoais do defendente (o porte físico a experiência em situações de confronto) e os instrumentos de defesa de que poderia lançar mão».
«O uso de um meio não necessário à defesa representa um excesso que determina a não justificação do facto por legítima defesa. Ê o chamado excesso de meios ou excesso intensivo de legítima defesa que nos termos do art. 33°, tem como consequência a afirmação da ilicitude do facto praticado».[6]
«A necessidade da defesa deve ser negada sempre que se verifique uma insuportável (do ponto de vista jurídico) relação de desproporção entre ela e a agressão: uma defesa inadmissivelmente excessiva e, nesta aceção, abusiva não pode constituir simultaneamente defesa necessária: logo porque não pode de modo algum representar- se como uma defesa do Direito contra o ilícito na pessoa do agredido».[7]
A necessidade liga-se ao próprio fundamento teleológico da causa de exclusão da ilicitude - não ceder perante o ilícito; não será necessária quando, por exemplo, se verifique uma «crassa desproporção» entre a natureza, qualidade ou intensidade da agressão e a gravidade das consequências da reação. Agressões irrelevantes não poderão ser repelidas causando a morte; não pode existir, analisada caso a caso, uma desproporção intolerável entre a natureza da agressão e a gravidade das consequências da reação[8]
Mas, mesmo sendo necessária, a defesa legítima exige que se verifique uma adequação dos meios usados para repelir a agressão ou afastar a iminência da agressão. O artigo 33°, n° 1 do Código Penal determina diretamente que o excesso intensivo dos meios de reacção não afasta a ilicitude. E também uma vontade de defesa. Mas a atuação com vontade de defesa depende dos bens jurídicos ameaçados pela agressão. Existindo o conhecimento de uma situação objetiva de legítima defesa, não tem sentido a exigência adicional, como se fosse autónoma, de uma comotivação de defesa[9]
Avontade de defesa concorrerá, necessariamente, quando objetivamente se verifiquem os pressupostos de atuação e quando o agente atue no quadro desses pressupostos. A confluência ou a agregação de elementos de vontade e de finalidades não exclui a vontade de defesa.
3.1.5. Vejamos, se no caso se mostra indiciado que o arguido agiu em legítima defesa, em face dos elementos constantes nos autos.
No caso sub judice, conforme resulta dos meios de prova recolhidos e supra descritos, num primeiro momento a intervenção do arguido ocorre quando P.P. já havia sido atingido pela vítima e procurou afastar-se desta. Segundo as declarações de P.P. a vítima empunhava a faca tipo cozinha, com 11 cm de lâmina, na mão direita e avançava na sua direção. Neste momento o arguido que se encontrava próximo veio a correr detrás de P.P. e colocou-se entre os dois, aproveitando P.P. para se afastar um pouco mais para junto das pessoas que ali estavam. Logo que o arguido se aproximou, o W.V.G. avançava na direção de P.P. com a faca no ar, e desferiu um golpe na cabeça do arguido.
Em seguida, o arguido e o W.V.G. envolveram-se em confronto físico, e como o próprio arguido refere, empunhava a faca tipo borboleta, acabando por desferir vários golpes na vítima, atingindo-a na região do tórax e na pálpebra esquerda, em consequência dos quais esta veio o falecer, pouco tempo depois, no interior do café denominado "X", situado nas proximidades do local onde ocorreram as agressões, e onde aquela ainda conseguiu chegar, procurando refúgio.
Como sustenta Figueiredo Dias, [10], a agressão deverá ser atual e é atual quando é iminente, já se iniciou ou ainda persiste. A agressão é iminente quando o bem jurídico se encontra já imediatamente ameaçado. A iminência da agressão afere-se, habitualmente, pela ocorrência de situação perigosa, a qual se caracteriza pela prática de atos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o ato agressivo, isto é, a agressão; uma defesa será, à partida, legítima até ao momento em que a mesma se revele imperiosa ou fundamental para travar definitivamente a respetiva agressão.
No caso sub judice a vítima encontrava-se com a faca tipo cozinha na mão em direção a P.P., mas como este se afastara, depois de ter sido agredido pela vítima, esta acabou por desferir um golpe na cabeça do arguido.
O arguido encontrava-se municiado de uma faca tipo borboleta, arma proibida, e no confronto físico em que o arguido e o W.V.G. se envolveram, desferiu vários golpes na vítima, atingindo-a na região do tórax e na pálpebra esquerda, em consequência dos quais esta veio o falecer, pouco tempo depois, no interior do café denominado "X", situado nas proximidades do local onde ocorreram as agressões, e onde aquela ainda conseguiu chegar, procurando refúgio.
A exclusão da ilicitude de uma conduta, ao abrigo do artigo 32° do Código Penal, exige a presença de cinco requisitos objetivos e um elemento subjetivo, a saber, 1) a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, 2) a atualidade da agressão, 3) a ilicitude da agressão, 4) a necessidade da defesa, 5) a necessidade do meio e o conhecimento da situação de legítima defesa, sendo que os três primeiros requisitos objetivos se referem à situação em que o agente atua e os dois últimos à ação de defesa.
No caso verificam-se os três requisitos objetivos a saber: existe a agressão do interesse juridicamente protegido do arguido, a atualidade da agressão, a ilicitude da agressão, e ainda a necessidade da defesa, uma vez que a vítima empunhava uma face de cozinha na mão.
Porém, no que se refere à necessidade do meio e o conhecimento da situação de legítima defesa, a questão já não é tão líquida.
Já se afirmou que o juízo sobre a adequação do meio de defesa não pode deixar de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso: o bem ou interesse agredidos, o tipo e a intensidade da agressão, a perigosidade do agressor e o seu modo de atuar, a capacidade físico-atlética do agressor e do agredido, bem como os meios de defesa disponíveis e as demais circunstâncias relevantes ocorrentes.
O uso de um meio não necessário à defesa representa um excesso que determina a não justificação do facto por legítima defesa. E o chamado excesso de meios ou excesso intensivo de legítima defesa que nos termos do art. 33°, tem como consequência a afirmação da ilicitude do facto praticado».[11] No caso a vítima empunhava uma faca tipo cozinha com llcm de lâmina, que não constituiu arma proibida, com a qual atingiu o arguido na cabeça, por seu turno o arguido empunhava uma faca tipo borboleta, que se engloba na categoria de arma proibida.
O arguido atingiu o W.V.G. desferiu vários golpes em W.V.G., atingindo-a na região do tórax e na pálpebra esquerda, e, em consequência dos golpes que o arguido desferiu no tórax da vítima esta veio a falecer, pouco tempo depois.
As declarações do arguido são contraditórias, desconhecendo-se em que momento o arguido retirou a faca de borboleta do bolso, pois tanto diz que foi antes de ser agredido pela vítima, como depois. Tanto diz que quando tirou a sua faca do bolso. W.V.G. procurou fugir, que a vítima continuou a procurar atingi-lo, prosseguindo a luta. Tanto refere que "ele tentava dar golpes e eu também"; "estávamos a tentar dar golpes"; "ele tentava, eu também", como posteriormente, diz que ao procurar dar golpes em W.V.G. quis defender- se. Afirmou que a sua intenção era "Dar um golpe [em W.V.G.] onde lhe apanhasse", "eu pensava em lhe aleijar também como ele me aleijou"; "estávamos em movimento"; "sim, em luta"; "como ele «táva» a tentar atacar-me também «táva» a tentar atacá-lo"; "a minha intenção era, lhe aleijar também"; "a minha intenção era aleijá-lo também, como ele me aleijou na cabeça.
Desconhece-se qual a compleição física do arguido e da vítima.
Perguntar-se-á, perante este contexto, face às regras da experiência da comum, objetivamente segundo o exame das circunstâncias feito por um ser humano médio colocado na situação do agredido, se o arguido ao utilizar a faca tipo borboleta, atingindo W.V.G. numa zona vital, se agiu em legítima defesa, ou seja, de se defender da faca de cozinha que empunhava do W.V.G.?
Perante o desenrolar dos factos indiciados a conduta desenvolvida pelo arguido, nesta fase processual, à míngua de mais elementos de prova, pode eventualmente configurar, quer o instituto de legítima defesa, quer o excesso de legítima defesa, tendo em atenção, por um lado o meio empregue pelo arguido - faca tipo borboleta, arma proibida, dissimulada, atentas as suas características - por outro a zona atingida pelo arguido, onde se encontram alojados órgãos vitais, em W.V.G.. Com efeito, não basta a mera convicção ou intuito de defender interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, é necessário que a conduta do defendente seja adequada, necessária e proporcional ao mal que pretende evitar.
Por outro lado, como se referiu as declarações do arguido são em si incongruentes, sendo que o interrogatório do arguido, também é em si inconclusivo.
Fica-se sem saber, se houve ou não por parte do arguido ao utilizar a faca tipo borboleta, atingindo W.V.G. (Sarcia numa zona vital, se agiu em legítima defesa, ou seja, para se defender da faca de cozinha que empunhava do W.V.G., ou se o meio utilizado pelo arguido foi excessivo.
3.1.6. Como é sabido, em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, (art. 32°, n° 2, da CRP), e ainda da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, «cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objeto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele».
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido (embora não exclusivamente dele) decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que, procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto), e partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina, que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido[12](sublinhado nosso).
Com efeito, importa ter sempre presente que, «os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio juridico-material da culpa concreta como suporte axiológico da pena«[13]
Será dentro destes princípios gerais do processo penal subjacentes a qualquer Estado de Direito Democrático que se há de concretizar o princípio da livre apreciação da prova, inserto no art. 127°, do CPP.
No caso sujeito à apreciação deste Tribunal, como vimos, perante os elementos probatórios recolhidos nesta fase processual, fica-se na dúvida razoável e bastante, se o arguido agiu em legítima defesa, ou com excesso de legítima defesa, ou seja, neste ponto estamos perante un non liquet.
Assim sendo, na dúvida o Tribunal tem que optar a favor do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo.
O art. 192°, n° 2 do CPP, consagra que: «Nenhuma medida de coação ou de garantia patrimonial é aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal».
Ora, é precisamente o caso dos autos, na medida em que existem fundados motivos para eventualmente crer na existência de uma causa de exclusão da ilicitude, motivo pelo qual não é possível aplicar ao arguido a medida de prisão preventiva, pelo crime de homicídio, p. e p., pelo art. p. e p., pelo art. 131°, do Código Penal, agravado pelo uso de arma proibida, nos termos do art. 86°, n°3, da Lei n° 5/2006, de 23FEV, na sua redação atual.
Relativamente ao crime de detenção de uma arma proibida, p. e p., pelas disposições conjugadas dos artigos 3o, n°s 1 e 2, al. e) e 86°, n°l, al. d), da Lei n° 5/2006, de 23FEV, cuja prática pelo arguido se mostra fortemente indiciado, porquanto o arguido se encontrava municiado de uma faca tipo borboleta, pode ser fundamento da aplicação de prisão preventiva, nos termos do art. 202°, n° 1, alínea e), do Código de Processo Penal.
No caso dado o tempo decorrido entre a indiciada prática deste crime - 280UT14 - [o interrogatório do arguido ocorreu em 290UT14], e uma vez que a arma foi aprendida, conforme auto de apreensão de fls. 55, não se justifica a prisão preventiva do arguido.
Assim mantém-se a medida de Termo de Identidade e Residência, aplicada ao arguido, nos termos do art. 196°, do CPP.
4. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juizes que compõem a ...a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se o despacho recorrido, por fundamentos diversos, nos termos supra referidos.
Sem tributação.
Lisboa, 13-05-2015
Conceição Gomes
Carlos Rodrigues de Almeida
[1]Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais JIC. PROC 1332/14.6PCSNT-A.L1 [2]Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, págs. 82 e segs. PfíOC1332/14.6PCSNT-A.ll [3] Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2a ed., pp. 404 ss; e Taipa de Carvalho, Direito Penal, 2a ed., pp. 348 ss. [4] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 415; e Taipa de Carvalho, p. 363. "Taipa de Carvalho, ibidem, 375/387, Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal (1992), 189/191, Fernanda Palma, A Justificação por Legítima Defesa como Problema de Delimitação de Direitos (1990), 611-58 e 693, Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 408 e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, 97. [6] Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 396, 398, [7] Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 405. [8] cfr. FIGUEIRED O Dl AS, "Direito Penal, Parte Geral", Tomo I, 2a edição, p. 430; CLAUS ROXIN “Derecho Penal, Parte General", Tomo I, "Fundamentos La Estructura de la Teoria dei Delito", cit., p. 663 [9] cfr. FIGUEIREDO DIAS, cit. p. 438 e ROXIN, cit. p. 667. [10]In ’Direito penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 411. [11] Figueiredo Dias, Direito Penal, I Pág. 398. [12]Rui Patrício, in "O princípio da presunção de inocência do arguido na fase de julgamento no atual processo penal português", /Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2000, pág. 93-94. [13] Somes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. I, Coimbra 1984, pág. 215.