Não é possível suspender a execução da sanção acessória de inibição de conduzir imposta a arguido que incorreu na prática de contraordenação rodoviária muito grave.
I. Relatório
1. Por decisão proferida, em 26/2/2013, pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi o arguido MM..., melhor id. nos autos, condenado pela prática de uma contraordenação p. p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 27.º, n.ºs 1 e 2, al. b), ponto 3.º, 133.º, 136.º, 138.º, 139.º, 141.º e 146.º, al. i), todos do CE, na coima de € 300,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.
2. O arguido impugnou judicialmente a decisão administrativa alegando, em resumo, que:
- os factos ocorreram fora da localidade, sendo o limite de velocidade de 80 km/h;
- caso tal não seja atendido e porque não colocou a vida de ninguém em perigo e actuou em estado de necessidade para auxiliar um colega que havia sofrido um acidente numa pedreira, deverá ser absolvido da prática da contraordenação que lhe é imputada;
- se assim não se entender, requer que a contraordenação seja qualificada de grave, a sanção de inibição de conduzir seja reduzida ao mínimo e suspensa na sua execução.
3. Admitido o recurso, foi realizada audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, fixando-se a medida da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de um mês, mantendo-se no mais a decisão da autoridade administrativa.
4. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido, para este Tribunal da Relação, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
“a)O recorrente encontra-se devidamente inserido a nível familiar, social e laboral;
b) É considerado pelos colegas de trabalho, como uma pessoa séria e correcta;
c) O arguido confessou que circulava a velocidade indicada nos autos, porque tinha recebido um telefonema de um colega de trabalho, (testemunha por si indicada nos autos) de que teria ocorrido um capotamento de um veiculo pesado na pedreira, onde o recorrente trabalha e para onde se dirigia e que um outro colega de trabalho teria ficado soterrado debaixo do mesmo;
d)O recorrente manifestou em julgamento a sua disponibilidade para frequentar acções de formação, como cumprimento da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir!
e) O recorrente não tem averbado no seu registo de condutor, a prática de qualquer contra ordenação grave ou muito grave, quer nos últimos 5 anos, quer em todo o seu percurso de condutor!
f) O recorrente exerce a profissão de motorista de pesados á mais de 20 anos, nunca tendo tido qualquer infracção ao código da estrada;
g) Nem nunca foi interveniente em acidente de viação;
h) Verificando-se desse modo, os pressupostos legais, previstos nos n.°s 1° e 2° do art,° 141 do CE, para que pudesse ser suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir;
i) Não tendo decidido desse modo o Tribunal A Quo, violou esse normativo legal;
j) Uma vez que o recorrente requereu essa suspensão de inibição de conduzir e preenchia os pressupostos exigidos para a possibilidade de deferimento dessa pretensão;
l) Pois é o recorrente era primário;
m)E pagou voluntariamente a coima;
n) Desse modo, a sanção de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, em que o Tribunal A Quo, veio a condenar o recorrente deveria ter sido suspensa, em cumprimento do n.° 1 do art.º 141 do CE;
o) Sem sequer ficar condicionada aos requisitos previstos nas alíneas a) a c) do n.° 3, os quais só são de aplicar, caso o "infractor tenha averbado no seu registo de condutor, a pratica nos últimos cinco anos de apenas uma contra ordenação grave!
p) O que não é o presente caso, como se verifica;
q) Por outro lado, deveria ainda o Tribunal A Quo, ter tido em aplicação o disposto no art,.° 50, n.° 1 do CP que refere " ...0 tribunal suspende a execução da pena ....se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade art. 40-1 do Cód. Penal"
r)Desse modo, o tribunal A quo, atendendo à personalidade do recorrente, ao facto de ser considerado como ficou provado uma pessoa séria, idónea e correcta, e ainda o facto da velocidade excessiva ser de 81 Km/h, poderia ter suspenso a sanção acessória de inibição de conduzir de 30 dias, em que condenou o recorrente!
s)Isto porque o que "a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novas infracções" - Vide In: www.djsi.pt - ARL de 07.10.2013 - Processo n. 0 5855/2003-5
Termos em que:
Por se verificarem, os pressupostos consignados no n.º 1, n.° 2, do art ° 141 do C.E., e do art,° 50 do C.P. deve a sanção acessória de inibição de conduzir, de 30 dias, em que o recorrente foi condenado pelo Tribunal A quo, ser suspensa na sua execução por período a determinar, sem ser condicionada ao cumprimento de deveres, pelo facto do recorrente não ter averbando no seu registo de condutor a prática de qualquer contraordenação, grave ou muito grave;
Se assim, não se entender,
Deve a sanção acessória de inibição de conduzir, de 30 dias, em que o recorrente foi condenado pelo Tribunal A quo, ser suspensa na sua execução por período a determinar, condicionada ao cumprimento, da prestação de uma caução de boa conduta, nos termos da aliena a) do n.° 3 do mesmo art.º 141, de valor não superior a € 250,00 euros, uma vez que com o seu salário, no valor aproximado de € 700,00 euros, (cujo recibo, se encontra junto aso autos), o arguido, tem de fazer face ás despesas correntes de uma economia doméstica, no valor aproximado de € 250,00 euros, e ainda ao pagamento de uma prestação, referente á aquisição de móveis, no valor de € 250,00 euros;
Julgando como agora se pede, farão V.Ex.as, a já costumada
JUSTIÇA!”
5. O recurso foi admitido por despacho de fls. 105 dos autos.
6. O MP em 1.ª instância apresentou resposta, pugnando pela improcedência do mesmo.
7. A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer, nos termos e para os efeitos previstos no art. 416.º do CPP, no sentido de que o recurso não merece provimento.
8. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2, do art. 417.º, do CPP.
9. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Atendendo ao disposto no n.º 1, do art. 75.º, do DL n.º 433/82 de 27/10, que aprovou o Regime Geral das Contra-Ordenações (alterado pelos DL n.ºs 356/89 de 17/10 e 244/95 de 14/9 e pela Lei n.º 109/2001 de 24/12), em matéria contra-ordenacional o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento de certos vícios ou nulidades de conhecimento oficioso, designadamente, os indicados no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP.
Há, ainda, que ter em atenção que o objecto do recurso é fixado pelas conclusões retiradas da respectiva motivação, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Assim sendo, as questões a apreciar por este tribunal ad quem consistem em saber se:
- Por se verificarem, os pressupostos consignados nos n.ºs 1 e 2, do art. 141.º do C.E. e do art.° 50.º do C.P. deve a sanção acessória de inibição de conduzir, de 30 dias, em que o recorrente foi condenado pelo Tribunal a quo, ser suspensa na sua execução por período a determinar, sem ser condicionada ao cumprimento de deveres, pelo facto do recorrente não ter averbado no seu registo de condutor a prática de qualquer contraordenação, grave ou muito grave;
- Caso assim não se entenda, deve a sanção acessória de inibição de conduzir, de 30 dias, em que o recorrente foi condenado pelo Tribunal a quo, ser suspensa na sua execução por período a determinar, condicionada ao cumprimento da prestação de uma caução de boa conduta, nos termos da alínea a), do n.° 3, do mesmo art. 141.º.
2. A decisão recorrida
É do seguinte teor a decisão recorrida na parte que ora nos interessa (transcrição):
A) Factos Provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
l. No dia 16-03-2012, pelas 08h e 46m, na EN 115 Km 13,300, em Casarão, o arguido circulava conduzindo o veículo pesado de mercadorias, com matrícula xx-xx-xx.
2. Nessa ocasião de tempo e lugar o arguido circulava à velocidade de pelo menos 76 Km/h, correspondente à velocidade registada de 81 Km/h, deduzido o valor do erro máximo admissível.
3.O facto acima descrito foi verificado através do Radar MULTINOVA MR - 6FD com o n° 03-91-724, aprovado pela DGV em 04-12-2002, através do despacho n° 8036/03, II série DR de 28-04-2003 e aprovado pela DGV por despacho 12594/07 de 1603, publicado DR n° 118, II serie de 21-06-2007 e aprovado pela ANSR por despacho 15919/2011 de 12-08-2011, com despacho aprovação IPQ 111.20.01.3.13 DR de 09-04-2001 e verificado pelo IPQ a 01-09-2011, rolo 80, foto 7.
4.O local acima descrito verifica-se dentro de uma localidade, estando a mesma assinalada com sinalização vertical.
5. Podia e devia aquele condutor ter actuado de outra forma, abstendo-se de circular a tal velocidade.
6. Fê-lo com violação do dever de cuidado e diligência devidos e de que era capaz, não respeitando a referida regra estradal.
Mais se provou,
7.O arguido pagou voluntariamente a coima.
8. Na situação acima descrita não colocou a vida de ninguém em perigo.
9. Na ocasião dos factos recebeu uma chamada dos colegas informando-o ter tombado um camião junto à pedreira.
10. Aufere cerca de € 600,00 mensais pela actividade de motorista de pesados por conta de outrem.
11. Vive com a mulher e os filhos.
12. Tem um filho menor de idade.
13. Suporta o pagamento de prestação ao banco devido a crédito à habitação.
14. Está disponível para frequentar acção de formação.
15. É reputado como pessoa correcta.
16. Do registo individual do condutor não resultam antecedentes contra-ordenacionais e do foro estradal.
B) Factos Não Provados
Não se provou que:
a. No local em causa não existia qualquer sinal de trânsito.
b. Os factos tenham ocorrido fora da localidade de Casarão.
c. A vida do colega do arguido e/ou de outras pessoas da empresa estivessem em perigo nessa ocasião.
d. Que o arguido tivesse sido contactado para socorrer os colegas.
e. Que tenha acorrido ao local o INEM ou os bombeiros.
Não deixaram de se provar quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa.
C) Motivação da Matéria de Facto
O Tribunal gizou a sua convicção tendo por base o auto de notícia de fls. 3, a fotografia e o relatório do radar de fls. 4, a identificação do condutor a fls. 6, informação de fls. 8 de onde consta o pagamento da coima e de fls. 32 e ss. e o registo individual do condutor de fls. 9, o qual não tem condenações averbadas.
Com especial relevância o Tribunal ponderou o teor da informação prestada pela Câmara Municipal e respectivo aditamento, de onde consta informação que o local dos factos e à data dos mesmos, situando-se já dentro da localidade, estando a mesma devidamente assinalada verticalmente e existindo um sinal com indicação de velocidade recomendada.
Aliás, tal documentação foi valorada, uma vez que a mesma não foi posta em crise, fazendo fé em juízo o respectivo auto de notícia (cfr. Art. 170.°, em especial os seus n°s 3 e 4 do Código da Estrada).
O tribunal apreciou ainda a decisão da autoridade administrativa e o despacho subsequente da mesma entidade.
Em audiência, o arguido quis prestar declarações, confirmando que era o condutor do veículo pesado de mercadorias, que os factos ocorreram na localidade de casarão, que estava devidamente assinalada, circulando a cerca de 80 Km/h, mas referindo a existência de um sinal de velocidade no local, mas apenas no sentido contrário. Referiu ter conhecimento das regras gerais de velocidade máxima dentro das localidades. Finalmente esclareceu que imprimiu mais velocidade à viatura, por ter recebido um telefonema de um colega avidando que um camião havia tombado, tendo ficado preocupado.
Por sua vez o militar autuante, Carlos Martins, confirmou apenas o auto por si elaborado e por comunicação dos factos pelo seu colega e operador do radar.
As testemunhas Jorge Ferreira e Nuno Miguel, ambos colegas de trabalho do arguido, confirmaram conhecer o local onde os factos ocorreram e a pessoa do arguido, referindo ser bom colega e pessoa honesta e cumpridora, esclarecendo que se trata de uma localidade e de existir um sinal apenas no sentido contrário àquele em que seguia o arguido. Confirmaram os problemas ocorridos nessa mesma data na pedreira em que trabalhavam, mas esclareceram que não foi necessário chamar o INEM ou os bombeiros, sendo que o próprio Nuno Miguel reconheceu não se ter magoado e que a presença do arguido foi apenas para substituir o colega e o telefonema para o informar da situação.
Tais depoimentos revelaram-se credíveis e com conhecimento directo dos factos e por isso foram valorados.
Do teor da prova produzida em julgamento e nos moldes em que resultam das conclusões da impugnação judicial apresentada e que delimitam o objecto de recurso, não resulta que a arguida tenha colocado efectivamente em causa a prática dos factos que lhe são imputados, matéria essa que se dá como provada, atentas as declarações do próprio arguido (em julgamento e da sua impugnação judicial), conjugado com o teor dos documentos juntos aos autos, em particular o auto de notícia e a fotografia efectuada pelo radar, nos termos supra enunciados, conjugado mormente com os depoimentos das testemunhas de defesa.
Mais se apuraram as condições pessoais do arguido, o pagamento voluntário da coima e a ausência de antecedentes contra-ordenacionais estradais, o que se dá por igualmente provado.
A factualidade negativa resulta assim da ausência de prova de que o arguido circulasse a velocidade inferior à constante dos autos, de que o local dos factos fosse fora da localidade e bem assim, de que não existia qualquer sinalização. Igualmente não se provou que o arguido tenha necessitado de socorrer os colegas, atenta a informação Camarária e mormente as declarações do próprio arguido e das testemunhas de defesa, que não confirmaram tal versão em julgamento.
D) Direito e Medida da Coima
Nos termos a que acima aludimos, perante a factualidade dada como provada e aceite pelo arguido é inegável que este praticou a contra-ordenação prevista no Art.° 27.°, n.°s 1 e 2, al. a), 3.° do Código da Estrada, na sua redacção actualmente vigente, pelo menos por negligência (cfr. Art.° 133.° do Código da Estrada), e, pela qual vinha acusado, uma vez que o próprio arguido reconhece em audiência (para além de o fazer pontualmente na sua impugnação), resultando tal aliás da demais prova feita em audiência, o facto de circular pelo menos à velocidade de 80 Km/h, numa localidade, conduzindo um veículo pesado de mercadorias, reconhecendo que em regra numa localidade a velocidade máxima permitida é de 50 Km/h e admitindo existir sinalização vertical no local.
Na verdade, apurou-se em audiência que o local dos factos se situa dentro de uma localidade, na qual existe sinalização vertical.
Por outro lado e no que concerne à existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, tal como previsto nos Arts.° 34.° e 35.° do Código Penal, aplicáveis por força do disposto no Art.° 32.° do RGCOC, nenhuma prova foi feita de que a actuação do arguido tenha sido realizada tendo em vista afastar qualquer situação de perigo de terceiros ou para a protecção de qualquer interesse, mas apenas que foi informado dum incidente ocorrido na empresa, admitindo-se apenas ter ficado preocupado com o sucedido, e nada mais, uma vez que a situação relatada estava devidamente acautelada.
Pelo exposto, importa concluir que o arguido praticou a contra-ordenação que lhe foi imputada.
O Arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima.
A contra-ordenação em apreço é qualificável à luz do preceituado nas disposições conjugadas dos Arts.° 27.°, n.°s 1 e 2, ai. b), 3.°, 133.°, 136.° n°3, 138.° n°1, 139.°, 141.° a contrario sensu, 145.°, al. c), 146.°, al. i) e 147.°, nºs 1 e 2 do Código da Estrada, como muito grave, porque o veículo pesado de mercadorias tripulado pelo arguido circulava excedendo o limite de velocidade previsto para o local, em mais de 20 Km/h que o permitido, sendo sancionado com coima e sanção acessória de inibição de conduzir.
De harmonia com o n.° 1 do Art.° 138.° do supra aludido Código (...) as contraordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória (...).
Regula ainda o Art.° 147.°, n.°s 1 e 2 do Código da Estrada que (...) a sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves (...) consiste na inibição de conduzir (...), tendo a mesma (...) a duração mínima de dois meses e máxima de dois anos (...) para as contra-ordenações muito graves.
No que se refere à medida da aludida sanção acessória de inibição de conduzir, há que atender ao disposto no n.° 1 do Art.° 72.° - A do Regime Geral das Contra-Ordenações, na redacção vigente, que proíbe a reformatio in pejus nos casos em que a decisão da autoridade administrativa é impugnada somente pelo arguido ou no seu exclusivo interesse.
A determinação da medida concreta da sanção acessória de inibição de conduzir deve fazer-se, nos termos do Art.° 139.° do Código da Estrada, em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica e dos antecedentes do infractor relativamente ao cumprimento das leis e regulamentos sobre o trânsito.
Dos autos e com interesse para a decisão da causa resulta que, em termos de culpabilidade, tal contra-ordenação foi praticada a título negligente. E nesta parte, não obstante o teor da decisão administrativa, mas considerando que a jurisprudência vem considerando que o elemento subjectivo se pode presumir, alterando nesta medida a nossa anterior posição, consideramos estar em condições para decidir a questão, mesmo nesta parte.
Do processado não resultam factos que permitam considerar a existência de quaisquer consequências negativas e prejudiciais, decorrentes da conduta do arguido, nomeadamente em relação a terceiros e no trânsito de outros veículos. O arguido e ora recorrente, admitiu parcialmente os factos que lhe são imputados, encontrando-se socialmente e economicamente inserido. Mais resulta dos autos e com particular relevo no caso concreto, que o arguido não tem averbado no seu registo individual de condutor a prática de qualquer outra contra-ordenação.
Nos termos do Art.° 140.° do mesmo Código a que nos temos vindo a reportar, pode ocorrer uma situação de atenuação especial da sanção acessória cominada para as sanções muito graves, sendo reduzido o seu limite mínimo e máximo para metade, se o infractor não tiver praticado qualquer contra-ordenação grave ou muito grave nos últimos cinco anos e tiver procedido ao pagamento da coima.
No caso em apreço a autoridade administrativa não aplicou qualquer atenuação especial, fixando a sanção acessória no seu limite mínimo de 2 meses.
Ora in casu, o arguido não detinha qualquer outra condenação contra-ordenacional do foro estradal, sendo que a situação em causa não teve consequências para terceiros, pelo que se considera existirem condições para que possa beneficiar da supra aludida atenuação especial, passando o limite mínimo e máximo da sanção acessória, respectivamente, para um mês e um ano.
Assim, tendo em consideração todos os elementos atenuantes, designadamente a boa inserção social e económica do arguido, bem como sendo pessoa laboralmente activa e motorista de profissão, consideramos existirem condições para que possa beneficiar da referida atenuação especial, passando o limite mínimo da sanção acessória para um mês e fixando-se nessa medida a referida sanção, alterando-se a decisão administrativa nesta parte.
E não obstante o arguido não referir a questão concreta da atenuação especial no seu recurso, a verdade é que alega no sentido do limite da sanção acessória ser reduzido, mostrando-se tal circunstancialismo concretamente mais favorável ao mesmo arguido e que se impõe aplicar in casu.
O Art.° 141.°, n.° 1 do Código da Estrada rege a suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir, preceituando o seu n.° 1 que pode (...) ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações qraves no caso de se verificarem os pressupostos que a lei penal faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima (... ).
Os factos sub judice revelam que o arguido pagou a coima, todavia tratando-se de contraordenação muito grave, não poderá o mesmo beneficiar de qualquer suspensão da execução da referida sanção, questão que desde já se adianta.
Atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente e, uma vez que se entendeu supra que a mesma cometeu a contra-ordenação que lhe era imputada, uma única questão se coloca à apreciação deste Tribunal neste momento: é a de saber se é admissível - em face do actual Código da Estrada em vigor à data da prática dos factos - a possibilidade da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, tendo a arguida praticado uma contra-ordenação muito grave.
Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 44/2005 de 23 de Fevereiro, (o diploma entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, o que significa que à data da prática da contra-ordenação, o mesmo já estava em vigor), no Código da Estrada apenas se prevê a possibilidade de suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir nos casos de contra-ordenações graves, não havendo tal possibilidade no caso de se tratar de contra-ordenações muito graves.
Diferente era o regime anterior (Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n.° 265-A/2001, de 28.09), onde se previa, por um lado, a possibilidade da dispensa da inibição de conduzir relativamente às contra-ordenações graves - possibilidade que foi eliminada no regime actualmente em vigor - por outro, a possibilidade da suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, independentemente da natureza da contra-ordenação (grave ou muito grave), pois a suspensão dependia apenas da verificação dos (...) pressupostos de que a lei geral faz depender a suspensão da execução das penas (...).
Foi mais exigente o legislador actual.
Actualmente, para além da verificação dos pressupostos de que a lei geral faz depender a suspensão da execução das penas, exige a lei que a coima se encontre paga e que a sanção acessória aplicada respeite a contra-ordenação grave - cfr. Art.° 141.°, n.° 1 do Código da Estrada na redacção do Decreto de Lei n.° 44/2005 de 23 de Fevereiro e subsequentemente, mesmo na actual redacção da Lei n° 72/2013, de 03 de Setembro, vigente desde Janeiro de 2014.
Este regime, actualmente em vigor, baseou-se no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, que preconizou (...) a execução de um conjunto de medidas que permitam ir de encontro ao objectivo de uma redução consistente, substancial e quantificada da sinistralidade em Portugal (...) - veja-se o preâmbulo daquele diploma.
Almejando o objectivo referido - escreve-se no referido preâmbulo (...) é necessária uma actuação eficaz a vários níveis (...) e a consagração de um quadro legal eficaz (...) - as medidas propostas procuram, por um lado, incentivar os utilizadores a adoptar um melhor comportamento, designadamente através do cumprimento da legislação adequada, e, por outro, garantir a efectiva aplicação das correspondentes sanções (...).
É neste contexto que tem de ser enquadrada a eliminação da possibilidade de suspensão da execução da sanção aplicada relativamente às contra-ordenações muito graves. Aliás e nesta matéria já se pronunciaram as instâncias superiores - cfr. lateralmente o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.06.2007 e 12-12-2012, in www.dgsi.pt.
Ora como já referimos, estamos perante uma contra-ordenação muito grave (cfr. Art.° 146.°, al. i) do Código da Estrada), perante a qual a lei não prevê a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória nos termos recorridos (cfr. Art.° 141.°, n.° 1 do mesmo Código), pelo que, a decisão da autoridade administrativa terá que ser mantida nesta parte.
Por outro lado, considerando que estamos perante uma contra-ordenação muito grave, a sanção acessória de inibição de conduzir deveria ter sido fixada no mínimo legal previsto para o caso concreto, o que seria 2 meses, como consta do Art.° 147.°, n.° 2 do Código da Estrada. Todavia, atendendo à atenuação especial que se entende ser de aplicar ao arguido, e ponderando o princípio consagrado no Art.° 72.°-A do Regime Geral das Contra-Ordenações, na redacção vigente e aplicável, em sede de recurso não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo dos arguidos, quando o mesmo recurso foi efectuado no seu exclusivo interesse, pelo que se decide alterar a sanção anteriormente fixada pela autoridade administrativa, reduzindo-a para um mês.
Assim sendo, não sendo possível suspender a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, por se tratar de uma sanção muito qrave, considera-se ser de alterar a sua medida, aplicando-se o critério da atenuação especial e reduzindo-a para um mês (30 dias), uma vez que é o mínimo legalmente admissível em tal Código, sendo a mesma mais favorável ao arguido e recorrente, bem como, considerando o princípio consagrado no Art.° 72.°-A do Regime Geral das ContraOrdenações, ponderando-se ainda a protecção dos bens jurídicos (critérios de prevenção geral positiva) em causa e a reintegração do agente na sociedade (critérios de prevenção especial) - cfr. Art.° 40.° do Código Penal.
Por outro lado, as sanções deverão ser cumpridas a partir do momento em que se tornem definitivas ou transitem em julgado, inexistindo qualquer possibilidade legal do foro contraordenacional de dilatar o prazo para o seu cumprimento ou execução. Para além do mais, se tal fosse possível suceder em função das conveniências pessoais dos recorrentes, ficaria desvirtuado desde logo, o seu propósito sancionatório e dissuasor de futuras condutas semelhantes.
Considerando o percurso jurídico-estradal do arguido, os contornos em que a mesma foi cometida, a situação pessoal do mesmo e a natureza da infracção em causa, devendo beneficiar de uma atenuação especial, é assim entendimento deste tribunal alterar parcialmente a decisão administrativa, não sendo possível suspender a execução da sanção acessória de inibição de conduzir pela prática de tal contra-ordenação muito grave, situação que se mantém, mas reduzindo a sua medida para um mês, pelos motivos acima expostos.”
3. Analisando
Alega o arguido/recorrente que por se verificarem os pressupostos consignados nos n.ºs 1 e 2, do art. 141.º do C.E. e do art.° 50.º do C.P. deve a sanção acessória de inibição de conduzir, de 30 dias, em que foi condenado pelo Tribunal a quo, ser suspensa na sua execução por período a determinar, sem ser condicionada ao cumprimento de deveres, pelo facto do recorrente não ter averbado no seu registo de condutor a prática de qualquer contraordenação, grave ou muito grave.
Mais alega que, caso assim não se entenda, deve a sanção acessória de inibição de conduzir, de 30 dias, em que foi condenado pelo Tribunal a quo, ser suspensa na sua execução por período a determinar, condicionada ao cumprimento da prestação de uma caução de boa conduta, nos termos da alínea a), do n.° 3, do mesmo art. 141.º.
Carece, porém, de razão.
A contraordenação em que o arguido incorreu é classificada de muito grave, nos termos do disposto nos arts. 27.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 3.º, 133.º, 136.º, n.º 3, 138.º, n.º 1, 139.º, 141.º, 145.º al. c), 146.º al. i) e 147.º, n.ºs 1 e 2, todos do CE, e apenas relativamente às contraordenações graves é possível suspender a execução da sanção acessória de inibição de conduzir verificados que se mostrem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas e as demais condições a que se alude no art. 141.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CE.
Como se refere no Ac da RC de 21-11-2007, proferido no âmbito do Proc. 3974/06.4TBVIS-C1, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, “Como expressamente foi consignado pelo legislador no preâmbulo do citado DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro - no uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro [concedida com o sentido privilegiado de “… proporcionar elevados índices de segurança rodoviária para os utentes” (cfr., maxime, respectivo art. 2.º)] –, a segurança rodoviária e a prevenção dos acidentes constituem, na actualidade, prioridades essenciais, no contexto nacional e europeu –, mobilizadoras de toda a sociedade (como aí também se diz) –, para cuja realização foi considerada necessária – a par de várias outras medidas em diversos planos (como a educação do utente e a criação de um ambiente rodoviário seguro) – a adopção e consagração de um mais rigoroso e eficaz quadro legal, com aptidão sensibilizadora dos utentes viários à responsável modificação comportamental, designadamente pelo cumprimento da legislação adequada.
Nesta conformidade, apresenta-se como axiomática a vontade e opção legislativa de geral agravamento sancionatório dos comportamentos contra-ordenacionais rodoviários de risco, particularmente os qualificados de graves e muito graves (normativamente tipificados sob os arts. 145.º e 146.º, do Código da Estrada), e, naturalmente, de expressa alteração do regime anterior de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, até então aplicável aos operadores de infracções contra-ordenacionais graves e/ou muito graves (vide art. 142.º do Código da Estrada aprovado pelo DL n.º 114/94, de 03/05, republicado pelos Decretos-Lei n.ºs 2/98, de 03/01, e 265-A/2001, de 28/09, e alterado pela Lei n.º 20/2002, de 21/08), restringindo-o apenas aos agentes de infracção rodoviárias graves, e desde que seja voluntariamente paga a referente coima e se verifiquem os demais pressupostos legais (cfr. o citado art. 141.º, n.ºs 1,2 e 3, do actual CE).
Destarte, não se reconhece no dispositivo do art. 141.º, n.º 1, do vigente Código da Estrada, qualquer omissão ou lacuna legislativa quanto à suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir cominada a agente de infracção contra-ordenacional rodoviária muito grave.”
No mesmo sentido se pronunciaram os Ac. da RP de 19/9/2007, da RE de 9/9/2008 e da RC de 12/12/2012, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Proc. 0742214, 1713/08-1 e 270/12.1T2OBR.C1, todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.
Assim sendo, a sanção acessória de inibição de conduzir imposta ao recorrente não podia ter sido suspensa na sua execução, quer fosse ou não condicionada à prestação de caução de boa conduta.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido MM....
Custas a cargo do arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s.
Lisboa, 21 de Maio de 2015
(Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final e rubrica as restantes folhas (art. 94.º, n.º 2 do CPP).
Guilhermina Freitas
José Sérgio Calheiros da Gama