Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ARMA BRANCA
REQUISITOS
Sumário
I–Para que a detenção ou porte de “outras armas brancas” a que alude a alínea d) do nº 1 do art. 86º da Lei das Armas constitua crime, impõe o legislador que, cumulativamente, se verifiquem três requisitos: i) ausência de aplicação definida; ii) capacidade para o uso como arma de agressão; iii) falta de justificação para a posse. II–A expressão “sem aplicação definida” não se restringe aos “instrumentos”, abrangendo outras armas brancas (ali não elencadas) e os engenhos. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
*
I-Relatório:
No âmbito do Processo Comum Singular supra id., que correu termos pela Comarca do Funchal, ...º Juízo Criminal, foi o arguido José ... ... ..., com os demais sinais dos autos, condenado, pela autoria de um crime de roubo, p. e p. pelo art° 210°, n°s 1, 2, alínea b) e 204° n° 2, ai. I) e 4 do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão e, pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art°s 86°, n° 1, al. d) e 2°, n° 1, al. m) da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 3 (três) meses de prisão e na pena única resultante do cúmulo jurídico destas penas, de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
Inconformado com o teor de tal decisão interpôs aquele arguido o presente recurso pedindo a revogação da decisão proferida ou aplicando-se a pena de substituição de suspensão por um ano e dois meses da pena de prisão aplicada.
Apresentou para tal as seguintes conclusões:
1-O Recorrente José ... ... ..., foi condenado na pena de um ano e dois meses de prisão, pela prática do crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º nºs. 1 e 2, alínea b) e 204º nº. 2 alínea f) e 4 do Código Penal, e do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº. 1 alínea d) e nº. 1, nº. 2 da alínea m) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
2-Foram dados como provados os factos constantes do acórdão recorrido, designadamente:
“No dia 4 de Janeiro de 2014, cerca das 16 horas, no parque de estacionamento que serve o supermercado “Pingo Doce”, em Câmara de Lobos, nesta Comarca, o arguido entrou no cubículo onde Gil ... exercia a função de recepcionista, fechando a porta atrás de si e, encostando-lhe ao pescoço uma lâmina de uma faca, com 12 cm de comprimento, exigiu-lhes a entrega de todo o dinheiro que tivesse na carteira.
Gil..., então, com receio do que pudesse acontecer-lhe, mostrou-lhe a carteira, que José ... arrancou das suas mãos e de onde retirou de cerca de quatro euros em moedas emitidas pelo Banco Central Europeu.
O arguido retirou-lhe ainda, de um móvel onde se encontravam, uma saqueta de tabaco de enrolar, mortalhas e filtros, no valor global e cerca de quatro euros.
A seguir, ausentou-se do local, lavando consigo tais bens de que se apoderou e escondendo a lâmina da faca por dentro de uma meia.
O Gil ... solicitou a imediata intervenção das autoridades policiais, que viriam deter o arguido, poucos minutos depois e uma distância de dezenas de metros do referido local, ainda na posse da referida lâmina, bem como do tabaco, que viria a ser devolvido ao proprietário.
O arguido agiu de forma descrita com intenção de integrar no seu património os bens de que se apoderou, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário e que, ao encostar a lâmina ao pescoço de Gil ..., o intimidava, tal como pretendia, provocando-lhe receio pela sua integridade física e obrigando-o, dessa forma, a suportar a subtracção.
O arguido conhecia as características da lâmina que possuía e que a sua detenção era absolutamente proibida em quaisquer circunstâncias, o que fez com que a escondesse.
Agiu sempre de forma livre e voluntária, com conhecimento da ilicitude penal das suas condutas.
O arguido é toxicodependente.
Trabalha irregularmente, estando, há alguns dias, a executar um serviço temporário na área de construção civil, sendo este o único trabalho que fez este ano.
Vive em casa dos pais, que habitualmente o sustentam.
Tem uma filha, mas que vive com a respectiva mãe e que não está ao seu encargo.
Tem como habilitações literárias sete anos de escolaridade.
Tem como antecedentes criminais a autoria de cinco crimes de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos em 27/05/01, 02/12/01, 18/08/03, 04/07 e 22/01/08, o ultimo dos quais punido com pena de prisão suspensa na sua execução, um crime de furto qualificado, cometido em 13/09/03 e punido, por sentença transitada em julgado em 27/06/13, com prisão suspensa na execução, com sujeição a deveres e um crime de roubo, cometido a 19/05/13, punido com prisão suspensa na execução, com sujeição a deveres e a condição de submissão a tratamento de toxicodependência.”, do acórdão os quais aqui se transcrevem e se dão por reproduzidos.
3-Factos não provados da acusação:
Que: “ O arguido exibiu a lâmina da faca ao Gil ..., apontando-a na sua direcção.”
4-Factos provados para além da acusação e com interesse para a decisão da causa:
Dão-se por reproduzidos os factos provados constantes do acórdão .
5-A convicção do Tribunal quanto aos factos provados assentou no seguinte:
As declarações do arguido, que fundamentam os factos provados da sua situação social e económica.
As declarações das testemunhas Gil ... ..., também queixoso e da testemunha agente da P.S.P. Luís ....
O auto de exame de fls. 42 dos autos.
Relativamente à situação pessoal, familiar e profissional do arguido, as declarações do arguido em audiência.
Quanto aos seus antecedentes criminais, o CRC junto aos autos.
“Os factos provados da acusação tiveram como fundamento a descrição feita pela testemunha Gil ... ..., que depôs de forma que se afigurou convincente ao Tribunal, sendo que, além do mais, identificou de forma cabal ao arguido como o autor dos referidos factos que lhe imputou. Considera-se completamente descartada a possibilidade de a imputação feita pelo queixoso ao arguido se ficar a dever a qualquer tipo de inimizade ou retaliação contra ele. De facto, o queixoso percebe até bastante receoso do arguido, aparentando uma atitude, que chegou a verbalizar, de estar mais interessado em ser deixado em paz e de não lhe voltar a acontecer a mesma coisa, do que propriamente pretender que o arguido seja castigado, atitude que demonstra desprendimento quanto ao objecto do processo e reforça a credibilidade do seu depoimento. É certo que o queixoso declarou não ter chegado a ver o objecto que o arguido lhe encostou ao pescoço, justificando esse facto com a luz se ter apagado quando o arguido entrou no cubículo, não podendo garantir se este agiu propositadamente ou se se encostou ao interruptor. No entanto, sendo, como declarou, um objecto frio e tendo o objecto examinado a fls. 42 sido apreendido ao arguido poucos minutos depois do evento, ocultado numa meia, é mais do que plausível que tenha sido este utilizado. De resto, foi também apreendido ao arguido uma saqueta de tabaco que pertencia ao queixoso e lhe foi devolvida.
Note-se que o arguido, nas declarações que prestou, não coloca em causa que tenha, na ocasião e local referidos na acusação, levado consigo o dinheiro e o tabaco.
Alega, no entanto que os mesmos lhe foram dados de livre vontade pelo queixoso, sem que tenha existido qualquer atitude ameaçadora da sua parte, nem sequer a exibição da lâmina, que reconheceu trazer consigo. Estas declarações não merecem credibilidade, pois não faria o menor sentido o queixoso ter solicitado a intervenção das autoridades policiais logo após o arguido fugir na posse dos bens se lhos tivesse dado de livre vontade. Estaríamos perante uma monstruosa “cabala” do queixoso contra o arguido, que não qualquer verosimilhança ou suporte indiciário. Sendo difícil ao arguido negar que se apropriou dos objectos do queixoso, em face das circunstâncias em que um deles lhe foi encontrado, a alegação de que lhe foram dados de livre vontade representa a derradeira e desesperada defesa do arguido, que não tem, porém, em face das declarações do queixoso (de que, apenas sob ameaça, cedeu os bens), qualquer credibilidade.
Foi ainda relevante a análise do C.R.C. do arguido junto aos autos. Nas declarações por ele prestadas se fundaram os factos provados da sua situação social e económica, tendo o agente da P.S.P., testemunha Luís ..., pessoa que o deteve poucos minutos após o evento, confirmado que o arguido tem problemas de toxicodependência e vive em casa dos pais.”
6-O Recorrente interpõe o presente recurso o qual versa sobre a matéria de facto e de direito e por ter sido condenado pela prática do crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º nºs. 1 e 2, alínea b) e 204º nº. 2 alínea f) e 4 do Código Penal, e do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº. 1 alínea d) e nº. 1, nº. 2 da alínea m) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
7-Conforme o artigo 374º nº. 2 do C. P. Penal:
“Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração de factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”.
8-A livre apreciação da prova exige o exame crítico das provas e que se explicite o processo de formação da convicção decisória.
9-No entanto, o douto acórdão recorrido deu como provado que: “…o arguido entrou no cubículo onde Gil ... exercia a função de recepcionista, fechando a porta atrás de si e, encostando-lhe ao pescoço uma lâmina de uma faca, com 12 cm de comprimento, exigiu-lhe a entrega de todo o dinheiro que tivesse na carteira.(…)”
“O arguido agiu de forma descrita com intenção de integrar no seu património os bens de que se apoderou, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário e que, ao encostar a lâmina ao pescoço de Gil ..., o intimidava, tal como pretendia, provocando-lhe receio pela sua integridade física e obrigando-o, dessa forma, a suportar a subtracção.”
10-O douto acórdão recorrido dá também como não provado que:
“O arguido exibiu a lâmina da faca ao Gil..., apontando-a na sua direcção.”
11-Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o douto acórdão recorrido deu credibilidade ao depoimento da testemunha Gil ..., também Queixoso, considerando que:
“Os factos provados da acusação tiveram como fundamento a descrição feita pela testemunha Gil ... ..., que depôs de forma que se afigurou convincente ao Tribunal, sendo que, além do mais, identificou de forma cabal ao arguido como o autor dos referidos factos que lhe imputou. (…)”, com sublinhado nosso.
12-Considerando ainda a douta sentença recorrida:
“É certo que o queixoso declarou não ter chegado a ver o objecto que o arguido lhe encostou ao pescoço, justificando esse facto com a luz se ter apagado quando o arguido entrou no cubículo, não podendo garantir se este apagou propositadamente ou se se encostou ao interruptor. (…)”, com sublinhado e a negrito nosso.
13-Considerando a sentença recorrida:
“No entanto, sendo, como declarou, um objecto frio e tendo o objecto examinado a fls. 42 sido apreendido ao arguido poucos minutos depois do evento, ocultando numa meia, é mais do que plausível que tenha sido este utilizado. (…)”, com sublinhado nosso.
14-Considerando ainda a douta sentença recorrida:
“Note-se que o arguido, nas declarações que prestou, não coloca em causa que tenha, na ocasião e local referidos na acusação, levado consigo dinheiro e o tabaco.”
Alega, no entanto que os mesmos lhe foram dados de livre vontade pelo queixoso, sem que tenha existido qualquer atitude ameaçadora da sua parte, nem sequer a exibição da lâmina, que reconheceu trazer consigo.
(…)”, com sublinhado nosso.
15-A douta sentença recorrida por um lado dá credibilidade ao depoimento do Queixoso Gil ... ..., mas quando o mesmo declara não ter chegado a ver o objecto que o Arguido lhe encostou ao pescoço, não valoriza o mesmo, nem sequer tem em atenção o princípio “In Dubio Pro Reo”, consagrado nos artigos 126º e 127º do Código de Processo Penal, em conjugação com o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, que não aplica.
16-A douta sentença recorrida dá provado que o ora Recorrente terá encostado ao pescoço do Gil ... uma lâmina de uma faca “… encostando-lhe ao pescoço uma lâmina de uma faca, com 12 cm de comprimento, …”, quando dá por não provado que “ O arguido exibiu a lâmina da faca ao Gil ..., apontando-a na sua direcção.”
17-Estamos perante uma contradição os factos provados e os não provados e a motivação da matéria de facto pois a douta sentença recorrida entendeu: “É certo que o queixoso declarou não ter chegado a ver o objecto que o arguido lhe encostou ao pescoço, justificando esse facto com a luz se ter apagado quando o arguido entrou no cubículo, não podendo garantir se este a apagou propositadamente ou se se encostou ao interruptor. (…)”
18-Conforme Manuel Lopes Maia Gonçalves, no seu Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, 199, 11ª edição:
“O principio in dubio pro reo estabelece que, na decisão dos factos incertos, a dúvida favorece ao réu. É um princípio de prova que vigora em geral, isto é quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário. (…)Este princípio identifica-se com o da presunção de inocência do arguido, impõe que o julgador valore sempre em favor dele (arguido) um non liquet, e ainda que em processo penal não seja admitida a inversão do ónus da prova em seu detrimento. Trata -se de uma orientação dominante na jurisprudência do Supremo, (…)
(…)Na sua obra Direito Penal Português, I, pág. 111, reafirmando posição antes assumida nas Lições de Direito Penal, I, 86, Cavaleiro de Ferreira expende que o princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante de ónus legal da prova para decidir da condenação do réu, a qual terá sempre que assentar na certeza dos factos probandos. Mas, diz este Professor, não há que interpretar as leis em sentido favorável ao réu: trata -se de mero equívoco estender um princípio relativo à prova a matéria de interpretação. Só a prova de todos os elementos constitutivos essenciais de uma infracção permite a punição, mas este é um problema de direito probatório em processo penal, e não uma regra de interpretação da lei penal.”
19-Os artigos 125º e 126º do C. Processo Penal consagram a legalidade da prova e os métodos proibidos de prova, tendo sido estas normas legais violadas, bem como o princípio “In dubio Pro Reo”.
20-Que o princípio “In dubio Pro Reo” decorre também no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
21-Conforme Paula Marques Carvalho in Manual Prático de Processo Penal, 5ª edição Almedina, página 23:
“Nos termos do artigo 32º, nº. 2, 1ª parte, da C.R.P., todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.”
“O princípio in dubio pro reo é uma decorrência da presunção constitucional de inocência e significa que se o tribunal, depois de produzir todos os meios de prova (incluindo os que ordenou oficiosamente), ficar com uma dúvida razoável não poderá dar como provados os factos constantes da acusação, devendo absolver o arguido (por falta de provas). Em suma, na dúvida, o tribunal deve decidir a favor do arguido.”
22-Ainda sobre esta temática, vide Rui Patrício in “Princípio da Presunção de Inocência do arguido…”
“1 a 5 – (…); 6 – O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do artigo 127º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, … Ac. do STJ, de 27.11.2007 in www.dgsi.pt (Proc. nº. 07P3872). No mesmo sentido o Ac. STJ, de 08.11.2007, in www.dgsi.pt (Proc. nº. 07P3984)”
23-Ainda conforme Paula Marques Carvalho in Manual Prático de Processo Penal, 5ª edição Almedina, página 24: “FIGUEIREDO DIAS in “Direito Processual…”, p. 148, faz saber que este principio vale só “… em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito: aqui a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto.”.
A este propósito o Ac. do STJ, de 25.05.2006 in CJ, Ano XIV, Tomo II, p. 196, refere que O princípio “in dubio pro reo” tem apenas incidência na apreciação da prova, não sendo de aplicar na qualificação jurídica das condutas.”
24-Também como resulta da douta sentença recorrida:
“O arguido é toxicodependente.
Trabalha irregularmente, estando, há alguns dias, a executar um serviço temporário na área de construção civil, sendo este o único trabalho que fez este ano.
Vive em casa dos pais, que habitualmente o sustentam.
Tem uma filha, mas que vive com a respectiva mãe e que não está ao seu encargo.
Tem como habilitações literárias sete anos de escolaridade.
Tem como antecedentes criminais a autoria de cinco crimes de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos em 27/05/01, 02/12/01, 18/08/03, 04/07 e 22/01/08, o ultimo dos quais punido com pena de prisão suspensa na sua execução, um crime de furto qualificado, cometido em 13/09/03 e punido, por sentença transitada em julgado em 27/06/13, com prisão suspensa na execução, com sujeição a deveres e um crime de roubo, cometido a 19/05/13, punido com prisão suspensa na execução, com sujeição a deveres e a condição de submissão a tratamento de toxicodependência.”
25-Assim, resulta que o Recorrente José ... ... ... é toxicodependente, trabalhando esporadicamente, residindo a data dos factos com os pais.
26-Salvo o devido respeito, a Lei exige ao julgador que motive a decisão de facto de forma a que seja possível ao destinatário da decisão, saber quais os elementos de prova atendidos que serviram para fundamentar a decisão e de que forma é que as provas foram apreciadas e que se explicite o processo de formação da convicção decisória.
27-Por tudo o exposto, verificamos que não pode assim proceder acusação ao caso sub judice, nos termos do artigo 210º nºs. 1 e 2, alínea b) e 204º nº. 2 alínea f) e 4 do Código Penal e 86º, nº. 1 alínea d) e nº 1 e 2 alínea m) da Lei 5/2006 de 23/02, por não estarem preenchidos os pressupostos, nem de facto, nem de direito.
28-Analisando o texto da decisão recorrida, verificam-se assim os vícios, previstos no nº. 2 das alíneas a), b) e c) do artigo 410º do C. Penal, além de ter existido um erro notório na apreciação da prova efectuada em sede de audiência de julgamento.
29-Desta forma, pensamos, salvo o devido respeito, por opinião contrária, que deve prevalecer o princípio “in dubio pro reo” dado que a dúvida deve beneficiar o arguido.
30-Conforme o artigo 412º nº. 3 da alínea b) do C. P. Penal, as provas que impõem decisão diversa da recorrida são as seguintes:
O depoimento do Arguido José ... ... ...; O depoimento das testemunhas Gil ...;
O depoimento da testemunha agente P.S.P. Luís ....
31-Do depoimento das testemunhas, queixoso e agente da P.S.P, verifica-se que não foi recolhida prova, no sentido de se concluir que o ora Recorrente tenha na realidade praticado um crime de roubo agravado e detenção de arma proibida, resulta do depoimento destas testemunhas e da prova produzida em audiência de julgamento que pelo menos um daqueles crimes não foi cometido, concretamente, o roubo agravado.
32-Todas estas dúvidas e lacunas sobre a actuação do Recorrente devem ser equacionadas segundo o princípio “in dubio pro reo”.
33-A decisão do Tribunal “a quo” apreciou erroneamente quanto aos fundamentos de facto acima referidos nesta motivação de recurso, em termos que se poderão qualificar de erro notório, violando o princípio da presunção da inocência.
34-É manifesto que o Tribunal apreciou erroneamente a prova quanto aos fundamentos de facto acima referidas nesta motivação de recurso, em termos que se poderão qualificar de erro notório.
35-Violando assim o princípio da presunção da inocência.
36-É manifesto que o Tribunal apreciou erroneamente a prova quanto aos fundamentos de facto acima referidas nesta motivação de recurso, em termos que se poderão qualificar de erro notório.
37-É de realçar que o Arguido sempre manteve uma conduta de cooperação para com as entidades policiais, consentindo que fosse efectuada a revista, e sempre colaborando.
38-A circunstância agravante da alínea f) do nº. 2 do artigo 204º C. Penal, “Trazendo, no momento do crime, a arma aparente ou oculta.”, levanta várias questões, conforme Jorge Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, página 80: “Assim, e dentro da tónica que se acaba de enunciar perguntemo-nos sobre o que é uma arma. Uma resposta simples aflora de imediato: todo o instrumento que por si só, ou a partir de si, é, objectivamente, apto aferir ou a matar, se bem que a sua finalidade primacial nada tem a ver com o desvalor da ofensa a integridade física ou a própria vida.”
39-Sucede que, conforme a prova produzida na audiência de julgamento, não resulta que o Arguido tivesse no momento da prática dos factos uma arma e muito menos uma lâmina de uma faca, pois conforme motivação da decisão sobre a matéria de facto, o queixoso declarou não ter chegado a ver o objecto que o arguido lhe encostou ao pescoço, declarando apenas de tratar-se de um objecto frio.
40-Acresce que, o porte de arma deve ter lugar durante a execução do crime, não bastando que o agente use a arma depois do crime estar consumado, neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, página 641:
“O porte de arma dever ter lugar durante a execução do crime….
Não basta que o agente use a arma depois do crime estar consumado. É necessário que o porte da arma ocorra no momento da concretização do crime.”,
41-Também é relevante que a fls. 42 dos autos, conste do auto de exame, que a arma apreendida estava em mau estado de conservação e de utilização.
42-O Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu violou o princípio in dubio pro reo.
43-Acresce que, conforme as declarações do Queixoso Gil ..., o Arguido, ora Recorrente: “pediu de uma maneira pouco agressiva… pediu que lhe desse o que tinha… e por acaso tinha três euros e tal…”
44-Com o efeito e segundo auto de notícia de fls. 2 dos autos: “...sendo efectuada abordagem do suspeito, sendo devidamente revistado e algemado, para posterior condenação a este depoimento policial…”
45-Acresce também que, conforme a prova produzida, as declarações do Queixoso, o Arguido não verbalizou nenhuma ameaça.
46-A infracção prevista e punível no artigo 210º nº. 1 do Código Penal, com referência ao 210º nº. 2 alínea b) e 204º nº. 2 alínea f) e nº. 4 do Código Penal, constitui o que a doutrina tem apelidado de crime de roubo qualificado.
47-Porém, a qualificação exige que se lê pelo menos uma das ocorrências referidas na alínea f) do nº. 2 do artigo 204º do Código Penal, que no momento do crime o arguido traga uma arma aparente ou oculta, o que não sucedeu, nem resultou da prova produzida.
48-Conforme o nº. 4 do artigo 204º do Código Penal: “Não há lugar a qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.”
49-Ora, o ora Recorrente apropriou-se de bens de valor de 8,00€.
50-Nos termos da alínea c) do artigo 202º do Código Penal, considera-se: “Valor diminuto – aquele que não exceder a uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto;”
51-Assim, o Arguido não devia de ter sido condenado pela prática de roubo agravado, mas sim, por roubo simples.
52-O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” decidiu com base numa convicção subjectiva que nada tem a ver com a prova produzida.
53-E a livre convicção contida no artigo 127º do C.P. Penal não é um puro juízo subjectivo, antes devendo ser um juízo baseado em provas concretas, avaliadas tendo em conta o princípio “in dúbio pro reo”.
54-É importante chamar a atenção nos factos provados que o Recorrente José ... ... ... é toxicodependente e vive com os pais, trabalhando ainda que esporadicamente.
55-O Recorrente apenas tinha em seu poder 4,00€, e uma saqueta de tabaco de enrolar que pertencia ao queixoso.
56-Não se provou que o ora Recorrente tinha exibido a lâmina da faca ao Gil ..., nem a tenha apresentado na sua direcção.
57-O Recorrente José ... ... ..., foi condenado pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º nº. 1 do Código Penal, com referência 201º nº. 2 alínea b) e 204º nº. 2 alínea f) e nº. 4.
58-Não se provou que o ora Recorrente trouxesse no momento do crime, arma aparente ou oculta.
59-Nos termos do nº. 4 do artigo 204º do Código Penal :
“Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.”
60-Nos termos do artigo 204º nº. 2 alínea f) do Código Penal, seria necessário provar que o Recorrente trazia no momento do crime arma aparente ou oculta, o que não sucedeu.
61-Por outro lado, as penas de prisão aplicadas por crime de roubo, devem-se aplicar exactamente os mesmos critérios de suspensão da execução da pena que se aplicam às penas fixadas por outros crimes (ressalvando, naturalmente, os casos de existência de circunstâncias excepcionais, como em qualquer outro tipo legal), quando sejam fixadas em medida de prisão não superior a 5 anos (v. neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.03.10 e 14.01.10, disponíveis em www.dgsi.pt).
62-Assim, o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição ou qualquer outra, pois não detém uma faculdade discricionária. Ao contrário, a este nível, assiste-lhe um poder/dever ou um poder vinculado. Assim também, naturalmente, com a suspensão da execução da pena, pelo que, verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição (v., a propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01.04.09, disponível na mesma fonte).
63-O limite mínimo da pena é dado precisamente pela medida daquelas necessidades que constituem, afinal, um dos dois aspectos a considerar na escolha e determinação da pena. Contudo, sucede, por vezes, que as necessidades de prevenção especial na vertente da ressocialização justificam uma compressão daquela finalidade, permitindo ponderar a suspensão da pena de prisão aplicada (em idêntico sentido, cfr., com interesse, o Acórdão do STJ, de 22.06.11, disponível na mesma fonte).
64-Casos, há em que é, aliás, exigível impor a esses interesses uma compressão proporcional à salvaguarda da prevenção especial, na aludida vertente ressocializadora (v. ainda o Aresto da Relação de Évora, de 06.09.11).
65-Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é (automaticamente) impeditiva da concessão da suspensão, sem prejuízo de se exigir nestes casos uma particular fundamentação (neste sentido, v., por todos, os Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.05.10; da Relação de Coimbra de 26.05.09; e da Relação de Évora, de 06.07.04, todos disponíveis na fonte que vem de citar-se, www.dgsi.pt).
66-No seguimento desta jurisprudência, que se faz ouvir há vários anos, vêm-se pronunciando as mais modernas correntes doutrinárias que reconhecem às condições de suspensão carácter mais pedagógico e transformador do que à pena de prisão efectiva, sobretudo tendo em conta a realidade dos nossos estabelecimentos prisionais (v.g. Fernando Bessa Pacheco e Mário Bessa Pacheco in As reacções criminais do Direito Penal português na perspectiva da reintegração social).
67-O que pretende é evitar que, mercê dessas circunstâncias, os casos de roubo e, sobretudo, com uma condenação anterior, sejam - grosso modo e salvo o devido respeito que é muito por opinião contrária -, como que matematicamente resolvidos da mesma maneira: pena de prisão efectiva, ancorando-se o juízo de insuficiência da mera ameaça de prisão na condenação anterior e sem que se olhem às circunstâncias específicas do caso concreto, i .é., do arguido concreto que está a ser julgado. E não se diga que a elevada ilicitude causa um alarme tal que a ameaça de prisão nunca chega.
68-Na aferição do juízo de prognose favorável, a jurisprudência adepta da referida compressão, valoriza de modo particular a existência de um projecto de vida (por todos, v. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06.10.10, disponível em www Neste contexto, recorde-se que a avaliação das circunstâncias com vista à aplicação da pena (de substituição) de suspensão de execução da prisão reporta -se ao momento em que é proferida a decisão (cfr. v.g. o Aresto da Relação do Porto, de 10.11.10, disponível na mesma fonte).
69-Considerando agora ao caso vertente, constata-se que não se provou que o Arguido exibiu a lâmina da faca ao Gil ..., apontando-a na sua direcção.
70-Acresce que, o valor em causa é de 8,00€, 4,00€ em moedas emitidas pelo Banco Central Europeu e uma saqueta de tabaco de enrolar, mortalhas e filtros, no valor global de quatro euros.
71-O Arguido nem sequer se pôs em fuga, tendo sido encontrado “… poucos metros de distância de dezenas de metros do referido local,…”.
72-Acresce que, o tabaco foi devolvido ao proprietário.
73-Mas, in casu, releva sobretudo – e sobremaneira – que, não obstante a existência de um antecedente criminal da mesma natureza e a circunstância de os factos terem sido praticados durante o período de suspensão da execução da pena de prisão em que ali fora condenado, a verdade é que ficou provado que o arguido censura agora a sua conduta, mostra-se sensível à condenação e evidência um projecto de vida consistente, a verdade é que o furto qualificado foi cometido em 13/09/03, à mais de 10 anos, e que em relação ao roubo punido com prisão suspensa na sua execução com sujeição a deveres e a condição de submissão a tratamento de toxicodependência.
74-De realçar que não existe nos autos relatório social, que salvo melhor entendimento devia existir, por forma a que o Tribunal “a quo” dispusesse-se de todos os dados para com o grau certeza exigível, fizesse um juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do arguido, não obstante o antecedente criminal e o timing da prática dos factos ora em causa.
75-Acresce que, o Arguido actualmente é montador de tectos falsos, na área da construção civil, conforme resulta do depoimento do Recorrente, que ganha 800,00€ e que se encontra a fazer tratamento no Centro de São João de Deus, no Monte, a cerca de 4 meses, estando a tomar a medicação.
76-Acresce que, não obstante a taxa de desemprego, o arguido é jovem e tem como habilitações literárias sete anos de escolaridade, além de que trabalha ainda que de forma irregular na área da construção civil. Assim, procedendo um juízo de prognose favorável à sua reinserção social em liberdade, face à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta
anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, é de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a merecer suspensão da execução da pena, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do CP, desde que subordinada às condições de não consumir estupefacientes, não praticar actividades ilícitas e de submeter-se à fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, nos termos do art. 51.º, n.ºs 1 e 4 do CP.
77-Tratando caso semelhante, concluiu neste sentido, o STJ no seu Aresto de 26.10.11, disponível em www.dgsi.pt.
78-E não se diga que, ali, o arguido era ainda consumidor pois, tal característica sempre relevaria não positivamente mas em sentido negativo do ponto de vista da probabilidade de reincidência.
79-No quadro que vem de tecer-se, não se afigura, pois, legítimo concluir que o arguido reincidirá quando voltar a “precisar de dinheiro”.
80-Importa ainda sopesar que, do próprio ponto de vista da Prevenção Geral, o sentimento de reprovação social da conduta já não clama com a mesma ênfase de outros tempos por pena de prisão efectiva.
81-Já porque, mais conhecedoras do sistema, as pessoas percebem que as prisões são sustentadas pelos contribuintes já porque, não obstante a melhoria ao nível dos recursos técnicos e o aumento no que tange a alguns recursos humanos, os estabelecimentos prisionais continuam sobrelotados e são perspectivados não raro como “escolas de crime”.
82-Alguns estabelecimentos contam mesmo, na sua economia interna, com “ala livre e ala não livre de drogas”.
83-Assim, a suspensão pelo período de um anos e dois meses, devidamente vigiada e controlada pela DGRS e subordinada às sobreditas obrigações, pela sua visibilidade e duração temporal, satisfariam, no caso concreto, as necessidades de Prevenção Geral.
84-Há que ter em conta que o Arguido é toxicodependente.
85-Nos presentes autos, está provado que o Recorrente praticou os factos por ser toxicodependente, poderia assim o Tribunal “a quo” ter feito um juízo prognose favorável e concluir que assim a simples censura dos factos e ameaça da pena realizariam adequada e suficientemente as finalidades da punição que são a tutela dos bens jurídicos e a reinserção social do Arguido.
86-Por muito relevantes que sejam as razões de prevenção geral dada a gravidade do crime em causa, elas não podem sobrepor-se às citadas finalidades.
87-Entender de outra forma, pressupõe afastar liminarmente a possibilidade de suspensão da execução da pena do crime de roubo e detenção de arma proibida , interpretação que não se retira de qualquer norma do Código Penal.
88- Considerando as circunstâncias do crime, as condições sócio - económicas do Recorrente é possível fazer um juízo de prognose positivo quanto a sua reinserção e suspender a execução da pena pelo período de um ano e dois meses.
89-O Arguido é toxicodependente, trabalhando ainda que irregularmente na área de construção civil, é um jovem que tem como habilitações literárias sete anos de escolaridade.
90-Como é sabido a pretensão do ora Recorrente tem origem na alteração introduzida no artigo 50º do C. Penal pela Lei nº. 59/2007, mediante a qual a suspensão da execução da pena passou a poder ter lugar no caso de a pena aplicada não ser superior a 5 anos.
91-Houve assim uma mudança do pressuposto formal exigível para ser accionado o poder-dever do julgador, como é usualmente considerado, de ponderar a aplicação desta pena de substituição.
92-O mais importante, porém, é aquilatar da existência dos pressupostos materiais mormente, mas não só, o consabido prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido de modo a concluir, como a lei exige, que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.
93-Tida a pena, qualquer pena e por conseguinte também as penas de substituição, como instrumento de política criminal destinado a actuar sobre a generalidade dos cidadãos – logo no sentido da prevenção geral – afastando-os da prática dos crimes através da ameaça penal que o Estado consagra na lei, essa intervenção estatal costuma ver -se numa dupla perspectiva.
94-A motivação do acórdão recorrido impõe-se por razões de ordem:
1)Substancial, pois cabe ao Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” demonstrar que da norma abstracta formulada pelo legislador soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto;
2)Prática, já que as partes necessitam de ser esclarecidas sobre os motivos da decisão. Mais ainda, a parte vencida tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença tendo necessidade de o saber para impugnar quando seja admissível recurso, o fundamento ou fundamentar perante o Tribunal superior, que carece também de conhecer as razões determinantes da decisão para as poder apreciar no julgamento do recurso.
95-Enumerar é mencionar os factos, um a um e não fazer uma mera remissão para a acusação.
96-A razão de ser da exigência da exposição ainda que concisa dos meios de prova é não só permitir aos sujeitos processuais e ao Tribunal “ad quem” o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, também assegurando a inexistência de violação da inadmissibilidade das proibições de prova, sendo necessário revelar o processo racional que levou à expressão da convicção.
97-Ao Tribunal “a quo” não se exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo os seu raciocínio lógico, que está na base de uma convicção de dar como provado um determinado facto, especialmente quando, relativamente a tal de facto, se procedeu a uma dada inferência mediata a partir de outros havidos como provados.
98-O ora Recorrente José ... ... ... foi condenado por um crime de crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º nºs. 1 e 2, alínea b) e 204º nº. 2 alínea f) e 4 do Código Penal, e do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº. 1 alínea d) e nº. 1, nº. 2 da alínea m) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, mas salvo o devido respeito existe manifesta insuficiência para a decisão de facto provada, nos termos do artigo 410º nº. 2 do C. P. Penal.
99-Fundamental para que o ora Recorrente José ... ... ... fosse condenado pelo crime de crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º nºs. 1 e 2, alínea b) e 204º nº. 2 alínea f) e 4 do Código Penal, e do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº. 1 alínea d) e nº. 1, nº. 2 da alínea m) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, era a que trouxesse, no momento do crime, arma aparente ou oculta, o que não sucedeu, nem se provou.
100-Assim sobre o Juiz do Tribunal “a quo” recaí o dever de partir de factos objectivos e não apenas de meros juízos de valor e de verificarmos que não há lugar a qualificação se a coisa furtada ou roubada for de diminuto valor.
101-Também há que referir a pena aplicada ao ora Recorrente foi exagerada e desproporcional, não levando em conta a sua origem humilde, o facto de o Arguido ser toxicodependente, e de ser um jovem.
102-O Recorrente reside na habitação dos seus pais.
103-O princípio da proporcionalidade como expressão no nº. 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, respeita essencialmente às restrições dos direitos liberdades e garantias, tendo em Direito penal o significado de uma proibição de excepção de limitação dos referidos direitos nomeadamente o da liberdade.
104-O acórdão do Tribunal “a quo” é omisso quanto à fundamentação nos termos supra descritos.
105-A medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do artigo 40º e nº. 1 do artigo 71º, ambos do Cód. Penal, deve a pena de prisão a aplicar ao Recorrente ser mais próxima do seu limite mínimo, como adiante se argumentará.
106-O Recorrente considera a pena em que foi condenado excessiva e prejudicial à sua ressocilização.
107-Se se entendeu que o Recorrente cometeu um crime, torna-se necessário e mesmo imprescindível verificar se existe algum circunstancialismo especial na prática desse crime.
108-Refere-nos a aliena f) do nº. 2 di artigo 204º do Código Penal , que à qualificação:“Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta;”
109-Refere ainda o nº. 4 do artigo 204º do Código Penal: “Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.”
110-Ora, a medida da pena não deverá em caso algum ser superior à culpa do agente, atendendo às necessidades de prevenção geral e especial, sempre atendendo a um juízo de equidade.
111-Pela conjugação do nº. 1 do artigo 71º e nº. 2 do artigo 40º, ambos do Código Penal, verificamos que a medida da pena é feita em função da culpa do agente, bem como das necessidades de prevenção, não podendo a pena aplicada ser superior à culpa.
112-Quanto à medida da pena adequada à culpa do agente, diversa Jurisprudência existe nesse sentido, pelo que aqui se indica alguma a título meramente exemplificativo.
*
113-«I–Sendo a culpa o Juízo de censura dirigido ao agente pela conduta que livremente assumiu, na definição da medida da pena cumpre ter presente que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa.
*
II–As exigências de prevenção geral, considerada esta como prevenção positiva ou de integração, definem o limite mínimo da medida concreta da pena.
*
III-A prevenção especial, no sentido positivo da reintegração do agente na sociedade, determina a fixação da medida concreta da pena num quantum situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa» in B.M.J., nº. 447, Junho de 1998, Ac. STJ de 6 de Maio de 1998, Proc. 159/98, pág. 100.
*
114-Neste sentido, «Se por um lado a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura legal – a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das ex pectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente, entre tais limites, encontra - se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social», in “Sumários de Acórdãos”, Supremo Tribunal de Justiça, Janeiro de 2000, nº. 37, Proc. nº. 1193/99, 3ª Secção, pág. 64.
115-Nesse sentido também: 160/1 Determinação da Medida de Pena – Personalidade do Arguido – Concurso de Crimes. 71º e 77º, 1 CP.
*
“I. A medida concreta da pena determina-se de harmonia com os critérios traçados no artigo 71º do C.P., dentro dos limites definidos na lei.
*
II.De acordo com os textos de tais normativos, deve levar-se em consideração na determinação da medida da pena, entre outras circunstâncias, a personalidade do agente e o condicionalismo e modo de execução do crime, sendo que para se valorar a tendência ou eventual inclinação do agente para o crime necessário que se provem factos que permitam estabelecer tal valoração.
*
III.Em caso de concurso, os factos que integram um dos crimes devem ser considerados para determinação da medida da pena do outro crime, mesmo que praticados em circunstâncias de tempo, modo e lugar distintos.”
Recurso 978/98
Acórdão de 99.02.03
Relator: Barreto do Carmo;
Adjuntos:João Marques e Renato de Sousa.
*
116-Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a pena de um ano e dois meses de prisão é excessiva e inadequada ao caso em apreço, isto tendo em consideração os seguintes fundamentos:
117-Nos termos do disposto no artigo 71º nº. 2 do Código Penal, para a medida concreta da pena concorre por um lado a culpa e grau de ilicitude e por outro lado o escopo da ressocilização do agente.
118-Em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, dependendo ainda da personalidade do arguido.
119-Ora, é certo que o Juiz quando realiza a medida concreta da pena não tem em mente, e nem poderia ter, a violência da prisão como instituição global, e não cogita, também, das deficiências particulares como a sobrelotação, os atentados sexuais, a droga, as doenças mortais, como a SIDA e a hepatite B, a falta de ensino e de profissionalização e a carência de profissionais especializados, problemas que recheiam o quotidiano de uma prisão.
120-Todas essas circunstâncias autênticas compõem sofrimentos que se adicionam àquelas inerentes à sanção. No seu sentido diário ela é muito mais dolorosa do que a privação de um bem jurídico, como a definem os penalistas teoricamente, porque acumula uma carga de dor muito superior à prevista na lei.
121-O anátema sobre a prisão está ancorado há longo tempo na falta de imaginação que vem caracterizando as soluções repressivas.
122-A pena é castigo, mas castigo não é apenas a prisão.
123-Não está em causa uma teoria da retribuição ou de culpa, mas sim uma ideia de prevenção geral e ética, entendida não apenas como uma ideia de segregação, mas sim no sentido da ressocilização.
124-Na prática essa ressocilização ou não funciona ou funciona mal – daí o lugar comum em referenciar que a prisão é a escola do crime, porém, toda esta problemática não diz respeito a este recurso, mas sim aos políticos, aos tecnocratas, aos peritos das instituições públicas, que têm responsabilidades em proporcionar e facultar as condições para essa tão propalada ressocilização.
125-Denota-se pelos termos em que as penas foram atribuídas que não houve por parte do douto Tribunal “à quo” um juízo de equidade.
126-A pena deverá ser assim ser substancialmente diminuída de forma a ser ajustada à culpa do Recorrente.
127-Se o perigo abstracto é o suficiente para o preenchimento legal do crime, também não será de esquecer que se da actuação do arguido apenas resultar o perigo abstracto, tal deverá ser tido em conta em sede de medida da pena.
128-Relevante para a aplicação da medida da pena será a caracterização da conduta do recorrente, que com o devido respeito, não foi correctamente apreciada pelo Tribunal “a quo”.
129-O Recorrente encontra-se inserido familiarmente, reside com os pais, trabalhando ainda que irregularmente na área de construção civil .
130-Não existindo uma forte necessidade de prevenção especial quanto ao Recorrente, como se refere o douto acórdão ora recorrido de uma forma generalista.
131-O Tribunal “a quo” não justificou a determinação da medida da pena, violando assim o artigo 72º do C. Penal.
132-Apenas elencou genericamente as regras de prevenção geral e especial.
133-O Tribunal “a quo” não considerou as circunstâncias concretas do caso.
134-Não foi pedido relatório social, nem se atendeu a personalidade do Recorrente, nem à circunstância de ser toxicodependente.
135-Termos em que deverá ser substancialmente reduzida a pena aplicada ao Recorrente, tornando-a justa e equilibrada face à actuação deste.
136-Parece-nos que o Recorrente é de certa forma produto do meio social onde cresceu, e atentos estes condicionalismos será de concluir que a pena aplicada ao Recorrente é exagerada e desproporcional.
137-O princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º nº. 2 da Constituição, respeita essencialmente às restrições dos direitos de liberdades e garantias, tendo em direito penal o significado de uma proibição de excesso e de limitação dos referidos direitos, designadamente o da liberdade.
138-O Princípio “In dubio pro reo” consagrado no mesmo Processo Penal, nos artigos 126º e 127º do C. P. Penal e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não foi observado.
139-Assim, a suspensão pelo período de um ano e dois meses devidamente vigiada e controlada pela DGRS e subordinada as sobreditas obrigações, pela sua visibilidade e duração temporal, satisfariam, no caso concreto, as necessidades de Prevenção Geral.
140-Assim, a luz dos princípios da necessidade e da adequação da pena, conclui-se que as finalidades das penas seriam atingidas de modo mais justo e eficaz com a pena de substituição suspensão por um ano e dois meses da execução da pena de prisão aplicada.
Respondeu o MP, pugnando pela procedência parcial do recurso, nos seguintes termos:
-Deverá manter-se a condenação do recorrente pelo crime de roubo na sua forma simples e substituída a pena de prisão efetiva por suspensão de execução da pena de prisão e deverá ser absolvido do crime de detenção de arma proibida.
É o seguinte o teor da sentença recorrida, na parte que ora releva:
FACTOS PROVADOS.
No dia 4 de Janeiro de 2014, cerca das 16 horas, no parque de estacionamento que serve o supermercado "Pingo Doce", em Câmara de Lobos, nesta comarca, o arguido entrou no cubículo onde Gil ... exercia a função de recepcionista, fechando a porta atrás de si e, encostando-lhe ao pescoço uma lâmina de uma faca, com 12 cm de comprimento, exigiu-lhe a entrega de todo o dinheiro que tivesse na carteira.
Gil ..., então, com receio do que pudesse acontecer-lhe, mostrou-lhe a carteira, que José ... arrancou das suas mãos e de onde retirou cerca de quatro euros em moedas emitidas pelo Banco Central Europeu.
O arguido retirou-lhe ainda, de um móvel onde se encontravam, uma saqueta de tabaco de enrolar, mortalhas e filtros, no valor global de cerca de quatro euros.
A seguir, ausentou-se do local, levando consigo tais bens de que se apoderou e escondendo a lâmina da faca por dentro de uma meia.
O Gil ... solicitou a imediata intervenção das autoridades policiais, que viriam a deter o arguido, poucos minutos depois e uma distância de dezenas de metros do referido local, ainda na posse da referida lâmina, bem como do tabaco, que viria a ser devolvido ao proprietário.
O arguido agiu da forma descrita com intenção de integrar no seu património os bens de que se apoderou, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário e que, ao encostar a lâmina ao pescoço de Gil ..., o intimidava, tal como pretendia, provocando-lhe receio pela sua integridade física e obrigando-o, dessa forma, a suportar a subtração.
O arguido conhecia as características da lâmina que possuía e que a sua detenção era absolutamente proibida em quaisquer circunstâncias, o que fez com que a escondesse.
Agiu sempre de forma livre e voluntária, com conhecimento da ilicitude penal das suas condutas.
O arguido é toxicodependente.
Trabalha irregularmente, estando, há alguns dias, a executar um serviço temporário na área da construção civil, sendo este o único trabalho que fez este ano. Vive em casa dos pais, que habitualmente o sustentam.
Tem uma filha, mas que vive com a respectiva mãe e que não está ao seu encargo.
Tem como habilitações literárias sete anos de escolaridade.
Tem como antecedentes criminais a autoria de cinco crimes de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos em 27/05/01, 02/12/01, 18/08/03, 04/07 e 22/01/08, o último dos quais punido com pena de prisão suspensa na sua execução, um crime de furto qualificado, cometido a 13/09/03 e punido, por sentença transitada em julgado a 27/06/13, com prisão suspensa na execução, com sujeição a deveres e um crime de roubo, cometido a 19/05/13, punido com prisão suspensa na execução, com sujeição a deveres e a condição de submissão a tratamento da toxicodependência.
FACTOS NÃO PROVADOS.
O arguido exibiu a lâmina da faca ao Gil ..., apontando-a na sua direcção.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Os factos provados da acusação tiveram como fundamento a descrição feita pela testemunha Gil ... ..., que depôs de forma que se afigurou convincente ao Tribunal, sendo que, além do mais, identificou de forma cabal o arguido como o autor dos referidos factos que lhe imputou. Considera-se completamente descartada a possibilidade de a imputação feita pelo queixoso ao arguido se ficar a dever a qualquer tipo de inimizade ou retaliação contra ele.
De facto, o queixoso pareceu até bastante receoso do arguido, aparentando uma atitude, que chegou a verbalizar, de estar mais interessado em ser deixado em paz e de não lhe voltar a acontecer a mesma coisa, do que propriamente pretender que o arguido seja castigado, atitude que demonstra desprendimento quanto ao objecto do processo e reforça a credibilidade do seu depoimento.
É certo que o queixoso declarou não ter chegado a ver o objecto que o arguido lhe encostou ao pescoço, justificando esse facto com a luz se ter apagado quando o arguido entrou no cubículo, não podendo garantir se este a apagou propositadamente ou se se encostou ao interruptor. No entanto, sendo, como declarou, um objecto frio e tendo o objecto examinado a fls. 42 sido apreendido ao arguido poucos minutos depois do evento, ocultado numa meia, é mais do que plausível que tenha sido este o utilizado. De resto, foi também apreendido ao arguido uma saqueta de tabaco que pertencia ao queixoso e lhe foi devolvida.
Note-se que o arguido, nas declarações que prestou, não coloca em causa que tenha, na ocasião e local referidos na acusação, levado consigo o dinheiro e o tabaco. Alega, no entanto que os mesmos lhe foram dados de livre vontade pelo queixoso, sem que tenha existido qualquer atitude ameaçadora da sua parte, nem sequer a exibição da lâmina, que reconheceu trazer consigo. Estas declarações não mereceram credibilidade, pois não faria o menor sentido o queixoso ter solicitado a intervenção das autoridades policiais logo após o arguido fugir na posse dos bens se lhos tivesse dado de livre vontade. Estaríamos perante uma monstruosa "cabala" do queixoso contra o arguido, que não qualquer verosimilhança ou suporte indiciário. Sendo difícil ao arguido negar que se apropriou dos objectos do queixoso, em face das circunstâncias em que um deles lhe foi encontrado, a alegação de que lhe foram dados de livre vontade representa a derradeira e desesperada defesa do arguido, que não tem, porém, em face das declarações do queixoso (de que, apenas sob ameaça, cedeu os bens), qualquer credibilidade.
Foi ainda relevante a análise do C.R.C. do arguido junto aos autos.
Nas declarações por ele prestadas se fundaram os factos provados da sua situação social e económica, tendo o agente da P. S. P., testemunha Luís ..., pessoa que o deteve poucos minutos após o evento, confirmado que o arguido tem problemas de toxicodependência e vive em casa dos pais.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO – PENAL DOS FACTOS.
Vem o arguido acusado a autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210 n° 1 do Código Penal (com referência ao artigo 210° n.° 2 alínea b) e 204° n° 2 f) e n° 4), em concurso efectivo com um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86° n° 1 d) e 2° n° 1 m) da Lei 5/2006 de 23.02.
"Quem, com ilegítima intenção de apropriação, para si ou para outra pessoa, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos" dispõe o citado artigo, que caracteriza o tipo simples de roubo.
Este é um crime contra o património, quase tão velho quanto a história da humanidade.
Como a doutrina e jurisprudência por diversas vezes têm salientado, no crime de roubo estamos perante uma combinação do essencial do crime de furto com o emprego da violência ou um furto qualificado pela violência.
Tal como no furto, a intenção do agente é a subtracção de uma coisa móvel alheia. A subtracção consuma-se com a deslocação da coisa da esfera patrimonial alheia para a esfera patrimonial do agente ou de terceiro, ou seja, com a retirada da coisa da possibilidade efectiva de domínio de quem a possui e a colocação sob a do agente ou de terceiro.
As coisas móveis, para efeitos deste crime são as que, tendo um carácter corpório podem ser removidas, deslocadas e objecto de apropriação.
A alienidade em causa no tipo, diz apenas respeito ao agente do crime, não existindo qualquer necessidade de determinação de quem detém o direito de propriedade sobre a coisa.
"O elemento característico do crime de roubo é violência sobre a pessoa possuidora do objecto a subtrair" (cfr. Ac. do S. T. J. de 29/09/99, in SASTJ, n° 30, pág. 86).
A violência em causa pode, de resto, tanto ser física como psicológica, supondo-se apenas perturbação séria da possibilidade de auto-determinação de um visado, como ainda uma mera ameaça de perigo iminente para a vida ou integridade física ou a sua colocação na impossibilidade de resistir.
Não subsistem dúvidas, neste caso concreto, que o arguido tinha intenção de apropriação de coisas móveis pertença do ofendido e que visou obtê-las por intermédio de intimidação com uma ameaça de perigo iminente para a sua integridade física.
Actuou de forma livre, claramente voluntária, sabedor das consequências penais do seu comportamento.
Cometeu, deste modo, um crime de roubo.
De acordo com o disposto no art° 210°, n° 2, al. b) do C. Penal, o crime de roubo é agravado se se verificar alguma das circunstâncias previstas nos n°s 1 e 2 do art° 204 do mesmo diploma.
De acordo com a al. f) do n° 2 desse artigo 204°, um dos agravamentos aqui em causa está relacionado com a conduta de trazer, no momento do crime, arma aparente ou oculta. Nesta norma se compreendem "quaisquer armas, portanto tudo o que pode ser utilizado como instrumento eficaz de agressão e que tenha normal capacidade para provocar nas pessoas medo ou receio de virem a sofrer, com o seu uso, lesões corporais" (cfr. Manuel Lopes Maia Gonçalves, "Código Penal Português Anotado e Comentado", 16 ed. 2004, Almedina Coimbra, pág. 679).
De acordo com esta definição, é um facto que a actuação intimidatória do arguido envolveu o uso de uma lâmina de faca, tendo o mesmo constituído elemento importante na dinâmica da conduta do arguido e representado uma forma eficaz de ele poder potenciar os índices de agressividade e mais facilmente e sem oposição obter os seus desígnios patrimoniais ilícitos.
Há, no entanto, que realçar o facto de a previsão do n° 4 do art° 204° do C. Penal também ser aplicável aos roubos agravados pela alínea b) do n° 2 do art° 210° do C. Penal, vindo desqualificar, quando ocorra, qualquer das condutas associadas ao roubo referidas no artigo 204°, n°s 1 e 2 do C. Penal, ou seja, resulta desqualificado o crime de roubo inicialmente qualificado em todas as situações em que a coisa ou coisas roubadas forem de diminuto valor (inferior a uma U. C. - cfr. art° 202°, al. c) do C. Penal).
Até 20 de Abril de 2009, uma U. C. era correspondente à quantia de 96 euros (cfr. art.° 6.°, n.° 1 do DL 212/89, de 30 de Junho, e das disposições conjugadas do art.° 5.° do DL 212/89, de 30 de Junho, na redacção introduzida pelo DL 323/2001, de 17 de Dezembro. art° 6.°, n.° 1 do DL 212/89, de 30 de Junho, e das disposições conjugadas do art.° 5.° do DL 212/89, de 30 de Junho, na redacção introduzida pelo DL 323/2001, de 17 de Dezembro) e, a partir dessa data, por via da entrada em vigor do novo Regulamento das Custas Processuais, a quantia em causa passou a ser de 102 euros.
Pelo exposto, uma vez que não se mostrou estarem em causa bens de valor superior a 102 euros, o roubo que cometeu, apesar de, numa primeira análise, ser qualificado pela qualificativa prevista na ai. f) do n° 2 do art° 204° do C. Penal (neste sentido Ac. R. P. de 05/06/13, relatado pelo Desembargador Francisco Marcolino, in www.dgsi.pt, onde se sumaria que "comete um crime de Roubo (agravado) do art. 210.°, n.° 2, al. b), ex vi do art. 204 °, n.° 2, al. f), ambos do Código Penal, o agente que encosta um objeto cortante, tipo canivete, ao pescoço da ofendida e exerce pressão enquanto lhe arranca os brincos, uma volta e uma medalha, provocando-lhe o receio de ser atingida na sua integridade física ou até na sua vida"), representa, afinal, a prática de roubo simples, p. e p. pelo art° 210°, n° 1 do C. Penal, por ter roubado objectos de valor considerado penalmente diminuto.
O comportamento do arguido, relativo à detenção voluntária da lâmina de faca é previsto e punido pelo disposto no art° 86°, n° 1, al. d), por referência aos artigos 2°, n°.1, alínea m) da Lei n° 5/06, de 23/02, na redacção da Lei n° 17/09, de 6/05, que estabeleceu o regime jurídico das armas e munições.
Decorre destes normativos o seguinte: Art° 86°
1-Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: (...)
d)Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.° 7 do artigo 3.°, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.° 7 do artigo 3.0, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
Dispõe o art° 2°, n° 1, al. m) deste diploma que «arma branca» é todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm. e, independentemente das suas dimensões, as facas-borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, os estiletes com lâmina ou haste e todos os objectos destinados a lançar lâminas, , flechas ou virotões".
O arguido, conhecedor das características de arma branca do objecto que detinha, deteve-o livre e voluntariamente na sua posse, com consciência da ilicitude criminal do seu comportamento.
Cometeu, pelo exposto, também este último crime de que vem acusado, a punir em concurso efectivo com o de roubo (neste sentido Ac. R. P. de 11/09/13, relatado pela Desembargadora Maria Dolores Silva e Sousa e Ac. da mesma Relação de 12/12/12, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo. É esta também a posição do Ac. do STJ de 16/11/2006, relatado pelo Conselheiro ... da Costa, onde se exarou que "o crime de roubo agravado pelo uso de arma não consome o crime de uso e detenção de arma proibida. Isto, porque o uso e detenção de arma não se confina estritamente à prática do crime de roubo, pois que a detenção existe independentemente do uso das armas nos assaltos, como se salienta no acórdão recorrido, ao referir que os arguidos já detinham as armas antes de praticarem aqueles crimes. Há, portanto, uma autonomia de um crime em relação ao outro. Depois, porque os bens jurídicos protegidos são diferentes num caso e noutro. No caso do roubo, que é um crime complexo, os bens jurídicos protegidos são a propriedade e a detenção de objectos móveis, e ainda a liberdade das pessoas, a integridade física e até a própria vida; no caso da detenção e uso de armas proibidas, que é um crime de perigo, a segurança, a tranquilidade e a ordem pública. Assim, havendo concurso real, os dois crimes têm que ser punidos autonomamente...". Esta é também a posição exarada nos acórdãos do S.T.J. de 15/12/1994, publicado na CJ.STJ94.III, págs. 263/264 (citado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CP, UCP, Dez2008, pág. 581, nota 33 e, finalmente, também a posição manifestada pelo Supremo no Ac. de 27/05/10, relatado pelo Conselheiro ... Gaspar, in www.dgsi.pt).
………………………………...............................................................
DISPOSITIVO.
Por tudo o exposto, julga-se a acusação procedente e, em conformidade, condena-se o arguido José ... ... ..., pela autoria de um crime de roubo, p. e p. pelo art° 210°, n°s 1, 2, alínea b) e 204° n° 2, ai. I) e 4 do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão e, pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art°s 86°, n° 1, al. d) e 2°, n° 1, al. m) da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 3 (três) meses de prisão e na pena única resultante do cúmulo jurídico destas penas, de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
O Digno PGA junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, é, antes de mais, saber se os factos dados como provados e não provados são suficientes para fundamentar a decisão.
*
O recorrente vem condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, com a qual, em princípio, se conformou.
Porém, consabidamente, os vícios do art. 410º, C. P. Pen. são de conhecimento oficioso.
Vejamos, o tribunal a quo deu como provado que:
No dia 4 de Janeiro de 2014, cerca das 16 horas, no parque de estacionamento que serve o supermercado "Pingo Doce", em Câmara de Lobos, nesta comarca, o arguido entrou no cubículo onde Gil ... exercia a função de recepcionista, fechando a porta atrás de si e, encostando-lhe ao pescoço uma lâmina de uma faca, com 12 cm de comprimento, exigiu-lhe a entrega de todo o dinheiro que tivesse na carteira.
…………………………………………………………………….......
A seguir, ausentou-se do local, levando consigo tais bens de que se apoderou e escondendo a lâmina da faca por dentro de uma meia.
O Gil ... solicitou a imediata intervenção das autoridades policiais, que viriam a deter o arguido, poucos minutos depois e uma distância de dezenas de metros do referido local, ainda na posse da referida lâmina, bem como do tabaco, que viria a ser devolvido ao proprietário.
O arguido agiu da forma descrita com intenção de integrar no seu património os bens de que se apoderou, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário e que, ao encostar a lâmina ao pescoço de Gil ..., o intimidava, tal como pretendia, provocando-lhe receio pela sua integridade física e obrigando-o, dessa forma, a suportar a subtração.
O arguido conhecia as características da lâmina que possuía e que a sua detenção era absolutamente proibida em quaisquer circunstâncias, o que fez com que a escondesse.
Agiu sempre de forma livre e voluntária, com conhecimento da ilicitude penal das suas condutas.
Ora, independentemente da caracterização da arma detida pelo arguido para a qualificação do crime de roubo, cremos que a matéria de facto assente pelo tribunal a quo é insuficiente para a tipificação do crime de arma proibida pelo qual o recorrente foi condenado.
Na verdade, como refere o MP, se uma faca pode ser qualificada como arma branca quando tenha lâmina superior a 10 centímetros de comprimento, a sua afectação a fim específico afasta a qualificação como arma proibida, qualquer que seja o tamanho da lâmina, por maioria de razão apenas a lâmina de uma faca não pode ser qualificada como arma proibida (se deter a faca toda não é crime, deter parte dela também não).
Mesmo que se considerasse a lâmina da faca integrada na classe de outras armas brancas ou instrumentos a que se refere a incriminação contida no art.° 86.°, n.° 1, d) da Lei das Armas, no caso dos autos não foi provada qualquer factualidade quanto a respetiva aplicação e (in)justificação da posse.
Assim, tal como na jurisprudência que tem analisado esta temática, disponível em http://www.dgsi.pt/ , de que se transcreve o sumário do Ac do TRE de 04/03/2008:
"Ainda que o conceito de arma branca possa abranger múltiplos instrumentos, nem todos eles podem integrar-se no conceito de arma cuja aquisição, detenção, transporte ou uso é proibida e passível de integrar o crime em causa. Só é absolutamente proibida a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e o porte por particulares das armas brancas que integrem a classe A.
Para que a detenção ou porte de "outras armas brancas" a que alude a alin. d) do n.°1 do art. 86.° constitua crime, impõe o legislador que, cumulativamente, se verifiquem três requisitos:
Ausência de aplicação definida;
Capacidade para o uso como arma de agressão;
Falta de justificação para a posse.
A expressão "sem aplicação definida", usada na alin. d) do n.°1 do citado art. 86.°, não se restringe, com o devido respeito, aos "instrumentos", abrangendo, por conseguinte, outras armas brancas (ali não elencadas) e os engenhos. Com efeito, o legislador inclui na classe A as armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas (ou seja, as armas sem aplicação definida). E inclui também na classe A quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão - cf. alin. f) e g) do n.°2 do art. 3.° São essas as outras armas brancas, engenhos ou instrumentos cuja aquisição, detenção, transporte ou uso se quis proibir. A ser assim, como pensamos que é, para que a detenção, uso e porte de outras armas brancas, para além das especificadas na alin. d) do n.°1 do citado art. 86.° constitua crime, impõe-se concomitantemente, o preenchimento, entre outros, dos referidos três requisitos (mais recentemente, v. Acs. RL, de 6-11-12, Proc. nº 121/11.4SHLSB.L1.; de 30-10-14, Proc. nº 1005/13.7PASNT.L1; de 14-11-15, Proc. nº 30/12.0SWLSB.L1; e de 20-12-11, Proc. nº 1246/08.9TASNT.L1, em www.dgsi.pt.).
Sucede que a decisão recorrida não factualiza os requisitos legais supra enunciados, limitando-se a afirmar o comprimento da lâmina e, daí que tal arma branca é proibida, tendo o arguido consciência de tal.
Como resulta do art. 410º, 2, C. P. Pen., qualquer dos vícios aí previstos terá de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência: o vício há-de ser, assim, evidenciado pela conjugação desses dois elementos, sem possibilidade ou sem que se torne necessário atender a outros, designadamente, ao conteúdo e sentido da prova produzida em julgamento. E, tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado – al. c) do nº 2 do art. 410º – como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu – als. a) e b) do nº 2 do art. 410º - (cfr. Acs. STJ, de 29-10-08, Proc. nº 07P1016; de 8-10-08, Proc. nº 08P3068; e de 12-6-08, Proc. nº 07P4375, inwww.dgsi.pt.).
“O vício da insuficiência da matéria de facto tem de aquilatar-se em função do objecto do processo traçado pela acusação e defesa, de modo a que se possa constatar que tal objecto ficou esgotado, nomeadamente, na vertente do thema probandum, isto é, que o tribunal indagou todos os factos pertinentes à causa e legitimados pelos limites do libelo e correspondente defesa; não ficando esgotado tal objecto processual, sempre existirá insuficiência da matéria de facto, quer para suportar uma decisão condenatória, quer para fundar a decisão absolutória” – cfr. Ac. STJ, de 26-10-06, Proc. nº 06P3119, in www.dgsi.pt -. Assim, o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão exige que deixe de ser apurada matéria factual relevante, não se mostrando elencado o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso – Acs. STJ, de 23-3-06, Proc. nº 06P959; e de 1-6-06, Proc. nº 06P1614, in www. dgsi.pt -.
Assim, não elencando o tribunal recorrido in totum os factos típicos conducentes ao mencionado crime de detenção de arma proibida. Entende-se, pois, que se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410º, 2, a), C. P. pen. -, o que importa o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426º, 1, C. P. Pen., com vista a apurar qual a aplicação da arma apreendida ao arguido, bem como a possível justificação da sua posse.
Sendo assim, ficam prejudicadas as restantes questões suscitadas no recurso, até para não contender com futura reapreciação do mesmo.
*
Pelo exposto:
Acordam, em conferência, os juízes da ...ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em reenviar o processo para novo julgamento, restrito às questões supra citadas.
Não é devida taxa de justiça.