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PERDA DE BENEFÍCIO DO PRAZO
FIADOR
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
RENÚNCIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Sumário
1. A perda do benefício do prazo que se traduz no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, não é extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do artigo 782.º do Código Civil. 2. O regime enunciado no artigo 782º do C.C. tem natureza supletiva, podendo ser afastado pelas partes, de acordo com o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil. 3. A declaração da fiadora/opoente no sentido de se constituir como principal pagadora, com renúncia ao benefício da excussão prévia, apenas significa que, em vez de poder recusar o cumprimento da obrigação, enquanto o credor não tiver excutido todos os bens dos devedores sem ter obtido a satisfação do seu crédito, responderá, em solidariedade com os devedores, pelo cumprimento das obrigações destes, sendo completamente inócua para efeitos de renúncia ao benefício do prazo. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. RELATÓRIO:
MARTA ………….., residente na Rua …………, em Lisboa, veio deduzir, em 25.05.2011, oposição contra BANCO …….., S.A., com sede na Rua …….., Porto, por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, que esta deduziu contra aquela, tendente a obter a respectiva extinção do pedido executivo.
Fundamentou o opoente, no essencial, a sua pretensão, na circunstância de ter prestado fiança no âmbito de contratos de mútuo dados à execução, de cujo incumprimento nada sabe, pois nunca foi interpelada pelo exequente para o efeito, que não lhe deu conhecimento de tal, nem a interpelou para responder pela quantia em dívida.
A oposição foi liminarmente admitida, em 30.03.2012, e o exequente, notificado, não apresentou contestação.
Proferido que foi o despacho saneador, em 17.07.2012, abstendo-se a Exma. Juíza do Tribunal a quo de fixar, quer a matéria assente, quer a base instrutória, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão, em 01.07.2013, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente oposição à execução e, em consequência, determino o prosseguimento dos autos de execução contra a executada ora opoente, Marta ……………, apenas para pagamento das prestações que se venceram entre as datas de 05.03.2008 e 05.04.2009, respectivamente, até 24.03.2011, acrescida dos juros de mora respectivos.
Inconformada com o assim decidido, a exequente interpôs recurso de apelação, em 24.09.2013, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i.Nos presentes autos, o ora Recorrente apresentou o seu requerimento executivo no dia 24-03-2011, onde peticionou o pagamento de três créditos que detinha sobre os Executados, resultantes do incumprimento de dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança e um saldo devedor, aqueles celebrados no dia 29 de Março de 2006.
ii.Em 25-05-2011, a Executada Marta …………, apresentou oposição à execução com fundamento de que, enquanto fiadora dos referidos contratos de mútuo, nunca foi interpelada pela ora Recorrente sobre o incumprimento e para pagamento dos valores em dívida.
iii.No dia 1 de Julho de 2013, foi proferida sentença nos presentes autos que julgou parcialmente procedente a oposição à execução em causa, determinando o prosseguimento dos autos de execução contra a Executada Marta …………. apenas para pagamento das prestações que se venceram nas datas de incumprimento dos contratos de mútuo – 05.03.2008 e 05.04.2009 – até à data de entrada do requerimento executivo – 24.03.2011, acrescida dos juros de mora respectivos.
iv.A douta sentença fundamentou tal decisão ao ter considerado que a Executada oponente deveria ter sido interpelada pela ora Recorrente e que tal circunstância não decorre alegadamente dos autos, sendo no entanto responsável pelo incumprimento dos contratos em causa na estrita medida do regime da fiança.
v.Não pode o ora Recorrente partilhar do entendimento deste Douto Tribunal.
vi.Nos termos das aludidas escrituras – títulos executivos -, consta que “Pelos quartos/terceiros outorgantes foi dito que solidariamente afiançam todas as obrigações que os mutuários assumam a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigam perante o banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício da excussão prévia. Que desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro, prazo do empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os segundos outorgantes e aquele Banco.”
vii.Refira-se que a Executada foi devidamente identificada (pelo nome completo, n.º de bilhete de identidade, estado civil, naturalidade e residência), e assinou o contrato aqui em causa, não tendo impugnado a letra ou assinatura aposta no título executivo dado à execução.
viii.Tão pouco, arguiu a sua falsidade, pelo que, tal título constitui prova plena das declarações nele ínsitas.
ix.A forma exigida para a obrigação principal, nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 46º do CPC, é a assinatura do devedor constante de documento que importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.
x.A fiança prestada pela Executada é absolutamente válida, tendo sido declarada pela forma exigida para a obrigação principal, conforme determina o nº 1 do artigo 628º do Código Civil (C.Civil).
xi.Ou seja, a Executada constituiu-se principal pagadora de todas as obrigações emergentes do aludido contrato, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, não podendo, pois, recusar o cumprimento enquanto o credor não estiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito (artigo 638º, nº 1 do C. Civil).
xii.Obrigação essa, que não se subsume à mera outorga/ assinatura do contrato, mantendo-se durante toda a vigência do contrato, mas, em especial, em caso de incumprimento do mesmo.
xiii.Com efeito, as partes determinaram, voluntariamente, que a Executada seria responsável pelo pagamento de todas as obrigações decorrentes do contrato celebrado, assumindo-se como principal devedora, a par, dos mutuários/primeiros executados.
xiv.Ora, tendo sido acordado que a primitiva credora mutuasse aos primeiros executados a quantia de € 115.526,00 nos dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança celebrados e fossem aplicadas aos mútuos as taxas de juros alteráveis em função da variação das mesmas, acrescendo-lhes, ainda, em caso de mora, a sobretaxa legal.
xv.Tratando-se a obrigação/dívida assumida pela mutuária de uma dívida liquidável em prestações, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 781º do C. Civil.
xvi.E verificando-se o incumprimento, pelos mutuários, das obrigações validamente assumidas em Março de 2006, venceram-se as demais, “Numa dívida a prestações, estando transaccionada que a falta de pagamento de qualquer prestação importa o vencimento automático de todas as que estiverem em dívida, o credor tem direito a receber a totalidade destas quando se verifica a falta de pagamento tempestivo de uma das prestações” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 08/07-2003 in www.dgsi.pt) “Estão, entre outras, previstas neste artigo as obrigações emergentes dum empréstimo com a cláusula de amortização…” (Código Civil Anotado, Antunes Varela, Coimbra Editora, Tomo II, 4ª edição revista e actualizada, 1997).
xvii.E não se presumindo o pagamento e implicando a falta de pagamento de qualquer das prestações o vencimento de toda a dívida (artigos 781.º e 817.º do C. Civil).
xviii.Não sendo as obrigações voluntariamente cumpridas, o credor pode e deve exigir o seu cumprimento, sendo que, quer os primeiros executados, quer a executada/Recorrida são, pois, responsáveis pelo seu pagamento, atendendo às múltiplas e diversas interpelações dirigidas aos mutuários para regularização da dívida, sempre sem sucesso, as quais não foram questionadas.
xix.Mais se acrescenta que, salvo melhor opinião, a Executada não tinha que ser interpelada ao pagamento das obrigações vencidas para se verificar a sua responsabilidade pelo seu cumprimento/pagamento.
xx.Com efeito, como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-01-2008, disponível em www.dgsi.pt, “Para que se tenha por incumprida a obrigação e verificada a responsabilidade do fiador pelo incumprimento, seja pela mora seja por indemnização fundada no incumprimento culposo do devedor principal, não é necessária a sua interpelação, bastando que esta seja efectuada na pessoa do devedor, salvo se estiver estipulado de forma diversa…”.
xxi.De facto, não existe dúvida quanto à validade e âmbito da fiança prestada pela Recorrida, como acima mencionado – é solidária, incluindo a assunção das obrigações de principal pagadora, abrangendo todas as obrigações dos afiançados, com renúncia ao benefício da excussão previa, sem que se tivesse acordado qualquer comunicação ou interpelação aos fiadores sobre incumprimentos dos devedores ditos principais.
xxii.Nos termos do artigo 627º do C. Civil, a fiança é uma garantia especial que obriga pessoalmente um terceiro, que é o fiador, perante o credor, assumindo aquele uma obrigação da mesma natureza da obrigação principal.
xxiii.Por sua vez, o artigo 634º do C. Civil dispõe que “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou da culpa do devedor.”
xxiv.No mesmo sentido, leia-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-01-2003, disponível em www.dgsi.pt, “Para que a obrigação do fiador se considere incumprida e se vençam juros moratórios da sua responsabilidade, não é necessária a sua interpelação, bastando que esta tenha ocorrido em relação ao devedor principal afiançado.”
xxv.Ainda no sentido da desnecessidade de interpelação do fiador, tutelar do cumprimento da obrigação principal, pronunciou-se também o Acórdão de 4/12/2003 (03B3909 – ITIJ).
xxvi.A douta sentença de que ora se recorre julgou aplicável ao caso concreto o regime estatuído no artigo 782º do C. Civil.
xxvii.Não pode a ora Recorrente partilhar do entendimento deste Douto Tribunal.
xxviii.Determina o artigo 782º do Código Civil, sob a epígrafe “Perda do benefício do prazo em relação aos co-obrigados e terceiros” que: “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.”.
xxix.Preceito legal, esse, formalmente aplicável aos fiadores nos casos de obrigações contraídas nos termos do artigo 781º do C. Civil.
xxx.Contudo, a aplicação desse normativo sempre poderá ser afastada pelas partes, voluntariamente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do C. Civil.
xxxi.O que veio a suceder in casu.
xxxii.Mais do que renunciar ao benefício de excussão prévia, a Recorrida assumiu-se como principal devedora e deixou de ter qualquer obrigação meramente subsidiária, assumindo-se, a par, da mutuária como devedor principal da obrigação contraída junto dos credores originários e exigível pela aqui Recorrente.
xxxiii.Para tanto, bastará atentar ao disposto nos contratos de mútuo com hipoteca fiança, nos termos do qual as partes no âmbito da plena autonomia da vontade acordaram que a Executada/Recorrente e outros solidariamente afiançam todas as obrigações que os mutuários assumam a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigam perante o banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício da excussão prévia. Que desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro, prazo do empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os segundos outorgantes e aquele Banco.”.
xxxiv.Neste sentido vale a pena acompanhar de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/11/2002 disponível em www.dgsi.pt que considera que “A disposição do artigo 782º do Código Civil que estipula a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor tem natureza supletiva, pelo, que cede em face de convenção em contrário.”.
xxxv.No mesmo sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/11/2010 disponível em www.dgsi.pt: “Deste modo, tendo o fiador se assumido como principal pagador, tal declaração dever ser interpretada como uma renúncia ao direito de excussão e à manutenção do benefício do prazo, perante uma situação de incumprimento da sociedade ré, colocando a obrigação por si assumida no mesmo plano de exigibilidade da obrigação principal assumida por este, assim afastando a aplicabilidade do art. 782º do C.Civil.”
xxxvi.No mesmo sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Abril de 2000, CJ 2000, Tomo 2, Ano XXV, pg. 132/134.
xxxvii.Ainda e, corroborando a supletividade do previsto no artigo 782º do C. Civil, decidiu, entre outros, o Tribunal da Relação do Porto que “a disciplina do artigo 782º do Código Civil, que exclui a perda do benefício do prazo os co-obrigados do devedor e os terceiros garantes do crédito, tem natureza supletiva; e cede em face de convenção em contrário (artigo 405º, nº 1, do Código Civil.” (Acórdão do TRP 12/10/2012 in www.dgsi.pt).
xxxviii.Com efeito, entende a ora Recorrente que decorre do supra exposto que estamos perante uma situação em que o credor pode exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação de todos os Executados, incluindo da ora Recorrida, consubstanciando a perda do benefício do prazo.
xxxix.Concluindo-se que à Executada/Recorrida não é aplicável in casu o estatuído no artigo 782º do C. Civil e, consequentemente, a douta sentença a quo violou o mencionado preceito legal.
xl.A douta sentença de que ora se recorre julgou, em consequência, a ora Recorrida apenas devedora dos valores em dívida desde a data de incumprimento dos contratos de mútuo em causa até à data da entrada do requerimento executivo.
xli.Mais uma vez, não pode a ora Recorrente partilhar do entendimento deste Douto Tribunal.
xlii.Com efeito, no confronto com o credor, a fiadora que renunciou ao benefício da excussão, responde em termos solidários com os primeiros mutuários, sendo a responsabilidade destes, a medida da responsabilidade daquela, pelo que não carecia aquela de interpelação, bastando-se com a efectuada aos devedores afiançados.
xliii.Assim, sendo a Recorrida devedora principal com os demais Executados, é responsabilidade da mesma o pagamento de todas as prestações em incumprimento, vencidas e vincendas, até integral pagamento das quantias mutuadas e peticionadas.
xliv.Assim se concluiu pelo facto de todas as prestações se terem vencido no momento em que se deu o incumprimento de uma prestação, como acima mencionado.
xlv.Desta forma, a ora Recorrida é assim responsável em igualdade de circunstâncias com os primeiros mutuários pelos valores que se encontram em dívida relativamente aos referidos contratos de mútuo desde a data do incumprimento dos mesmos até integral pagamento e não só até à data da entrada do requerimento executivo, podendo o ora Recorrente exigir a totalidade da dívida ao fiador ou aos primeiros mutuários.
xlvi.Não concedendo, sempre se dirá que, por mera hipótese, se a ora Recorrida não tivesse conhecimento das prestações e respectivos valores em incumprimento, teve conhecimento dos mesmos com a citação na presente acção executiva.
xlvii.Concluindo-se assim que, do supra exposto, resulta que não era necessária a interpelação da fiadora, ora Recorrida para que se tenha por incumprida a obrigação e verificada a responsabilidade da fiadora pelo incumprimento e, consequentemente, será a mesma solidariamente responsável perante a ora Recorrente pelos valores em dívida a título de prestações vencidas, juros remuneratórios e cláusula penal, acrescida de juros vincendos à taxa contratualmente prevista, desde a data de incumprimento dos contratos de mútuo em causa até integral pagamento.
Pede, por isso, a apelante que a sentença recorrida seja revogada, e substituída por outra que contemple as conclusões deduzidas, julgando a oposição improcedente e ordenando-se o prosseguimento da execução contra a executada Marta …………..
A recorrida apresentou contra-alegações, em 24.10.2013, defendendo a manutenção do decidido e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i.A Oponente/Recorrida pugna pela manutenção da decisão recorrida, em virtude da mesma não merecer qualquer reparo.
ii.A Recorrente não interpelou a Oponente/Recorrida, para o cumprimento das obrigações afiançadas. iii. A falta de interpelação da Oponente/Recorrida, impediu que esta pudesse usar o direito que lhe confere o n.° 2 do art. 649º do Cód. Civil, invocando o benefício da divisão, pagando a sua parte proporcional da dívida sem juros.
iv.Nos termos da lei, a Oponente/Recorrida na qualidade de fiadora garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigada perante o credor, ora Recorrente, tendo a fiança o conteúdo da obrigação principal e cobrindo as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (artº 627° e 634 do Cód. Civil).
v.Assim, o credor, ora Recorrente, quando pretendeu accionar a fiança, para obter o pagamento da fiadora, Oponente/ Recorrida tinha o dever legal de proceder à interpelação, desta, nos termos do art. 805°, 1 do CC, dando-lhe conhecimento da existência da dívida e de prazo para efectuar o seu pagamento.
vi.Para a Oponente/Recorrida, na qualidade de fiadora, proceder ao pagamento das dívidas afiançadas, devia ter sido interpelada para o efeito.
vii.Sem a referida interpelação, a Oponente/Recorrida não tornou conhecimento, do incumprimento contratual por parte dos devedores principais.
viii.Ora não tendo sido a Oponente/Recorrida interpelada, não tem obrigação de saber, se há uma dívida e se houve, ou não, pagamento da mesma.
O recurso apenas veio a ser admitido no Tribunal a quo, em 23.03.2015.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO:
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do NCPC, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i.DA PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO EM CASO DE OBRIGAÇÃO LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES E DA SUA APLICAÇÃO AO FIADOR; ii.DA DISPENSA DE INTERPELAÇÃO DO FIADOR PARA CUMPRIR E A VALIDADE DA CITAÇÃO PARA ESSE EFEITO.
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III . FUNDAMENTAÇÃO:
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:
1.Foi dada à execução a cópia certificada de escritura pública de “compra e venda e mútuo com garantia hipotecária e fiança”, outorgada em 29 de Março de 2006, por meio da qual, o Banco ……, S.A., declarou emprestar aos executados Gil ….., Alexandra …… e Francisco …… e Maria ……, a importância de € 92.500,00, de que se confessaram devedores.
2.Foi dada à execução a cópia certificada de escritura pública de “mútuo com garantia hipotecária e fiança”, outorgada em 29 de Março de 2006, por meio da qual, o Banco ……, S.A., declarou emprestar aos executados Gil …… e Alexandra ….., a importância de € 23 026,00, de que se confessaram devedores.
3.Marta ….. e outros declararam, nos escritos referidos em 1. e 2., «Que solidariamente afiançam todas as obrigações que os mutuários assumam a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigam perante o banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício de excussão prévia.»
4.Sob a cláusula nona do documento complementar de ambos os acordos referidos em 1. a 3. consta que «A presente hipoteca poderá ser executada: a) se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas; (…)».
5.Os executados Gil ……, Alexandra ……, Maria …… e Francisco ……, deixaram de pagar as prestações do empréstimo referido em 1. a partir de 05.03.2008 e do empréstimo referido em 2. a partir de 05.04.2009.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
No caso vertente foram dados à execução, como títulos executivos, dois contratos de mútuo celebrados, mediante escrituras públicas, entre a exequente e os executados Gil ….., Alexandra ….., Francisco …… e Maria ……, e nas quais estes se declararam devedores daquela pelas importâncias constantes dos instrumentos notariais e a executada Marta ……, entre outros, declarou constituir-se fiadora, relativamente a todas as obrigações assumidas pelos mutuários.
Insurge-se a exequente/apelante contra a sentença recorrida que determinou a prossecução da execução contra a executada/opoente, apenas para pagamento das prestações que se venceram entre 05.03.2008 e 05.04.2009 até à data da entrada em juízo do requerimento executivo, por considerar, em suma, que aquela não carecia de ser interpelada ao pagamento das obrigações vencidas para se verificar a sua responsabilidade pelo pagamento de todas as prestações em incumprimento.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como resulta do nº 1 do artigo 627º do Código Civil, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
A responsabilidade do fiador abrange todo o seu património, embora possa limitar-se a alguns dos bens que o integram, desde que tal limitação resulte de convenção entre as partes, nos termos do artigo 602.º do Código Civil.
Decorre do disposto no artigo 634.º do mesmo diploma legal, que a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
Tal significa que a responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário (artigo 631.º, n.º 1 do CC), se molda pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado, não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (artigos 798.º e 810º do CC).
Como é sabido, são características fundamentais da fiança, a acessoriedade e a subsidiariedade. Esta, concretiza-se através do benefício de excussão, que se traduz, conforme resulta do nº 1 do artigo 638º do C.C., no direito que assiste ao fiador, de recusar o cumprimento, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, muito embora este benefício seja renunciável, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código Civil.
Sob a epígrafe “Dívida liquidável em prestações”, dispõe o artigo 781.º do Código Civil, que: Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
Como salienta ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6ª ed., 53, o artigo 781º do C.C., ao determinar o vencimento imediato das restantes prestações, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não, no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado, determina, por si só, a entrada em mora do devedor quanto ao cumprimento das demais.
Há, pois, que efectuar uma interpretação correctiva, posto que no artigo 781º do CPC se confundem os conceitos de exigibilidade e de vencimento, sendo que o credor deve dispor da faculdade de exigir o pagamento imediato de todas as prestações em falta, interpelando o devedor, e da faculdade de não exigir.
Em idêntico sentido propugnam MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, AAFDL, 1986, 2º vol., 193, nota 55 e MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações”, 8ª ed., 941., por justamente se considerar que o vencimento de tais prestações é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo aproveitar-se dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação.
Este tem sido, de resto, o entendimento jurisprudencial maioritário, tendo em consideração a jurisprudência recentemente publicada, e com o qual se concorda, ou seja, do imediato vencimento das prestações futuras, previsto no artigo 781.º do CC, não decorre automaticamente a entrada em mora do devedor relativamente a tais prestações, revelando-se necessária a sua prévia interpelação – v. neste sentido Ac. R.L. de 04.06.2013 (Pº 5366/09.4T2AGD-A.C1) e ampla jurisprudência aí citada.
Prevê, todavia, o artigo 782.º do C.C., excepções ao regime geral consagrado no citado artigo 781º, ao estatuir: A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.
É que, a perda do benefício do prazo que se traduz no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não é extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do citado artigo 782.º do Código Civil.
Como salienta MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., 824, renunciando ao benefício de excussão, o fiador “equipara-se, do ponto de vista do credor, a um verdadeiro devedor solidário”. No entanto “a posição do fiador que se obrigou como principal pagador não se identifica com a do condevedor solidário. Na verdade, a obrigação daquele, embora não seja subsidiária em face do credor, continua a ser acessória em relação à do devedor afiançado, com as respectivas consequências”.
Com efeito, a renúncia ao benefício de excussão tem apenas como consequência o afastamento da regra da subsidariedade, traduzida no direito que assiste ao fiador de, nada sendo estipulado em contrário, recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal.
Sucede que essa eventual renúncia nada tem a ver com o benefício do prazo, já que quanto ao fiador, em conformidade com o já citado artigo 782.º do Código Civil, e salvo se houver estipulação em contrário, não vale a exigibilidade antecipada da obrigação, determinada pela perda do benefício do prazo com que é sancionada a falta de pagamento de uma das prestações da obrigação fraccionada.
Mas, como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, estes preceitos têm natureza supletiva, vigorando nesta matéria o princípio da liberdade contratual enunciado no artigo 405.º do Código Civil.
E, por força de tal princípio da liberdade contratual, a regra prevista no artigo 782.º, será afastada sempre que as partes convencionem de modo diverso, o que ocorre, nomeadamente, quando o fiador faz consignar no respectivo título a renúncia ao benefício consagrado no citado normativo.
Vejamos se tal sucedeu no caso em apreciação.
Conforme ficou apurado, os fiadores, entre os quais, a opoente, outorgaram as escrituras públicas que servem de títulos executivos, tendo declarado que: “solidariamente afiançam todas as obrigações que os mutuários assumam a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigam perante o banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício de excussão prévia” – v. Nº 3 da Fundamentação de Facto.
E subscreveu ainda, a fiadora/opoente, os documentos complementares de ambas as escrituras públicas de mútuo com hipoteca, dos quais consta, sob a cláusula nona: «A presente hipoteca poderá ser executada: a) se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas; (…)» – v. Nº 4 da Fundamentação de Facto.
A declaração da fiadora/opoente no sentido de se constituir como principal pagadora, com renúncia ao benefício da excussão prévia, apenas significa que, em vez de poder recusar o cumprimento da obrigação, enquanto o credor não tiver excutido todos os bens dos devedores sem ter obtido a satisfação do seu crédito, responderá, em solidariedade com os devedores, pelo cumprimento das obrigações destes, sendo completamente inócua para efeitos de renúncia ao benefício do prazo – v. neste sentido Ac. R.C. de 03.07.2012 (Pº 1959/11.8T2OVR-A.C1) e Ac. R.L. de 11.02.2014 (Pº 12878/09.8T2SNT-A.L1-7).
Infere-se do exposto que as partes fizeram consignar nos documentos complementares das escrituras, um regime semelhante ao previsto no artigo 781.º do Código Civil - imediata exigibilidade das prestações futuras no caso de incumprimento de uma delas - razão pela qual não é possível concluir que a fiadora renunciou ao benefício do prazo que a lei lhe garante, visando as partes o afastamento do regime previsto no artigo 782.º do C.C.
Não podendo concluir-se que a fiadora/opoente haja renunciado ao benefício do prazo, tem de se entender que a perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, nos termos do artigo 782º do CC.
E, caso se tivesse acordado no afastamento do disposto no artigo 782º do Código Civil, teria o fiador que ser interpelado ou para pôr termo à mora, a fim de evitar o vencimento antecipado das prestações, ou para evitar o incumprimento definitivo, que possibilitaria a resolução do contrato – v. neste sentido e a título meramente exemplificativo, Acs. R.L. de 19.11.2009 (Pº 701/06.0YXLSB.L1-6) e de 17.11.2011 (Pº 1156/09.2TBCLD-D.L1-2) e de 16.05.2013 (Pº 426-B/2001.L1-8), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
De resto, como já se decidiu no Ac. S.T.J. de 10.05.2007 (Pº 07B841), acessível no citado sítio da Internet, em que estava em causa um contrato de compra e venda e empréstimo com fiança, no qual os fiadores se haviam declarado constituir “solidariamente fiadores e principais pagadores da dívida”: (…) A perda do benefício do prazo de pagamento de obrigações a prestações emergente do não pagamento de uma delas não vale quanto ao fiador. E não é automático, carecendo a exigência de pagamento de todas as prestações assim vencidas, de interpelação.
Ora, no caso em apreço, não refere o exequente no requerimento executivo que haja interpelado os fiadores, designadamente a opoente e, como já se assinalou, tal interpelação tornava-se necessária, dando aos fiadores a possibilidade de, para além de pagarem as prestações vencidas, pelas quais são imediatamente responsáveis, assumirem a posição do devedor principal, pagando as prestações que se fossem vencendo.
Conclui-se, portanto, que não foi afastado o regime legal previsto no artigo 782.º do Código Civil, não se estendendo aos fiadores a perda do benefício do prazo, na execução a que se reporta a presente oposição.
Por outro lado, e como bem se refere no Ac. R.L. de 17.11.2011 (Pº 1156/09.2TBCLD-D.L1-2), Recusa-se à citação dos executados a virtualidade substitutiva de tal interpelação prévia, por essa singela razão de lhes não permitir obstar a tais consequências, não automáticas, da mora do devedor.
Assim sendo, a fiadora/opoente apenas poderá responder pelas prestações vencidas, já que, quanto a ela, apenas dispõe a exequente de título bastante, quanto às prestações vencidas, e não pagas, até à data de entrada em juízo do requerimento executivo, e juros respectivos, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Julga-se, por conseguinte, improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Vencida, é a recorrente responsável pelas custas respectivas - artigo 527º, nºs 1 e 2 do nCPC.
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IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar a recorrente no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 28 de Maio de 2015
Ondina Carmo Alves - Relatora
Eduardo José Oliveira Azevedo
Olindo dos Santos Geraldes