TRANSCRIÇÃO DA PENA
REGISTO CRIMINAL
PENA SUSPENSA
Sumário

I - Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de“pena não privativa da liberdade” contido no nº 1, do artigo 17º, da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto, abrange não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas, onde se inclui a pena de prisão suspensa na sua execução.
II- Para que se determine a não transcrição da decisão condenatória não basta o preenchimento do requisito formal – condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade - importa ainda que se verifique o requisito ou pressuposto substancial, qual seja, que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes.
III - A não existência de condenações não é requisito legal para que se determine a não transcrição da condenação no certificado de registo criminal requerido por particulares.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:



I - RELATÓRIO:


1. Nos autos com o NUIPC 7267/07.1TDLSB, da Comarca de Lisboa – Lisboa – Instância Central-...ª Secção Criminal – Juiz.., foi proferido despacho, aos 09/12/2014, que indeferiu o pedido de AF... de não transcrição nos certificados de registo criminal da condenação proferida no acórdão de 11/10/2014.

2. O arguido não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso.

2.1 Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição):


O conceito de "pena não privativa da liberdade", contido no nº. 1, do artº. 17º., da Lei nº. 57/98, de 18 de Agosto, abrange a pena de prisão de execução suspensa, conforme resulta da ensinação ministrada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Novembro de 2012, proferido no âmbito do Processo nº. 279/10.0GCBNV.L1 ‑ 3, patenteando as vestes de Nobre Relatora, a Veneranda Juíza Desembargadora, Exma. Sra. Dra. Maria Elisa Marques "(...), Para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de "pena não privativa da liberdade" contida no nº 1 do artigo 17º da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto, inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas (...)" - susceptível de compulsação em http://www.dgsi.pt/jtrl. nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/be5213eba34d059680257b6d00554280?OpenDocument -;
Partilhada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Junho de  2013, proferido no âmbito do Processo n°. 1668/11.8PBMTS.P1, trajando as vestes de  Nobre Relator, o Venerando Juiz Desembargador, Exm°. Sr°. Dr°. Alves Duarte "(...)", O juiz pode determinar a não transcrição no registo criminal de uma pena de prisão superior a um ano, declarada suspensa na sua execução (...)" - manuseável em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/991f6112afc1bdd480257bab00521bc2?OpenDocument - e;
Acolhida na sumarização do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de Fevereiro de 2013, proferido no âmbito do Processo n°. 1562/09.2PCCBR - A.C1, vestindo o traje de Nobre Relator, o Venerando Juiz Desembargador, Exmº. Srº. Drº.  Orlando Gonçalves "(...), A condenação do arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, constitui uma "pena não privativa da liberdade",  para efeitos do art° 17.°, n.°1 da Lei n.° 57/98 (...)" - examinável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/184d595438ac6ece8  0257b40003ed2d2?OpenDocument -.

Nesta conformidade, encontram-se preenchidos os pressupostos mencionados no nº. 1, do artº. 11º., nos ns. 1 e 2, do artº. 12º., a contrario sensu, e no nº. 1, do artº. 17º., da Lei nº. 57/98, de 18 de Agosto, de molde a determinar a não transcrição da condenação fixada nos presentes autos, conforme solicitado pelo Arguido.

Em abono da verdade, o Arguido ora Recorrente, André Filipe da Rocha Neto, pretende, tão - somente, a não transcrição no registo criminal da sobredita condenação, nas hipóteses previstas nos artigos 11º. e 12º., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto.

A primeira disposição - artigo 11°., da Lei n°. 57/98, de 18 de Agosto -, referente aos certificados requeridos para fim de emprego, expressamente afasta, no seu número 1, alíneas a) e b), a possibilidade de a presente condenação constar do respectivo certificado, a saber:
«Artigo 11°.
(Certificados requeridos para fins de emprego ou de exercício de actividade).

1 - Os certificados requeridos por particulares que sejam pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo, exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública devem conter apenas:
a) As decisões que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo.

2 - Nos casos em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade, os certificados são emitidos em conformidade com o disposto nos ns. 1 e 2 do artigo 12°., devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer.
(- -),».
Negrito e Sublinhado do teor do artº. 11º., da Lei nº. 57/98, de 18 de Agosto, da autoria do subscritor!

Desta arte, se é certo que o artigo 17º., da Lei nº. 57/98, de 18 de Agosto, ao abrigo do qual foi proferido o douto Despacho recorrido, consagra um poder - dever a ser exercitado de acordo com determinados pressupostos legais, o certo é que, nos termos dos artigos 11º. e 12º. da mesma Lei, a não transcrição, em hipótese como a  vertente, é automática - resultando da própria letra da lei -:
«Artigo 12º.
(Certificados requeridos para outros fins)
1 - Os certificados requeridos por particulares, quer sejam pessoas singulares ou pessoas colectivas ou equiparadas, para fins não previstos no artigo anterior -artigo 11º. - [(...), emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública (...)i contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do seu conteúdo.
2 - Os certificados referidos no número anterior [ou seja, para os fins não previstos no artigo 11°. (...), emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo, exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública (...)1 não podem conter informação relativa:
(...),»-
Negrito, Sublinhado e Glosa do teor do artº. 12º., da Lei nº. 57/98, de 18 de Agosto, da autoria do subscritor!

Desta sorte, é exacto que, sobre o Arguido ora Recorrente, AF..., recaiu uma decisão que não tem suporte legal!

Não pode indeferir-se aquilo que resulta directamente da lei!

No sentido precedente, confira-se o ensinamento partilhado por banda do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004, proferido no âmbito do Processo nº. 1921/04, utilizando a roupagem de Nobre Relatora, a Veneranda Juíza Desembargadora, Exma. Sra. Dra. Elisa Sales "(...), Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Revogar o despacho recorrido, considerando que a não transcrição da decisão condenatória nos termos e para os efeitos dos artigos 11º e 12º da Lei 57/98 resulta já da própria lei.
Sem custas (...)".
Vd.http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/98acca71281d709a80256f8c003d9f06?OpenDocument
Negrito e Sublinhado nosso!

Pelo sucintamente exposto, e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser declarada ilegal a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra em ordem à sua reparação, considerando que a não transcrição da decisão condenatória, nos termos e para os efeitos dos artigos 11º. e 12º., da Lei nº. 57/98, de 18 de Agosto, resulta já da própria lei, assim se fazendo JUSTIÇA!

3. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, concluindo por dever ser julgado manifestamente improcedente ou, se assim se não entender, não merecer provimento.

4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo recorrente em que reitera o constante da motivação de recurso.

6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

II - FUNDAMENTAÇÃO:

1.   Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se estão verificados os pressupostos para a declaração de não transcrição nos certificados de registo criminal a que se referem os artigos 11º e 12º, da Lei nº 57/98, de 18/08, da condenação sofrida pelo recorrente nos presentes autos.

2. Elementos relevantes para a decisão:

2.1 O recorrente foi condenado nos presentes autos, por acórdão de 11/10/2013, transitado em julgado, pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelos artigos 221º, nº 1 e nº 5, alínea b) e 202º, alínea b), do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.

2.2 O recorrente sofreu já as seguintes condenações:
Por sentença de 31/09/2009, transitada em julgado em 31/07/2009, pela prática, aos 22/02/2008, de um crime de emissão de cheque sem provisão.
Por sentença de 09/07/2010, transitada em julgado em 09/09/2010, pela prática, aos 15/06/2007, de um crime de emissão de cheque sem provisão.
Por sentença de 15/03/2012, transitada em julgado em 13/04/2012, pela prática, aos 10/03/2010, de um crime de furto simples e outro de falsificação de documento.


2.3 O ora recorrente impetrou ao tribunal recorrido (transcrição):

(…) por força da actual conjuntura laboral impor, primordialmente, a preservação da maculidade do denominado “Boletim do registo Criminal” e por entender que das circunstâncias que acompanharam o crime não induzir-se o perigo de perpetrar novas actuações violadoras da lei penal, vem, nos termos do artº 98º., nº. 1, do C.P.P., e fundeado no disposto do artº. 17º., nº. 1, da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto, requestar a V. Exª. que digne-se determinar a não transcrição do douto Acórdão, exarado no pretérito dia 11 de Outubro de 2013, nos certificados a que referem-se os arts. 11º. e 12º.,do referido diploma legal.

2.4- É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte que releva, proferido em 09/12/2014 (transcrição):

Fls. 580: Atentas fls. 583 (não oposição do MP) e 538 a 550 (o acórdão dos autos) verifica-se que das circunstâncias que acompanharam a prática do crime de burla informática pelo qual o arguido foi aqui condenado não se pode induzir o perigo de prática pelo mesmo de novos crimes.
Todavia, a pena aqui aplicada foi superior a um ano de prisão. E, embora tal pena de 3 anos e 6 meses de prisão tenha sido suspensa na sua execução, não deixa de ser uma pena detentiva ou privativa de liberdade, pelo menos em potência. Pelo que não está preenchido o necessário requisito formal previsto no n.9 1 do art.9 17 da Lei 57/98, de 18 de Agosto. Acresce que, contrariamente ao aventado pelo arguido a fls. 580, o seu CRC não é imaculado. Pelo contrário, conforme se afere de fls. 522 a 529, já em Setembro de 2013 o arguido tinha no mesmo averbado mais três condenações para além da sofrida no presente processo. Termos em que se indefere a requerida não transcrição. Notifique com cópia deste despacho. Em Maio de 2017 junte CRC actual do mesmo. No corrente mês de Dezembro de 2014 solicite à DGRS relatório de acompanhamento.

Apreciemos:

Dispõe-se no artigo 11º, da Lei nº 57/98, de 18/08 – diploma ao abrigo do qual foi formulado o pedido de não transcrição da decisão condenatória e proferida a decisão recorrida:

“1 - Os certificados requeridos por particulares que sejam pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública devem conter apenas:
a) As decisões que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou actividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo.

2 - Nos casos em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade, os certificados são emitidos em conformidade com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 12.º, devendo o requerente especificar a profissão ou actividade a exercer.

3 - Os certificados requeridos por pessoa colectiva ou equiparada para o exercício de certa actividade contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do conteúdo.”

Por sua vez, consagra-se no artigo 12º, do mesmo diploma:

“1 - Os certificados requeridos por particulares, quer sejam pessoas singulares ou pessoas colectivas ou equiparadas, para fins não previstos no artigo anterior contêm a transcrição integral do registo criminal, excepto se a lei permitir transcrição mais restrita do seu conteúdo.

2 - Os certificados referidos no número anterior não podem conter informação relativa:
a) A condenações por contravenção, decorridos seis meses após o cumprimento da pena;
b) A decisões canceladas nos termos do artigo 15.º;
c) A decisões canceladas nos termos dos artigos 16.º e 17.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento;
d) A decisões que declarem uma interdição de actividades ao abrigo do artigo 100.º do Código Penal, quando o período de interdição tenha chegado ao seu termo;
e) Tratando-se de pessoa singular, as condenações de delinquentes primários em pena não superior a seis meses de prisão ou em pena equivalente, salvo enquanto vigorar interdição decretada pela autoridade judicial.

3 - O director-geral da Administração da Justiça pode limitar o conteúdo ou recusar a emissão de certificados requeridos para fins não previstos na lei se o requerente não justificar a necessidade de acesso à informação sobre identificação criminal.”

Cumpre ainda atender ao estabelecido no artigo 17º, nº 1, da dita Lei:
“Os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º deste diploma”.
Como se alcança do despacho recorrido, o tribunal a quo indeferiu a impetrada não transcrição nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º, da Lei nº 57/98 da condenação sofrida pelo requerente/recorrente com fundamento em a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, ser uma pena detentiva ou privativa da liberdade, pelo menos em potência, não se mostrando, por isso, preenchido o requisito formal previsto no nº 1, do mencionado artigo 17º.

Resulta do requerimento que efectuou, supra transcrito, que o seu pedido se prende com a necessidade de procurar emprego (por força da actual conjuntura laboral impor, primordialmente, a preservação da maculidade do denominado “Boletim do registo Criminal”), sendo certo que o mesmo sofreu outras condenações para além daquela cuja não transcrição almeja e a pena em causa não se apresenta como não superior a seis meses de prisão ou pena equivalente, o que, desde logo, contende com o enunciado na alínea e), do nº 2, do artigo 12º, quanto às informações que não podem estar contidas nos certificados neste previstos.

Ora, não se mostra unívoco o entendimento dos nossos tribunais quanto ao sentido do que se deve entender por “pena não privativa da liberdade” para efeitos do aludido nº 1 do artigo 17º, da Lei nº 57/98, concretamente quando cumpre considerar pena de prisão superior a um ano suspensa na respectiva execução.

Para uma corrente, a expressão comporta tão só a pena de prisão que não exceda o limite de um ano e a pena de multa. Qualquer outra pena de prisão, superior a um ano, ainda que substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, não pode ser incluída no texto daquele normativo – assim, por todos, Ac. R. de Lisboa de 23/02/2011, Proc. nº 53/05.5PEAGH-A.L1-3; Ac. R. do Porto de 12/11/2014, Proc. nº 431/10.8GAPRD-AW.P1 e Decisão Sumária R. do Porto de 21/01/2015, Proc. nº 129/02.0TAMBR-C.P1, disponíveis em www.dgsi.pt, podendo ler-se no primeiro:

“(…) é precisamente esta classificação dicotómica das penas principais que está presente no critério de escolha da pena, estabelecido no artigo 70.º do Código, e segundo o qual, quando for aplicável ao crime, “em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.

Que dizer: a pena não privativa da liberdade de que fala este preceito é, nem mais nem menos, a pena de multa. E a mesma expressão legal, também utilizada no n.º 1 do artigo 17.º da já referida Lei 57/98, não pode querer contemplar qualquer outra pena, que não também a de multa.

Aliás, a não ser assim, sobraria uma manifesta incoerência por parte do legislador. Com efeito, se interpretássemos a expressão “pena não privativa da liberdade”, constante daquele n.º 1, como abarcando qualquer outra pena, nomeadamente e no que ao caso importa a pena substitutiva da execução da prisão, depararíamos com esta incongruência: sempre que o tribunal aplicasse, por mero exemplo, treze meses de prisão [efectiva], a não transcrição, porque a pena que figurámos é superior a um ano, nunca seria admissível; mas se aplicasse uma pena de prisão ainda que superior a essa (que poderia ir, ao tempo da publicação da mencionada Lei, até três anos e, actualmente, até cinco anos), desde que substituída pela pena de suspensão da execução da prisão, a não transcrição já seria de admitir! (…)

E isto não pode ser questionado pelo facto de a pena de substituição em causa, como aliás qualquer outra dessa natureza, ser uma pena autónoma, pois que sendo-o, é verdade, está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução.”

Outra linha jurisprudencial orienta-se no sentido de que para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de “pena não privativa da liberdade” contida no nº 1 do artigo 17º da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto, inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas – entendimento expresso, entre outros, nos Acs. R. do Porto de 26/06/2013, Proc. nº 1668/11.8PBMTS.P1, 22/10/2014, Proc. nº 70/98.0TBPRD-A.P1 e 06/05/2015, Proc. nº 43/12.1GCOVR-A.P1; Ac. R. de Lisboa de 21/11//2012, Proc. nº 279/10.0GCBNV.L1-3, consultáveis no mencionado sítio.

Neste aresto da Relação de Lisboa se refere, acolhendo o parecer do Exmº PGA, que “é pacífico e unanimemente aceite na jurisprudência e na doutrina que uma pena de prisão suspensa na sua execução constitui uma pena autónoma, distinta e substitutiva da pena de prisão. Isto é, constitui uma pena a que a doutrina atribui a denominação de "pena de substituição em sentido próprio", a ser cumprida em liberdade, aplicada em vez da pena de prisão.

(...) não se vê que o artigo 17.º, n.º 1, da Lei 57/98 corresponda ao artigo 70.º, n.º 1, do Código Penal, nem que este último preceito, na expressão "pena privativa e pena não privativa da liberdade", se limite às penas principais de prisão e multa.

Não ignorando o legislador esta classificação das penas principais nem o seu "nomen juris"; não existindo motivos que, por recurso aos elementos literal, lógico, histórico e sistemático de interpretação, imponham a conclusão de que o legislador disse mais do que queria dizer; nem se mostrando presente razão que leve a concluir que o legislador não soube exprimir na letra da lei o seu pensamento, tudo como exigido pelas normas de interpretação da lei constantes do artigo 9.º do Código Civil, não pode ser aceite uma interpretação que proceda a uma amputação substancial do conteúdo do conceito de "pena não privativa da liberdade", reduzindo-o à pena de multa.”

Acrescentando-se ainda que “(…) o facto de a pena de prisão substituída poder vir a ser executada em caso de revogação da suspensão não poderá, neste momento processual, constituir fundamento para excluir a possibilidade de não transcrição da condenação no certificado do registo criminal.

Em primeiro lugar, como se sublinhou, porque a pena aplicada é uma pena substitutiva da prisão.

Em segundo lugar, porque a execução da pena de prisão, em caso de revogação da suspensão, não sendo automática, carecerá sempre de uma decisão judicial autónoma que verifique os fundamentos previstos no art.º 56 do Código Penal e, em consequência, determine o cumprimento daquela pena”.

Este último entendimento é o que merece a nossa aceitação, pelos fundamentos aduzidos, que na íntegra subscrevemos, sendo que cumpre assinalar ainda que o nosso Supremo Tribunal de Justiça tem desde há muito vindo a considerar que a pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena autónoma da pena de prisão e verdadeiramente não privativa da liberdade, como se decidiu, designadamente, nos Acórdãos de 20/04/2005, Proc. nº 04P4742 e de 13/02/2014, Proc. nº 1069/01.6PCOER-B.S1, em www.dgsi.pt.

Assim, este fundamento do tribunal recorrido para o indeferimento do impetrado pelo ora recorrente não merece acolhimento.

Mas, para que se determine a não transcrição da decisão condenatória que sofreu o recorrente aos 11/10/2013 não basta o preenchimento deste requisito formal, importa ainda que se verifique o requisito ou pressuposto substancial, qual seja, que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes.

Analisado o acórdão condenatório, constata-se que provado está que o recorrente trabalhava por conta de empresa que celebrara contrato de prestação de serviços para a “EDP, distribuição de Energia, SA”, com funções inerentes à categoria profissional de serviço a clientes.

No exercício destas, no período compreendido entre Setembro de 2005 e 26/06/2007, acedeu aos dados de clientes da “EDP, SA”, através de um username e de uma password, procedeu à alteração dos NIB fornecidos pelos clientes para efeitos de reembolso e substituiu-os pelo seu NIB pessoal, inserindo após, no sistema informático, uma ordem para transferência de crédito do cliente para a sua conta bancária.

Com este procedimento, conseguiu que fossem efectuadas para a sua conta bancária transferências no valor global de 66.395,00 euros, quantia que despendeu para satisfação das necessidades pessoais.

No dia 04/07/2007, entregou ele à empresa empregadora a quantia de 2.000,00 euros para ressarcimento dos prejuízos causados e, a sua solicitação, não lhe foi paga a quantia de 949,01 euros referente a créditos laborais que tinha a receber pela cessação do contrato de trabalho.

Em nosso entender, face a esta factualidade que provada se encontra, dificilmente se pode concluir pela verificação do dito pressuposto substancial, ou seja, que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes.

É que, não estamos perante um único acto, mas de uma conduta que se prolongou por um período temporal de quase dois anos, que se traduziu em mais de quarenta e um actos de alteração de NIB e transferências e certo é que o recorrente tem os conhecimentos técnicos que o capacitam para assim proceder.

Ora, surpreendentemente, o Sr. Juiz a quo entendeu que verifica-se que das circunstâncias que acompanharam a prática do crime de burla informática pelo qual o arguido foi aqui condenado não se pode induzir o perigo de prática pelo mesmo de novos crimes.

Assim, porque o recorrente não colocou em causa esta conclusão (obviamente, diga-se), não pode agora este tribunal ad quem julgar que se mostra presente esse perigo e, tendo-o em consideração, julgar o recurso improcedente.

O tribunal recorrido argumenta ainda, para fundar o indeferimento, com o facto de o recorrente em Setembro de 2013 averbar mais três condenações, para além da sofrida nestes autos, pelo que o seu CRC não é imaculado.

Só que, a não existência de condenações não é requisito legal para a determinação da não transcrição da condenação no certificado de registo criminal requerido por particulares, pelo que tal fundamento não é admissível para indeferir essa pretensão.


Face ao exposto, o recurso merece provimento.


III - DISPOSITIVO:

Nestes termos, acordam os Juízes da ...ª Secção desta Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso pelo recorrente AF... interposto e, em consequência, revogam o despacho recorrido, determinando nos termos impetrados a não transcrição do acórdão lavrado aos 11 de Outubro de 2013 no Processo nº 7267/07.1TDLSB, da 3ª Vara Criminal de Lisboa, nos certificados de registo criminal a que se reportam os artigos 11º e 12º, da Lei nº 57/98, de 18/08.

Na 1ª instância se farão as legais comunicações.

Sem tributação.


Lisboa, 9 de Junho de 2015.


(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP).


(Artur Vargues)
(Jorge Gonçalves)