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CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CADUCIDADE
SUSPENSÃO DO CONTRATO
COMPENSAÇÃO
FÉRIAS
FALTAS INJUSTIFICADAS
Sumário
I. A compensação pela cessação do contrato de trabalho a termo mediante denúncia do empregador visa reparar de alguma maneira o trabalhador do prejuízo decorrente da cessação do contrato. II. Para o calculo da compensação é irrelevante a suspensão do contrato a termo, devendo ter-se em consideração todo o período, e não meramente o tempo em que o trabalhador prestou efetivamente serviço, desde logo porque a antiguidade não pressupõe “a efetiva prestação do trabalho”, nos termos do disposto no art.º 295, n.º 1. do CT, pelo que continua a contar. III. O valor da perda de antiguidade que se compensa é a do momento da cessação do contrato IV. O n.º 3 do art.º 245 do CT contém uma norma corretiva do n.º 1 do art.º 239 que visa evitar resultados desproporcionados e desiguais do período de férias relativamente ao trabalhado prestado, recentrado a duração do período de férias na duração do contrato nos casos em que o contrato de trabalho ou não atinge doze meses até o ultrapassa mas o contrato cessa no ano civil subsequente ao da admissão, reduzindo o direito a férias a pouco mais de 31 dias úteis. V. Para apreciar se o trabalhador comunicou e justificou atempadamente as faltas, bem se desobedeceu, há que interpretar as normas tendo em conta o princípio da boa fé, estruturante do direito laboral (cfr. art.º 126/1, Código do Trabalho, para a pendência do vinculo jurídico). (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Parcial
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO:
Autora (A.) e recorrida: AA;
Ré (R.) e recorrente: BB, LDA .
A A. alegou que em 25.1.2010 foi admitida pela R. por contrato de trabalho a termo por 6 meses, renovável por iguais períodos, para exercer as funções de escriturária; devido a desentendimentos entre o legal representante da R. e a irmã da A., que trabalhava na casa daquele, o mesmo começou a trata-la mal (a A.), humilhando-a e mostrando-se agressivo; a A., devido ao estado de ansiedade consequente, ficou de baixa médica por alguns dias, e o legal representante da R. aproveitou essa ausência para lhe pedir que devolvesse todos os bens da R. que tinha em seu poder: chaves, telemóvel, comando da garagem e cartões bancários; a A. devolveu, por correio, o que lhe era possível, relegando para momento posterior a entrega do remanescente, uma vez que estava apenas temporariamente ausente por doença, prevendo voltar; a R., atenta a falta de devolução imediata das chaves, fez-lhe pagar a substituição das fechaduras do escritório; a R. comunicou à A. a caducidade do contrato de trabalho, sem lhe pagar tudo o que lhe era devido; a A. sofreu elevados danos morais, atenta a forma como foi tratada.
Com estes fundamentos pediu a condenação da R. a pagar-lhe:
a) 1.765,62 € referentes a uma indemnização pela caducidade do contrato a termo certo decorrente de declaração do empregador;
b) 2.000,00 € relativos a férias vencidas a 1 de Janeiro de 2011 e ao respectivo subsídio;
c) 309,70 € referentes às fechaduras substituídas unilateralmente pela Ré e descontadas por esta na retribuição de Janeiro de 2011;
d) 3.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais;
e) os juros vencidos e vincendos à taxa em vigor, desde a data do seu vencimento até integral e efectivo pagamento, sobre as quantias enunciadas nas alíneas anteriores.
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Contestou a R. excecionando erro na forma de processo, caducidade do direito de acção e prescrição dos créditos peticionados pela A; e alegando que, não obstante a confiança que o legal representante depositava na trabalhadora, esta cometeu muitos erros, que em muito prejudicaram a R., e, tendo sido chamada a atenção sobre a forma deficiente como executava as suas tarefas, entrou em “baixa médica”; a A. faltou injustificadamente e gozou dias de férias a mais; dada a conjuntura económica, bem como o impedimento prolongado da A., a R. rescindiu o contrato de trabalho com a A., o qual cessou por caducidade.
Pediu a procedência das exceções e a sua absolvição da instância, pedido ou rejeição da ação; ou a improcedência da ação. Deduziu outrossim reconvenção, invocando ofensa do seu bom nome e dos seus representantes e pedindo a condenação da A. a pagar-lhe € 3.566,61. Enfim, solicitou a condenação da A. por litigância de má fé em multa e indemnização não inferior a 2/10 do pedido da A..
A A. respondeu ao pedido reconvencional e às excepções invocadas, pedindo a sua improcedência e ainda a condenação da R. em multa e indemnização por litigância de má fé.
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Teve lugar audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador que considerou correcta a forma de processo, e onde foram julgadas improcedentes as invocadas excepções de caducidade e prescrição invocadas pela R.; e foi parcialmente rejeitado o pedido reconvencional, por inadmissível, sendo apenas admitido, a título de compensação, o pedido da R. de € 499,95, a título de faltas injustificadas que foram pagas pela R. à A..
Mais determinou a prossecução da ação contra os sócios nos termos do art.º 162 do Código das Sociedades Comerciais, atenta a dissolução entretanto ocorrida da Apceuticals.
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Efectuado o julgamento o Tribunal julgou:
“a presente ação parcialmente procedente por provada, e, em consequência:
1. Condeno o sócio da R. BB, Lda., CC a pagar à A. AA:
a) a indemnização pela caducidade do contrato de € 1.765,62 (mil setecentos e sessenta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos);
b) a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidos a 1 de Janeiro de 2011;
c) a quantia de € 309,70, (trezentos e nove euros e setenta cêntimos) por lhe ter sido indevidamente descontada tal quantia da retribuição de Janeiro;
d) na quantia de € 500,00, (quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais; e
f) juros legais sobre as supra referidas quantias à taxa de 4% desde o vencimento de cada identificada em a), b) e c), e até integral pagamento e relativamente à al. d), desde o trânsito em julgado da presente sentença.
2. Absolvo A. e R. de tudo o mais peticionado”.
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Não se conformando veio a R. apelar, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:
A - DA COMPENSAÇÃO PELA CADUCIDADE DO CONTRATO
(…)
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Contra-alegou a A., pedindo afinal a improcedência do recurso, desta sorte:
(…)
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O MºPº teve vista e emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença.
A R. respondeu ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO:
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º art.º 636 e 639, todos do Código de Processo Civil –, o acerto da decisão quanto:
a) à compensação pela caducidade do contrato;
b) o valor dos créditos relativos a direito a férias;
c) a justificação ou não das faltas;
d) à existência de juros de mora.
e) a existência de eventual nulidade da sentença.
*
*
São estes os factos apurados nos autos, os quais não foram impugnados:
(…)
*
*
1. Do cálculo da compensação caducidade do contrato
Discute-se se a compensação pela caducidade do contrato a termo, prevista no art.º 344/2 do CT, deve ter em conta o período de suspensão do convénio por impedimento prolongado do trabalhador (no caso 6 meses por incapacidade temporária decorrente de ansiedade e depressão).
Dispõe o art.º 344, n.º 2, do Código do Trabalho, na versão de 2009, aplicável atenta a data da cessação do vinculo, que
(…) 2 – Em caso de caducidade de contrato a termo certo decorrente de declaração do empregador, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a três ou dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do contrato, consoante esta não exceda ou seja superior a seis meses, respectivamente. 3 – A parte da compensação relativa a fracção de mês de duração do contrato é calculada proporcionalmente.
(…)
Idêntico regime é aplicável aos contratos a termo incerto, de harmonia com o disposto no art.º 345, n.º 4 (“Em caso de caducidade de contrato a termo incerto, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior”).
Por seu lado, sobre a suspensão imputável ao trabalhador, importa ter em conta o disposto nos art.º 294 a 296:
Artigo 294.º Factos determinantes de redução ou suspensão 1 – A redução temporária de período normal de trabalho ou a suspensão de contrato de trabalho pode fundamentar-se na impossibilidade temporária, respectivamente parcial ou total, de prestação de trabalho por facto relativo ao trabalhador ou ao empregador. 2 – Permitem também a redução do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho, designadamente: a) A necessidade de assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção de postos de trabalho, em situação de crise empresarial; b) O acordo entre trabalhador e empregador, nomeadamente acordo de pré-reforma. 3 – Pode ainda ocorrer a suspensão de contrato de trabalho por iniciativa de trabalhador, fundada em falta de pagamento pontual da retribuição. Artigo 295.º Efeitos da redução ou da suspensão 1 – Durante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho. 2 – O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade. 3 – A redução ou suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais. 4 – Terminado o período de redução ou suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efectiva prestação de trabalho. 5 – Constitui contra-ordenação grave o impedimento por parte do empregador a que o trabalhador retome a actividade normal após o termo do período de redução ou suspensão. Artigo 296.º Facto determinante da suspensão respeitante a trabalhador 1 – Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar. 2 – O trabalhador pode suspender de imediato o contrato de trabalho: a) Na situação referida no n.º 1 do artigo 195.º, quando não exista outro estabelecimento da empresa para o qual possa pedir transferência; b) Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 195.º, até que ocorra a transferência. 3 – O contrato de trabalho suspende-se antes do prazo referido no n.º 1, no momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo. 4 – O contrato de trabalho suspenso caduca no momento em que seja certo que o impedimento se torna definitivo. 5 – O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei.
Qual é a razão de ser da compensação pela caducidade do contrato a termo?
Este montante surge em lugar da indemnização de antiguidade nos casos de despedimento ilícito (por todos cfr. 396, n.º 1 e 2, do CT) e visa ressarcir a antiguidade que o trabalhador evidentemente perde com a cessação de um contrato excecional, por transitório
Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, I vol., Coimbra Ed., 924, parece ir no mesmo sentido, ao afirmar que é uma forma de ressarcir o trabalhador “pela precariedade do contrato a termo” (no mesmo sentido, vg., Susana Sousa Machado, Contrato de Trabalho a Termo, Coimbra Ed., 2009, 277 ); contudo a precariedade, a nosso ver, é própria deste tipo de contratos, conhecida das partes, e o direito à compensação só surge com o fim do convénio, e, mais, diretamente ligada …à antiguidade do trabalhador (cfr. Susana Machado, op. cit., loc. cit) e daí a nossa leitura.
Isso vê-se bem no caso paralelo da indemnização de antiguidade, mas também se vê na compensação, sendo aliás os termos da lei similares, com a divergência terminológica de que no despedimento se alude a “antiguidade” e na caducidade em “duração do contrato”.
Sendo assim, a compensação só faz sentido na medida em que repara de alguma maneira o trabalhador do prejuízo decorrente da cessação do contrato (o que explica que a lei a conceda apenas nos casos em que há declaração de denuncia por parte do empregador, art.º 344/2, e isto não ignorando a dificuldade especial dos casos de caducidade automática). Com efeito, se estivesse numa relação por tempo indeterminado, o trabalhador estaria a caminho de obter uma diuturnidade, com as vantagens consequentes em relação à situação de eventuais recém-chegados; como em vez disso perde o vínculo jurídico, regressando à estaca zero em termos de mercado laboral – mas mais velho e tendencialmente desgastado, o que neste mercado concorrencial pode tornar-se desvantajoso – é razoável que seja de alguma forma ressarcido.
Esta lógica aponta, decididamente, no sentido de que a suspensão não releva, devendo ter-se em consideração para o cálculo da compensação todo o período, e não meramente o tempo em que o trabalhador prestou efetivamente serviço, desde logo porque a antiguidade não pressupõe “a efetiva prestação do trabalho”, nos termos do disposto no art.º 295, n.º 1. do CT, pelo que continua a contar (como o trabalhador continua a envelhecer).
Mas a lei até é expressa – o que fere de morte a argumentação da R. de que tal violaria os princípios da igualdade e proporcionalidade e contraria o espírito da norma -, ao referir que “o tempo de suspensão conta-se para efeitos de antiguidade” (art.º 295/2). Logo, ter-se-ia sempre de calcular os 18 meses de duração do contrato, sem subtração do tempo de incapacidade por doença.
De resto, nota-se alguma incongruência na posição da R., que não teve dúvidas em não considerar o período de suspensão para fazer cessar o contrato (bem, como resulta do disposto no art.º 295/3, 1 e 4, o que, porém, tem subjacente a noção de que a suspensão só opera nas áreas expressamente previstas na lei) e nesta matéria já defende o inverso.
Conexa com esta questão há outras duas, rebelando-se a R. contra o facto de no cálculo da compensação:
1. não se ter em atenção a alteração do valor da retribuição ocorrida na pendência do contrato;
2. o valor diário deve ser apurado dividindo a retribuição mensal por 30 e não a partir do valor/hora.
Quanto à primeira, socorramo-nos novamente do lugar paralelo da resolução para evidenciar melhor a falta de razão da recorrente. Seguindo esta ideia, a um contrato por tempo indeterminado com a duração de 30 anos, findo através de um despedimento ilícito do trabalhador, corresponderia uma indemnização calculada de acordo com a retribuição base e diuturnidades correspondente a cada ano de antiguidade (isto no caso de ser calculada a 30 dias/ano; de todo o modo, fosse para mais fosse para menos a lógica seria a mesma). Salta à vista que esta ideia não colhe e que não encontra arrimo no art.º 396/1 e 2, o qual tem subjacente a retribuição à data da cessação do contrato.
E naturalmente que é isto que subjaz também à compensação pela caducidade. Nem podia ser de outro modo: é que o valor da perda de antiguidade que se compensa é a do momento da cessação do contrato, que é aquilo que o trabalhador perde com a cessação do vínculo jurídico; não é o valor que teria tempos antes, quando igualmente o trabalhador era mais novo.
Improcede, pois, esta questão.
Quanto ao calculo do valor diário, dizendo a lei que o trabalhador tem direito a 3 ou 2 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de duração do contrato, e não fornecendo nesse artigo critério para apurar o valor de cada dia, põe-se a questão saber de determinar o montante da retribuição diária a atender.
A sentença aplicou o disposto no art.º 271 do CT, que indica a forma de calcular a retribuição horária: 1 – O valor da retribuição horária é calculado segundo a seguinte fórmula: (Rm x 12):(52 x n) 2 – Para efeito do número anterior, Rm é o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal, definido em termos médios em caso de adaptabilidade.
A R. insurge-se considerando que se chega assim a valores muito superiores ao vencimento efetivo do trabalhador.
O contrato em causa foi celebrado em Janeiro de 2010 e terminou em Julho de 2011, sendo, pois, anterior à Lei n.º 53/2011, de 14.10, e não estando também sujeito às alterações da Lei n.º 23/2012.
Aplicando-se o regime do Código do Trabalho em vigor à data, acompanhamos o entendimento da sentença recorrida: o caminho mais razoável e objetivo a seguir resultava da aplicação dos critérios do art.º 271 do CT, ou seja do apuramento do valor horário.
Era esse também o entendimento seguido pela doutrina mais abalizada (cfr. por todos Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3ª ed., 70: aplicava-se “a fórmula de calculo da retribuição horária do art.º 271 … (Rm x 12): (52 x n) … Estabelecido o valor da retribuição horária … multiplicar-se-á pelo período normal de trabalho diário, achando-se assim o valor da retribuição diária a utilizar para o calculo da compensação de antiguidade”).
A R. pretende na realidade a aplicação de um regime posterior e que não disciplina este caso, seja diretamente seja por via da criação de uma norma. Porém, o sistema jurídico já tem norma aplicável, conforme exposto e é a que o recorrido teve em consideração.
Pelo que improcede esta questão.
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2. Efeitos da cessação do contrato no direito a férias.
A R. insurge-se contra o pagamento de retribuição e subsidio correspondente ao alegado direito a 22 dias de férias da A., por entender que face ao impedimento prolongado da A. se aplica o disposto no art.º 254/4, e, a não ser assim, o disposto no n.º 3.
Vejamos.
A primeira parte da argumentação da R. é ininteligível: não pode aplicar-se o n.º 4 do art.º 254 quando o direito a férias radica no trabalho prestado em 2010 e a incapacidade teve início em 14.1.2011. Só teria sentido se a incapacidade tivesse início em 2010.
O que prejudica irremediavelmente esta parte.
A segunda merece mais atenção.
Com efeito a A. foi admitida em 25.1.2010, mediante contrato a termo de 6 meses (n.º 1 e 35 do factos provados, fp), e nesse mesmo ano gozou 22 dias de férias (66 e 67).
Em regra o trabalhador tem direito a um período de 22 dias úteis de férias retribuídas em cada ano civil, que vence a 1 de janeiro e se reporta ao trabalho prestado no ano anterior (art.º 237/1 e 2 e 238/1).
Contudo, no caso de o contrato cessar no ano seguinte ao da admissão “o cômputo total das férias ou da correspondente retribuição a que o trabalhador tenha direito não pode exceder o proporcional ao período anual de férias tendo em conta a duração do contrato”.
Escreve Luís Miguel Monteiro, in CT Anotado, sob a direção de Pedro Romano Martinez, Almedina, 4ª ed., 2009, nota II ao art.º 245, pag. 604, que
“O n.º 3 contém norma correctiva, destinada a impedir a aquisição de período de férias desproporcionado ao trabalhado prestado e, por isso, manifestamente desi-gual ao reconhecido a outros trabalhadores com idêntico ou superior tempo de execução contratual. A previsão normativa conhece alargamento face ao preceito correspondente do CT2003, na medida em que o período de férias é calculado proporcionalmente à duração do contrato, não apenas quando a duração deste não atinja doze meses, como acontecia no Direito precedente, mas também quando tenha duração anual e caso cesse no ano civil subsequente ao da admissão. Assim, enquanto da aplicação das regras dos n.º 1 dos artigos 237.° e 239.°, bem como do n.º 1 do artigo em anotação, resultaria que trabalhador contratado de Fevereiro de um ano a Junho do ano seguinte poderia ter o correspondente a cinquenta e três dias úteis de férias, o preceito em anotação reduz o direito a férias, para todos os efeitos, ao equivalente a pouco mais de 31 dias úteis”.
É este manifestamente o caso: tendo a A. gozado férias pelo máximo em 2010, ano da admissão, e cessando o contrato em 4.7.2011, importa aplicar esta norma corretiva e atribuir-lhe os direitos correspondentes a metade do ano (não se esgrima com as faltas da A., visto que este direito não está condicionado à assiduidade ou efetividade do serviço, art.º 237/2).
Assim sendo, a al. b) da sentença deve ser retificada, procedendo parcialmente o recurso, alterando-se a condenação no pagamento de 1000,00 a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidos a 1.1.2011.
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3. Das faltas da A.
Alega a R. que as faltas da A. são injustificadas por não terem sido oportunamente comunicadas.
Responde a A. que o foram e que se está a entrar na apreciação da matéria de facto, âmbito excluído do recurso.
Só nos importa subsumir ao direito aquilo que está provado nos autos.
Antes de entrar na questão concreta importa fazer um breve excurso sobre a boa fé, princípio estruturante do direito privado comum (cfr. art.º 227/1 e 762/1 do Código Civil), que se reflecte numa série de normas e de regras de regulação da vida em sociedade (basta ver todo o Capítulo I do Subtítulo III do Livro I do Código Civil, art.º 217 e ss., para encontrar inúmeras manifestações, mormente na vertente ética, destacando-se ainda, pelo seu relevo, o Capitulo I do Subtítulo IV, alusivo ao exercício e tutela de direitos, mormente na figura do abuso de direito). Funciona como uma cláusula geral de segurança do sistema, transportando na área privatística do ordenamento jurídico valores e normas do centro para a periferia, e evitando resultados materialmente violadores das exigências do dever ser jurídico.
Uma vez que se entenda – como se entende maioritariamente – que os princípios fundamentais constitucionais não são de aplicação directa nas relações entre particulares, é à boa fé, sobretudo, que cabe mediando a sua aplicação. No direito do trabalho a boa fé desempenha outrossim papel relevantíssimo, transportando igualmente valores e princípios. É assim que normas como o art.º 102 e o n.º 1 do art.º 126 do Código do Trabalho proclamam o imperativo da boa fé quer na celebração e na execução de convénios laborais. E também aqui trata-se de um princípio que se concretiza adiante em muitas normas especiais, que em matérias que vão da invalidade dos contratos individuais (art.º 124, n.º 3 e 4) às negociações colectivas e ao cumprimento dos respectivos instrumentos (art.º 489/1 e 520/1) e aos conflitos colectivos (art.º 522).
É à luz deste princípio que se há ter presentes as regras aplicáveis, nomeadamente os n.º 1, 2 e 5 do art.º 253 do CT (1 – A ausência, quando previsível, é comunicada ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias. 2 – Caso a antecedência prevista no número anterior não possa ser respeitada, nomeadamente por a ausência ser imprevisível com a antecedência de cinco dias, a comunicação ao empregador é feita logo que possível. 5 – O incumprimento do disposto neste artigo determina que a ausência seja injustificada).
Tendo em conta estas balizas, verificamos que a A.
-faltou a 14.1.2011 por doença que justificou a 17.1 por certificado, via fax (valido de 14 a 18.1);
-faltou de 18.1 por doença, que justificou por certificado de incapacidade temporária enviado via fax no próprio dia (datado de 17.1 e válido até 17.2.2011);
-em 2011.02.23 a R. recebeu uma carta registada em 2011.02.22, às 16h18 (RC590021314PT), com o certificado de incapacidade temporária da A. para o trabalho, por estado de doença, com data de início em 2011.02.18 e data de termo em 2011.03.19.
-em 2011.03.23 a R. recebeu uma carta registada em 2011.03.22, às 16h13 (RC693667847PT), com o certificado de incapacidade temporária da A. para o trabalho, por estado de doença, com data de início em 2011.03.20 e data de termo em 2011.04.18.
-em 2011.04.26 a R. recebeu uma carta registada em 2011.04.21, às 12h05 (RC590021291 PT), com o certificado de incapacidade temporária da A. para o trabalho, por estado de doença, com data de início em 2011.04.19 e data de termo em 2011.05.18.
-em 2011.05.24 a R. recebeu uma carta registada em 2011.05.23, pelas 18h03 (RC719174909PT), com o certificado de incapacidade temporária para o trabalho da A., por estado de doença, com data de início em 2011.05.19 e data de termo em 2011.06.18.
-em 2011.06.22 a R. recebeu uma carta que foi registada com aviso de recepção em 2011.06.21, pelas 17h (RC590021328PT), com o certificado de incapacidade temporária da A. para o trabalho, por estado de doença, emitido em 2011.06.17, com data de início em 2011.06.19 e data de termo em 2011.07.18.
Ora, o que se vê de aqui é que a A. apresentou sempre de forma diligente as justificações das faltas.
E considerando que o fez com frequência via CTT, nem sequer se pode afirmar que tenha demorado a expedir a correspondência, excluindo qualquer atraso dos correios.
E note-se que a A. estava incapacitada por depressão, doença do foro psiquiátrico, que não permite amiúde que o paciente se consiga orientar e administre a sua vida com alguma normalidade, o que mais acentua a insuscetibilidade de um juízo de censura por qualquer negligência.
Pretende a R. que as faltas eram previsíveis.
Isso, porém, é o que teria de provar.
É certo que, voltando ao foro depressivo, é sabido que estas moléstias são frequentemente de tratamento complexo e demorado.
Mas não se pode afirmar que a perspetiva de melhorar significativamente estava excluída. E podia até a A. ter o desejo de regressar à atividade e aguardar a autorização clínica que não veio.
Certo é que estes elementos não permitem afirmar que não comunicou oportunamente as faltas e a correspondente justificação, nem à luz da boa fé e dos factos apurados se lhe pode exigir outro comportamento.
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4. Da mora da trabalhadora:
Defende a R. que há mora da A. ao não receber, sem motivo justificativo, o pagamento proposto pela R..
Responde esta que não se recusou a receber os seus créditos, que bem falta lhe fazem, mas sim aceitar a dedução ilegal do valor do canhão e das fechaduras trocadas pela R. no seu vencimento, bem como assinar declarações e recibo de quitação com os quais não concordava.
Provou-se que:
53.º Por carta registada com AR, de 2011.01.21 a R. comunicou à A, além do mais, que iria "proceder à substituição dos canhões das fechaduras e respectivas chaves e que, por imperativo legal, o custo deste serviço lhe será imputado na totalidade".
54.º A R. providenciou então pela substituição dos canhões das fechaduras e respectivas chaves da sua sede, o que importou uma despesa no valor de € 309,70.
55.º Em 2011.01.24, a R. emitiu uma nota de débito à A, pelo valor de € 309,70, relativa à despesa suportada com a substituição dos canhões das fechaduras.
56.º A R. procedeu à emissão do recibo de vencimento da A. pelos dias efectivamente trabalhados (€ 413,58), e procedeu à emissão da nota de débito e respectivo recibo, para reembolso da despesa com a substituição dos canhões e chaves da sua sede.
58.º Por carta de 2011.06.14, recebida pela A. em 2011.06.15, a R. comunicou-lhe, ao abrigo do disposto na clausula 2.2., do contrato celebrado em 2010.01.25, a sua não renovação e a cessação do mesmo por caducidade em 2011.07.04, tendo designado o dia 5 de Julho de 2011, pelas 15h, para se proceder ao encerramento das contas e pagamento das retribuições e compensações devidas à A, interpelando-a para esse efeito.
60.º Em 2011.07.04 a R. procedeu à emissão do cheque e respectivo recibo, entretanto anulado, pelo valor de € 844,96.
61.º A R enviou à A, em 2011.07.06, uma carta registada com aviso de recepção, recebida por esta em 2011.07.07, de onde consta que ''já havia sido interpelada pessoalmente e que o foi também na pessoa da V/ilustre mandatária, para receber os créditos salariais que vos são legalmente devidos e para lhe serem entregues os bens pessoais constantes do inventário que vos foi remetido e que se encontram na nossa posse, tendo havido recusa expressa da sua aceitação sem ocorrência de qualquer motivo justificado, cumpre-nos desde já informá-la de que se encontra actualmente em mora".
62.º A A. nunca respondeu à carta enviada pela R. em 2011.07.06.
63.º Por carta registada com aviso de recepção, de 2011.07.07, recebida pela A. em 2011.07.08, a R. enviou à A. o certificado de trabalho e o documento comprovativo da declaração da situação de desemprego, dando ainda de novo por integralmente reproduzido o teor da carta de 2011.07.06.
64.º Na sequência da solicitação feita à R, em 2011.07.25, para marcação de uma data e hora para levantamento, por terceiro devidamente credenciado para o efeito, dos objectos pessoais da A., a R. por carta registada, de 2011.07.29, recebida pela A. em 2011.07.30, enviou à A. os requerimentos para prestações compensatórias, tendo designado o dia 29 de Agosto de 2011, pelas 15h, para levantamento dos seus bens pessoais e que se encontravam até então à guarda da R, dando mais uma vez por integralmente reproduzido o teor da carta de 2011.07.06.
65.º A A. nunca respondeu à carta enviada pela R em 2011.07.29, não compareceu na sede da R na data designada, nem comunicou qualquer impedimento ou justificação para a sua não comparência, porquanto entendia que tal estava a ser tratado através da sua Ilustre Mandatária.
68.º A. e R. tentaram através dos Ilustres Mandatários chegar a acordo relativamente aos pagamentos finais, bem como à entrega dos bens da A..
O que resulta daqui é que efetivamente a R. pretendeu que a A. aceitasse que apenas lhe devia aquilo que ela, R., entendia.
Basta mirar a sentença recorrida para se ver que aquilo que a R. oferecia não corresponde ao que um jurista médio entenderia ser devido à A..
A sentença entendeu assim e bem, já que, antecipando desde já a questão do canhão e das chaves (e sem prejuízo do que já vimos noutras rubricas) não se reconhece direito à R. para efetuar tal desconto (que ainda por cima agiu censuravelmente ao afirmar à trabalhadora que tinha de trocar as chaves e o canhão …por “imperativo legal”!, bem sabendo que nenhuma norma na lei lhe dá cobertura).
Não há mora da trabalhadora porque para tal seria necessário que a R. tivesse (art.º 813 do Código Civil):
a) oferecido a prestação devida nos termos legais, coisa que a R. não fez, propondo pagar valores substancialmente diferentes e em prejuízo da credora;
b) que não houvesse motivo justificado para a recusa, coisa que manifestamente há.
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5. Do incumprimento e desobediência da A.
A R. considera que houve desobediência da A. ao recusar-se a entregar as chaves e o comando da garagem, e que isso lhe causou € 500,00 de prejuízos.
A A. responde que a substituição de chaves e canhão foi ato precipitado da R., e que a trabalhadora entregou os bens logo que possível.
Mais uma vez há que ter presente as implicações do princípio da boa fé.
Provou-se que, logo que deu conhecimento à R. da incapacidade temporária para o trabalho, o legal representante da R. enviou um SMS à A. a exigir a entrega do telemóvel da empresa, das chaves do escritório e o comando da garagem (9 fp). A A. enviou logo o telemóvel, mas questionou-o por carta quanto aos demais (10), perante o que o representante mandou novo SMS a exigir chaves e comando até ao dia 20.1.2011 às 18:00 horas (11). A A., receando represálias, só os entregou em 25.1, tendo ido acompanhada (12, 13, 14), e imediatamente aquele legal representante exigiu-lhe que assinasse uma declaração de uma nota de débito na qual lhe era imputada a mudança das fechaduras do escritório (15).
Daqui resulta que a A. não cumpriu imediatamente o determinado, vindo a fazê-lo alguns dias depois, pelos motivos aludidos.
Visto isto há que deixar claro que:
1º não se apurou que da conduta da A. tenham resultado os prejuízos que a R. alega (€ 500,00; porque não 600 ou 400?);
2º aliás, não se provaram quaisquer prejuízos para a empregadora: a R. mudou de canhões e fechadura porque quis, não se vislumbrando que o facto de as chaves e o comando estarem na posse da A., a quem tinham sido entregues, gerasse qualquer risco; e também não se alcança motivo algum razoável para a mudança das mesmas ter impreterivelmente lugar decorrido o prazo dado pelo legal representante à A. (prazo que também não mostra ter qualquer razoabilidade). Ou seja, não há fundamento para imputar as despesas resultantes dessa mudança à A..
Logo não estão reunidos os pressupostos para a responsabilidade civil da A. (art.º 483 e ss. CC).
A desobediência em causa da A. não é apta a gerar os danos invocados na esfera jurídica da R., pelo que improcede também esta questão.
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6. Da condenação da R. ultra petitum.
Conexa com esta está a condenação da R. a pagar à A. “€ 500,00 a título de danos não patrimoniais decorrentes «do seu comportamento relativamente às fechaduras»”, o que a R. entende ferir a sentença de nulidade, por ter sido condenada “extra vel ultra petitum” (conclusões 21 e 22).
É difícil entender o sentido desta impugnação. Se se refere propriamente à condenação por danos não patrimoniais, manifestamente não tem razão: a A. formulou um pedido de condenação em € 3,000,00 de indemnização por danos não patrimoniais.
Se se refere, com afirma nas alegações, aos factos, já não estamos na condenação para além do pedido, mas sim, na sua óptica, em factos novos; porém nem isso é verdade, porque a A. descreve-os na pi, designadamente a queixa crime que o legal representante apresentou contra si invocando crimes contra propriedade (art.º 20 da p.i.) e a mudança das fechaduras e consequente tentativa de a fazer pagar as despesas.
Isto basta para que tal improceda.
De todo o modo, estar-se-ia, na perspetiva da própria R., perante uma nulidade da sentença.
Há regras próprias para a arguição de nulidades em processo laboral que a R. não observou e que tornam extemporânea e incognoscível tal vício: é que tal teria sempre de ser arguido perante a Mmª Juiz do Tribunal a quo (art.º 77 do Código de Processo do Trabalho), coisa que a R. não fez.
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DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e altera-se a al. b) da sentença desta sorte:
(…)
b) a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidos a 1 de Janeiro de 2011;
(…)
No mais confirma-se a decisão recorrida.
Custas da ação e do recurso na proporção de 2/5 para a A. e 3/5 para a parte contrária.