CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
RENÚNCIA AO RECURSO
Sumário

- A convenção da arbitragem está sujeita às regras gerais de interpretação do negócio jurídico, o mesmo é dizer que a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ( art.º s 236.º/1 e 238.º/1 do C. Civil).
-Constando da convenção de arbitragem que as partes renunciam expressamente ao foro ordinário para dirimir qualquer litígio emergente deste acordo, obrigando-se a submeter a sua resolução exclusivamente a Juízo Arbitral, que julgue segundo a Lei Portuguesa, urge concluir que a vontade das partes foi a de sujeitar a resolução do litígio, em última instância, ao tribunal arbitral, renunciando ao recurso dessa decisão para o tribunal estadual.
-A aceitação e submissão, sem reservas, pelas partes, da aplicação das regras processuais previstas no Regulamento de Arbitragem de 2008 do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, no qual se prevê que a decisão final do tribunal arbitral não é susceptível de recurso, representa renúncia ao recurso dessa decisão.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam em Conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:


                             
I. Relatório:


1.D... SA, veio interpor recurso de impugnação da decisão arbitral proferida em 18 de setembro de 2014, que a condenou a pagar à demandante A... Lda, a quantia de €200.000,00 e juros vencidos desde 15 de dezembro de 2012.

O recurso tem por objeto, também, a matéria de facto.

Nas suas contra-alegações a recorrida suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso, quer pela sua manifesta extemporaneidade, quer pela sua total inadmissão, derivada da sua renúncia e sujeição do litígio exclusivamente ao tribunal arbitral, tendo em conta o teor da cláusula 23.ª do contrato que traduz a convenção de arbitragem, no âmbito do qual as partes renunciaram à possibilidade de recurso, ao prescrever: “As partes expressamente renunciam ao foro para dirimir qualquer litígio emergente deste acordo, obrigando-se a submeter a sua resolução exclusivamente a juízo arbitral que julgue segundo a lei Portuguesa”.

E, por outro lado, em sede de instalação do Tribunal Arbitral, as partes convencionaram submeter-se ao Regulamento de Arbitragem de 2008 do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, estabelecendo o seu art.º 40.º, n.º1 que “ A decisão final do tribunal arbitral não é suscetível de recurso”. Acrescentando o seu n.º2: “ A submissão do litígio ao Centro de Arbitragem Comercial envolve a renúncia aos recursos”.

2. Por despacho proferido pelo relator, a fls. 592 e 593, foi a recorrente notificada para se pronunciar sobre a extemporaneidade e inadmissibilidade do recurso, nos termos do art.º 655.º/1 do C. P. Civil, respondendo, em síntese, nos seguintes termos:
-O recurso foi remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa por via postal registada em 3/11/2014, conforme consta a fis. 522 dos autos, do mesmo tendo notificado o mandatário da parte contrária, conforme registo de fis. 521.
-Ainda que se entenda, como veio a entender o Senhor Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que a instrução do recurso deva caber ao Tribunal Arbitral (recorrido), deve o mesmo ter-se por apresentado tempestivamente e ser remetido ao Tribunal havido por competente.
-O que de resto foi observado e entendimento do Presidente desse Tribunal que reencaminhou tal expediente ao ilustre presidente do Tribunal Arbitral. (junta-se expediente respetivo por não constar dos autos - (doc. 1, 2 e 3).
-A entrega do recurso no tribunal ad quem é questão non liquet mesmo na doutrina especializada.
-A arbitragem a que se reporta a decisão proferida decorreu "AD HOC" e não sob a égide ou sujeita ao regulamento do Centro de Arbitragem do CAC de Lisboa.
-As partes estiveram de acordo na nomeação de árbitros e por isso que não se submeteram àquele Centro ou seu regulamento, como cristalinamente resulta dos autos, não se verificando o pressuposto referido no ponto 23.5. do clausulado do contrato.
-Desde logo, os árbitros, em razão da sua autonomia de funcionamento, fixaram para sede da arbitragem o Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados e nomearam Secretária privativa fixando diversas regras processuais - art. 4.º
-Mais decidiram os árbitros submeterem-se quanto a "Regras Processuais" ainda ao regulamento do CAC da ACL com adaptações, 6.1 e no omisso à Lei 63/2011 e subsidiariamente também às regras do próprio tribunal (art.° 6.°)
-Ora tais estipulações unilaterais e funcionais dos árbitros não implicam a vinculação das partes, muito menos em matéria de admissão de recursos (não impondo portanto às partes a restrição ao direito de recurso resultante do regulamento citado).
-Mas ainda que assim não fosse, não se pode confundir as "Regras Processuais" fixadas pelos Árbitros, com o alcance mais lato, do que as regras do "Processo Arbitral" constantes do Capítulo III, do citado Regulamento 2008 do CAC.
-Designadamente desse regime fixado pelos árbitros na ata de instalação não se pode entender terem ou pretenderem-se guiar pelo disposto no Capítulo IV do mencionado regulamento, onde se regula a matéria da "Decisão Arbitral", no âmbito da qual se estabelece o regime regra de irrecorribilidade - art.º 40.°.
-À data da estipulação compromissória vigorava a LAV/1986 (já que o contrato data de 23/3/2005. (vide fis. 12, ponto 1).
-No âmbito da referida lei a regra era a da recorribilidade das decisões arbitrais, tendo a renuncia aos recursos de ser expressa e apenas envolvendo renúncia tácita a autorização para julgamento segundo a equidade. (art.°29.° da L 31/86).
-Nos termos da Nova LAV Lei 63/2011, seu art.4.º/3, mantém-se o direito ao recurso.
-Inexiste cláusula de renúncia expressa a recursos como tal lei impunha, nem a mesma resultando indiretamente do estipulado pelas partes.
-Ora uma tal estatuição, aliás tabelar em toda a sua extensão, esclarece apenas que a faculdade (poderá recorrer a arbitragem) nos termos do art. 23.2. – é estabelecida apenas quanto à oportunidade de introdução do pleito.
-Fórmula utilizada exatamente para retirar a ideia de que a expressão usual – e usada in causu, de" ... poderá a todo o momento recorrer ... "pudesse permitir à parte a opção pela jurisdição comum (cláusula por isso havida na doutrina como patológica ou pelo menos de difícil interpretação).

3. Por decisão do Relator, proferida em 2015-03-25, ao abrigo do disposto do art.º 656.º do C. P. Civil, foi considerado tempestivo o recurso interposto mas não foi admitido por a recorrente a ele haver renunciado.

Desta decisão veio a recorrente, nos termos do art.º 652.º/3 do C. P. Civil, requerer que sobre a matéria dessa decisão singular recaia um acórdão, mantendo os argumentos anteriormente aduzidos e mencionar jurisprudência em abono da sua tese.

A parte contrária nada disse.

Cumpre, pois, decidir em conferência.

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II – Âmbito do Recurso:

A questão essencial decidenda consiste em saber se a recorrente renunciou recurso da decisão arbitral e, consequentemente, se o recurso deve ser rejeitado.

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III – Fundamentação fáctico-jurídica:

A) Matéria de facto:

É de considerar relevante para a decisão a seguinte factualidade:
1. A convenção de arbitragem, contida no art.º 23.º do contrato, tem a seguinte redação:
“23.1. Em caso de litígio emergente da interpretação, aplicação ou integração do presente contrato, as partes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, obter uma solução concertada para a questão.
23.2 Quando não for possível uma solução amigável e negociada, nos termos previstos no número anterior, qualquer das partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, nos termos dos números seguintes.
23.3. As partes renunciam expressamente ao foro ordinário para dirimir qualquer litígio emergente deste acordo, obrigando-se a submeter a sua resolução exclusivamente a Juízo Arbitral, que julgue segundo a Lei Portuguesa.
23.4. O Juízo Arbitral será composto por um árbitro nomeado por cada uma das partes, os quais designarão um terceiro árbitro que presidirá.
23.5. Na falta de acordo dos árbitros designados para a nomeação do Árbitro Presidente, as partes submetem-se ao Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria do Porto, para resolução definitiva por tribunal arbitral funcionando sob a égide do referido Centro, nos termos do respetivo regulamento correndo a arbitragem no Porto."

2.Depois de no art.º 4.º da Ata de Constituição do Tribunal Arbitral se estabelecer o lugar de funcionamento do tribunal e regras para as notificações, consigna-se no art.º 6.º, sob a epígrafe de “ Regras Processuais”:
“6.1. Aplicar-se-á à presente arbitragem o Regulamento de Arbitragem de 2008 do referido Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa com as seguintes adaptações e alterações:
a) A Requerente A.... apresentará ou remeterá para o Secretário do Tribunal Arbitral, nos termos da Regra 4.ª, o articulado inicial no prazo de trinta dias a contar da notificação feita pelo Tribunal, após a aprovação tácita da presente ata;
b) A Requerida apresentará o seu articulado no mesmo prazo após notificação do articulado inicial e de igual prazo gozará a Requerente para responder se tiverem sido deduzidas exceções ou reconvenção;
c) A requerimento de qualquer das Partes, ou de ambas, poderá cada uma apresentar um último articulado no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão que defira o requerido;
d) Os documentos juntos pelas Partes terão numeração seguida, independentemente do momento da entrega, com indicação de "A" (quando da Demandante) ou de "R" (quando da Demandada).
e) Os prazos processuais suspender-se-ão de 15 de julho a 31 de agosto.

1)Os árbitros julgam segundo o direito constituído.
g) A decisão final é notificada às Partes, em cópias subscritas pelos árbitros.
6.2. Aos casos omissos - no Regulamento referido em 6.1. aplicar-se-á em primeiro lugar a Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.° 63/2011, de 14 de Dezembro, e, em segundo lugar, a regra criada pelo Tribunal Arbitral, ouvidas previamente as Partes sobre a mesma”.

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B) O Direito:

1.A questão a decidir é simples e não se conhece qualquer controvérsia quanto à sua resposta.
Na decisão singular, proferida pelo ora Relator, exarou-se na sua fundamentação:
“Como realça Manuel Pereira Barroca, ob. cit. pág. 143 e segs. a “convenção de arbitragem é o acordo pelo qual se vinculam a submeter os litígios existentes ou futuros a um tribunal arbitral. Por esse ato de vontade, as partes determinam que os litígios entre si, emergentes de uma certa relação jurídica, contratual ou extracontratual, que tenham já surgido ou que venham a surgir no futuro”.

As partes celebraram um Contrato de Prestação de Serviços do Projeto de Arquitetura e estabeleceram nesse contrato uma convenção de arbitragem, consubstanciada numa cláusula compromissória, com vista à resolução de litígios eventuais emergentes dessa relação jurídica contratual – art.º 1.º/3 da LAV em vigor, aprovada pelo Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro ( art.º 1.º/2 da anterior LAV, aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29 de agosto).

Com a celebração de convenção arbitral cada uma das partes adquire reciprocamente um direito potestativo e uma sujeição: não só tem direito a que o litígio seja resolvido por arbitragem, como também fica obrigada se a parte contrária o quiser.

No âmbito da anterior LAV (1986), desde que as partes a ele não tivessem renunciado expressamente, das sentenças arbitrais caberia sempre recurso para o Tribunal da Relação nos mesmos termos aplicáveis à sentença proferida por um tribunal judicial de primeira instância - art.º 29.º/1 da Lei 31/86, de 29/8. E presumia-se essa renúncia da autorização dada aos árbitros para julgarem segundo a equidade – seu n.º2.

A nova LAV (Lei n.º 63/2011, de 14/12) inverteu essa regra, passando apenas a ser possível o recurso da decisão arbitral que decida sobre o fundo da causa ou da que, sem conhecer do fundo, ponha termo ao processo, se as partes tiverem expressamente previsto essa possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável.

Não tendo as partes expressamente previsto a possibilidade de recurso para os tribunais do Estado as sentenças arbitrais só podem ser impugnadas através de uma ação de anulação nos termos previstos no artigo 46º da LAV.

No caso dos autos é aplicável o regime da LAV em vigor, tendo presente o disposto no art.º 4.º/1 da Lei n.º 63/2011, de 14/12. Porém, no seu n.º3, no âmbito dessa norma de direito transitório, fica salvaguardada às partes que tenham celebrado convenções de arbitragem antes da entrada em vigor do novo regime, a manutenção do direito aos recursos que caberiam da sentença arbitral, nos termos do artigo 29.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, caso o processo arbitral houvesse decorrido ao abrigo deste diploma.

Por isso, relativamente às convenções de arbitragem celebradas antes da entrada em vigor da nova LAV, as partes mantêm “o direito aos recursos que caberiam da sentença arbitral”, nos termos do art.º 29.º da LAV de 1986, “caso o processo arbitral houvesse decorrido ao abrigo deste diploma”.

Importa, assim, apurar se no âmbito da anterior LAV a recorrente tinha direito ao recurso da sentença arbitral.

A convenção de arbitragem, contida no art.º 23.º do contrato, tem a seguinte redação:



Está em causa a interpretação do texto utilizado no n.º 23.3, ao estabelecer :
As partes renunciam expressamente ao foro ordinário para dirimir qualquer litígio emergente deste acordo, obrigando-se a submeter a sua resolução exclusivamente a Juízo Arbitral, que julgue segundo a Lei Portuguesa” (nosso sublinhado).

Tendo em conta a utilização das expressões “renunciam expressamente ao foro ordinário” eobrigando-se a submeter a sua resolução exclusivamente a Juízo Arbitral”, não é viável o entendimento e significado que delas faz a recorrente, mas antes que a vontade das partes foi a de sujeitar a decisão arbitral, em última instância, ao tribunal arbitral, renunciando ao recurso dessa decisão para o tribunal estadual.

Não faria qualquer sentido que se as partes apenas pretendessem estabelecer uma cláusula compromissória, sem qualquer renúncia ao recurso, utilizando aqueles advérbios “expressamente” (de modo expresso, sem deixar dúvidas) e “exclusivamente” (de modo exclusivo, unicamente), pois se assim fosse não se vê razão para terem utilizado as expressões “renunciam expressamente” e “submeter a sua resolução exclusivamente”, cristalizando a intenção de afastar o recurso ao tribunal estadual para a resolução do litígio, incluindo a via recursiva.

A convenção da arbitragem está sujeita às regras gerais de interpretação do negócio jurídico, o mesmo é dizer que a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento ( art.º s 236.º/1 e 238.º/1 do C. Civil – cf. Manuel Pereira Barrocas, ob. Cit. pág. 169.

E tendo em conta o texto da convenção, este é o sentido apreendido por um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, face à utilização das mencionadas expressões - “renunciar expressamente”e“submeter exclusivamente”.Se outro fosse o sentido para quê acrescentar “expressamente” à renúncia e “exclusivamente” à submissão da resolução do litígio a juízo arbitral?

Se a intenção das partes fosse a de sujeitar apenas a resolução de qualquer diferendo a decisão de tribunal arbitral, sem renúncia ao recurso para o tribunal estadual, bastaria estabelecer, nomeadamente, que “os litígios emergentes deste contrato serão submetidos à apreciação e decisão de um tribunal arbitral”.

Daí concluir-se que as partes renunciaram tacitamente ao recurso da decisão do tribunal arbitral para o tribunal estadual, razão pela qual se reconhece inteira razão à recorrida quanto à inadmissibilidade do recurso ( [1]).

Mas um outro argumento reforça esse entendimento.

Com efeito, depois de no art.º 4.º da Ata de Constituição do Tribunal Arbitral se estabelecer o lugar de funcionamento do tribunal e regras para as notificações, consigna-se no art.º 6.º, sob a epígrafe de “ Regras Processuais”:

“6.1. Aplicar-se-á à presente arbitragem o Regulamento de Arbitragem de 2008 do referido Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa com as seguintes adaptações e alterações:

a) A Requerente ATELIER JOSÉ VAZ PIRES - ARQUITETURA E PLANEAMENTO, LDA. apresentará ou remeterá para o Secretário do Tribunal Arbitral, nos termos da Regra 4.ª, o articulado inicial no prazo de trinta dias a contar da notificação feita pelo Tribunal, após a aprovação tácita da presente ata;
b) A Requerida apresentará o seu articulado no mesmo prazo após notificação do articulado inicial e de igual prazo gozará a Requerente para responder se tiverem sido deduzidas exceções ou reconvenção;
c) A requerimento de qualquer das Partes, ou de ambas, poderá cada uma apresentar um último articulado no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão que defira o requerido;
d) Os documentos juntos pelas Partes terão numeração seguida, independentemente do momento da entrega, com indicação de "A" (quando da Demandante) ou de "R" (quando da Demandada).
e) Os prazos processuais suspender-se-ão de 15 de julho a 31 de agosto.

1) Os árbitros julgam segundo o direito constituído.
g) A decisão final é notificada às Partes, em cópias subscritas pelos árbitros.

6.2. Aos casos omissos- no Regulamento referido em 6.1. aplicar-se-á em primeiro lugar a Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.° 63/2011, de 14 de Dezembro, e, em segundo lugar, a regra criada pelo Tribunal Arbitral, ouvidas previamente as Partes sobre a mesma”.

Assim, é expressamente referido no seu n.º 6.1. que à arbitragem em causa é aplicável o Regulamento de Arbitragem de 2008 do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, salvo as adaptações e alterações que enuncia.

E de acordo com o n.º1 do art.º 40.º do Regulamento de Arbitragem de 2008 do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, “ A decisão final do tribunal arbitral não é suscetível de recurso”. Acrescentando o seu n.º2: “ A submissão do litígio ao Centro de Arbitragem Comercial envolve a renúncia aos recursos(nosso sublinhado).

Ata esta, que de acordo com o que se prevê expressamente no seu art.º 1.º, n.º2 - “A presente ata será notificada, por carta registada com aviso de receção, à Requerente e Requerida, entendendo-se que a mesma se tem como aprovada se nada for comunicado no prazo de dez dias a contar da referida receção” – que foi devidamente notificada às partes, as quais nada disseram, nomeadamente não se opuseram à aplicação, em bloco, desse regulamento, com exceção das regras mencionadas.

Limitar a sua aplicação apenas às regras processuais, restringindo o seu âmbito de aplicação, dele excluindo o seu art.º 40.º, como pretende a recorrente, não tem qualquer justificação. Desde logo, porque não se limita ou restringe o seu âmbito de aplicação. Depois, porque a disposição que estabelece a renúncia ao recurso não pode deixar de se incluir no conceito de “regras processuais”.

Com efeito, flui do n.º2 do art.º 30.º da LAV que “as partes podem, até à aceitação do primeiro árbitro, acordar sobre as regras do processo a observar na arbitragem, com respeito pelos princípios fundamentais consignados no número anterior do presente artigo e pelas demais normas imperativas constantes desta lei”.

Ora, a recorrente não podia ignorar a existência dessa disposição, aceitando a aplicação desse Regulamento na sua totalidade, incluindo a disposição que considera que a decisão arbitral não é passível de recurso, pelo que não pode deixar de se considerar que as partes renunciaram inequivocamente ao recurso da decisão arbitral.

Essa circunstância impede o conhecimento do objeto do recurso, pelas razões apontadas, ou seja, ser legalmente inadmissível, face à renúncia ao recurso da decisão arbitral para o tribunal estadual, face ao preceituado nos art.ºs 641.º/2, alínea a), 651.º/1, alínea b) e  655.º/1 do C. P. Civil.

E assim sendo, assiste razão à recorrida.

A rejeição do recuso, prejudica a admissão e conhecimento do recurso subordinado,  o qual caduca – art.º 633.º/3 do C. P. Civil”.

Ora, a verdade é que se não descortinam razões de discordância da decisão do Relator, pelo que se adere aos seus fundamentos, os quais se dão por inteiramente reproduzidos.

E a jurisprudência mencionada pela recorrente não apoia a sua tese, visto que a questão não se coloca em termos de interpretação da cláusula compromissória no sentido do direito de opção pelo tribunal arbitral ou tribunal judicial para a resolução do litígio ( recurso obrigatório ou facultativo ao tribunal arbitral), mas a de renúncia, ou não, do direito ao recurso para o tribunal estadual da decisão proferida pelo tribunal arbitral.

No que respeita à cláusula 23.3. da convenção de arbitragem, importa apenas realçar um outro argumento que reforça claramente a interpretação seguida e que advém da sua conjugação com o acordado na sua cláusula 23.5, a qual estabelece:
“ Na falta de acordo dos árbitros designados para a nomeação do Árbitro Presidente, as partes submetem-se ao Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria do Porto, para resolução definitiva por tribunal arbitral funcionando sob a égide do referido Centro, nos termos do respetivo regulamento correndo a arbitragem no Porto."

Assim, acordaram as partes que se os árbitros nomeados pelas partes não acordassem quanto à nomeação do terceiro árbitro (Árbitro Presidente), o litígio seria resolvido definitivamente pelo “Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria do Porto”, funcionando sob a égide do referido Centro, nos termos do respetivo regulamento correndo a arbitragem no Porto."

Ora, consta precisamente do art.º 31.º do REGULAMENTO DO TRIBUNAL ARBITRAL DO CENTRO DE ARBITRAGEM COMERCIAL ( [2] ) Do Porto:

A decisão do Tribunal Arbitral é final; a submissão do litígio ao Centro de Arbitragem Comercial envolve a renúncia aos recursos, sem prejuízo do direito das partes de requerer a anulação da decisão arbitral, nos termos dos artigos 27º e 28º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto” (nosso sublinhado).

Ora, não ignorava a recorrente o conteúdo deste regulamento, e ainda assim acordou submeter-se ao Centro de Arbitragem Comercial do Porto, para a resolução definitiva do litígio, bem sabendo que renunciava ao recurso dessa decisão para o tribunal estadual.

Ora, se assim é, como defender que na citada cláusula 23.3. não se pretendia renunciar ao recurso, mas já o admitia se o litígio fosse submetido a esse Centro de Arbitragem?

Tal entendimento seria incompatível com a solução inscrita na cláusula 23.5.

Significa, pois, que a condição de recurso ao Centro de Arbitragem Comercial do Porto, em caso de desacordo na nomeação do terceiro árbitro, para além da expressão usada, resolução “definitiva” do litígio, e remissão para o seu regulamento, do qual consta a menção expressa da sua aplicação envolver a “renúncia aos recursos”, só tem justificação pela renúncia já manifestada na cláusula 23.3.

Fica, pois, inquestionavelmente demonstrada essa renúncia.

Acresce que, ainda que se admitisse que do texto da cláusula compromissória, só por si, seria insuficiente para se concluir no sentido da renúncia ao recurso, a verdade é que conjugada com a remissão, por acordo das partes, para a aplicação à arbitragem do Regulamento de Arbitragem de 2008 do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, revela manifestamente o acordo quanto à renúncia do direito de recurso para o Tribunal da Relação.

Com efeito, apesar de no n.º2 do art.º 30 da LAV se admitir que as partes podem, até à aceitação do primeiro árbitro, acordar sobre as regras do processo a observar na arbitragem, não impede que o possam fazer posteriormente, como sucedeu aquando da instalação do tribunal, por indicação dos árbitros.

É que nesse preceito apenas se concede uma faculdade, não impõe que as regras processuais tenham obrigatoriamente de estar definidas até essa data, podendo as partes, por acordo e aceitação dos árbitros, fixá-las posteriormente.

E isso mesmo decorre do seu n.º 4, ao estabelecer que não existindo acordo o tribunal arbitral pode conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado, definindo as regras processuais que entender adequadas.

Como é sabido, o tribunal arbitral (voluntário) tem por fundamento o respeito pela autonomia da vontade privada, na iniciativa das partes, ao acordarem submeter a resolução de um litígio a uma estrutura de natureza privada, que é expressa pela lei, em obediência a ideais constitucionais (art.º 209.º/2, da C.R.P.) –cf. Augusto César Torbay, “ A Competência do Tribunal Arbitral –A sua determinação e fundamento no âmbito da arbitragem nacional e transnacional”, “O Direito”, Ano 146.º, 2014, T-IV, pág. 918/919.

Decorrentemente compete às partes, em particular nas arbitragens ad hoc, como é o caso, desde que não violem regras legais, estabelecer as regras processuais que a arbitragem deve obedecer, nomeadamente remeter para regulamentos dos centros de arbitragem institucionalizada, nos quais se preveja, entre outros, a insusceptibilidade de recurso da sentença arbitral, que prevalecerá no caso de não se prever na convenção de arbitragem a sua recorribilidade – cf. Manuel Pereira Barrocas, ob. cit. pág. 158.

Como refere António Sampaio Caramelo ([3])  “Este poder dos árbitros tem como limites não só os princípios diretores do processo arbitral e as normas imperativas constantes da LAV, mas também as estipulações que as partes hajam feito na convenção de arbitragem (ou em acordo escrito celebrado antes da aceitação do primeiro árbitro) e deve ser exercido tendo em vista a prossecução do objetivo consignado em praticamente todos os regulamento de arbitragem e códigos deontológico dos árbitros …”.

No caso concreto, não constando expressamente da convenção de arbitragem, nem posteriormente, a possibilidade de recurso dessa decisão, a aceitação das partes, proposta pelos árbitros, à aplicação à arbitragem do regime previsto no aludido regulamento, no qual se prevê claramente a renúncia ao recurso, terá de prevalecer.

Citando Manuel Pereira Barrocas, ob. cit. pág. 513/514, a prevalência e “adoção do princípio da definitividade da sentença arbitral é o selo de identidade e cultura da arbitragem”, pois “quem prefere a arbitragem à jurisdição estadual sabe com o que conta, por isso lhe é dada a faculdade de escolher os árbitros, definir as regras do processo e obter as vantagens próprias da arbitragem, remetendo-se para a ação de anulação a impugnação da sentença arbitral nos casos de violação dos princípios fundamentais do procedimento arbitral e da ordem pública, preservando-se desta forma os pilares fundamentais em que se funda a arbitragem - a autonomia da vontade das partes, a celeridade e confidencialidade do processo, a identidade e a autonomia próprias da arbitragem”.

Repare-se que o caso em apreço não é sequer equiparável à questão suscitada e decidida no Acórdão desta Relação, de 17/12/2013, Proc. n.º 659/13.9YRLSB-2 ( Ondina Carmo Alves), in www.dgsi.pt, pois não estamos perante uma qualquer contradição entre o estabelecido na convenção de arbitragem e o acordado pelas partes e pelos árbitros quanto à sujeição do processo de arbitragem ao Regulamento de Arbitragem de 2008 do referido Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa.

Ora, a submissão, sem reservas, pelas partes, do litígio ao mencionado regulamento, desde logo porque posterior à citada convenção de arbitragem, tem de ser entendida como de aceitação da renúncia a recurso nos termos nele previstos, sentido que se extraí por aplicação do art.º 236.º/1 do C. Civil.

Tanto assim que, como se deixou dito, essa seria a solução prevista na cláusula 23.5., caso o litígio fosse resolvido pelo Centro de Arbitragem Comercial do Porto, pelo que com nenhuma novidade ou surpresa seria confrontado a recorrente.

Assim, ainda que fosse questionável a leitura que fazemos do sentido da convenção de arbitragem inscrita no contrato, a verdade é que o acordo das partes quanto à aplicação do aludido regulamento, tal como previsto no caso de aplicação da cláusula 23.5, não pode deixar de concluir nesse sentido, i.e. como ocorrendo um acordo tácito em renunciar ao recurso.

Razão pela qual será de manter a decisão de rejeição do recurso, já que decorre quer do texto da convenção de arbitragem quer do acordo quanto à aplicação das regas processuais decorrentes do Regulamento do Centro de Arbitragem, a renúncia ao recurso.

Vencida no recurso, suportará a recorrente as respetivas custas – Art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.

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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.

1.A convenção da arbitragem está sujeita às regras gerais de interpretação do negócio jurídico, o mesmo é dizer que a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento ( art.º s 236.º/1 e 238.º/1 do C. Civil).
2.Constando da convenção de arbitragem que as partes renunciam expressamente ao foro ordinário para dirimir qualquer litígio emergente deste acordo, obrigando-se a submeter a sua resolução exclusivamente a Juízo Arbitral, que julgue segundo a Lei Portuguesa, urge concluir que a vontade das partes foi a de sujeitar a resolução do litígio, em última instância, ao tribunal arbitral, renunciando ao recurso dessa decisão para o tribunal estadual.
3.A aceitação e submissão, sem reservas, pelas partes, da aplicação das regras processuais previstas no Regulamento de Arbitragem de 2008 do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, no qual se prevê que a decisão final do tribunal arbitral não é suscetível de recurso, representa renúncia ao recurso dessa decisão.

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V – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes deste Tribunal da Relação em confirmar a decisão do relator e, consequentemente, não admitir o recurso interposto pela recorrente, por a ele haver renunciado.
Custas a cargo da apelante. 
 
                                  
Lisboa, 2015/06/18
           
Tomé Almeida Ramião                                               
Vítor Amaral                                              
Regina Almeida


([1]) No mesmo sentido, em caso com idênticos contornos, se decidiu no Acórdão do S. T. J., de 3/5/2007, Proc. n.º 06B3359, disponível em www.dgsi.pt, estando em causa uma cláusula em que dizia” Quaisquer litígios emergentes do presente contrato serão resolvidos nos termos da Lei nº31/86, de 29 de Agosto, por um único árbitro, que na falta de acordo será designado pelo presidente do Centro de Arbitragem do Conselho Nacional das Profissões Liberais, renunciando ambas as partes a outro foro bem como ao depósito da decisão arbitral em secretaria judicial”, sublinhando-se nesse aresto que “ No exercício, legítimo, da sua autonomia de vontade contratual autora e ré acreditaram na jurisdição arbitral e optaram por ela para resolver eventuais litígios futuros.
E mais: entenderam, legitimamente também, expressar a sua renúncia a outro foro.
O art.29º, nº1 da Lei nº31/86, de 29 de Agosto – Lei da Arbitragem Voluntária ( LAV ) assim lho permite.
E, em tal caso, vedada fica às partes, naturalmente, a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e das decisões que foram caminhando o caminho até à decisão final – querem e desejam e acreditam na jurisdição arbitral, suportam a respetiva decisão”.

([2]) “Do Centro de Arbitragem Comercial Do Instituto de Arbitragem Comercial, por força do que dispõe o art.º 23.º/2 dos ESTATUTOS DO INSTITUTO DE ARBITRAGEM COMERCIAL: “Consideram-se remetidas para o Centro de Arbitragem Comercial do Instituto de Arbitragem Comercial, na sua nova denominação e configuração jurídica, as convenções de arbitragem que, direta ou indiretamente, refiram o Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa – Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e da Associação Comercial do Porto – Câmara de Comércio e Indústria do Porto, quanto às arbitragens que decorram ou devam decorrer na sede desta.             http://www.cciporto.com/assets/misc/img/documentos/ESTATUTOS%20INSTITUTO  %20ARBITRAGEM%20COMERCIAL%202012.pdf.                
([3]) “ DA CONDUÇÃO DO PROCESSO ARBITRAL - Comentário aos arts. 30.º a 38.º da Lei da Arbitragem Voluntária”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2013, Vol. II/III, pág. 678.