CONCLUSÕES
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Sumário

I - As conclusões embora não se traduzam na repetição integral ou aproximada da motivação, devem ser, todavia, um resumo explícito e claro da fundamentação das questões suscitadas pelo recorrente, indicando nelas com clareza e precisão as razões de facto e de direito por que se pede o provimento do recurso, além de que nos termos do art. 412.º, n.º1, do CPP, devam ser deduzidas por artigos, isto é, apresentadas sob a forma articulada.
II- A Jurisprudência vem sustentando que o art. 374.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
III– Para a procedência da impugnação de facto não basta que as provas invocadas no recurso “permitam” a solução propugnada na motivação e conclusões apresentadas. Tal como o art. 412.º, n.º 3, al. b), do Cód. Proc. Penal o estipula, agora de forma mais incisiva, aquelas terão que “impor” uma solução diversa da perfilhada na decisão de que se recorre, o que pela prevalência natural do julgamento efectuado na sua melhor imediação, demanda um real desapoio da leitura perfilhada pelo Tribunal recorrido em relação às provas produzidas.
IV – De harmonia com a Jurisprudência, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio.
V – O condicionamento da suspensão da execução da prisão a deveres ou regras de conduta de natureza económica, não só contribui para que o arguido observe uma conduta correcta durante o período em causa, como fortalece a função retributiva da pena.
VI - Ainda que o art. 71.º do CPP postule que o pedido de indemnização civil deve fundar-se na prática do crime, não tendo o assistente/demandante recuperado a máquina de jardinagem cujo barulho veio a originar as agressões e a invasão de propriedade, objecto dos presentes autos, havendo adquirido uma outra nova, no que despendeu € 261,25, tendo-se processado a respectiva inutilização de forma contemporânea ou imediatamente subsequente aos factos aqui ajuizados, não tem sentido exigir que intentasse uma acção em separado para ser ressarcido dessa importância, por força do eventual crime de dano de que não houve acusação, já que, não se evidenciando que esta conduta fosse dolosa, sempre ficaria sem base criminal para poder aderir a respectiva pretensão indemnizatória.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I – Relatório:

I - 1.) No 1.º Juízo Criminal de Cascais, foi o arguido M, com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. no art. 145.º, n.º1, al. a) e n.º 2, e art. 143.º, n.º1, com referência ao art. 132.º, n.º1 e n.º 2 al. h), e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. no art. 191.º, todos do Cód. Penal, e pelo assistente J, da prática de um crime de injúria p. e p. no art. 181.º do mesmo Diploma.

Este último deduziu também pedido de indemnização cível contra o arguido, solicitando a sua condenação no pagamento da quantia total de € 10.261,25 (dez mil duzentos e sessenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação, até integral pagamento.

De igual forma, o Centro Hospitalar de Cascais, em função da assistência prestada a J, e bem assim, das despesas de transporte que terá suportado, veio reclamar o reembolso da quantia de € 135,50 (cento e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa comercial em vigor, desde a citação e até integral e efectivo pagamento,

I - 2.) Proferida a respectiva sentença veio a decidir-se o seguinte:

Na parte criminal:


- Absolver o arguido M da prática do crime de injúrias;

- Condená-lo como autor material de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191.º, do Cód. Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão;

- Condená-lo como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2 e 143.º, n.º 1, com referência ao art. 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. h), todos do Cód. Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico, na pena única de 14 (catorze) meses e 15 (quinze) dias de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período.

Na parte cível:

 - Condenar o arguido/demandado M a pagar ao demandante J a quantia global de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 14/1/2014 até efectivo e integral pagamento;
- Condená-lo a pagar à demandante “HPP Saúde-Parcerias Cascais, S.A.» a quantia global de € 135,50 (cento e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescido de juros legais de mora, desde 14/1/2014, e até efectivo e integral pagamento.

I - 3.) Inconformados com esta decisão recorreram o Ministério Público, o arguido e o assistente :

I – 3.1) Conclusões” apresentadas pelo arguido M no seguimento do convite ao seu aperfeiçoamento (dada a sua ausência no articulado inicial), constante do despacho proferido a fls. 706:

A - Da decisão recorrida

Da motivação do presente recurso extraímos as seguintes

Conclusões

1 - O ora Recorrente não praticou:

- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145.°, n.ºs 1, al. a) e 2, e 143.°, n.º 1, com referência ao art. 132.°, n.º 1 e n.º 2, al. H), todos do Código Penal.

Pelo que não se poderá proceder a qualquer cúmulo jurídico de penas parcelares.

2 - O ora Recorrente não poderá ser condenado a pagar ao demandante J a quantia global de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 14/12/2014 até efectivo e integral pagamento, por não ter provocado qualquer dano ao demandante.

3 - O ora Recorrente não poderá ser condenado a pagar a Saúde-Parcerias Cascais, S.A." a quantia global de € 135,50 (centro e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, a crescido de juros legais de mora, desde 14/12/2014, e até efectivo e integral pagamento, por não ter provocado qualquer dano ao demandante.

B - Das questões suscitadas neste recurso

Deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa considerar que se encontram preenchidos os pressupostos que permitem concluir por:

I) Ser nula a sentença recorrida, nomeadamente, por falta de exame crítico das provas, reclamada pelos artigos 374.° e 379.° do CPP;

II) Terem sido violados os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo:

III) Existirem aspectos de facto que foram incorrectamente julgados e que levaram a que se impugnasse a decisão proferida sobre a matéria de facto.

C - A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO

1. Da matéria de facto dada como provada

Consideram-se como verificados os seguintes pontos:

1 - A nulidade da decisão recorrida (arts. 374.°, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P.)

A primeira questão de natureza processual com que nos confrontámos, foi a da nulidade da douta sentença recorrida, enquanto não procedeu ao exame crítico das provas, o que representa violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

O citado artigo, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, passou a exigir, na parte da sentença designada por fundamentação, e no que respeita à exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma, além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal - como sucedia na redacção originária - o exame crítico dessas provas.

E, prescreve o artigo 379.°, n.º 1, alínea a), do C.P.P., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374.°, n.º 2, do C.P.P., as quais respeitam ao teor da fundamentação da sentença, sendo a nulidade de conhecimento oficioso em sede de recurso.

Ora, na sentença ora posta em crise, não existe qualquer fundamentação que pudesse conduzir às conclusões nela vertidas.

Temos por claro que a fundamentação apresentada na douta decisão recorrida, ou melhor dizendo, a respectiva ausência, não satisfaz o dispositivo legal em análise (art. 374.°, n.º 2 do C.P.P.), tal como temos por imprescindível.

O Tribunal a quo devia, nos termos da lei, ter ponderado toda a prova produzida, tê-la analisado e examinado criticamente.

Só depois desse exame podia, de forma coerente, lógica e sobretudo garantística dos direitos fundamentais do recorrente, formar a sua convicção, devidamente sustentada nos meios probatórios no seu todo, e não de forma selectiva.

Não o fez, pelo que ofendeu, de forma directa e intolerável os direitos e garantias do arguido, com consequente violação do art. 32.°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Pelo que, enferma o acórdão proferido de uma inquestionável nulidade, por violação do disposto no art. 379.º do C.P.P ..

Ora, no caso em apreço, o Tribunal recorrido limitou-se a indicar as provas em que se baseou para dar os factos como provados e também aquelas em que se baseou no que concerne aos factos não provados, não efectuando o necessário exame crítico das provas.

Interpretou incorrectamente os factos dados como provados, nomeadamente os dos pontos 11, 13, 14, 15, 22 e 28.

Ao Tribunal recorrido incumbia, face a toda a prova junta e produzida nos autos, fazer uma análise crítica da mesma e, ainda que sucintamente, dizer qual o motivo pelo qual havia hipervalorizado ou sobreposto, na sua apreciação global, uma em relação à outra, por forma a ser cabalmente entendido o raciocínio lógico subjacente à decisão, pelo que, não o tendo feito, violou o disposto no art. 374.°, n.º 2, do C.P.P., o que conduz à nulidade da sentença (art. 379.°, n.º 1, alínea a), do C.P.P.) (cfr. ainda art. 97.°, n.º 4 do CPP e 205.°, n.º 1 da C.R.P.).

Não tendo a douta sentença recorrida procedido a um exame crítico, cometeu uma nulidade, que importa colmatar.

Esta questão, leva-nos necessariamente à análise, atenta a estreita ligação, de duas outras: o princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP) e o princípio in dubio pro reo.

II - Violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova

Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende o recorrente que o princípio da presunção da inocência do arguido e o seu corolário in dubío pro reo demandavam uma decisão diversa da ora posta em crise.

Não havendo, pois, prova directa sobre os factos descritos na motivação, impunha-se a avaliação dos elementos de prova indiciária existentes à luz dos critérios legais e dos ensinamentos da Doutrina e da Jurisprudência.

Isto posto:

Face às conclusões vertidas na própria sentença, e à total ausência de qualquer prova no que respeita aos invocados pelo assistente, é convencimento do recorrente que o tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do princípio consignado no art. 127.° do CPP, isto é, que apreciou mal a prova.

O Tribunal recorrido formou a sua convicção com base em presunções que violam o princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, princípio este que não pode ser discricionário, pois tem limites que não podem ser tacitamente ultrapassados, constituindo apenas uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material.

Salvo o devido respeito por solução diversa, é modesto entendimento do recorrente que o conhecimento das demais questões colocadas no início do presente recurso, ficam prejudicadas face à verificação das questões de ordem processual que vimos de enunciar, contudo e sem prescindir, passamos à respectiva análise.

III - A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (art. 412.°, n.º 3, als. a) e b)

Da Fundamentação do acórdão ora posto em crise, constam, como Factos Provados, nomeadamente os contemplados em 11, 13, 14, 15, 22 e 28.

O ponto 11 da Matéria de Facto Provada foi rebatido pelo Arguido, que elucidou claramente o Tribunal sobre a utilização do referido taco, como, aliás, a douta sentença contempla, a fls. 10.

Considerando-se que as declarações do arguido deverão merecer toda a credibilidade, ficam prejudicados os pontos 13, 14, 15, 22 e 28 da Matéria de Facto provada.

O "RELATÓRIO DE EXAME CLÍNICO DIRECTO", de fls. 8 a 10, contempla, nas suas "Conclusões", que “A lesão denota ter sido produzida por objecto corto-contundente ou actuando como tal.”

 

No caso em apreço, o próprio arguido admitiu que empunhava um taco de softbol, que não tendo sido devidamente caracterizado na douta sentença, é do conhecimento comum que tem uma superfície de secção cilíndrica, lisa, com cerca de 8 centímetros de diâmetro.

Este facto foi amplamente explanado pela defesa, em sede de alegações.

Diversas testemunhas arroladas pela acusação, e pelo assistente, confirmaram que o local onde o assistente e o arguido se encontravam, após o segundo ter entrado na propriedade onde o primeiro se encontrava tinha várias pedras no solo, tanto as próprias de um jardim como as que ladeavam os caminhos nele traçados.

Por exemplo, a testemunha JB, no seu depoimento, prestado no dia 24 de Fevereiro de 2014, a partir das 15:29:34, afirmou, a instâncias da defesa, no minuto 5:17:

- Defesa: "Esta zona tem um caminho, tem flores, é relvada, esta zona?"

- Testemunha: "A zona encostada?"

- Defesa: "Sim. Junto ao muro que separa as duas propriedades."

- Testemunha: "Não, não tem flores, tem uns arbustos, tem pinheiros, tem um caminho ladeado por pedras, tem a casa da lenha ... "

Por exemplo, a testemunha JG, no seu depoimento, prestado no dia 24 de Fevereiro de 2014, a partir das 16:09:24, afirmou, a instâncias da defesa, no minuto 14: 30:

- Defesa: "A parte junto ao muro é terreno normal?"

- Testemunha: "É terreno normal, com arbustos."

- Defesa: "Há um caminho que está delimitado por pedras?"

- Testemunha: "Há"

- Defesa: "Vem até perto do muro, esse caminho?"

- Testemunha: "Junto ao muro, não, tem uns metros."

Este facto foi amplamente explanado pela, defesa, em sede de alegações.

Ora, salvo o sempre devido e merecido respeito, extrapolou em muito o Tribunal o sentido, o alcance e o conteúdo do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art. 127.° do C.P.P..

Em síntese, e sempre respeitosamente, considera-se que o Tribunal recorrido formou a sua convicção com base em meros indícios e presunções, que violam o princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, princípio este que não pode ser discricionário, pois tem limites que não podem ser tacitamente ultrapassados, constituindo apenas uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material.

Por tudo o que foi exposto acima, e amplamente demonstrado, os pontos essenciais da matéria de facto foram incorrecta e erroneamente apreciados, o que redundou numa deficiente apreciação da prova e na injusta condenação do Arguido.

Apreciada a impugnação da decisão de facto, debrucemo-nos agora sobre as restantes questões jurídicas suscitadas neste recurso.

Importando ainda determinar, em sede de recurso, se o Tribunal violou ou não o princípio elementar do direito penal "in dubio pro reo".

Dado que, em momento algum, se poderia concluir que o Arguido agiu com intenção de atentar contra a integridade física do assistente, nunca a douta julgadora poderia ter decidido como o fez, pois utilizou o critério de que, em caso de dúvida, prejudica-se o Arguido, considerando-se que se está perante uma situação de atentado à integridade física, quando, na realidade, e tal como foi explanado em sede de alegações, o Arguido apenas atingiu a máquina que o assistente manuseava, admitindo, eventualmente, ter atingido o assistente no braço.

Pelo que, o douto julgador, ao optar pela presunção de que o Recorrente tinha praticado os factos referidos, violou o princípio "in dubio pro reo",

O Arguido revelou, nas suas declarações ao Tribunal, que quando retirou a máquina da mão do Assistente, este se desequilibrou, não tendo visto o que se passou de seguida, pois virou as costa, dirigiu-se ao muro de separação das propriedades, atirou a máquina para a propriedade onde vivia e voltou a transpor o muro, sem se ter voltado para trás.

Pelo que, o Tribunal, ao optar pela presunção de que o Recorrente tinha praticado os factos referidos, " violou o princípio "in dubio pro reo", bem como o disposto nos artigos 32.º, 33.º e 133.º, do Código Penal.


Face à matéria ora alegada e verificada existência, entre outros, dos vícios dos arts. 379.º, n.º 1, al. b), 410.°, n.º 2, al. a) e c) do CPP, deverá o Venerando Tribunal da relação:
A - Modificar a decisão recorrida, de acordo com o disposto no art. 431.° do CPP, por a prova ter sido impugnada nos termos do disposto no n.º 3 do art. 412.° do CPP.
B - Determinar que o Recorrente seja absolvido da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145.°, n.ºs 1, al. a) e 2, e 143.º, n.º 1, com referência ao art. 132.°, n.º 1 e n.º 2, al. H), todos do Código Penal.
C - Determinar que o ora Recorrente não seja condenado a pagar ao demandante J a quantia global de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 14/12/2014 até efectivo e integral pagamento, por não ter provocado qualquer dano ao demandante.

3 - Determinar que o ora Recorrente não seja condenado a pagar a Saúde-Parcerias Cascais, S.A." a quantia global de € 135,50 (centro e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, a crescido de juros legais de mora, desde 14/12/2014, e até efectivo e integral pagamento, por não ter provocado qualquer dano ao demandante.

I – 3.2) Conclusões apresentadas pelo Ministério Público:

1.ª - No caso em apreço, não se verifica “um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do condenado segundo o qual seja de esperar, face à personalidade daquele, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, que a simples censura do jacto e a ameaça da prisão bastarão para o afastar da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas de prevenção geral”, pressuposto material determinante para a suspensão da pena de prisão.

2.ª - A gravidade dos factos considerados provados, a personalidade do arguido, reflectida na ausência de confissão e de arrependimento pelo mal causado e a conduta posterior do arguido, que foi entretanto condenado por acórdão ainda não transitado em julgado, por tentativa de homicídio qualificado da mãe, também agredida com um taco de softball..., prejudica o juízo de prognose favorável que subjaz à pena de suspensão.

3.ª - O Tribunal a quo afrontou assim a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal quando decretou a suspensão da execução da pena unitária 14 meses e 15 dias de prisão cominada ao arguido pela prática dos crimes de introdução em lugar vedado ao público e ofensa à integridade física qualificada.

4.ª - Sem prescindir, a suspensão da execução da pena teria sempre de ser subordinada ao dever de pagar a indemnização de € 2500,00 ao ofendido/assistente e a um regime de prova adequado, nos termos do disposto nos art.ºs 50.º, n.º 2, 51.º, n.º1, al. a) e 53.º n.ºs 1 e 3 do CP, caso contrário o arguido seria premiado com uma conduta extremamente censurável, pois, a mera suspensão da pena é sentida quer pelo arguido, quer pela população em geral, como uma absolvição.
Nestes termos, requer-se a revogação da sentença recorrida e que:
1º - O arguido seja condenado numa pena de prisão efectiva:
2º - Caso assim não se entenda, que a suspensão da execução da pena seja subordinada ao dever do arguido pagar a indemnização de € 2500,00 ao ofendido/assistente e a um regime de prova adequado.

I – 3.3.) Conclusões apresentadas pelo assistente J:

1.ª - O Assistente não se conforma que o tribunal "a quo" tenha considerado como não provado que o Arguido proferiu tais expressões, nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas na acusação, apesar da situação não ter sido presenciada por mais ninguém, certo é que o tribunal ao ter considerado que as declarações do arguido não merecem qualquer credibilidade, não entende o Assistente com que o fundamento dá como não provado que o Arguido proferiu tais expressões ofensivas, sendo tais expressões inequivocamente ofensivas da honra e consideração devidas ao Assistente à luz dos padrões médios de valoração social, pelo que deveria o Arguido ter sido condenado pelo crime de injúrias de que vinha acusado.

2.ª - Os factos provados nos autos quanto ao crime em que o Arguido foi condenado de ofensas à integridade física qualificada, permitem concluir que as exigências de prevenção especial impunham que se desse preferência à pena de prisão efetiva, na escolha da pena, pelo que o tribunal "a quo" decidiu com base em afirmações genéricas e abstratas, desprovidas de suporte factual concreto, o que tendo em conta a falta de integração familiar, social e laboral do Arguido, o conhecimento de novas ocorrência de natureza semelhante na sua vida deveriam ter sido tomadas em conta e decisivas para as considerações relativas à culpa e de prevenção geral pelo tribunal "a quo" e não foram, chegando ao ponto de fundamentar a suspensão da pena por falta de tendência criminosa do Arguido quando tem perfeito conhecimento do contrário.

3.ª - Para além disso as consequências do comportamento do Arguido produziram uma forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio sócio-psiquico-emocional do Assistente e do seu agregado familiar, constituindo um grave atentado à sua personalidade física e moral.

4.º - Considerando todo este quadro, bem como os montantes adotados jurisprudencialmente em situações similares, afigura-se razoável e equitativo revogar a decisão de fixação da quantia global em € 2.500,00 e substituí-la por outra, em que se fixe um valor, nunca inferior a € 10.000,00, como compensação devida pelo dano não patrimonial próprio e extensível também aos seus familiares, decorrentes de todas as consequências da agressão cometida pelo Arguido.

5.º - Está demonstrado nos autos que Arguido foi o causador do prejuízo patrimonial ao Assistente de € 261,25, pelo que deverá ser responsável pelo seu reembolso, sob pena de declarar-se a nulidade da sentença recorrida, nos termos do art. 379.2, n.° 1, al. c), do C.P.P., por não ter fundamentado as apontadas divergências entre os documentos juntos aos autos e os factos que julgou como não provados.
Deve julgar-se procedente o recurso interposto, e em consequência revogar-se a sentença recorrida.

I - 4.1.) Respondendo ao recurso interposto pelo arguido, concluiu o Ministério Público:

1.º - Nestes autos, o arguido recorreu da sentença que o condenou na pena única de 14 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punido pelos artigos 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 e 143.º, n.º1, com referência ao art. 132.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) todos do Código Penal.

2.º - Também o Ministério Público interpôs recurso da douta sentença condenatória proferida nestes autos sendo que, como se extrai da respectiva motivação, apenas se colocou em crise o segmento decisório que decretou a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido, por se entender que os pressupostos de tal pena de substituição não estão preenchidos no caso concreto, devendo o arguido ter sido condenado numa pena de prisão efectiva.
3.º - O tribunal a quo, na decisão recorrida, justificou porque ficou convencido de que os factos ocorreram nos termos que considerou provados sob os pontos 5. a 11., ou seja, o tribunal explicou e demonstrou as razões pelas quais deu como provada a factualidade descrita nos mencionados pontos 5. a 11. e, também, nos pontos concretamente colocados em crise pelo recorrente, isto é, os pontos 13., 14., 15., 22. e 28. do elenco dos factos provados: fê-lo recorrendo ao depoimento do assistente, às declarações das testemunhas AR, RB e ML, à prova documental e pericial junta aos autos e, socorreu-se, ainda, das regras da experiência comum.

4.º - Na fundamentação da decisão recorrida o tribunal a quo aborda e analisa as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento - as quais não mereceram a credibilidade do tribunal -, os depoimentos das testemunhas inquiridas no decurso da audiência de julgamento, os documentos constantes dos autos e explica os motivos pelos quais deu como provada a factualidade constante do elenco dos factos assentes, maxime, os factos dados como provados nos pontos 11., 13., 14., 15., 22. e 28.

5.º - A Mma. Juiz a quo valorou as declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pelo assistente, que considerou lógicas e coerentes e, como tal, credíveis, o que fez à luz do princípio geral de livre apreciação da prova que lhe assiste.          

6.º - O tribunal a quo não formou a sua convicção com base em presunções, mas sim com base na análise da prova produzida no decurso da audiência de discussão e julgamento.
7.º - No caso vertente, afigura-se-nos que a discordância do recorrente assenta na valoração da prova pelo tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada, a qual é uma convicção possível e lógica à luz das regras da experiência comum, pelo que deve ser acolhida a opção do julgador que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
8.º - Da análise da sentença recorrida não resulta que aí se tenha decidido em matéria de facto, nomeadamente, no que respeita ao julgamento dos factos em causa como provados, perante uma qualquer situação de dúvida, de factos incertos ou de non liquet.
9.º - Da leitura da decisão recorrida decorre que a Mma. Juiz não ficou com quaisquer dúvidas para fixar os factos dados como provados. Basta atentar na afirmação contida na decisão recorrida de que “dúvidas não teve o tribunal de que o arguido agrediu o assistente da forma que este relatou, sendo que as lesões de que padeceu na cabeça são compatíveis com a agressão descrita pelo assistente”.
10.º - Embora o recorrente possa discordar da posição assumida na decisão recorrida quanto à valoração da matéria de facto por não se conformar com o valor concedido pelo julgador ao depoimento prestado por uma testemunha em detrimento de outra ou outras, de sentido divergente, a verdade, porém, é que tal divergência de opinião não constitui fundamento legal de reexame da matéria de facto que, enquanto tal, é insindicável.
11.º - O tribunal a quo deu como provados na decisão recorrida constata-se que a condenação do ora recorrente, resultou da convicção que a Mma. Juiz a quo formou com base em toda a prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, a qual permitiu concluir, sem dúvidas, pela condenação do arguido.
12.º - Conforme se alcança da leitura da motivação de recurso apresentada pelo arguido, da mesma não constam quaisquer conclusões, não tendo o recorrente dado comprimento ao disposto pelo art. 412.º do Código de Processo Penal.
           Nesta conformidade, deverá ser mantida a douta decisão recorrida.

I – 4.2.) Respondendo ao recurso interposto pelo assistente concluiu igualmente:

1.º - Nestes autos, o assistente J interpôs recurso da douta sentença aqui proferida, nos termos da qual o arguido M foi condenado pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punido pelos artigos 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 e 143.º, n.º1, com referência ao art. 132.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) todos do Código Penal, na pena única de 14 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e no pagamento (ao assistente) da quantia global de € 2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

2.º - Na decisão recorrida, o tribunal a quo decidiu absolver o arguido da prática do crime de injúria de que estava acusado.

3.º - O tribunal a quo deu como não provado a) “que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 5. a 11., o arguido tivesse dito ao ofendido J as expressões «és um cabrão», «seu filho da puta», «a tua mãe precisava era dessa máquina pela cona acima»”.

4.º - A Mma. Juiz a quo entendeu que, perante a versão do assistente e a versão do arguido, contraditórias entre si, e perante a ausência de qualquer outra prova, não poderia dar como provados os factos que ora apreciamos, o que fez à luz do princípio geral de livre apreciação da prova que lhe assiste.

5.º - No caso vertente, está em causa, apenas, a discordância do recorrente quanto ao sentido da convicção do tribunal a quo, pelo facto de não ter acreditado na versão do assistente no que concerne ao factos integradores do crime de injúria de que o arguido estava acusado, o que equivale a dizer que o recorrente assenta a sua discordância na valoração da prova efectuada pelo tribunal.

6.º - Esta convicção, independentemente de concordamos ou não com ela, foi a convicção da Mma. Juiz a quo, depois de ter analisado e ponderado a prova produzida. E sendo ela uma das leituras possíveis da prova produzida e não sendo tal convicção contrária às regras da experiência comum, não é passível de censura.

7.º - O recorrente insurge-se contra o facto de a decisão recorrida ter suspendido a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

8.º - O Ministério Público interpôs recurso da douta sentença condenatória proferida neste processo por se entender que, no caso dos autos, não estão preenchidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido, pelo que remetemos para a motivação apresentada pelo Ministério Público.

II -  Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta depois de expressar a ideia de que as conclusões apresentadas pelo arguido M não se conformam, minimamente, com o preceituado no art. 412.º do Cód. Proc. Penal, sustentou a procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, a procedência parcial do apresentado pelo Assistente, e a improcedência do deduzido pelo arguido.

          No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.

Teve lugar a conferência.

Cumpre pois apreciar e decidir:

III - 1.) Como se tem por consensual, são as conclusões extraídas pelos recorrentes a partir das respectivas motivações, o que entre nós, de forma pacífica, define e delimita o objecto de um recurso.

“Conclusões”, na lição do Emérito Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, pág.ª 359), “são proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”.

Dito por outras palavras, “as conclusões, embora não se traduzam na repetição integral ou aproximada da motivação, devem ser, todavia, um resumo explícito e claro da fundamentação das questões suscitadas pelo recorrente, indicando nela com clareza e precisão as razões de facto e de direito por que se pede o provimento do recurso” - Simas Santos Leal-Henriques, Código de Processo Pena Anotado, Rei dos Livros, 2.ª Edição, II Vol., pág.ª 801.

Mais, de harmonia com o preceituado no art. 412.º, n.º1, desse Diploma, devem ser deduzidas por artigos, o mesmo é dizer, devem-se mostrar articuladas.

Ora nas apresentadas pelo arguido M já a convite - a motivação anterior não as contemplava - nada disso se patenteia.

Não estão articuladas e a mais das vezes, traduzem ipsi verbis a próprio texto da motivação.

É o que sucede, por exemplo, em relação à nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova, que afora a citação de um acórdão do Tribunal Constitucional, outras referências Doutrinais contidas basicamente em decisões judiciais e o acrescento de uma outra citação legal, são o simples decalque do deixado escrito na motivação….

Justificava-se pois, a rejeição do recurso – art. 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, dado que o Recorrente já beneficiou de um convite prévio para o seu aperfeiçoamento.

Atendendo, porém, à inteligibilidade da matéria a apreciar, sem exemplo, não vamos actuar o rigorismo legal, ainda que com a reserva dos condicionalismos que possam resultar, na parte atinente à impugnação de facto, ao eventual não cumprimento dos ónus previstos no art. 412.º, n.ºs 3 e 4 daquele Diploma.

São assim questões a decidir:
A) No recurso interposto pelo arguido M:

 - Nulidade do acórdão por falta de exame crítico das provas;
- Impugnação da matéria de facto relativamente aos pontos 11,13, 14, 15, 22 e 28 considerados provados;
- Violação do princípio in dubio pro reo.

B) No recurso interposto pelo Ministério Público:

- Se a pena aplicada ao arguido não deveria ter sido suspensa na sua execução;
- Se a sê-lo, deveria ter sido condicionada por regime de prova e ao dever de pagar a indemnização de € 2.500,00 ao assistente.

C) No recurso apresentado pelo assistente J:

- Se o arguido deveria ser condenado pelo crime de injúrias de que vem acusado;
- Se o mesmo deveria ter sido sancionado em pena efectiva de prisão;
- Se o montante dos danos morais deveria ter sido fixado em € 10.000,00;
- E bem assim, ser contemplado o ressarcimento da importância de € 261,25 relativa a danos patrimoniais.

III – 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro a factualidade que se mostra definida:

Factos provados:

1. Em Dezembro de 2009, o ofendido J trabalhava para JB, na residência deste, sita na Rua, no Estoril, nesta comarca de Cascais, onde exercia as funções de jardineiro.

2. No exercício dessas funções, o ofendido efectuava, pelo menos uma vez por semana, trabalhos de limpeza do jardim da aludida residência, utilizando uma máquina designada de soprador de detritos e folhagens, a qual produzia ruído elevado.

3. O arguido, em Dezembro de 2009, residia na Rua de, no Estoril, habitação contígua à de JB, com o n.º 13, onde o ofendido trabalhava.

4. Entre as habitações existe um muro com vedação, que separa as duas propriedades.

5. No dia 30 de Dezembro de 2009, pelas 14horas30minutos, o ofendido J, efectuava a limpeza do jardim do n.º 13 da Rua , no Estoril, com a máquina aludida em 2.

6. O arguido, incomodado com o ruído provocado por tal máquina, aproximou-se do muro que separa os prédios, e, do seu jardim, dirigindo-se ao ofendido, disse-lhe, de viva voz, e aos gritos, para parar a referida máquina, para parar o barulho.

7. O ofendido respondeu-lhe que tinha ordens do proprietário da residência, para efectuar a limpeza do jardim daquela forma, continuando a usar a dita máquina.

 8. De seguida, o arguido dirigiu-se à sua residência e daí trouxe um taco de «soft ball» (de características concretamente não apuradas, mas semelhante a um taco de baseball).

9. Após, munido do taco de «soft ball», dirigiu-se ao muro com vedação que separa a sua residência da propriedade de JB, transpôs o muro e vedação, assim entrando no jardim deste, sito no n.º 13 da Rua de I, sem que para tal estivesse autorizado pelo respectivo dono.

10. De seguida, o arguido desferiu com o referido taco duas pancadas na máquina referida em 2.;

11. Após, o arguido, munido com o aludido taco de soft ball, desferiu uma violenta pancada no lado direito da cabeça do ofendido J, que logo começou a sangrar, e fazendo-o cair ao chão.

12. Após, o arguido arremessou a máquina aludida em 2. para o jardim da sua residência e, saltando novamente o muro e vedação, voltou para o seu jardim levando com ele o taco de  soft ball.

13. Em consequência directa e exclusiva da conduta do arguido, o ofendido sofreu dores e ferida suturada e com crosta sanguínea, na região parietal direita, com 5 centímetros de comprimento, lesões que lhe demandaram 20 dias de doença, sendo os primeiros 8 com incapacidade para o trabalho profissional.

14. O arguido quis atingir o corpo e saúde do ofendido da forma supra descrita, utilizando para o efeito um objecto que sabia ser contundente e apto a causar lesões sérias e graves ao ofendido e lhe retirava qualquer capacidade de resistência, o que conseguiu.

15. O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.

16. Desde há cerca de cinco anos que o ofendido J utilizava a máquina referida em 2. na propriedade de JB, sita na Rua de I , n.º 13, no Estoril.

17. O mesmo tipo de máquina era usado em jardins de outras residências próximas da habitação do arguido, designadamente na propriedade de JM, pai de J B.

18. Tal tipo de máquina produz um ruído elevado, o que perturbava o arguido.

19. Desde há vários anos que o arguido andava perturbado e enervado por causa do ruído emitido pela máquina designada de soprador, utilizada no referido prédio n.º 13, ruído que, muitas vezes o impedia de trabalhar.

20. Em datas anteriores aos factos descritos em 5. a 12., a mãe do arguido, por várias vezes, havia telefonado ao pai de JB, queixando-se que as máquinas designadas de soprador, utilizadas na limpeza dos jardins, faziam muito barulho e que o arguido não suportava esse barulho.

21. O ofendido J não recuperou a aludida máquina.

22. Em consequência das lesões, a que é feita referência em 12., no dia 30/12/2009, o ofendido J necessitou de recorrer ao Hospital de Cascais, onde deu entrada e recebeu assistência hospitalar no serviço de urgência.

23. Teve necessidade de ser transportado de ambulância para o Hospital de Cascais.

24. Os tratamentos hospitalares prestados ao ofendido J, a que é feita referência em 19., importaram no valor de € 108,00, que se encontra em débito.

25. Pelo transporte de ambulância existe um débito hospitalar no valor de € 27,50.

26. A aludida máquina é essencial para o desenvolvimento da actividade profissional de jardineiro do ofendido J.

27. O ofendido J não recuperou a referida máquina pelo que teve de comprar uma máquina nova, com o que despendeu o montante de € 261,25.

28. Em virtude da agressão, e durante numero de dias não exactamente apurado, o ofendido J sofreu abalo psicológico e emocional, ficou transtornado, triste, perturbado e com receio que a situação se repetisse. 

Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito:

29. O arguido não tem antecedentes averbados no respectivo registo criminal.

30. O arguido é o mais velho de dois filhos de um casal detentor de uma condição sócio-económica privilegiada e de elevado estatuto social.

Com o divórcio dos pais aos 9 anos de idade e a responsabilidade parental atribuída à figura materna, o arguido deixa de ter contactos com o pai.

A relação com a mãe decorreu maioritariamente num clima de tensão, marcado pelo controlo que esta exercia sobre ele, na tentativa de lhe impor um status e imagem social com o qual o arguido não se identificava.

Ao atingir a maioridade, o mau relacionamento com a mãe agudizou-se.

O arguido, licenciado em Direito, exerceu actividade laboral como explicador e formador de adultos, durante cerca de 15 anos, tendo prestado serviços para o IEFP e SCM. Esta actividade foi vivida como gratificante, atendendo à proximidade com as funções de docência, área que sempre quis exercer. Contudo, complicações de saúde, que se foram agravando a partir de 2008 (perda temporária da voz, operação ao nervo ciático, mobilidade reduzida) foram inviabilizando a possibilidade de manter-se profissionalmente activo.

Com 23 anos, no contexto de uma relação afectiva estável, o arguido foi infectado com o vírus VIH/SIDA, alegadamente pela namorada da época, que acabou por falecer.

Em fase anterior à evolução desta doença, o arguido experienciou um padrão regular de bebidas alcoólicas, associado a um contexto de grupo de pares e de diversão nocturna, prática que abandonou face à sua incompatibilidade com a medicação que regularmente tem de tomar.

À data dos factos objecto destes autos, o arguido residia com a namorada e a progenitora e profissionalmente, devido a complicações de saúde, trabalhava apenas em regime de part-time, como formador.

Presentemente, o arguido reside com uma antiga empregada doméstica da casa de sua mãe, pagando uma renda de casa no montante mensal de € 500,00.

Apesar da relação entre o arguido e a irmã ter sido sempre de algum distanciamento -especialmente devido aos diferentes interesses e modos de estar na vida - presentemente, reforçaram os laços afectivos, manifestando aquela preocupação com a situação vulnerável em que se encontra o arguido.

Para além da reaproximação à irmã, o arguido tem vindo ultimamente a estabelecer alguns contactos com o pai, embora a relação entre ambos seja ainda incipiente.

O processo de desenvolvimento pessoal do arguido caracterizou-se por um diminuto vínculo afectivo por parte das principais figuras de referência, numa dinâmica familiar disfuncional e conflituosa.

*

B) – MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Da discussão da causa, não resultaram provados os seguintes factos constantes da acusação:

a)- que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 5. A 11., o arguido tivesse dito ao ofendido J as expressões “És um cabrão», «Seu filho da puta», «A tua mãe precisava era dessa máquina pela cona acima».

b) - que o ofendido J esteve em risco de vida, e temeu pela sua vida;

c) - que o arguido tinha conhecimento que o ofendido padece de uma incapacidade motora de 60%;

d) - que o arguido tinha conhecimento acerca da reduzida mobilidade do ofendido J, resultante da sua incapacidade motora;

e) que o arguido, por diversas vezes, já havia solicitado aos proprietários da aludida residência, sita na Rua de I , n.º 13, no Estoril, que não usassem a máquina sopradora indicada em 2.

           Porque tal segmento também se mostra relevante para a discussão dos recursos, confiramos, igualmente, o que se deixou exarado em abono da convicção acima materializada.

Nos termos do art. 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.

O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

A decisão relativa ao preenchimento dos elementos integradores dos tipos legais de crime fundou-se nas declarações do assistente J, que se revelaram logicamente coerentes com o envolvimento histórico da situação concreta, tendo sido prestadas de um modo sincero e objectivo, e sendo o assistente peremptório em descrever a ocorrência dos factos. Apesar de ter sido o sujeito passivo do tipo legal de ofensa à integridade física qualificada, logrou descrever a dinâmica da actuação do arguido, de forma que se ajuizou de credível, tanto mais que o seu relato é corroborado pela análise crítica da globalidade da demais prova produzida, pelo que dúvidas não teve o tribunal de que o arguido agrediu o assistente da forma que este relatou, sendo que as lesões de que padeceu na cabeça são compatíveis com a agressão descrita pelo assistente.

Com relevância nesta sede mostrou-se, igualmente, o depoimento testemunhal de AR, jardineiro na propriedade onde residia o arguido, que, no dia dos factos, aí se encontrava a exercer funções e que, desta forma, justificou a razão do seu conhecimento directo dos factos, tendo presenciado a factualidade que relatou em tribunal. Na ocasião, apercebeu-se que o arguido, da respectiva propriedade, dirigindo-se para a propriedade de JB disse «Pára com essa merda». Depois, viu o arguido saltar o muro que separa as duas propriedades, adiantando que pensa que o arguido levava um taco. Alguns momentos depois, viu uma máquina de soprar detritos e folhagens, pelo ar, a passar do terreno de JB para o do arguido. Esclareceu que não viu o que se passou no jardim de JB por o muro tirar a visibilidade. Explicitou que a máquina sopradora usada no terreno de JB fazia barulho, o que incomodava o arguido. Explicitou que quando ia trabalhar para a propriedade do arguido se inteirava junto de uma empregada se o arguido estava a dormir pois era sabedor que este não gostava de barulho e esclareceu que nessa propriedade não era utilizada máquina sopradora de folhas e detritos.

Com relevância nesta sede mostrou-se, igualmente, o depoimento testemunhal de M L, cuja residência se situa em frente das propriedades do arguido e de JB, que, no dia dos factos, se encontrava no terreno da sua casa e que, desta forma, justificou a razão do seu conhecimento directo dos factos, tendo presenciado a factualidade que relatou em tribunal. Referiu que, nessa ocasião, estava a ser utilizada uma máquina sopradora na propriedade de JB e que viu o arguido com uma espécie de pau, que podia ser um taco, a saltar o muro, da respectiva propriedade para o terreno de JB, que, depois, viu uma máquina sopradora a ser atirada do terreno deste para o do arguido e, de seguida, o arguido a saltar o muro, com o pau na mão, de volta para o seu terreno. Desconhece o que se passou na propriedade de JB por a vedação impedir a visibilidade.

Refere que antes de o arguido saltar o muro para o terreno de JB, o mesmo reclamou, a gritar, por causa do barulho causado pela máquina sopradora, dizendo para se parar o barulho. Explicitou que a máquina sopradora continuava a ser utilizada quando o arguido saltou para o jardim de JB.

Referiu ser muito usual a utilização da máquina sopradora de folhas e detritos no terreno de JB, que a mesma era usada tanto de manhã como de tarde e que o ruído emitido pela máquina era muito alto, atingindo quase o limite da dor.

Foram, igualmente relevantes as declarações da testemunha RB, sogra de JB, que, reportando-se a este episódio, relatou que, nessa tarde, encontrando-se na residência do genro e da filha, recebeu um telefonema desta, pedindo-lhe para ir ao jardim porque o jardineiro tinha sido atacado. Explicitou que, na altura, a filha se encontrava em Paris. De imediato, RB se dirigiu ao jardim, e, aí, constatou que, atrás dos canteiros, se encontrava o ofendido J, caído no chão, tendo a testemunha explicitado que este estava «cheio de sangue». Referiu que foi chamada a ambulância e que, entretanto surgiu no local, a mãe do arguido a dizer que o filho não podia ouvir barulho nenhum.

JB referiu ser o dono do terreno onde ocorreram os factos objecto destes autos. Disse que o ofendido J trabalhava para si, como jardineiro, desde há dois anos, com referência à data dos factos, e que a máquina sopradora de detritos e folhagens era propriedade de J.

JM, reside numa propriedade contígua com a da testemunha JB, seu filho. Adiantou que, por várias vezes, em datas anteriores à dos factos em apreciação, a mãe do arguido lhe telefonou a dizer que este não suportava ruído e que «tínhamos uma máquina que fazia muito barulho». Adiantou que noutras propriedades próximas também eram utilizadas máquinas sopradoras do tipo da usada pelo jardineiro do seu filho.

JG, trabalha como jardineiro na propriedade de JB desde há vários anos, com referência à data dos factos objecto destes autos, explicitando que exerce tal actividade, às quintas feiras e durante todo dia. Esclareceu que utiliza, nessa propriedade, uma máquina sopradora de detritos e folhagens.

No que tange às consequências que advieram para o assistente em resultado da conduta do arguido, a que é feita menção no ponto 28. da “Matéria de Facto Provada”, o tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica das declarações do próprio, tendo dado conta das sequelas emocionais da conduta do arguido, tendo deposto sobre essa factualidade, de modo coerente com as regras da experiência comum, de acordo com as quais é possível inferir um juízo baseado na cultura das pessoas de que a vítima de ofensas à integridade física se sente abalada emocional e psicologicamente, transtornada, triste, perturbada e com receio que a situação se repita. 

O tribunal valorou, igualmente, a documentação clínica de fls. 11, 19, 20, 28 e 29, o relatório médico legal de fls. 8 a 10.

Foi tomada em consideração a documentação de fls. 164 a 176 e de fls. 235 a 300, de fls. 372 a 373 e a fotografia de fls. 477.

Em face da análise crítica e conjugada da globalidade destes elementos probatórios não nos puderam merecer credibilidade as declarações do arguido, que refutou ter atingido o assistente com o taco de soft ball na cabeça.

O arguido afirmou que desferiu duas pancadas com o taco na máquina sopradora e, nessa altura é possível, que tenha, atingido o braço do ofendido, afigurando-se esta versão totalmente inverosímil.

Em suma, atentas as declarações do assistente e das testemunhas AR, RB, ML, conjugadas com a análise crítica da prova documental e pericial a que acima se fez menção, o tribunal ficou convencido que os factos ocorreram nos exactos termos que considerou provados nos pontos 5. a 11.

O tribunal socorreu-se de uma presunção natural no que tange aos factos subjectivos constantes dos pontos 8., 9. e 10., porquanto os factos objectivos provados, de acordo com as regras da experiência comum, permitem inferir estes factos subjectivos.

Quanto às condições pessoais do assistente e do arguido, o tribunal fundou a sua convicção nas declarações dos próprios e, quanto ao segundo, também no relatório elaborado pela DGRS e, no que tange à ausência de antecedentes criminais do arguido, no respectivo certificado de registo criminal.

*

No que tange à matéria de facto considerada como não provada, tal ficou a dever-se à circunstância de nenhuma prova ou nenhuma prova suficientemente consistente ter sido produzida acerca da mesma.

A este respeito, importa ponderar que, pese embora o ofendido J tenha asseverado que, nas circunstâncias de tempo e de lugar indicadas na peça acusatória, o arguido lhe chamou «cabrão», «filho da puta» e «A tua mãe precisava era dessa máquina pela cona acima», a verdade é que o arguido, de forma categórica, negou que o tivesse feito.

Ora, em face destas versões contraditórias, constata-se que não foi feita prova dos factos imputados a este arguido na acusação, na parte em que configuram a prática, pelo arguido, de um crime de injúria.

Com efeito, estão em causa declarações perfeitamente contraditórias entre si, não existindo, no mais, qualquer outro elemento que permita concluir pela maior credibilidade de qualquer delas.

III - 3.0.) Na apreciação das questões acima deixadas inventariadas, iremos dar prioridade às colocadas no recurso interposto pelo Arguido M, dada a natureza prejudicial da nulidade invocada e do inconformismo dirigido em relação à matéria de facto, prosseguiremos pelas colocadas pelo Assistente nesta última sede, depois às incidências suscitadas pela suspensão da pena (matéria comum ao recurso do Ministério Público), e por fim, aos problemas conexos com as indemnizações.

III – 3.1.) No que concerne à nulidade que a sentença patentearia ao nível de um eventual deficit de exame crítico, na parte relativa à factualidade em que se alicerça a condenação do arguido pelo indicado crime de ofensa à integridade física qualificada, somos em concluir que a mesma não se verifica.

Como é sabido, o dever de fundamentar, no que diz respeito às decisões judiciais que não sejam de mero expediente, decorre desde logo do art. 205.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, que o enuncia.

Está depois renovado, na nossa Lei Adjectiva no respectivo art. 97.º, n.º 5, sem prejuízo de exigências mais específicas assinaladas para determinados actos decisórios em particular.

É o que sucede com a sentença, para o qual o art. 374.º, n.º 2, depois de enunciar os requisitos do relatório (regulado no respectivo n.º 1) afirma dever seguir-se a fundamentação, onde deverá constar a enumeração dos factos provados e não provados (o que está feito), “bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Cumpre recordar que este exame crítico das provas foi uma exigência particular introduzida pela revisão operada ao Código de Processo Penal em 1998, na decorrência de diversas decisões do Tribunal Constitucional que julgaram não conforme ao texto fundamental, uma interpretação do n.º 2 do art. 374.º do Cód. Proc. Penal “segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º1 do art.º 205.º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das als. b) e c) do n.° 2 do art. 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.° 1 do artigo 32.º, também da Constituição”.

Nesta conformidade, para além da referida enumeração, passou a ser necessário acrescentar em termos de fundamentação, pelo menos uma explanação ou justificação das razões que levaram o tribunal a precisamente dar maior relevo a este sobre aquele meio de prova, ou a não conferir qualquer relevância a um qualquer outro produzido em audiência.

No fundo, era a ideia também veiculada por Marques Ferreira, nas Jornadas de Direito Processual Penal – o Novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, págs. 229/30, no trecho repetidamente citado na Doutrina e na Jurisprudência onde alude aos “elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.»

Como é bom de ver, não estamos perante uma situação de “simples” ausência de fundamentação.

Aliás, o respectivo “intróito” convoca basicamente aquelas mesmas disposições legais, pelo que não seria esperável uma omissão estruturalmente evidente a esse nível.

Quanto muito, o problema poderá situar-se ao nível do cumprimento de tal dever.

Como costumamos afirmar, dentro de certos limites, este é um domínio de concretização perfectível.

Donde, mais do que a sua simples enunciação, o que em termos práticos de ordinário importa estabelecer, é a definição de balizas de razoabilidade na satisfação de tal dever, tendo em vista a que não se postergando as respectivas finalidades, também a decisão não se adense para além do necessário.

Pronunciando-se exactamente sobre essa matéria, Simas Santos – Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, II Vol., 2.ª Ed., pág.ªs 536/7), tiveram o ensejo de expender o seguinte:

“(…) afigura-se-nos que deve ela ser entendida não no sentido de se traduzir num detalhado exame crítico do conteúdo da prova produzida (que a ter lugar é suportado pela documentação da prova e pela sua posterior reapreciação por parte do Tribunal Superior, e não pela intermediação subjectivada do tribunal, relatada tão só por um dos seus membros, sobre a forma de «apreciação crítica das provas» e a partir de meras indicações não obrigatórias dadas por cada membro do tribunal recorrido), mas antes no exame crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, por forma (como refere o Tribunal Constitucional, no citado Ac. n.º 680/98) a «explicitar (d)o processo de formação da convicção do tribunal».

Tenha-se em conta por outro lado, que o art. 374.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (Ac. do STJ de 09/01/1997, CJ (STJ) Ano V, T.1, pág.ª 172.

Ou como se diz num outro aresto do mesmo tribunal, de forma mais incisiva (de 30/06/1999, no Proc. n.º 285/99-3.ª, SASTJ, n.º 32, pág.ª 92), “a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize a substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível”.

Posto que já algo datada no tempo, não se pense que esta Jurisprudência não tem conhecido reafirmação actual, mormente no que respeita aquela desnecessidade de explanação “facto a facto”.

É o que sucede com o recente acórdão do STJ de 17/09/2014, no processo 1015/07.3PULSB.L4.S1 (consultável no respectivo endereço electrónico da DGSI), o qual considera esse modelo de fundamentação “uma tarefa quase ciclópica, sem utilidade e mais propiciadora de reparos”, e como tal, não exigível.

O que “não se dispensa” é que “figure, de forma simples, clara e suficiente, o processo encadeado que, em resultado da lógica e da razão nela impressas, levou a tomar-se o sentido decisório expresso, enquanto sua consequência inelutável, à margem da dúvida”.

Ora ainda que a fundamentação acima deixada transcrita não seja “exuberante”, a verdade é que, da nossa perspectiva, satisfaz adequadamente tal desiderato.

Para a convicção formada em relação ao crime em epígrafe pontuaram:

Desde logo as declarações do Assistente, a que se juntou a corroboração do depoimento da testemunha AR, no ponto em que viu e ouviu o Arguido a dizer “pára essa merda”, saltar o muro, levando o que pensa ser um taco, do depoimento da testemunha ML, que relatou ter visto o ora Recorrente com uma espécie de pau, que podia ser um taco, a saltar o muro, da respectiva propriedade para o terreno de JB, que depois viu uma máquina sopradora a ser atirada do terreno deste para o do Arguido e, de seguida, este a saltar o muro, com o pau na mão, de volta para o seu terreno, do depoimento da testemunha RB que viu o Assistente caído no chão «cheio de sangue», e dos elementos de documentação clínica que melhor se discriminam.

Mais se deixaram explicadas as razões para a não credibilização da versão trazida a julgamento pelo Arguido.

Logo, estão indicadas as provas, as razões pelas quais se preferiu aquela versão dos acontecimentos e se afastou a por aquele adiantada, do mesmo modo que qualquer intérprete chamado à sua leitura, fica em condições de conhecer o percurso lógico efectuado pelo Tribunal para assim ter julgado.

Improcede pois a mencionada nulidade.

III - 3.2.1.) Em sede de impugnação de facto a discordância do Arguido, como vimos,  converge sobre os pontos 11, 13 a 15, 22 e 28.

O primeiro traduz a materialidade da agressão ao Assistente.

Os demais, basicamente as respectivas consequências e o respectivo ânimo subjectivo de actuação.

Quanto ao mencionado ponto 11, em bom rigor, o principal argumento esgrimido, é o da afirmada credibilidade das suas próprias declarações.

Ou seja, que bateu na máquina sopradora e eventualmente, nessa altura, o terá atingido no braço.

Na cabeça de certeza que não: a sua hipótese explicativa para tal ferimento aponta para uma das pedras ali existentes pelo chão.

Por que via (embate, queda acidental, arremesso, …) o seu recurso não explica!

Cumpre relembrar, no entanto, que a simples existência de uma outra versão dos acontecimentos não assegura a procedência desta via de alteração dos factos.

Tal como se mostra reafirmado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2008, inserto na Colectânea de Jurisprudência (STJ) Ano XVI, T.1, pág.ª 206, “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida como o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento (…)”.

Ou seja, a Relação intervêm sobretudo para colmatar erros de julgamento.

Nesta conformidade, não vai ela própria à procura da sua convicção. O que faz, é antes que tudo verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas.

Depois, irá conferir essas provas na exacta medida em que o recorrente haja dado cumprimento ao preceituado naqueles n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do Cód. Proc. Penal, e claro está, na que se mostrar necessária para obter o seu alcance ou o real peso da sua significação global.

Por outro lado, como a lei claramente hoje o indica, não basta à procedência da impugnação que as provas invocadas no recurso “permitam” a solução propugnada na motivação e conclusões apresentadas.

Tal como o art. 412.º, n.º 3, al. b), do Cód. Proc. Penal, o estipula agora de forma mais incisiva, aquelas terão que “impor” uma solução diversa da perfilhada na decisão de que se recorre, o que pela prevalência natural do julgamento efectuado na sua melhor imediação, demanda um real desapoio da leitura perfilhada pelo Tribunal recorrido em relação às provas produzidas.

É que, para todos os efeitos, existe um princípio de livre apreciação que àquele assiste, e que como tal, terá que ser respeitado.

III - 3.2.2.) Ora para além da impugnação oferecida nada dizer ou contrapor directamente em relação aos depoimentos acima destacados, em bom rigor, também a prova que indica nas suas “conclusões” em nada sustentam que o Assistente foi visto a bater com a cabeça numa pedra ou os motivos que poderão explicar essa ocorrência.

No fundo o que dizem é que havia pedras no local.

JB:

 - Defesa: "Esta zona tem um caminho, tem flores, é relvada, esta zona?"

- Testemunha: "A zona encostada?"

- Defesa: "Sim. Junto ao muro que separa as duas propriedades."

- Testemunha: "Não, não tem flores, tem uns arbustos, tem pinheiros, tem um caminho ladeado por pedras, tem a casa da lenha ... "

JG:

- Defesa: "A parte junto ao muro é terreno normal?"

- Testemunha: "É terreno normal, com arbustos."

- Defesa: "Há um caminho que está delimitado por pedras?"

- Testemunha: "Há"

- Defesa: "Vem até perto do muro, esse caminho?"

- Testemunha: "Junto ao muro, não, tem uns metros."

Mas naturalmente que nenhuma destas afirmações impõe decisão diversa da recorrida.

As lesões provocadas e as suas consequências estão devidamente documentadas.

O Assistente recorreu à urgência do HPP Hospital de Cascais, “com feridas no couro cabeludo”, foi transferido para o São Francisco Xavier para fazer uma TAC e ser observado por neurocirurgia, com o diagnóstico de traumatismo craniano não especificado, tendo-lhe sido depois atribuído os tais 20 dias de doença com 8 com incapacidade para o trabalho.

A referência à sua produção por “objecto corto-perfurante” no exame directo de fls. 8 a 10, está relacionada com o facto do ofendido apresentar “ferida suturada com crosta sanguínea, com 5 cm de comprimento”.

Daí a justificação médico-legal (presumida) de tal conclusão.

Veja-se no entanto, que em toda a documentação mencionada, sempre a circunstância agressão se ter efectivado por taco de “basebol” se mostra consignada.

Conjugando-se os elementos em causa com a prova pessoal produzida, não se vislumbra desapoio lógico ou probatório para o sustentado pelo Tribunal.

Donde, termos por manifesto igualmente, que “em consequência das lesões, a que é feita referência em 12., no dia 30/12/2009, o ofendido J necessitou de recorrer ao Hospital de Cascais, onde deu entrada e recebeu assistência hospitalar no serviço de urgência” –cfr. documento de fls. 29.

No que concerne aos elementos subjectivos da infracção, cabem por inteiro as observações efectuadas no recentíssimo acórdão desta Secção de 09/06/2015, no processo n.º 176/08.9TAMFR.L1, de que foi relator o Mm.º Desembargador João Carrola:

            “(…) a prova da intenção do agente é insusceptível de uma prova directa, na medida em que não existem meios de penetrar nessa “ilha de liberdade” que constitui o pensamento e a volição de cada ser humano. Ou seja, a prova de tal vontade, por regra, apenas se logra por via indirecta, ou, numa visão optimista, da própria confissão por parte dos agentes do crime.

Com efeito, e como se escreve na Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-02-1983 (In BMJ, n° 324, pág. 620), "dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência".

 O elemento subjectivo não tem que resultar das declarações do próprio arguido, podendo resultar da livre apreciação da prova, segundo as regras da experiência (art.º 127º do CPP), que permite aquilatar dos factos psicológicos em função do exame dos factos provados.

Ao contrário do que recorrente refere, as presunções naturais são o produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro ou outros [Ac. do STJ de 9/02/2005, proferido no Proc. n.º 04P4721, Rel. Henriques Gaspar, www.gde.mj.pt/jstj].

Considerando-se admissíveis todas as provas não proibidas pela lei, poderá o Tribunal, por dedução lógica de factos concludentes, formar livremente a sua convicção relativa a factos conclusivos; dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção; pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao principio da normalidade ou da regra geral de experiência. [Ac. de 1/04/1993, proferido no Proc. n.º 043320 Rel. Guerra Pires, www.dgsi.pt].”

Donde não se impor por via da alegação apresentada decisão diferente da recorrida em relação aos pontos indicados (cfr - art. 412.º, n.º3, al. b) do Cód. Proc. Penal).

O mesmo é dizer, que não se evidencia qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.

 III - 3.3.) Quanto a uma eventual violação ao do in dubio pro reo, apenas poderemos repetir, o que de ordinário, se vem decidindo a este propósito nos Tribunais de recurso.

Como é sabido, tal princípio deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.

Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção.

Porém, “o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes (o que no caso até não aconteceu), o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio”.


Como se afirma no acórdão no Supremo Tribunal de Justiça de 18/04/2012 no processo n.º 138/10.6GBTNV, relatado pelo Mm.º Sr. Conselheiro Souto Moura, “a violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como refere ROXIN, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida” (in “Derecho Procesal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111)”.


Por isso mesmo a nossa Jurisprudência vem insistindo com unanimidade, que a sua violação só se verifica, se da decisão recorrida decorrer que o Tribunal «a quo» haja chegado a um estado de dúvida insanável e que, perante ela, tenha acabado por acolher a tese desfavorável ao arguido.

            Ora o Tribunal recorrido, para aquilo que não encontrou prova ou prova consistente, absolveu.

Em relação ao núcleo factual que assegurou a condenação do Arguido pelo crime de ofensa à integridade física, mormente os factos 5. a 11., que encerram o núcleo  essencial daquela acção, o que diz, “é que ficou convencido que os mesmos ocorreram nos exactos termos que considerou provados”.

Logo, não exprimiu dúvidas com as características acima apontadas.

Improcede pois, igualmente, a violação apontada.

III – 4.1.) Passando agora a considerar as questões colocadas no recurso interposto pelo Assistente J, designadamente no que tange à pretensão erigida de modificar a matéria de facto provada para nela albergar o imputado crime de injúria, valem aqui alguns dos considerando acima deixados expostos aquando da apreciação do interposto pelo arguido, que apontam decisivamente para a sua igual improcedência.

Estando tal matéria considerada como não provada, só por via da sua impugnação, poderia eventualmente ser repristinada para alcançar um sentido oposto.

Mas para isso era mandatório o cumprimento dos ónus previstos no art. 412.º, n.º3 e 4 do Cód. Proc. Penal, seja na motivação seja nas conclusões.

O que não se verifica.

Vícios como os indicados no art. 410.º, n.º2, do mesmo Diploma, não os vislumbramos.

Neste particular, o que sobretudo é distinto na avaliação feita em relação ao crime contra a integridade física, é que no caso do imputado contra a honra, inexistem outras provas que permitam superar a simples afirmação e negação por parte dos interessados.

Por outro lado, no que concerne ao problema da incapacidade motora que o mesmo padecerá, o que os factos não provados constantes das alíneas c) e d) consignam, é que, respectivamente, “o arguido tinha conhecimento que o ofendido padece de uma incapacidade motora de 60%” e que “o arguido tinha conhecimento acerca da reduzida mobilidade do ofendido J, resultante da sua incapacidade motora”.

            Não que ele próprio fosse portador dessa mesma incapacidade. Sendo que em relação àquela precisa incidência, nada de decisivo se contrapõe.

Donde, por aqui se ter como estabilizado o património factual disponível.

III – 4.2.1.) A questão subsequente, mostra-se suscitada quer pelo Ministério Público quer pelo Assistente, e diz respeito à discordância registada em torno da concessão da suspensão da execução da pena de prisão que foi aplicada.

Importa recordar, que a actuação daquela possibilidade substitutiva por parte do Tribunal, se fundou essencialmente na situação de primariedade do arguido:

“No caso vertente, tendo em atenção que o arguido não tem antecedentes criminais, entende-se que a mera censura do facto e a ameaça da pena serão suficientes para cumprir de forma adequada a necessidade de reprovação do crime, bem como de prevenção geral e especial, quanto ao aqui arguido”. 

Para o Ministério Público, a tónica inicial começa por ser colocada na não interiorização do desvalor das condutas.

O arguido não confessou, não se penitenciou pelos factos, e só porque aquela máquina fizesse muito ruído, invade a propriedade contígua e agride o respectivo jardineiro na cabeça, para mais, sendo esta uma pessoa portadora de deficiência.

Para o Assistente, há também falta de integração familiar, social e laboral.

De forma comum, invocam a condenação por sentença não transitada em julgado, em que o arguido, por factos posteriores, veio a ser condenado por homicídio qualificado na pessoa de sua mãe, também agredida com um taco de softball.

Ressalvado sempre o devido respeito, não vemos em nenhum dos argumentos apontados razão suficiente para derrogar a conclusão a que o Tribunal de Cascais chegou neste domínio.

Conforme decorre da certidão constante de fls. 486 e segts, tal decisão, à data de 07/03/2014, não se mostrava transitada.

Como tal, não havendo consolidação quer dos factos quer das suas consequências jurídicas, é prematuro fazer influir no juízo de prognose ínsito ao art. 50.º, n.º1, do Cód. Penal, algo que não se pode ter como adquirido.

É certo que não confessou e consequentemente não evidenciou arrependimento.

Em todo o caso, não podendo beneficiar destas circunstâncias, também não é a sua ausência que o pode prejudicar, em função do princípio nemo tenetur.

Atente-se por outro lado, que os factos objecto dos presentes autos são de 2009.

Releve-se também, que o ruído em causa está classificado de elevado (cfr. ponto 18.), perturbava-o particularmente (ponto 20.), traduzindo um desgaste psicológico que já se vinha a desenvolver ao longo de vários anos.

Ao ponto de o arguido não conseguir trabalhar (ponto 19.).

É inegável que este evidencia algumas condicionantes relevantes na sua história pessoal, mormente dificuldades de relacionamento…

Mas também problemas de saúde significativos.

Seja como for, não é por aqui que encontramos nada de verdadeiramente obstativo para que na contraposição daquela mesma primariedade, faça exigir - malgrado a gravidade da conduta demonstrada - o cumprimento efectivo da pena prisão aplicada.

III – 4.2.2.) Por tudo o que a matéria de facto revela em termos do seu historial pregresso e características individuais, poderemos convir no condicionamento da suspensão atribuída por regime de prova (art. 53.º do Cód. Penal), já que este o poderá ajudar na sua reintegração social futura.

O condicionamento por dever de características económicas, também não deixa de potenciar igual efeito.

“Através dos deveres e regras de conduta que são impostos para reparar o mal do crime e facilitar a reintegração do condenado na sociedade contribui-se para que ele observe uma conduta correcta durante o período da suspensão, evitando-se, ao mesmo tempo, os danos causados pelo cumprimento de uma pena privativa da liberdade.”

Por outro lado, por essa via se fortalece “a função retributiva da pena, dado que esta, suspensa na sua execução, se limita ao juízo de culpa e que, por razões de justiça e equidade, se deve assim fazer sentir ao réu os efeitos da condenação” - Leal-Henriques Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.º Vol., Rei dos Livros, pág.ªs 685/6).

No caso presente, em função da situação económica esboçada, entendemos, no entanto, que não deve ultrapassar os € 2.500,00 propostos pelo Ministério Público, ainda que por efeito do recurso interposto pelo Assistente/Demandante, tal valor, correspondente a danos morais, ou outros, possa ser elevado.

III – 4.3.) Já no domínio das decorrências patrimoniais e não patrimoniais dos factos apurados, o primeiro segmento objecto de inconformismo por parte daquele último, dirige-se precisamente ao não ressarcimento da quantia de € 261,25, relativa à inutilização da máquina de sopro e ao montante dispendido na compra de uma nova, que se assinala no ponto 27.

Cumpre afirmar que não existe neste particular qualquer nulidade por preterição documental:

A questão foi expressamente equacionada pela sentença recorrida que sobre este aspecto deixou afirmado o seguinte:

 
O demandante J requer a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de € 261,25 (duzentos e sessenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), a titulo de indemnização por danos patrimoniais.
Tal valor corresponde ao preço da máquina de soprar detritos e folhagens que teve de comprar.
De acordo com o disposto no art.º 71.º do Cód. Processo Penal, o pedido de indemnização civil deve fundar-se na prática do crime.
O prejuízo relativo à máquina designada de soprador não se baseia na prática dos crimes cometidos pelo arguido, pelo que, nesta parte, deve improceder o pedido de indemnização.

Ou seja, não se dissente que tal prejuízo se tenha verificado, da ilicitude do respectivo comportamento ou da sua autoria por parte do arguido, só que decorrerá de um crime de dano pelo qual o arguido não foi acusado/condenado, e não por via das infracções penais que nestes autos se tiveram por verificados.

Em todo o caso, julgamos que esta solução pecará por excesso de rigorismo.

Se na realidade o assistente/demandante não recuperou a máquina em questão (ponto 21.), se teve de adquirir uma outra nova, despendendo para o efeito € 261,25 (ponto 27.), se a respectiva inutilização se processou de forma contemporânea ou imediatamente subsequente aos factos aqui ajuizados, não tem sentido exigir que intentasse uma acção em separado para ser ressarcido dessa importância.

É que, se por exemplo, tal conduta não for dolosa, sempre ficaria sem base criminal para poder aderir a respectiva indemnização.

Logo, iremos conceder no seu ressarcimento.

 

Já no domínio dos danos não patrimoniais, para além das referências normativas que enquadram a respectiva atribuição, sopesou o Tribunal:

“Os elementos que resultam da matéria de facto provada e que devem ser levados em consideração, para este efeito, são: o tipo de agressão perpetrada (pancada com um taco de soft ball), a zona corporal visada e atingida (cabeça do ofendido), as consequências (dores e ferida suturada e com crosta sanguínea, na região parietal direita, com 5 centímetros de comprimento, lesões que lhe demandaram 20 dias de doença, sendo os primeiros 8 com incapacidade para o trabalho profissional, sendo certo que tais lesões determinaram para o ofendido a necessidade de receber assistência hospitalar), o grau de culpa subjacente à conduta do arguido (dolo directo), a situação económica do arguido, descrita na matéria de facto, as dores, o abalo psicológico e emocional, o sentimento de transtorno, tristeza, perturbação e receio que a situação se repetisse, as concretas circunstâncias em que a agressão foi perpetrada.

Analisados os danos, conclui-se que os mesmos são consideráveis, e, como tal, merecedores de tutela jurídico-indemnizatória.

Posto isto, e não esquecendo que a indemnização por danos não patrimoniais não visa, propriamente, o ressarcimento do lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que seja justo contrabalanço para o mal sofrido (neste sentido, Rui Alarcão, Direito das Obrigações, Livraria Almedina, 1983, pp. 270), devendo, para cobrar efeito dignificante, ser significativa e não meramente simbólica, tendo em consideração a globalidade do quadro que se nos apresenta, designadamente a extensão e natureza dos danos, julgamos adequada, num juízo de equidade, à luz do critério da ponderação das realidades da vida e com o melindre que sempre acarreta a quantificação de tais danos, uma indemnização no montante de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros), por tal montante se nos afigurar perfeitamente equilibrado e ajustado às particularidades da situação em análise.”

Ora não relevando para este “cálculo” os eventuais prejuízos decorrentes do crime contra a honra e o bom-nome que se tinha em vista imputar, a tónica remanescente da discordância registada, centraliza-se no tónus daquelas consequências: “uma forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio sócio-psíquico emocional do Assistente e do seu agregado familiar, constituindo um grave atentado à sua personalidade”.

Numa tentativa de harmonização de critérios, poderemos ir até aos € 4.000,00, para seu ressarcimento, mas não aos € 10.000,00 peticionados.

Nesta conformidade:

IV – Decisão:

            Nos termos e com os fundamentos indicados julga-se pois improcedente o recurso interposto pelo arguido M, e parcialmente procedentes os interpostos pelo Ministério Público e pelo Assistente/Demandante J, termos em que:

- Se condiciona a suspensão concedida à execução da pena de prisão aplicada ao Arguido, à sua submissão a regime de prova, pelo tempo da condenação, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRS, e mediante o pagamento ao Assistente, no prazo de 1 (um) ano, da quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), devendo fazer prova nos autos desse facto.

- Se fixa em € 4.000,00 (quatro mil euros), o montante em que o Arguido M ficará condenado para satisfação dos danos morais provocados, a que acrescerá a importância de € 261,25 (duzentos e sessenta e um euros e vinte e cinco cêntimos) relativa aos danos patrimoniais, computando-se os juros pela taxa legal, sobre os primeiros, desta a data desta decisão, e sobre os segundos, da data da notificação do pedido, em ambos os casos, até integral pagamento.

Pelo seu decaimento total, e sem embargo do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, ficará o arguido condenado no pagamento de 5 (cinco) UCs, nos termos dos art.ºs 513.º e 514.º do CPP, e respectivo Regulamento das Custas Processuais.

O Ministério Público está isento.

Pelo seu decaimento parcial, ficará o Demandante condenado nas respectivas custas, com as reduções legais a que haja lugar, nos termos do art. 523.º do Cód. Proc. Penal, 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e respectivo Regulamento das Custas Processuais.

                Lisboa, 23-06-2015

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                                                                       L. Gominho
                                                                       J. Adriano