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ACÇÃO EXECUTIVA
SOLICITADOR DE EXECUÇÃO
APREENSÃO DE DOCUMENTO
SIGILO PROFISSIONAL
RECLAMAÇÃO
Sumário
1. O solicitador de execução que, na qualidade de arguido seja sujeito passivo de busca e apreensão de documentos, não pode usar do meio processual de reclamação, previsto no art.º 72.º do EOA; 2. O segredo profissional do solicitador de execução não impede a apreensão dos processos públicos de execução em que o mesmo exerce a sua profissão.
Texto Integral
I. Em 28/1/2015 foi realizada busca no escritório de F …e Associados, com a presença e direção da Mm.ª Juíza de Instrução criminal, tendo sido apreendidos os processos de execução e os restantes documentos identificados no respetivo auto, a fls. 33-53.
Na sequência dessa apreensão, o arguido F … apresenta esta reclamação, pedindo que não se determine a quebra de sigilo profissional, ordenando-se a separação e devolução das comunicações confidenciais que se encontram inseridas nos processos que identifica, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 71.º do Estatuto da Ordem dos advogados (EOA), 105.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS), 180.º e 182.º, do C. P. Penal.
O Ministério Público respondeu à reclamação dizendo, em síntese, que no Estatuto da Câmara dos Solicitadores não existe preceito semelhante ao art.º 72.º, n.º 3, do Estatuto da Ordem dos advogados, não existindo razões para que o mesmo seja aplicado por analogia, e que os documentos foram apreendidos em pastas relativas a processos de execução em que o arguido foi nomeado agente de execução, pelo que não existe qualquer risco de violação do segredo de solicitador ou de advogado, devendo manter-se a apreensão de todos os documentos.
O Juiz de Instrução emitiu o parecer previsto no art.º 72.º, n.º 3, do EOA, dizendo que a documentação apreendida são processos de execução a cargo do arguido pelo que toda ela não está coberta por qualquer sigilo profissional.
II. Conhecendo.
A primeira questão que urge apreciar para decisão desta reclamação é a de saber se este meio processual pode ser utilizado por um arguido que é solicitador de execução e nesta qualidade é sujeito passivo de um ato de busca e apreensão de documentos.
O reclamante, que utiliza este meio processual, não aborda diretamente esta questão, limitando-se a estabelecer ao longo da mesma um paralelismo entre o segredo profissional do advogado e o segredo profissional do solicitador, do qual se deduz que entende ser aplicável o art.º 72.º do EOA, embora não indique a génese dessa aplicação, se por norma direta, que não cita, se por qualquer outra via.
O Ministério Público pronuncia-se pela inaplicabilidade aos solicitadores de execução do disposto no art.º 72.º do EOA.
O Juiz de Instrução, depois de declarar o seu estado de dúvida, admitiu a reclamação prevista no art.º 72.º do EOA “por ser mais garantistica”.
Trata-se, pois, de uma vexata questio, para cuja decisão o reclamante não contribuiu uma vez que se limitou a fazer um paralelismo pleno entre o segredo do advogado e o segredo do solicitador, lançando mão do instrumento previsto no art.º 72.º do EOA como como que por um processo químico da osmose entre a função de advogado e a função de solicitador de execução.
O Tribunal de Instrução, tendo perspetivado a questão, procedeu da forma mais favorável ao arguido, admitindo o uso deste meio processual.
Vejamos.
Não existindo norma que determine a aplicação do disposto no art.º 72.º do EOA, de forma individualizada ou genérica, à função de solicitador de execução, tal como já alvitrado nos autos, a aplicação deste preceito só poderia ser feito com recurso à integração de lacunas da lei, através da figura da analogia, prevista no art.º 10.º, do C. Civil.
O coração desta figura, a caraterística que a define, como dispõe o n.º 2, do art.º 10.º, do C. Civil, é a identidade ou, pelo menos, a semelhança, das “razões justificativas”.
Mas antes de entrarmos na concretização da identidade de razões justificativas, como decorre do n.º 1, do art.º 10.º do C. Civil, é preciso que estejamos perante uma lacuna de regulação, ou seja, de um caso que a lei não preveja e devesse prever.
A nosso ver, esta lacuna não existe.
O legislador, conhecedor da afinidade e conexão das funções de advogado e solicitador, se quisesse que a este se aplicasse também a norma especial do art.º 72.º do EOA, que não existe para muitos outros segredos profissionais, poderia tê-lo dito, por remissão a ele dirigida ou dirigida a um conjunto de preceitos do EOA, e não o fez.
O legislador criou o segredo do solicitador (art.º 110.º do ECS), debruçou-se sobre a “Apreensão de documentos e buscas em escritório de solicitador” (art.º 105.º do ECS), mas não lhe associou o instrumento especial da reclamação, previsto para idêntico ato, relativo a busca e apreensão em escritório de advogado.
O legislador não regulou porque não quis regular e não quis regular porque quis distinguir.
Assim, não só não existe lacuna, como não procedem para o solicitador as “razões justificativas” que estão na génese da criação da figura, em especial, para o advogado.
Sem uma preocupação de identificação exaustiva, o certo é que o núcleo da função de advogado incide nas áreas nevrálgicas da declaração do direito do cidadão, perante outro cidadão ou entidade, ou perante o Estado, enquanto o núcleo da função do solicitador tem uma vertente intrínseca, essencialmente material, de fazer, e uma vertente relacional, com aquela e outras conexionada, de auxiliar.
Se a primeira – função de advogado – justifica o meio expedito, excecional, especial, da reclamação para, em ato seguido à apreensão, ser decidido se a mesma se deve manter, tal não acontece com o solicitador que, não obstante a nobreza e importância social da função, se encontra bastante afastado da fase da declaração do direito, em que se fazem sentir as necessidades de defesa do núcleo base dos direitos de cidadania.
Esta diferença de segredos destas duas profissões próximas resulta, desde logo, evidente, da comparação do texto do art.º 71.º do EOA com o texto do art.º 105.º,n.º 2, do ECS, mas também e essencialmente do disposto nos art.ºs 177., n. 5 e 180.º, do C. P. Penal, relativos a busca e apreensão em escritório de advogado, que não se solicitador.
Para o primeiro o legislador consagrou uma forma imediata de decisão sobre se determinados documentos devem continuar apreendidos, a reclamação prevista no art.º 72.º do EOA.
Para o segundo, o legislador proibiu a apreensão, mas deixou para mais tarde a apreciação da sua legalidade.
Não podemos, pois, deixar de concluir, que o arguido só pode impugnar a apreensão de documentos nos termos gerais em que outras profissões sujeitas a segredo profissional o podem fazer, sem que lhe seja admitido usar da reclamação prevista no EOA, para a profissão de advogado.
Como resulta destes autos de reclamação, o arguido desempenhava as funções de solicitador de execução e os atos em investigação criminal respeitarão a esse exercício.
Invocando o segredo profissional, o arguido não demonstra, todavia, em que medida é que o segredo profissional de solicitador de execução, ou só de solicitador, possa estar em causa e ser violado pelo ato de busca e apreensão.
Analisada a “listagem anexa à presente reclamação”, na qual estará concretizado o perigo de violação desse segredo, constatamos que se trata de processos de execução, identificados pelo seu número na orgânica dos Tribunais.
Na ausência de fatos concretos que nos permitam aquilatar da existência de atos que devam beneficiar do segredo profissional do solicitador e solicitador de execução, atentos os deveres que lhe são cometidos, entre outros, pelo art.º 123.º do ECS, não podemos deixar de concluir que se trata de processos públicos, em que o arguido se limita a exercer a sua profissão nos termos da respetiva regulação pública (art.ºs 116.º e sgts, do ECS).
Também por esta razão não podemos deixar de indeferir a reclamação.
III. Em conclusão.
1) O solicitador de execução que, na qualidade de arguido seja sujeito passivo de busca e apreensão de documentos, não pode usar do meio processual de reclamação, previsto no art.º 72.º do EOA;
2) O segredo profissional do solicitador de execução não impede a apreensão dos processos públicos de execução em que o mesmo exerce a sua profissão.
IV. Decisão.
Pelo exposto, se indefere a reclamação, mantendo-se a apreensão dos documentos sobre que incidiu a reclamação,
Custas do incidente pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em ½ UC.
Notifique.
Baixem os autos.
Lisboa, 16 de julho de 2015.