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INJUNÇÃO
TRANSACÇÃO COMERCIAL
EMPRESA
FIADOR
Sumário
I – O procedimento de injunção subordinado ao regime especial previsto no Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro só abrange o conhecimento das questões relacionadas com a falta de pagamento da remuneração devida nas transacções comerciais, sendo que estas se circunscrevem, apenas e só, às transacções “entre empresas ou entre empresas e entidades públicas“, relevando neste tocante a circunstância de o conceito de “empresa“ pressupor “qualquer organização que desenvolva actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular“ ( vide respectivo artigo 2º, nº 1, 3º, alíneas a) e b) ). II – Os intervenientes no contrato na qualidade de representantes da requerida ( única e efectiva celebrante franquiada), e a título de fiadores desta (com renúncia ao benefício da excussão prévia), não podem ser considerados como empresas, para efeitos da aplicação do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro. III - A sua obrigação, enquanto fiadores, é autónoma e própria, não podendo ser discutida e apreciada no âmbito deste procedimento especial exclusivamente destinado à efectivamente da responsabilidade pelo não pagamento do preço no contrato celebrado entre empresas comerciais. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
Intentou R., S.A., procedimento de injunção contra A., Lda, DA e EJ.
Essencialmente alegou que a requerente e a 1ª requerida celebraram, em 1 de Junho de 2009, um contrato de franchising para o sistema e marca C.
O 2º e a 3ª requerida constituíram-se, de forma solidária, como fiadores e principais pagadores de todas e quaisquer obrigações emergentes desse contrato.
A 1ª requerida não pagou as facturas que referencia e que foram emitidas pela requerente.
Conclui pelo pedido do pagamento dos respectivos valores em dívida.
Os requeridos deduziram oposição, invocando, além do mais, o erro na forma de processo relativamente ao 2º e 3ª requeridos por serem apenas fiadores não sendo de admitir, contra eles, o requerimento de injunção, ao abrigo do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, ex vi Decreto-Lei nº 32/2003 de 17 de Fevereiro e Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio.
Foi proferida decisão que declarou a nulidade de todo o processo relativamente aos requeridos DA e EJ, uma vez que não são havidos como empresas, absolvendo-os da instância ( fls. 68 a 69 )
Apresentou a requerente recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 78 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 70 a 76, formulou a apelante as seguintes conclusões:
1ª – O presente recurso é interposto com fundamento em errada interpretação e aplicação do direito pelo tribunal a quo, violando este com o Despacho em crise o disposto no artigo 7º do Anexo ao do Decreto-Lei nº 269/98 de 1 de Setembro e artigo 7º do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, bem como os artigos 1º, 2º, 99º e 101º do Código Comercial.
2ª – Os presentes autos decorrem de um requerimento de injunção interposto pela apelante em 11 de Setembro de 2013, contra a sociedade 1ª R. e o 2º R e a 3ª R., estando em causa o pagamento de diversas facturas à A. pela 1ª R., cujo capital ascende a € 13.020,99, acrescido de juros de mora no montante de € 3.212,70 e taxa de justiça de € 153,00, tudo totalizando € 16.386,69, sendo esses pagamentos decorrentes de obrigação emergente de transacção comercial, por força do contrato de franquia celebrado em 1 de Junho de 2009 entre a A. e a sociedade 1ª R. e os 2º e 3º RR, enquanto gerentes e em seu nome pessoal e ainda na qualidade de fiadores e principais pagadores.
3ª – Dúvidas não parecem haver, quer por parte dos RR., quer por parte do tribunal a quo, que as facturas e notas de débito discriminadas no requerimento de injunção são decorrentes de obrigações emergentes de transacções comerciais efectuadas entre a A. e a sociedade 1ª R., ao abrigo do referido contrato de franquia e como tal passíveis de fundamentarem por parte da A. quanto à sociedade 1ª R., o recurso a requerimento de injunção e, face à dedução de oposição, à convolação do requerimento de injunção em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
4ª – Todavia, ainda que os 2º e 3º RR. não sejam destinatários das facturas e notas de débito em causa nos presentes autos, o tribunal a quo, na sua decisão, não só não teve em conta o disposto no velhinho e retalhado Código Comercial, ainda em vigor apesar dos seus apreciáveis 127 anos de vigência, quanto aos actos de comércio ( artigo 2º ) ; ao regime dos actos de comércio unilaterais ( artigo 99º ) e à fiança mercantil ( artigo 101º ), como também não teve em conta o facto de o 2º e 3º RR. terem subscrito o contrato de franquia, não só em representação da 1ª R., mas também em seu nome pessoal, não só quanto ao cumprimento das obrigações pecuniárias ou não, do contrato de franquia, mas também como fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão, solidariamente entre si e com a 1ª R.
5ª – Com a celebração do contrato de franquia, em seu nome pessoal, os 2º e 3º RR. praticaram um acto de comércio e assumiram obrigações mercantis, reforçando com o facto de se terem constituído fiadores e principais pagadores da sociedade 1ª R., o que em si já constituiu outro acto de comércio, pelo que o 2º e 3º RR. são co-obrigados no cumprimento das obrigações emergentes de transacções comerciais, ocorridas no âmbito do contrato de franquia, entre a 1ª R. e a A. e que estão tituladas pelas facturas discriminadas no requerimento de injunção e juntas aos autos.
6ª – Acresce que a fiança prestada pelos 2º e 3º RR. tem-se por mercantil, objectiva e subjectivamente.
7ª – Mais, constituindo a fiança quanto à questão nos presentes autos um acto de comércio, está a mesma abrangida pela álea do disposto nos artigos 99º e 101º do Código Comercial, e como tal alicerçado o princípio do favor creditoris.
8ª – Assim, para este tipo de dívidas o que se exige que se verifique não é a qualidade de comerciante em qualquer dos intervenientes, mas tão só que a dívida seja comercial, o que acontece nos presentes autos.
9ª – Acresce que a obrigação emergente da transacção comercial em questão nos presentes autos, é uma obrigação solidária entre todos os RR., nos termos e para os efeitos do artigo 512º e segs. do CC, por força do contrato de franquia celebrado, em especial o seu Anexo IX ( cfr. cláusulas 2º, 3º e 7º ), não sendo displicente salientar que o critério do exercício da actividade da sociedade 1ª R., estava na inteira disposição dos seus sócios gerentes e aqui 2º e 3º RR, e que no contrato de franquia se constituíram não só como co-obrigados mas também como fiadores e principais pagadores.
10ª – pelo que, enquanto co-obrigados e tendo por força da celebração do contrato de franquia praticado actos de comércio, os 2º e 3º RR. ( que, reitera-se, subscreveram o contrato de franquia em seu nome pessoal ) também se devem considerar abrangidos pela definição de empresa para efeitos do disposto na alínea b) do artigo 3º do DL 32/2003, de 17 de Fevereiro.
11ª – e, por outro lado, enquanto fiadores e principais pagadores, por força do carácter solidário da obrigação assumida entre todo os RR. e da acessoriedade da fiança ( artigo 627º, nº 2 do CC ), pela qual a fiança se encontra numa relação de dependência genética, estrutural e funcional da obrigação do devedor : “ designadamente, e sem prejuízo de alguns desvios de pormenor, a obrigação do fiador deverá revestir a forma e possuir o conteúdo da obrigação mercantil do devedor ( arts 628º, nº 1, 634º, nº 1 do CC “ – cfr. Antunes, José Engrácia, idem -, também por esta via se devem considerar abrangidos pela definição de empresa para efeitos do disposto na alínea b) do artigo 3º do DL 32/2003 de 17 de Fevereiro.
12ª – Para além de que o Tribunal a quo deveria ter aplicado o princípio da economia processual, sendo descabido que se force o A. a, paralelamente aos presentes autos, demandar os co-obrigados e fiadores e aqui 2º e 3º RR., sob perigo de litispendência ou prejudicialidade.
13ª – Ao não se entender assim a apelante veria o exercício do seu direito à demanda no âmbito e fins de uma AECOP coarctado.
14ª – Por todo o exposto, o despacho recorrido, ao ter decidido sem sentido contrário, violou o disposto no artigo 7º do Anexo ao do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro e artigo 7º do Decreto-Lei nº 32/2003 de 17 de Fevereiro, bem como os artigos 1º, 2º, 99º e 101º do Código Comercial, os quais devem ser interpretados no sentido de que os 2º e 3º RR, enquanto parte ( em nome próprio ) do contrato de franquia dos autos e nomeadamente quanto às obrigações pecuniárias, bem como fiadores e principais pagadores em fiança mercantil, solidários entre si e com a 1ª R., se considerarem abrangidos pelo conceito de empresa, ainda que como pessoas singulares, para efeitos da alínea b) do nº 1 do artigo 3º do DL 32/2003, de 17 de Fevereiro, revogando-se, consequentemente, o despacho recorrido, substituindo-se por outro que determine que o tribunal a quo conheça do mérito da causa quanto ao 2º e 3º RR., prosseguindo os autos os seus termos quanto a todos os três RR.
Não houve resposta.
II – FACTOS PROVADOS:
Os indicados no RELATÓRIO supra.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS:
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
Procedimento de injunção requerido ao abrigo do Decreto-Lei nº 32/2003. Conceito de “ transacções comerciais “.Empresas. Fiadores.
Passemos à sua análise :
A decisão recorrida não merece reparo.
O contrato cujo incumprimento se acusa data de 1 de Junho de 2009.
Assim,
O presente procedimento de injunção está subordinado ao regime especial previsto no Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.
Tal diploma só abrange, no seu âmbito específico, o conhecimento das questões relacionadas com a falta de pagamento da remuneração devida nas transacções comerciais, sendo que estas se circunscrevem, apenas e só, às transacções “ entre empresas ou entre empresas e entidades públicas “, relevando neste tocante a circunstância de o conceito de “ empresa “ pressupor especificamente “ qualquer organização que desenvolva actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular “ ( vide respectivo artigo 2º, nº 1, 3º, alíneas a) e b) ).
Ora,
sendo os RR. DA e EJ intervenientes no contrato sub judice apenas na qualidade de representantes da R. A., Lda, ( única celebrante franquiada ), e a título de fiadores desta ( com renúncia ao benefício da excussão prévia ), é óbvio que não podem, em circunstância alguma, serem considerados como empresas, para efeitos da aplicação do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.
As considerações jurídicas desenvolvidas na apelação são genericamente insofismáveis, do ponto de vista jurídico, padecendo de um único vício: são insusceptíveis de transformar os meros representantes da sociedade contraente – que actuam em nome e no interesse exclusivo dela – e, simultaneamente, seus fiadores ( relativamente às obrigações assumidas no contrato de franquia ), na realidade jurídica – ontologicamente distinta - de empresa.
Em suma:
os RR. não se confundem com a empresa A., Lda, e não revestem a natureza jurídica da empresa contraente.
A sua obrigação, enquanto fiadores, é autónoma, própria e distinta, não podendo ser discutida e apreciada no âmbito deste procedimento especial exclusivamente destinado à efectivação da responsabilidade pelo não pagamento do preço no contrato celebrado entre empresas comerciais.
O carácter restritivo imprimido a este procedimento especial não permite, a nosso ver, que nele possam ser partes entidades (pessoas singulares) distintas da figura da empresa comercial, ou que se discuta nesta sede um tipo de responsabilidade juridicamente autónoma e própria relativamente ao das empresas celebrantes.
Segundo o diploma legal referido, as partes têm que ser unicamente empresas comerciais; o fiador da empresa celebrante, enquanto pessoa singular, assume uma obrigação própria e autónoma distinta da entidade afiançada; logo não pode ser parte neste procedimento especial.
Os inconvenientes processuais apontados na apelação – e que são reais – resultam exclusivamente da circunstância da A. se ter socorrido (porventura indevidamente) de um expediente processual que não lhe permitia, nesta sede, responsabilizar pessoa diferente da empresa com a qual havia contratado.
De todo modo, terá sempre ao seu dispor os meios processuais gerais que lhe permitem exercer, na plenitude, os seus direitos contra os garantes da devedora.
A apelação terá necessariamente que improceder.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.