I - De acordo com o disposto na al. d), do n.º 2, do art. 15.º do RCP, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012 de 13/2, a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça constitui um mero adiamento da obrigação de a pagar, não desonerando dessa obrigação o utilizador do serviço judiciário.
II - A isenção de custas não abrange o Instituto de Segurança Social, IP, relativamente a pedidos cíveis enxertados na acção penal com vista à realização de direitos de crédito da titularidade da segurança social.
I. Relatório
1. Nos autos com o n.º 4424/12.2T3SNT, que correm termos na Comarca de Lisboa Oeste, Sintra – Inst. Local – Secção Criminal – J3, veio o demandante civil Instituto da Segurança Social, IP interpôr recurso do despacho judicial proferido em 23/3/2015, que lhe indeferiu a reclamação por si apresentada e determinou a manutenção da notificação para pagamento da taxa de justiça devida, nos termos do art. 15.º, n.º 2, do RCP, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1°
O âmbito objectivo do presente recurso, circunscreve-se ao facto do Demandante Civil não se conformar com a decisão do Tribunal à quo de o notificado para proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil na sequência do requerimento por si apresentado. É entendimento do Recorrente estar dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça, não está, porém, isento de tal pagamento.
2°
Ora, salvo o devido respeito, o recorrente entende que, pela dedução do pedido de indemnização cível nos autos contra os arguidos, não deve proceder ao pagamento da Taxa de Justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
3º
A alínea g) do artigo 4° do Regulamento das Custas Processuais, dita, que, estão isentos de custas "as entidades públicas quando actuem exclusivamente, no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos, ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a Lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias".
4º
O Decreto-lei n.° 214/2007, de 29 de Maio, diploma que se encontrava em vigor à data da dedução do pedido de indemnização civil, posteriormente revogado pelo Decreto-lei n.º 83/2012, de 30 de Março, consagraram a orgânica do ISS.IP, definindo-o como um Instituto Publico integrado na Administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, com vista a prosseguir as atribuições do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, sob superintendência e tutela do respectivo Ministro (artigo 1°).
5°
Para efeitos da alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, o Instituto da Segurança Social, IP constitui uma entidade pública que, ao formular o pedido de indemnização civil no processo penal, relativamente a créditos da segurança social, está a actuar em exclusivo no âmbito das suas atribuições de defesa do direito fundamental dos cidadãos à segurança social, previsto no artigo 63.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 2.º n.º 1 da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases Gerais do Sistema da Segurança Social).
6º
Mais, o direito à Segurança Social constitui um direito fundamental de todos (artigo 63° da CRP), pelo que o Instituto da Segurança Social, IP, ao demandar civilmente os arguidos em processo penal para aí obter o pagamento das prestações que estes não terão entregue à segurança social, está a exercer um direito fundamental e tem legitimidade processual para o efeito, que de resto não está em causa.
7º
Neste contexto, ao deduzir o pedido de indemnização civil nos presentes autos, o recorrente não fez mais do que uma tentativa de ver salvaguardados os interesses do sistema de segurança social;
8º
Acresce que o artigo 97.º n.º 1 da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, prescreve que as instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas por lei ao Estado. O ISS, IP é um instituto que prossegue a concretização das funções atribuída por lei à segurança social. Para este efeito, parece-nos que deve ser considerado abrangido pelo regime de isenção prescrito na norma supra citada.
9º
O citado preceito legal, reforça a interpretação a fazer da alínea g) do nº 1 do art.º 4.º do RCP.
10º
A propósito do ora sufragado, citam-se os seguintes acórdãos:
Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/03/2012, prolatado no proc. n.º 1559/10.0TAGMR-A.G1, E Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 06/07/2012 proferido no proc. n.° 64/10.9TAPRD-A.P1, ambos disponível in www.dgsi.pt
11º
Face ao exposto, o Instituto da Segurança Social, IP beneficia da isenção de custas prevista na alínea g) do n.° 1 do art.° 4.° do RCP, sem prejuízo de ser responsável pelas custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido (n.° 5) e de apesar de estar isento, ser responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a sua pretensão for totalmente vencida (n.° 6), o que não é manifestamente, o caso dos presentes autos. ( sublinhado nosso )
12º
Os nºs 5 e 6 do artigo 4.° do RCP constituem uma clara interpelação no sentido de que a isenção do pagamento de custas não é absoluto. Só à luz de cada caso concreto, a final, se concluirá se a isenção deve operar e em que termos.
13º
Além do mais, por cautela de patrocínio, mesmo que o Tribunal a quo entenda que o recorrente não está isento de custas, pesem embora os propósitos de uniformização do RCP, o mesmo continuou a distinguir a fixação da taxa de justiça devida em geral (artigo 6.°), relativamente a outros processos ou fases processuais (artigos 7.° e 8°), bem como aos actos avulsos (artigo 9.º).
14º
No caso da taxa de justiça devida em processo penal, o legislador enumerou taxativamente os casos de autoliquidação e prévio pagamento, os quais estão expressamente previstos no seu artigo 8.°, reconduzindo os mesmos à constituição de assistente (8.º, n.º 1) à abertura de instrução (8.º, n.º 2) e mais nada.
15º
Por sua vez, estipulou como regra geral que "Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III" (artigo 8.°, n.° 5 do RCP).
16°
Existe pois, uma aparente contradição entre o artigo 8° n.° 5 do RCP e o artigo 15° do mesmo Diploma Legal, contradição que é dissipada pelo facto do legislador neste último preceito, ter definido a dispensa de pagamento prévio para várias categorias de processos (constitucionais, cíveis, administrativos, fiscais e criminais), por razões de subjectividade Estado, Regiões Autónomas, arguidos em processo criminal ) ou por razões objectivas processo no Tribunal Constitucional), mas reservou para norma especifica - o artigo 8°. - a definição rigorosa dos casos de autoliquidação em processo criminal, que expressamente previu, relegando para final (artigo 8.°, n.° 5) um regime especial geral de não exigência prévia de autoliquidação da taxa de justiça, no qual se inclui o regime do pedido civil deduzido em processo penal.
17º
Por outro lado, o modo de pagamento dessa taxa de justiça encontra-se regulado pelo artigo 13.° do RCP, sendo paga nos termos fixados pelo Código de Processo Civil (529 e 530 do C. P. Civil), designadamente em função do respectivo impulso processual, estando a oportunidade desse pagamento, quando seja devida a taxa de justiça prévia, prevista no subsequente artigo 14.º, n.º 1 e 2 do mesmo RCP.
18º
Isto significa que, como de resto já acontecia anteriormente na vigência do CCJ, que não há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça "Nas acções cíveis declarativas e arresto processados conjuntamente com a acção penal" (29.°, n.° 3, al. f) CCJ), atenta a autonomia do processo penal em relação ao processo civil (Cfr. Acórdãos da Relação do Porto, de 2011/Abr. /04, 2011/Mai. /18, 2011/Set. /28, 2012/Jun. /20, todos em www.dgsi.pt).
19º
Cumpre realçar, que o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.
20º
No quadro deste entendimento, o acto processual que consiste na dedução do pedido cível não é uma acção autónoma, nem pode ser equiparado à petição inicial na acção cível, isto porque, no processo penal o pedido de indemnização civil tem que ser fundado na prática de um crime (artigos 129º do Código Penal e 71º do Código de Processo Penal).
21°
Por outro lado, ficava por explicar a razão pela qual, no processo penal se privilegiavam os lesados que fossem sociedades comerciais (em detrimento dos lesados que são pessoas singulares, em princípio, com menor capacidade económica), uma vez que quando deduzem pedido cível não são penalizados com uma taxa de justiça agravada como sucede no processo civil (cf. art. 14º da Portaria n° 419-A/2009, de 17.4).
22º
Acresce que, a decisão sobre custas relativas ao pedido civil enxertado na acção penal, que não foi objecto de indeferimento ou rejeição, tendo prosseguido para julgamento, é proferida a final, isto é, na sentença ou acórdão (cf. artigos 374.º, n.° 4 e 377.°, n.° 3, e n.° 4 do CPP).
23º
A este propósito, pode ler-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/10/2011, proferido no Proc. n.º 193/10.9GCGRD-A.Cl, com transcrição de parte do acórdão da Relação do Porto de 06/04/2011, …” o facto do lesado não ter de autoliquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença ( altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas)". - (sublinhado nosso)
24º
Ora, o Demandante não foi condenado em quaisquer custas em sede de sentença, pois, pode ler-se na mesma o seguinte: "(...)condeno as arguidas no pagamento das custas criminais do processo fixando-se a taxa de justiça individual em 2UC'S -cfr. artigos 344º, 513° e 514 do CPP, 8º e 16° do RCP e tabela III anexa a este diploma. (...)condeno as arguidas no pagamento das custas referentes ao pedido de indemnização civil,na proporção do decaimento - art° 446° do Código de Processo Civil ex vi do art° 513º do CPP.”
25º
Mais se dirá, que em processo penal, o pedido civil nele enxertado independentemente do respectivo valor ser igual ou superior a 20 UC e das excepções previstas no RCP e no art. 14.º, n° 3, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.
26º
Neste sentido, o disposto nos artigos 6°, n° 1 e 14°, n° 1, do RCP não se aplica ao demandante cível que em processo penal deduz pedido civil, porque por um lado o processo penal, atentas as suas finalidades, não está dependente de impulso processual do demandante cível e, por outro lado, segundo o princípio da adesão consagrado no artigo 71° do CPP, "O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”
27º
No caso dos autos, a secretaria judicial não atendeu no seguinte: transitada em julgado a decisão que determine a responsabilidade pelo pagamento das custas será elaborada a conta a qual deverá identificar, de forma autónoma, todos os créditos e débitos gerados ao longo do processo (cf. artigos 29.° e 30.° do Regulamento das Custas Processuais, e 4.º e 6.° da Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de Abril).
28º
Só então, a taxa de justiça, objecto de dispensa de pagamento prévio, levada à conta de custas, deverá então ser paga pela entidade que, não fora aquela dispensa, teria que ter efectuado tal pagamento em momento anterior, conforme vem previsto no artigo 14.° do Regulamento das Custas Processuais, o que sempre ocorrerá quando a entidade dispensada daquele pagamento prévio seja parte vencida na acção, na medida do respectivo decaimento.
29°
De acordo com o regime estabelecido pelo Dec. Lei n.° 34/2008, de 26 de Fevereiro, tendo a parte vencedora beneficiado da dispensa do pagamento prévio inexistem quantias por ela efectivamente pagas a título de taxa de justiça a reivindicar em sede de custas de parte e sendo o pagamento das custas imputado, na totalidade, à parte vencida, ficou determinada a responsabilidade pelo seu pagamento, não havendo que notificar a parte vencedora para efectuar o pagamento de quantias que, por decisão judicial transitada em julgado, não tem que suportar.
31º
Mais, os artigos 6°, n° 1, 13, n° 1, 14°, n° 1 e 8°, todos do Regulamento das Custas Processuais, verifica-se que a dedução do pedido cível em processo penal não está sujeita ao prévio pagamento da taxa de justiça, Não havendo lugar à autoliquidação de taxa de justiça pela dedução de pedido de indemnização em processo penal, também nunca ocorrerá, dispensa, do pagamento prévio de taxa de justiça, e, consequentemente não deverá ter lugar a notificação prevista no número 2 do artigo 15° do Regulamento das Custas Processuais, Custas Processuais, no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 3/04/2013, proferido no Proc. n.° 2359/08.2TAVFX-A.L1 e Proc. 4689/084TDLSB-A.L1 Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2013.
32º
Encontram-se violados no douto despacho impugnado proferido pelo Tribunal “a quo" os seguintes preceitos legais: Artigos 4° n.° 1 alínea g), nºs 5 e 6, 6º n.° 1, 8.º, n.º 1, 14° n.° 1, 15.º n.º 2, 29.º e 30.º todos da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro (Regulamento das Custas Processuais), artigos 4.º e 6.º da Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de Abril, artigo 1° do Decreto-lei n.º 214/2007, de 29 de Maio, posteriormente revogado pelo Decreto-lei n.º 83/2012, de 30 de Março (Estrutura Orgânica do ISS, IP), artigo. 63.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 97.0 n.° 1 da Lei nº 4/2007 de 16 de Janeiro (Lei de Bases Gerais do Sistema da Segurança Social).
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogado o, douto despacho recorrido e ordenado que o pagamento da autoliquidação de taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil, seja dada sem efeito, requerendo a sua anulação, com todas as legais consequências, assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva
JUSTIÇA”
2. O MP junto da 1.ª instância apresentou resposta ao recurso, concluindo que o mesmo deverá ser julgado improcedente.
3. Nesta Relação o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
4. Notificado o recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2, do art. 417.º, do CPP, nada disse.
5. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).
Assim sendo, as questões a apreciar por este Tribunal ad quem consistem em saber se:
- o Instituto da Segurança Social, IP, quando formula pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal, relativamente a créditos da segurança social, beneficia da isenção de custas prevista na al. g), do n.º 1, do art. 4.º, do RCP;
- caso assim não se entenda, se com as alterações introduzidas ao RCP pela Lei n.º 7/2012 de 13/2, nos termos do n.º 2 do art. 15.º, as partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça devem ser notificadas, conjuntamente com a decisão que decida a causa principal, para efectuar o pagamento dessa taxa, no prazo de 10 dias, independentemente de terem sido ou não condenadas a final.
2. A decisão recorrida
É do seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):
“Notificado para proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pela formulação aos pedido de indemnização cível apresentados nos autos, o demandante veio reclamar, requerendo seja dada sem efeito tal notificação, alegando não ser responsável pelo pagamento das custas cíveis, porquanto as mesmas ficaram a cargo do demandado, por o pedido de indemnização cível ter integralmente procedido.
Mais entende que o Instituto de Segurança Social tem isenção de custas.
Para tanto, expendeu os argumentos de fls. 305 e seguintes, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Efetuada a informação a que alude o artigo 31.°, n.° 4 do R.C.P., veio a Sr.ª Escrivã de Direito informar que os presentes autos se encontram abrangidos pela Lei 7/2012, de 13.02, tendo o pedido cível sido deduzido já com aquela norma em vigor, ou seja, em 05/06/2013.
O pedido cível é de valor superior a 20 UC e, nos termos do artigo 4.° do R.C.P. não consta que a demandante esteja isenta de custas.
Os autos foram com vista ao Ministério Público, tendo recaído a promoção de fls. 312, com os fundamentos aí constantes e que se dão por reproduzidos, pugnando que o demandante é responsável pelo pagamento da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização cível, por delas não estar isento e por o pedido cível ser superior a 20 UC.
Foi admitido o pedido de indemnização cível formulado nos autos, no valor de € 34.663,90, que deu entrada em juízo em junho de 2013, em valor superior a € 20 UC.
Atualmente, diz-nos o artigo 15.°, n.° 1, alínea d) do R.C.P., na redação introduzida pela Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro, que ficam dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça, o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respetivo valor seja igual ou superior a 20 UC, estatuindo o n.° 2 do mesmo artigo que as partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que suscetível de recurso, para efetuar o seu pagamento no prazo de 10 dias.
O pedido de indemnização cível foi formulado quando já se encontrava em vigor o artigo 15.°, n.° 1, alínea d) e n.° 2, na redação introduzida pela Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro, pelo que apenas se encontrava o demandante dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça.
Ora, uma coisa é a dispensa prévia do pagamento de taxa de justiça devida, outra é o pagamento de custas cíveis.
Na verdade, o demandante não é responsável pelas custas cíveis, mas não se encontra isento nem dispensado de pagar a taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização cível formulado, nos termos do artigo 15.°, n.° 2 do R.C.P.
Ademais, sempre cumprirá salientar que a alínea g) do artigo 4° do Regulamento das Custas Processuais, dita que estão isentos de custas "as entidades públicas quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, e a quem a Lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias".
O Instituto de Segurança Social, I.P. não goza de isenção de custas nas ações cíveis em que intervém para ressarcimento de quantias devidas em processo-crime conexas com as prestações, por essa via, sonegadas à Segurança Social.
É que o Instituto atua processualmente, no exercício das suas atribuições estatutárias de cobrança das prestações sociais, não estando, por isso a atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos (vide Acórdãos da Relação Lisboa, 07.05.2013, 03.04.2013, publicados em www.dgsi.pt).
Assim, indefiro a reclamação apresentada pelo demandante, determinando a manutenção da notificação para pagamento da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 15.°, n.° 2 do R.C.P.
Notifique o presente despacho, que deverá ser acompanhado da cópia da promoção do M.P. que antecede.”
3. Analisando
No que respeita à primeira questão suscitada no recurso, que consiste em saber se o Instituto da Segurança Social, IP, quando formula pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal, relativamente a créditos da segurança social, beneficia da isenção de custas prevista na al. g), do n.º 1, do art. 4.º, do RCP, tem a jurisprudência das Relações respondido negativamente de forma maioritária.
Como se refere no Ac. da RE de 24/2/2015, proferido no âmbito do Proc. 632/10.9TAABT, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, “(…)nestes casos concretos de excerto civil, em processo penal por abuso de confiança à Segurança Social, não se visa tutelar qualquer direito fundamental constitucional, quer integrado nos direitos fundamentais, quer integrado nos denominados direitos e deveres sociais da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente relacionados com o sistema de protecção social dos cidadãos, ou seja, a procedência ou improcedência, do pedido civil, não resulta qualquer melhoria sustentada das condições e dos níveis de protecção social, constantes do artigo 63º, da Constituição da República Portuguesa.
Nem constitui a defesa de qualquer direito fundamental, nem de qualquer outro direito difuso, representativo de qualquer interesse supra-individual.
Nos autos a intervenção do ISS, apenas visou o pagamento de um montante que era devido por uma empresa privada e, não, a prossecução de qualquer actividade de protecção social, para qual esteja especialmente vocacionado.”
No mesmo sentido se pronunciaram os Ac. da RP de 6/6/2012 e de 26/9/2012, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Proc. 1316/09.6TASTS-A.P1 e 1764/10.9TAVNG-B.P1, da RG de 20/5/2013, proferido no âmbito do Proc. 76/11.5TAPVL.G1 e da RL de 17/12/2013, proferido no âmbito do Proc. 826/09.0TDLSB.L1-5, todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.
Referindo-se, ainda, neste último acórdão, com o qual se concorda de igual forma, “ Importa recordar que, entre nós, vigorou a regra da isenção de custas a favor do Estado. Assim o determinava, a propósito das isenções de natureza subjetiva, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, tal como se previa no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do anterior regime de custas contido no Código das Custas Judiciais de 1962, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44329, de 8 de Maio de 1962.
O Código de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, aboliu essa isenção na jurisdição administrativa, instituindo no seu artigo 189.º, n.º 1, o princípio da sujeição do Estado e das demais entidades públicas ao pagamento de custas.
Por seu lado, o Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, mediante alterações introduzidas no Código das Custas Judiciais, eliminou a isenção subjectiva de custas relativa ao Estado e seus organismos autónomos, às regiões autónomas, às autarquias locais e às associações e federações de municípios, estendendo aos processos de natureza cível o princípio geral de sujeição do Estado e das demais entidades públicas ao pagamento das custas judiciais, a exemplo do que resultava da lei quanto aos processos do foro administrativo.
Quer isto dizer que desde 1 de Janeiro de 2004, data em que entraram em vigor o referido Código de Processo dos Tribunais Administrativos (cfr. artigo 7.º da Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro) e a alteração do Código das Custas Judiciais por força do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que o Estado passou a ficar sujeito ao pagamento de custas nos processos em que seja parte.
Assim, não pode dizer-se, como faz o recorrente, que o Instituto de Segurança Social estaria isento de custas ao abrigo do disposto no artigo 97.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases Gerais do Sistema de Segurança Social). É que este preceito apenas estatui que tal Instituto goza das isenções de custas do Estado previstas noutras leis e não tinha, por conseguinte, a virtualidade de alterar o que, a este respeito, decorria do referido Decreto-Lei n.º 324/2003.”
E, ainda, um pouco mais à frente “Por outro lado, se a isenção de custas das instituições de segurança social decorresse do referido artigo 4.º, nº 1, g), seria desnecessária a isenção de custas do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, «nos processos em que intervenha na defesa dos direitos dos trabalhadores, dos contribuintes e do património do Fundo», que decorre da alínea p) do mesmo n.º 1 desse artigo 4.º (alínea q), depois da alteração efetuada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro).
Dir-se-á, como faz o recorrente, que não se compreende, então, que não gozem de isenção de custas entidades públicas quando, nos termos da alínea f) do mesmo artigo 4º, dessa isenção gozam pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto. Pode acusar-se o legislador de alguma incoerência a este respeito, mas não há dúvida de que não foi seu propósito, contra o que já havia sido definido no anterior Decreto-Lei 324/2003, conferir às entidades públicas uma isenção de custas generalizada.»
Atente-se que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social goza dessa isenção “nos processos em que intervenha na defesa dos trabalhadores, dos contribuintes e do património do Fundo” [cfr. art. 4.º, n.º 1, alínea p), do DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que se mantém na redacção da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, agora na alínea q)], o que reforça a ideia de que o legislador soube especificar as exactas situações em que entendeu que aquele beneficio deveria ser mantido.
(…) No mesmo sentido também se pronuncia Salvador da Costa (Regulamento das custas processuais anotado, 5.ª edição, p. 161), ao dizer, em anotação ao mencionado artigo 4.º, n.º1, alínea g):
«Dado o elemento literal deste normativo e o seu fim, esta isenção não abrange o Instituto de Segurança Social, IP, relativamente a pedidos cíveis enxertados na acção penal com vista à realização de direitos de crédito da titularidade da segurança social».
Também no caso concreto dos autos não se verifica o requisito de o recorrente se encontrar a litigar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa dos direitos dos cidadãos ou de quaisquer interesses difusos, visando antes a prossecução de um interesse próprio, no exercício das suas atribuições estatutárias de cobrança de prestações sociais, pelo que não se encontra isento do pagamento de custas, ao abrigo do disposto no art. 4.º, al. g) do RCP.
Passemos, então, à análise da segunda questão suscitada no recurso e que consiste em saber se, com as alterações introduzidas ao RCP pela Lei n.º 7/2012 de 13/2, nos termos do n.º 2 do art. 15.º, as partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça devem ser notificadas, conjuntamente com a decisão que decida a causa principal, para efectuar o pagamento dessa taxa, no prazo de 10 dias, independentemente de terem sido ou não condenadas a final.
Alega o recorrente que uma vez que não foi condenado em quaisquer custas em sede de sentença não há fundamento legal para ter de proceder ao pagamento de qualquer taxa, nos termos e para os efeitos do art. 15.º, n.º 2, do RCP.
Carece, porém, salvo o devido respeito por opinião contrária, de razão.
O pedido de indemnização civil deduzido nos autos deu entrada em juízo em Junho de 2013, sendo-lhe, pois, aplicáveis as normas do RCP na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012 de 13/2.
O valor de tal pedido é de € 34.663,90, ou seja, superior a 20 UC.
De acordo com o disposto na al. d), do n.º 1, do art. 15.º do RCP, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2012 de 13/2, ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja igual ou superior a 20 UC.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito estatui que “As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias.”
Resulta expressamente deste n.º 2 que a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça constitui um mero adiamento da obrigação de a pagar, não desonerando dessa obrigação o utilizador do serviço judiciário, como bem se refere no Acórdão desta Relação de 26/5/2015, proferido no âmbito do Proc. 2417/13.1T3SNT-A.L1-5, disponível in www.dgsi.pt.
Sobre as razões que determinaram a introdução deste n.º 2, do citado art. 15.º, pela Lei n.º 7/2012, de 13/2, diz-se no Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 40/2011, citado neste último acórdão, o seguinte:
“Desconhecemos as razões que determinaram esta alteração, sendo que a exposição de motivos da Proposta de lei que esteve na base do diploma não as referenciam. Os debates parlamentares e os pareceres emitidos no decurso do procedimento legislativo também são omissos quanto a tais razões. Admitimos, no entanto, que a solução legislativa tenha que ver com a necessidade de se garantir e obter, com um maior grau de eficácia, o pagamento das taxas de justiça devidas pela utilização da máquina judiciária. No regime anterior à apontada alteração, podia suceder que o sujeito processual condenado nas custas, onde, como se disse, se deveriam incluir tanto a sua própria taxa de justiça, como a taxa relativa à outra parte (vencedora), que fora dispensada do seu pagamento prévio, não procedesse ao seu pagamento voluntário, havendo necessidade da sua cobrança coerciva, através do Ministério Público. Nesta situação poderia acontecer que não se conseguisse arrecadar qualquer importância por inexistência de bens penhoráveis do devedor/executado. O risco do não pagamento da taxa de justiça relativa à parte vencedora que fora dispensada do seu prévio pagamento, era assumido, em exclusivo, pela entidade pública credora das custas. De certa forma, deparamo-nos com uma situação que apresenta alguma semelhança com a que se descreve no preâmbulo do Decreto -Lei nº324/2003, a que já se aludiu, para justificar o abandono do sistema da restituição da taxa de justiça. Também na situação agora em apreço pode suceder que não se consiga, no final do processo arrecadar «qualquer quantia a título de taxa de justiça, bastando, para esse efeito, que a parte vencida não proceda a qualquer pagamento no decurso da ação e que não possua bens penhoráveis. Ora, sendo certo que o processo existiu, correu os seus termos e teve um custo efetivo, tal significa que foi a comunidade, globalmente considerada, quem o suportou, em detrimento de quem motivou o recurso ao tribunal». Não obstante a efetiva prestação do serviço público de justiça, sucede, nesta situação, que nem a parte que dele beneficiou o paga, nem o pagamento se consegue obter do sujeito processual vencido e, enquanto tal, condenado nas custas. Agora, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do RCP, a parte dispensada do seu prévio pagamento, ainda que obtenha ganho de causa, passa a ter de liquidar a taxa de justiça que, nos termos legais, corresponda à ação, procedimento ou incidente, assim se manifestando, em toda a sua plenitude, a regra, já enunciada, da não gratuitidade da atividade judiciária, segundo a qual, «as custas correspondem às despesas ou encargos judiciais causados com a obtenção em juízo, seja qual for o processo, da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctica».”
Mostra-se, assim, correcta a notificação efectuada pela secretaria ao demandante, ora recorrente, para efectuar o pagamento da taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença, pese embora o mesmo não tenha sido condenado em custas, notificação essa que se mostra efectuada em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 15.º, da Lei n.º 7/2012, de 13/2, sendo certo que o mesmo sempre poderá reclamar o seu pagamento pela parte vencida na nota justificativa das custas de parte.
Bem andou, pois, a decisão recorrida ao ter indeferido a reclamação apresentada pelo demandante, determinando a manutenção da notificação para pagamento da taxa de justiça devida, nos termos do art. 15.º, n.º 2, do RCP.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo demandante Instituto da Segurança Social, IP.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.
Lisboa, 10 de Setembro de 2015
Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final e rubrica as restantes folhas (art. 94.º, n.º 2 do CPP).
Guilhermina Freitas
José Sérgio Calheiros da Gama