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LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
IMPUTAÇÃO A PESSOA COLECTIVA
Sumário
- A falta de razão não é sinónimo de má fé, a não ser quando se demonstra a consciência dessa falta, como também não o é a adopção de condutas parciais em relação à substância do litígio, se estas não se traduzirem em atitudes parciais incorrectas. - A intenção é um acto psicológico insusceptível de ser imputado materialmente a uma pessoa colectiva. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO:
I – C... Lda. intentou acção declarativa de condenação com forma comum, pedindo a condenação da C... SA. em € 96.817,37 a título de capital, acrescida de juros de mora à taxa supletiva de juros moratórios, relativamente aos créditos de que são titulares empresas comerciais, vencidos e vincendos até integral pagamento, perfazendo os vencidos até 31/10/2013 a quantia de € 24.776,26.
Alegou que celebrou com a R. contratos de subempreitada contínua pelos quais se obrigou a executar diversas obras para esta, executou os trabalhos solicitados mas a ré não pagou, as facturas no valor de € 31.876,08, já vencidas. Alegou que prestou outros trabalhos para a R., a seu pedido, no valor global de € 51.604,54, que não foram pagos. A R. debitou à A. o valor de materiais, correspondente a um crédito de € 10.770,90, tendo esse crédito sobre a ré. E, por último, que executou para a R. tarefas adicionais aos contratos, no valor global de € 2.565,85, que a R. igualmente não pagou.
Citada a ré contestou, aceitando a celebração dos contratos de subempreitada contínua, mas o valor das tarefas adicionais correspondem ao valor dos trabalhos incluídos no contrato e aí considerados, não tendo de ser reclamadas autonomamente. Por outro lado, não executou correctamente trabalhos que pagou, e bloqueou o pagamento das facturas para considerar o valor de € 6.247,01 que constava de uma nota de débito e o valor de € 23.771,09 em relação ao qual a A. ainda não incluiu as notas de crédito a seu favor. Nas facturas a A. não considerou a retenção de 5% prevista contratualmente para garantia da boa execução dos trabalhos, que têm também de ser descontados ao valor das mesmas, o que reduz o valor devido em € 264,18. Quanto aos restantes trabalhos, no valor de € 51.604,54, impugnou que tivessem sido pedidos pela R. e afirma não dever à A. a quantia de € 10.770,90, por corresponder a material devolvido. Concluiu pedindo a improcedência da acção.
Na audiência prévia a A. reduziu o seu pedido em € 10.770,90 mais os juros vencidos, no valor de € 1.870,02 o que foi aceite. Após, foi elaborado despacho saneador, fixado o valor da causa e indicado o objecto do litígio e elencados os temas da prova, sem reclamações.
Foi designado dia e hora para a realização da audiência final, a que se procedeu com observância do formalismo legal.
A acção foi julgada parcialmente procedente e, condenou a R. a pagar à A.:
a) A quantia de € 30.282,28 (trinta mil duzentos e oitenta e dois euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa supletiva de juros moratórios, relativamente aos créditos de que são titulares empresas comerciais, vencidos e vincendos até integral pagamento e assim calculados:
Desde 28/8/2011, sobre € 2.995,16; desde 15/1/2012, sobre € 2.322,01; Desde 14/1/2012, sobre € 15.446,26; desde 15/2/2012, sobre € 2.973,03; desde 16/3/2012, sobre € 1.666,33; desde 28/4/2012, sobre € 4.879,49.
b) A quantia de € 51.334,19 (cinquenta e um mil trezentos e trinta e quatro euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa supletiva de juros moratórios, relativamente aos créditos de que são titulares empresas comerciais, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.
No mais que excede a medida da presente condenação, vai a R. absolvida do pedido.
Julga-se ainda procedente o incidente de litigância de má fé suscitado pela A. e, em consequência, condena-se a R. como litigante de má fé, na multa processual de 10 (dez) UCs. e em indemnização a favor da A., a fixar após audição das partes, nos termos do disposto no art. 543º, nº 3, do Novo Código de Processo Civil.
Não se conformando com a decisão interpôs recurso a ré e nas suas alegações concluiu:
1. Pelos motivos supra expostos, conclui a ora Recorrente não haver fundamentos que determinem a decisão proferida de que se recorre, na parte que respeita à condenação, expressa na alínea b) da douta decisão: " A quantia de €51.334,19 (cinquenta e um mil trezentos e trinta e quatro euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa supletiva de juros moratórios, relativamente aos créditos de que são titulares empresas comerciais, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento."
2. De igual modo e no que respeita à multa de 10 (dez) UCs e indemnização a favor da Autora por condenação da Ré por litigante de má fé, "a fixar após audição das partes, nos termos do disposto no art. 543°, nº 3 do Novo Código de Processo Civil".
3. Não restam dúvidas que tendo havido desistência do pedido de condenação da Ré por litigância de má fé por parte da Autora, em sede de Audiência Prévia, não deveria o douto Tribunal de 1a Instância proceder à sua análise e muito menos vir a condenar a Ré como litigante de má fé conforme o fez!
I - Factos:
1. A. e R. dedicam-se à construção civil. (acordo das partes).
2. Em virtudes das suas actividades A. e R. vieram celebrando diversos e sucessivos acordos que denominaram de contratos de “subempreitada contínua”, sendo o último deles em 1/9/2010, com o teor que consta do documento 2 junto com a P.I. (fls. 15 a 36) e que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual a A. se obrigou perante a A. a executar todas as obras determinadas pela R., no âmbito do contrato de empreitada contínua celebrado entre a R., como empreiteira, e a P..., como dono de obra. (acordo das partes).
3. De acordo com o nº 1 da cláusula 2ª do contrato acima referido a. obrigava-se para com a R. a “executar todas as subempreitadas de Infra-Estruturas de Subsolo; Instalação, manutenção e apeamento de redes de telecomunicações; Agendamento, instalação, manutenção e desmontagem de equipamento terminal de cliente; Instalação, manutenção e desmontagem de equipamento de transmissão; Instalação, manutenções e desmontagem de PPCAE; Instalação, manutenção e desmontagem de ADSL; Instalação, manutenção e desmontagem de MEOADSL E MEOFIBRA; Instalação, manutenção e desmontagem de DTH; instalação, manutenção e desmontagem de Circuitos; Instalação, manutenção e desmontagem de Equipamentos de Domótica (incluindo Tele-Segurança); Serviços a Operadores (eg. ORALL e ORAC); Outros trabalhos de construção civil necessários para a prossecução das actividades anteriores; Instalação, manutenção e desmontagem de outras redes ou serviços a fornecer pela PT Comunicações; agendamento, instalação, manutenção e desmontagem MEOSAT, que a C... lhe vier a adjudicar, com total respeito pelas condições impostas por esta e pelo DONO DA OBRA, constantes do Caderno de encargos, da Proposta da C... e do SE e demais documentação referente á referida Subempreitada, conforme Listagem enunciada no Termo de Adjudicação Subempreitada Continua”. (acordo das partes).
4. E de acordo com o nº 1 da cláusula 3ª do mesmo contrato, pela execução dos trabalhos a R. pagaria à A. “a quantia fixada na lista de preços unitários constante do ANEXO II que faz parte integrante do documento anexo ao contrato de subempreitada”. (acordo das partes).
5. E de acordo com o nº 3 da mesma cláusula 3ª, “Se for necessário executar trabalhos diferentes dos descritos na adjudicação em causa, o SE não dará início aos mesmos antes de haver acordado com a C... as condições da sua execução, mediante a assinatura de um Aditamento á referida adjudicação, devidamente autorizado pelo mesmo signatário do presente Contrato ou por responsável hierarquicamente superior, com poderes para o efeito, no qual ficam expressas, em pormenor, as alterações que se vão executar, os prazos de execução e o respectivo preço”, sendo que nos termos do nº 4, caso a A. “dê início aos referidos trabalhos sem que previamente haja obtido o acordo da C..., assumirá a total responsabilidade pelos mesmos e sem direito ao pagamento de qualquer adicional”. (acordo das partes).
6. E de acordo com a cláusula 4ª do mesmo contrato:
“1. Até 3 (três) dias após a conclusão dos trabalhos executados, o SE obriga-se a apresentar à C... as folhas de produção devidamente preenchidas e associadas às respectivas ordens de serviço.
2. A apresentação das folhas de produção referidas no nº anterior poderá ser efectuada mediante entrega das mesmas em formato de papel ou através do portal.
3. Mediante a apresentação dos documentos referidos nos nºs 1 e 2 a C... procederá mensalmente à emissão de autos de medição dos trabalhos já executados que ficarão à disposição do SE no referido Portal.
4. Caso o SE não cumpra o prazo previsto no nº 1 a C... reserva-se no direito de não incluir essas folhas de produção para efeitos de emissão dos autos de medição ou inclui-las deduzindo uma penalização de 20%.
5. O pagamento do preço de cada Adjudicação ocorrerá (i) após recepção da respectiva factura discriminativa dos trabalhos realizados mencionando o nº do contrato acompanhada do respectivo auto de medição emitido nos termos do nº 1 (ii) e decorridos 60 (sessenta) dias sobre a data da recepção da factura.
6. O pagamento do preço ao SE poderá ficar dependente do pagamento pelo Dono da obra à C... e/ou condicionado á prova de cumprimento das obrigações relacionadas com a contratação de Seguros constantes da Cláusula Décima, números 2 e 3, das obrigações laborais previstas na Cláusula Décima Quarta, e relacionadas com a entrega à C... das Fichas Médicas dos funcionários do SE.
7. Todos os pagamentos efectuados antes do termo do contrato serão considerados pagamento por conta, não funcionando, em nenhuma circunstância, como auto de recepção dos trabalhos, entretanto executados.
8. Todos os pagamentos e responsabilidades do SE, incluindo as penalidades que lhe sejam aplicadas nos termos previstos no presente contrato poderão ser descontadas no pagamento das facturas relativas á execução dos trabalhos no âmbito do presente contrato e, em caso de serem insuficientes, com facturas de outras obras contratadas entre as duas Partes, ou por qualquer forma que seja julgada exequível”. (acordo das partes).
7. E de acordo com a cláusula 7ª do mesmo contrato:
“1. Para garantia de boa execução dos trabalhos adjudicados ao SE e/ou dos débitos emitidos pela C... referentes a materiais que o SE não justifique ou não devolva, a C... reterá 5% do valor de cada factura.
2. As retenções referidas no número anterior poderão ser substituídas por garantia bancária.
3. A restituição das retenções efectuadas ou a libertação da garantia bancária prestada, consoante o caso, ficam condicionadas à recepção da obra e/ou ao fecho de contas dos materiais.
4. O prazo de garantia da obra é de 2 Anos contado a partir da data de emissão da respectiva factura, comprometendo-se o SE a executar imediatamente e á sua custa e responsabilidade, as substituições de materiais e equipamentos defeituosos, e bem assim, a corrigir quaisquer deficiências ou anomalias, constatadas na instalação, quer durante o prazo de garantia dos seus trabalhos quer enquanto estiver em curso o prazo de garantia com o Dono da Obra.
5. Caso o SE não execute imediatamente e á sua custa e responsabilidade, os trabalhos necessários à correcção/substituição de qualquer deficiência da obra, a C... tem direito a, no prazo de 10 dias decorridos sobre a interpelação do SE sem que este cumpra a obrigação assumida no nº 4, proceder por si ou por terceiro ás reparações/substituições que entenda necessárias, á custa do SE, executando, se necessário nota de débito”. (acordo das partes).
8. Com data de 1/10/2010 A. e R. assinaram um aditamento ao contrato referido em 2., aí declarando ambas que “estão de acordo com a necessidade de acrescentar tarefas, de acordo com a lista anexa, entrando em vigor na data do referido Aditamento”. (acordo das partes)
9. Nos termos e para os efeitos do constante no nº 5 da cláusula 4ª, acima referida, a A. emitiu em nome da R. e entregou-lhe, as seguintes facturas, com as seguintes datas de emissão e vencimento, e titulando os valores dos trabalhos mencionados em cada uma das mesmas, por referência aos elementos de identificação dos mesmos trabalhos definidos pela R.:
Factura
Emissão
Vencimento
Valor
1100000116
15/6/2011
28/8/2011
€ 3.152,80
1100000204
9/11/2011
15/1/2012
€ 2.444,22
1100000207
10/11/2011
14/1/2012
€ 16.259,22
1100000227
12/12/2011
15/2/2012
€ 3.129,51
1200000001
9/1/2012
16/3/2012
€ 1.754,03
1200000020
15/2/2012
28/4/2012
€ 5.136,30
(por acordo das partes).
10. Para além dos trabalhos a que se reportam as facturas referidas em 9., a A. executou ainda outros trabalhos, a pedido da R. formulado no âmbito do contrato referido em 2., nos locais indicados nos projectos respectivos da dona das obras (PT Comunicações) e de acordo com os mesmos.
11. Nos termos e para os efeitos dos nº 1 e 2 da cláusula 4ª acima referida a A. procedeu à entrega à R. das folhas de produção de cada um dos trabalhos referidos em 10., sob a forma de autos de medição, com os seguintes números, referência ao local dos trabalhos, identificação do projecto da dona das obras (PT Comunicações) e valores:
Nº de auto
Valor
Local dos trabalhos
Id. Projecto
797
€ 2.985,39
Av. 24 de Julho,76
001D.910959
798
€ 2.781.59
Rua Saraiva de Carvalho
1030721015
799
€ 1.264,66
Rua da Mesquita
001D.915912
800-A
€ 1.117,89
Rua B-Polo Técn. De lisboa
1030719922
800-B
€ 665,15
Rua B-Polo Técn. De lisboa
1030719922
800-C
€ 958,52
Rua B-Polo Técn. De lisboa
1030719922
800-D
€ 766,47
Rua B-Polo Técn. De lisboa
1030719922
800-E
€ 2.352,98
Rua B-Polo Técn. De lisboa
1030719922
802
€ 2.806,89
Rua Jaime Brasil nº 4
1030506893
805
€ 9.922,34
Rua Direita (Lumiar)
001D.912823
807
€ 378,33
Av. das Forças Armadas, 37
1030732190
813
€ 578,91
Rua7/R. 9 - B. Encarnação
001D.916649
815
€ 1.855,71
Rua S. Domingos
001D.915869
819
€ 8.739,20
Rua de Xabregas
001D.905079
821
€ 5.051,93
Travessa da Palmeira
001D.818282
825
€ 1.341,98
Rua D. Luís Noronha
001D.911234
826
€ 1.123,21
Rua das Praças, 100
001D.916379
827
€ 1.895,52
Rua das Praças,41-47
001D.916371
828
€ 3.551,78
Rua da Escola Medicina Veterinária
40056510010
834
€ 691,09
Largo S. José
001D.920957
841
€ 408,75
Beco Ponta Lama
001D.921296
849
€ 311,64
Rua Freitas Gazul
001D.911342
12. Na posse dos elementos referidos em 11. a R. não procedeu de acordo com o nº 3 da cláusula 4ª acima referida, o que impossibilitou a A. de emitir as facturas respectivas, nos termos do nº 5 da mesma cláusula 4ª.
13. Para além dos trabalhos acima mencionados a A. efectuou ainda para a R., a solicitação da mesma e em obras da PT Comunicações, diversos trabalhos de escavação, reciclagem, condução de terras a vazadouro e trabalhos em solo tipo II, não contemplados pelas listas de preços unitários anexas ao contrato referido em 2.
14. O valor de tais trabalhos ascendeu ao montante global de € 2.565,85, tendo a A. entregue à R. autos com as quantidades dos mesmos e locais onde foram executados.
15. Com data de 10/2/2010 a A. enviou à R. uma mensagem de correio electrónico, ali lhe comunicando que “agradeço a vossa atenção relativamente ao valor que falta para facturar, no qual teremos que combinar em quantas prestações querem liquidar este. O valor em causa 62.669,64 € referente aos anos atrasados devido à alteração de preços das caixas NR1 e NR2 e aros, assim como terras a vazadouro. Temos que ter em conta de que estes valores foram sempre aplicados e aceites por vós”.
16. Com data de 21/7/2011 a A. enviou à R. uma mensagem de correio electrónico, ali lhe comunicando que “gostava de saber em que situação estão os projectos antigos que faltam liquidar???”.
17. Com data de 22/5/2013 a A. enviou à R., que a recebeu, uma carta registada com aviso de recepção onde comunicou à mesma pretender proceder à cobrança da quantia global de € 84.030,75 “decorrente de diversos trabalhos/obras realizadas a solicitação de V/ Exas”. (por acordo das partes).
Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão.
Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento.
II – Apreciando:
Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente
As questões a decidir reportam-se à impugnação da matéria de facto, sua alteração e revogação da condenação como litigante de má fé.
1.1. - A apelante defendeu a alteração da decisão, após alteração da matéria de facto, mas não deu cumprimento ao disposto no art. 640 do ncpc, que impõe que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Como se referiu no Ac. STJ de 13/07/2006, “com as normas atinentes à interposição de recurso e apresentação de alegações, pretendeu o legislador criar um conjunto de regras de natureza prática, a observar pelos recorrentes, que permitam ao Tribunal “ad quem” apreender, de forma clara, as razões fáctica e jurídicas que corporizam a dissidência relativamente ao julgado, de modo a que o Tribunal as aprecie com rigor: nem mais nem menos, do que é pedido, com ressalva das matérias oficiosamente cognoscíveis”.
Assim sendo, porque o apelante omitiu por completo essa referência quer no corpo das alegações quer nas conclusões, impõe-se a rejeição da impugnação feita quanto ao julgamento da matéria de facto. Analisando os temas de prova e a forma como foram respondidos estão bem fixados os factos, em consonância com a prova testemunhal ouvida e doc. juntos, entre eles os da execução dos trabalhos, 16 a 35 doc. 42 para as escavações, os doc. 1 a 5 , convenção de preços a pagar por trabalhos a mais, doc 3 a 7 sobre obras, 6 e 7 montante em dívida em 2010, bem como os doc 8 a 17 sobre os locais onde se realizaram os trabalhos.
Em suma, não podia de modo algum acolher-se a sua pretensão de alteração da matéria de facto, nas circunstâncias que os autos relatam.
Improcede o pedido de alteração da matéria de facto.
Com tal improcedência nada há a alterar na decisão impugnada relativamente a este segmento da decisão que deve manter-se.
Nem colhe a invocou da violação do art. 350 do Decreto-Lei 18/2008 de 29 de Janeiro.
Veio defender que os trabalhos não foram acordados e assim sendo não são devidos. Trabalhos preparatórios ou acessórios Na falta de estipulação contratual, o empreiteiro tem obrigação de realizar todos os trabalhos que, por natureza, por exigência legal ou segundo o uso corrente, sejam considerados como preparatórios ou acessórios à execução da obra, designadamente:
a) Trabalhos de montagem, construção, manutenção, desmontagem e demolição do estaleiro;
b) Trabalhos necessários para garantir a segurança de todas as pessoas que trabalhem na obra ou que circulem no respectivo local, incluindo o pessoal dos subempreiteiros e terceiros em geral, para evitar danos nos prédios vizinhos e para satisfazer os regulamentos de segurança, higiene e saúde no trabalho e de polícia das vias públicas;
c) Trabalhos de restabelecimento, por meio de obras provisórias, de todas as servidões e serventias que seja indispensável alterar ou destruir para a execução dos trabalhos e para evitar a estagnação de águas que os mesmos possam originar;
d) Trabalhos de construção dos acessos ao estaleiro e das serventias internas deste.
E também não cumpriu o acordado na clausula 1ª al. 5 e 6 do contrato CC-C331/126/10.
5… Os termos de adjudicação que vierem a ser celebrados entre a C... e o SE no âmbito do presente contrato serão validamente celebrados e assumidos pela C... se assinados por qualquer um dos seus directores de negócio os quais tem também legitimidade para representar e vincular a C... em todos os actos e documentos relativos a subempreitadas por si celebradas.
6...Os termos de adjudicação podem ser constituídos pela documentação emitida pelo sistema informático do cliente e ou C..., mediante assinatura das partes (C... e SE).
Vem provado o acordo que fizeram para a facturação de tais trabalhos, mas a apelante não cumpriu o acordado. Sendo certo que, ao longo de variados anos foi sempre este o procedimento que as partes implementaram e sempre correu bem e foram pagos até a apelante entrar em incumprimento.
1.3 - Condenação como litigante de ma fé da ré:
Duas questões relevam nesta matéria. Tendo desistido do pedido de má fé aquando da fixação dos temas de prova, poderia o tribunal condenar como fez?
Por um lado defende que tendo desistido dessa matéria seria impossível conhecer e condenar a apelante, nesse pedido.
Mas, salvo o devido respeito, o tribunal podia condenar se entendesse que a parte litigou de má fé alterando a verdade dos factos. No caso vertente, faltava ouvir a parte contrária para a eventual condenação como se ordenou na decisão. Não se mandou à 1ª instância, uma vez que a ré como pessoa colectiva não podia ser condenada como litigante de má fé, a não ser que, alegassem e provassem que o seu legal representante enquanto parte manteve uma conduta censurável e deduziu oposição que sabia não corresponder a verdade.
A falta de razão não é sinónimo de má fé, a não ser quando se demonstra a consciência dessa falta, como também não o é a adopção de condutas parciais em relação à substância do litígio, se estas não se traduzirem em atitudes parciais incorrectas, nos termos do art. 542 do CPC.
Importa ter presente que a sustentação de posições jurídicas, porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou de lide temerária.
Não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e na sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, certo que, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial.
No caso vertente, a ré pessoa colectiva, tinham de demandar a pessoa a quem deram conhecimento dos factos e quem a representava se voluntariamente alterou os mesmos. Preceitua o art. 542 do C.P.C que, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
E o n.º 2 do mesmo art.: Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a discussão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Mas a prova de uma versão dos factos ou de parte de uma e de parte de outra não conduz, sem mais, à condenação do autor material da versão total ou parcialmente infirmada enquanto litigante de má fé
O princípio da boa-fé não é exclusivo do direito substantivo, também podendo ser violado numa perspectiva da actuação processual, mormente, pelo recurso a juízo através de acções ou procedimentos cautelares abusivos. Configura-se, nesse caso, a existência do abuso do direito de acção, a culpa in agendo, e faz-se apelo à prudência normal (cf. Ac. STJ, de 4-11-2008 – proc. n.º 08A3127 - Rel. Fonseca Ramos). De outra forma, a parte que perde a acção, a menos que a questão fosse exclusivamente de direito, seria invariavelmente condenada enquanto litigante de má fé (o sistema de condenação automática da parte perdedora como litigante de má fé já vigorou no direito português – cf. Menezes Cordeiro, 2006, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo, Coimbra, Almedina, p. 17).
O sistema tem por razoável que as partes litiguem dentro duma verdade aceitável. Dir-se-ia, então, que a verdadeira pedra de toque do sistema no que toca às partes é, mais do que a boa fé, entendida como dever de litigar, quer com verdade, quer com diligência aceitável, a ausência de má fé. Desde que dentro de limites de razoabilidade, as partes mantêm álea para sustentar a diversidade de posições que as trazem a juízo. O sistema funda-se na boa fé das partes, entendida esta com alguma parcimónia, como vem sendo defendido pela jurisprudência. Mesmo quanto aos incapazes devem ser condenados os seus representantes - art. 544.
No Ac. do STJ de 5.2.2010 decidiu-se que:
I- Na litigância de má fé é necessário que a actuação da parte seja dolosa – dolo directo ou instrumental.
II- Porém, a intenção é um acto psicológico insusceptível de ser imputado materialmente a uma pessoa colectiva.
III- Daí que a lei regule especificamente a litigância de má fé quando está em causa uma pessoa colectiva, estipulando que a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recairá sobre o seu representante que esteja de má fé (art. 458.º do CPC), avultando, pois, uma responsabilidade própria deste último.
IV- Por isso, aquela parte que pretender a condenação por litigância de má fé, sendo a outra parte uma pessoa colectiva, não poderá pedi-la acusando-a simplesmente da prática de actos que integram tal má fé: terá de referir concretamente a pessoa singular a quem imputa a actuação maliciosa, formulando um pedido, autónomo em relação à sociedade, de condenação do seu representante, indicando os actos que fundamentam esse pedido.
Em suma, não pode manter-se a condenação da apelante como litigante de má fé. E desnecessário se tornava cumprir o despacho de audição da parte como se ordenou.
Procedem nessa parte as conclusões.
Concluindo:
- A falta de razão não é sinónimo de má fé, a não ser quando se demonstra a consciência dessa falta, como também não o é a adopção de condutas parciais em relação à substância do litígio, se estas não se traduzirem em atitudes parciais incorrectas.
- A intenção é um acto psicológico insusceptível de ser imputado materialmente a uma pessoa colectiva.
III- Decisão:
Em face do exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada revogando-se apenas a condenação quanto à condenação como litigante de má fé da apelante.
Custas pela apelante
Lisboa, 10/9/2015
Maria Catarina Manso
Maria Alexandrina Branquinho
António Valente