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CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
CANNABIS
Sumário
I - Tal como resulta da combinação do art. art. 40.º do DL n.º 15/93, de 22/01, do art. 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29/11, e bem assim do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência com o n.º 8/2008, publicado no DR I.ª Série, n.º 150, de 25/08, a detenção de produtos estupefacientes para consumo próprio exclusivo, em quantidade superior a 10 dias, constitui crime a prever e punir dentro do âmbito daquela primeira norma e Diploma, e a de quantidades iguais ou abaixo ao período indicado, a contra-ordenação prevista no art. 2.º da referida Lei n.º 30/2000. II - Para esse efeito, importa estabelecer o “consumo médio individual” diário do respectivo agente. III - Não existindo exame laboratorial a indicar qual a percentagem do correspondente princípio activo, vêem sendo sugeridas três hipóteses de solução: - Ou a sua realização é impossível, e nesse quadro, pode valer o entendimento de que se deve “recorrer ao critério seguido pela Jurisprudência já antes da publicação dessa Portaria, baseado nas regras da experiência comum e que tem em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final”; - Ou se considera ser possível realizá-lo, mormente com base na amostra processo ou outra disponível, hipótese em que se prefigura o vício de insuficiência da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, al. a), do Cód. Proc. Penal), na definição daquele consumo médio individual. - Ou se considera aquele apuramento desnecessário, em entendimento similar ao constante do acórdão desta Relação de 01/01/2013, no processo n.º 503/10.9GBSSB.L1-9. IV - Posto que se defenda preferível aquela segunda posição, no caso concreto da canabis (mormente resina) não existem razões para desconsiderar esta última perspectiva. V - Contrariamente ao que sucede com a heroína e cocaína, drogas semi-sintéticas, as diversas formas pelas quais a canabis se apresenta são naturais. Ou seja, não é possível a comercialização de produto com 100% de princípio activo – ou seja, com 100% de THC (tetrahidrocannabinol). VI - Tal acontece porque o tetrahidrocannabinol constitui um componente da própria planta e não se encontra em estado puro, variando por causas naturais, como a qualidade da planta, a zona de cultivo, a selecção das partes componentes (já que a concentração de THC varia numa mesma planta). VII - Por isso, é um produto que, por enquanto, apresenta uma taxa de adulteração muito baixa. VIII - Legitima-se assim concluir, que em relação a ele, “quando os relatórios não referem o grau de pureza da droga examinada, tal se deve ao facto de esse grau de pureza se situar dentro dos parâmetros levados em conta para a fixação legal dos limites, e que quando o grau de pureza consta do relatório, tal acontece porque o mesmo se afasta daqueles parâmetros”. (Sumariado pelo relator).
Texto Parcial
Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:
I – Relatório:
I – 1.) Na Instância Central da Comarca de Lisboa Oeste, foram os arguidos J, C. eR., submetidos a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, pronunciados pela forma seguinte:
- Todos eles, da co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º1, do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma.
- O arguido R., ainda, da autoria material, em concurso real, de dois crimes de detenção de arma proibida (arma e munições), p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com referência ao art.º 3.º, n.º 2, alínea d) da mesma Lei.
No decurso da audiência procedeu-se à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, por se entender que essa factualidade relativa ao arguido J. apenas seria susceptível de configurar um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 25.º, al.ª a), do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma, e que a apurada conduta do arguido R. apenas seria susceptível de configurar um crime de detenção de estupefacientes paraconsumo, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma.
I – 2.) Proferido o respectivo acórdão, veio a decidir-se o seguinte:
- Absolver o arguido C., do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma.
- Absolver o arguido R. dos dois crimes de detenção de arma proibida (arma e munições), p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alíneas c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com referência ao art.º 3.º, n.º 2, alínea d) da mesma Lei, pelos quais vinha pronunciado.
- Condenar o arguido J.como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.ºs 21.º, n.º 1, e 25.º, al.ª a), do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, que se suspende na sua execução pelo mesmo período, sujeito a regime de prova. - Condenar o arguido R. como autor material de um crime de detenção de estupefacientes para consumo p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2 do DL 15/93 de 22/1, por referência à tabela I-C anexa, na pena 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros).
I - 2.) Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido R. para esta Relação, sustentando as seguintes conclusões:
1.ª - O recorrente foi condenado pelo douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo em 29/01/2015, "(...) como autor material de um crime de detenção de estupefacientes para consumo p. e p. pelo art 40°, n.º 2, do DL 15/93 de 22/01 por referência à tabela I-C anexa, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros)" e "(...) nas custas do processo, fixando a taxa de justiça individual em 3 UC (...)".
2.ª - O ora recorrente, é certo, que em sede de audiência de discussão e julgamento confessou que no dia 3 de Dezembro de 2013, pelas 09h10, no interior da sua residência, guardava, no respectivo quarto de dormir, numa gaveta da estante, 1 (um) maço de tabaco, marca "Chesterfield", no interior do qual se encontravam acondicionados 9 (nove) pedaços rectangulares (vulgo línguas) de resina canábis (haxixe) e parte de 1 (uma) bolota da mesma substância, envolta em papel celofane, com o peso bruto total de 16.7 gramas.
3.ª - Factualidade e bem, que ficou assente, considerada como provada no ponto 11 (pág. 4) na "Fundamentação quanto à matéria de facto" do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo.
4.ª - Sendo também certo, que o ora recorrente na sua confissão em sede de audiência de discussão e julgamento declarou que o peso bruto total de 16.7 gramas de resina de canabis que detinha destinava-se apenas e exclusivamente a seu consumo e que, como consumidor que é, conhece por razões óbvias a natureza e características estupefacientes da resina de canabis que lhe foi apreendida.
5.ª - Factualidade e bem, que ficou assente, considerada como provada nos pontos 15 e 17 (pág. 5) na "Fundamentação quanto à matéria de facto" do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo;
6.ª - De notar, ainda que quanto à "Fundamentação da Matéria de Facto", não ficou provado que o estupefaciente detido pelo ora recorrente. R, destinava-se a ser por este cedido, a troco de contrapartida económica.
7.ª - Factualidade e bem, que não se logrou provar, considerada como não provada no ponto 2. (pág. 7) na "Fundamentação quanto à matéria de facto" - item "Factos Não Provados" do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo.
8.ª - Não se logrou provar também, que o ora recorrente, se dedicasse à cedência de qualquer estupefaciente mediante contrapartida monetária, aos consumidores de estupefacientes.
9.ª- Factualidade e bem, que ficou assente, considerada como não provada no ponto 15. (pág. 8 e 9), na "Fundamentação quanto à matéria de facto" - item "Factos Não Provados" do douto acórdão proferido pelo Tribunal ad quo.
10.ª - Em sede de Alegações Orais, a douta Magistrada do Ministério Público do Tribunal adquo pediu a absolvição do arguido de todos os crimes pelos quais vinha acusado no douto libelo acusatório, ora recorrente, atendendo a toda a prova produzida, e justificadamente o fez.
11.ª - O Acórdão ora recorrido e sindicado, efectua uma errada subsunção do direito aos factos dados como provados, o que se manifesta como uma verdadeira contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, tanto o é, que o Magistrado do Ministério Público pugnou e justificadamente pela absolvição do arguido, pois estamos sim, perante uma contra-ordenação e não um ilícito penal, conforme o acórdão ora sindicado tenta justificar.
12.ª - Atente-se no que concerne à aquisição e detenção de estupefacientes e substâncias psicotrópicas para consumo próprio, desde a entrada em vigor da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, constitui contra-ordenação, desde que não exceda a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 (dez) dias (artigo 2.º, n.°s 1 e 2).
13.ª - Esta quantidade tem como referência os valores estabelecidos no mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, valores esses, obtidos por critérios estatísticos.
14.ª - O legislador optou por não criminalizar tais condutas, mas puni-las como contra-ordenação, compatibilizando o regime com as demais convenções vigentes. Assim, o consumo mantém um desvalor legal, como forma de dissuadir a sua expansão e, indirectamente, o tráfico e restante criminalidade a ele associada.
15.ª - Obviamente, que, o mero exceder de quantidades permitidas, só por si, não faz subsumir tal conduta no crime de tráfico de estupefacientes. Como resulta de jurisprudência fixada, apesar da referida revogação, "o artigo 40.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só "quanto ao cultivo" como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias".
16.ª - Assim, deve-se considerar reduzido teleologicamente o alcance da revogação do artigo 28° da Lei n.° 30/2000, e, conjugando o artigo 2.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, considerar-se válido e actual o texto remanescente do artigo 40° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.
17.ª - Obviamente que os valores fixados no mapa anexo à Portaria n.° 94/96 são para ser respeitados, mas, enquanto valores meramente indicativos, que devem ser apreciados por intermédio de critérios científicos inerentes à prova pericial (artigo 163° do C.P.P.), conforme decorre do artigo 71.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 15/93.
18.ª - A entender-se que a mera ultrapassagem dos valores constantes do referido mapa, bastaria, só por si, para se encontrar preenchido o tipo de crime do artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, esta seria uma norma penal em branco, e, como tal, inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade (artigo 29.°, n.° 1, da CRP) - ver Acórdão do TC n.° 543/98.
19.ª - No entanto, os valores fixados no mapa anexo à Portaria n.° 94/96, referem-se a substâncias puras. Assim, pode acontecer que um indivíduo, não obstante ser detentor de 6 gramas de canabis - resina (crime, artigo 40°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 15/93), esse produto tenha apenas 60% de pureza, o que, segundo a Portaria equivaleria a 3 gramas (contra-ordenação, artigo 2.º da Lei n.° 30/2000).
20.ª - Como bem têm decidido os Tribunais da Relação, nesse caso, é necessário recorrer à jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal de Justiça, que teve em consideração, segundo regras de experiência comum, o normal grau de impureza de tais substâncias estupefacientes quando chegam à posse do consumidor. Nesse sentido, é considerada quantidade necessária para o consumo médio individual durante um dia, a que não excede: 1.5 gramas de cocaína x 10 dias = 15 gramas: 1.5 gramas de heroína x 10 dias = 15 gramas: 2 gramas de haxixe (canabis resina) x 10 dias = 20 gramas - cfr. Acórdão do STJ de 15/05/1996 - Relator: Andrade Saraiva.
21.ª - No entanto, e face ao exposto, o Tribunal ad quo apesar de argumentar em contrário, cingiu-se com o devido respeito, a aplicar stricto sensu os valores constantes na Portaria n.° 94/96, de 26/03.
22.ª - Não é crível que o legislador pretendesse, com a Lei n.° 30/2000, agravar a punição do consumo de estupefacientes, tanto mais numa altura em que a estratégia nacional de luta contra a droga indicava o contrário.
23.ª - O Supremo Tribunal de Justiça proferiu o já supra aludido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2008, onde fixou jurisprudência nesse sentido, e exactamente nos seguintes termos: "Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.°, da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.°, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só "quanto ao cultivo" como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV. em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias".
24.ª - Sendo certo, que o ora recorrente detinha para consumo próprio o peso bruto total de 16.7 gramas de resina de canábis, sendo o seu peso líquido de 15.74 gramas como consta do Auto de Pesagem e Teste Rápido efectuado pelo Laboratório de Polícia Cientifica da Polícia Judiciária.
25.ª - E, não tendo sido apurado através de prova pericial qual o estado de pureza desta quantidade de resina de canábis, não se conseguiu apurar de facto e provar, qual o exacto peso líquido que detinha o produto estupefaciente que o ora recorrente detinha para seu consumo.
26.ª - Torna-se forçoso, de imediato, salientar que a contradição insanável mencionada no Art.° 410.°, n.º 2, alínea b) do C.P.Penal só acontece quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação constante do texto da decisão recorrida justifica uma decisão oposta ou quando existe colisão entre os fundamentos invocados.
27.ª - Assim sendo, de acordo com o defendido pelo ora recorrente, afigura-nos existir contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
28.ª - É notório, desde logo, e mesmo legítimo sustentar que o vício consagrado no Art.° 410°, n.° 2, alínea c) do C.P.Penal, nas condições sem se encontra legalmente previsto, é, em função da sua natureza ou por definição, intrínseco da decisão recorrida e, como tal, não deve obter raízes no exterior da mesma.
29.ª - Portanto, só existe erro notório na apreciação da prova quando o mesmo é tão evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.
30.ª - A discordância com a decisão do tribunal recorrido no que respeita à forma como sustenta uma errónea aplicação ao direito face à prova produzida em audiência de julgamento constitui o vício de erro notório na apreciação da prova.
31.ª - Outrossim, conforme já se enunciou, os factos não provados e provados conduzem necessária e logicamente à conclusão de que o arguido ora recorrente, praticou sim, uma contra-ordenação, por posse e detenção de produto estupefaciente para consumo, de acordo com os preceitos legais supra citados.
32.ª - A decisão sob recurso é incoerente, dela constando a factualidade que permite integrar os elementos constitutivos de tal contra-ordenação, não obstante, o Acórdão ora sindicado, efectua uma subsunção dos factos e tipifica os mesmos como de ilícito penal, e não meramente contra-ordenacional.
33.ª - Daí que só se pode, de forma legítima, afirmar vislumbrar a ocorrência de erro notório na apreciação da prova, e na subsequente subsunção do direito aos mesmos;
34.ª - E, assim, verificando-se existir este, quer os precedentes vícios previstos no art. 410.°, n.º 2 do C.P.Penal, importa concluir haver lugar ao reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.°, n.º 1, do mesmo Código.
35.ª - Baseando-se o tribunal em juízos ilógicos, constituindo um vicio da decisão - art. 410.°, n.° 2, al. c) do C.P.P.
36.ª - Análise, apreciação e/ou valoração dos dados objectivos recolhidos da prova produzida, incorrecção essa que se pode evidenciar quer por uma constatação viciada pelo ponto de vista ou de focagem intelectual da questão, quer por uma análise sincrónica ou diacrónica dos factos, quer por uma apreciação conectada com dados de uma experiência pessoal que não é comum ou por uma valoração não admitida pelas vivências da generalidade das pessoas com a mesma formação humana e intelectual. O erro notório será sempre para a generalidade das pessoas óbvio, limitando a formação da convicção, como se normatiza no art. 127.° do Código Processo Penal.
37.ª - O erro será relevante quando o dado objectivo recolhido da produção de prova permite uma conclusão filosófica e metodologicamente ilógica, denunciadora de subjectividade arbitrária notoriamente chocante para a experiência comum - Maria João Antunes. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Ano 4Q, I. 118 e ss e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 84/07/13. CJ/STJ. 111. 187, entre muitos.
38.ª - Apesar dos factos que o Acórdão entendeu provados e não provados a propósito da atribuição de responsabilidade penal do arguido, não existem nos autos e ou resultados da prova produzida em julgamento elementos suficientes que permitam suportar aquela imputação, da prática de um ilícito penal, mas sim de uma verdadeira infracção contra-ordenacional;
39.ª - O Acórdão é célere a concluir pela culpabilidade do arguido, mesmo que dos autos resulte prova inequívoca noutro sentido.
40.ª - Pelo que, pelas razões supra expostas torna-se evidente que a decisão recorrida tem de ser revogada, no que concerne ao direito aplicável, nomeadamente, o que o mesmo é dizer que não existe fundamento legal para que se condene o recorrente pelo crime de detenção de estupefacientes para consumo, p. e p. pelo artigo 40°, n.° 2, do DL n.° 15/93 de 22/01.
41.ª - Concomitantemente, deve o presente acórdão ora sindicado ser revogado, por manifesta ausência do preenchimento dos elementos constitutivos, nomeadamente, objectivo e subjectivo, do tipo de crime de detenção de estupefacientes para consumo, cfr. diploma legal já supra referido, e a consequente extracção de certidão dos presentes autos, para instauração do respectivo procedimento contra-ordenacional por posse e consumo de estupefacientes, conforme iá pugnado pelo o douto Magistrado do Ministério em sede de Alegações.
Termos em que, Requer a V. Exas:
a) Declarar inconstitucional o acórdão por violação do princípio da presunção de inocência, no seu corolário in dubio pro reo, por não resultar do mesmo a resolução criminógena a que o recorrente foi condenado, nem tão pouco, se fixando o objecto, nem a demonstração de actos de execução do mesmo, objectiva ou subjectiva, sendo neste caso, o Recorrente absolvido do crime por que vem condenado;
b) Declarar a nulidade e consequente revogação do douto acórdão por manifesta errónea subsunção do direito à matéria dada como provada e não provada;
c) Declarar a nulidade e consequente revogação do douto acórdão por verificação do vício previsto no Art. 410°, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal «Da contradição Insanável entre a fundamentação e a decisão face ao já supra referido»;
c) Declarar a nulidade e consequente revogação do douto acórdão pela violação do disposto no Art.° 410°, n.° 2, alínea c) do Código de Processo Penal «Erro notório na apreciação da prova»;
d) Declarar a nulidade e consequente revogação do douto acórdão pela errónea qualificação jurídica do crime, por a conduta do recorrente se enquadrar apenas na previsão de uma contra-ordenação;
Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
f) Deve o presente acórdão ora sindicado ser revogado, por manifesta ausência do preenchimento dos elementos constitutivos, nomeadamente, objectivo e subjectivo, do tipo de crime de detenção de estupefacientes para consumo, cfr. diploma legal já supra referido, e a consequente extracção de certidão dos presentes autos, para instauração do respectivo procedimento contra-ordenacional por posse e consumo de estupefacientes, conforme já pugnado pelo o douto Magistrado do Ministério em sede de Alegações.
I - 3.) Respondendo ao recurso interposto a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido concluiu por seu turno:
1.º - De acordo com jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, designadamente para os efeitos limitadores previstos no art.º 403 do C.P.P., obviamente sem prejuízo do conhecimento oficioso de vícios ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas.
2.º - Não tendo o arguido impugnado a matéria de facto dada como assente no douto acórdão recorrido terá de ser esta objecto de fundamentação sobre a convicção do Tribunal a quo e, também será esta objecto de qualificação jurídica.
3.º - Cumpre referir em acréscimo ao alegado pelo arguido R. que o exame pericial realizado pelo LPC ao produto estupefaciente que o douto acórdão deu como provado pertencer ao mesmo e que, aquele inclusivamente admitiu ser sua propriedade, tinha o peso liquido de 12,327 g + 2,847 g, num total de 15,174 gramas.
4.º - Não foi determinado qual o grau de pureza dessa mesma substância.
5.º - Desconhece-se assim qual o valor de THC (principio activo) da substância detida pelo arguido R..
6.º - Esse desconhecimento, s.m.o, que foi acolhido no douto acórdão a quo, não permite desta forma a aplicação tout court dos valores constantes da tabela anexa à Portaria 94/96, de 26 de Março, que estabelece como consumo médio diário de canábis – resina – o limite máximo de 0,5 grama.
7.º - Estatui essa mesma Portaria 94/96 que as quantidades indicadas referem-se: (c) – à dose média diária com base na variação do conteúdo médio de THC existente nos produtos da Canabis e (e) a uma concentração média de 10% de *9THC.
8.º - Toda a impugnação do acórdão recorrido assenta numa primeira leitura no facto do arguido manifestar a sua indignação pela sua condenação, atendendo a que ficou provado que o estupefaciente que o mesmo detinha na sua posse e inclusivamente confessou ser de sua propriedade, quando refere que “obviamente, que, o mero exceder de quantidades permitidas, só por si não faz subsumir tal conduta no crime de trafico de estupefacientes”.
.9.º - Mais adiante e quando invoca o arguido R jurisprudência que se debruçou sobre as quantidades e a mera aplicação aritmética das quantidades de estupefaciente detido, cremos que retoma o bom caminho no sentido de fazer valer a sua pretensão.
10.º - Efectivamente, ao não constar dos autos o grau de pureza (THC) que a substância estupefaciente detida pelo arguido R.detinha na sua posse, não poderia o douto Tribunal a quo ter assumido, de per si, e sem análise pericial complementar qual era efectivamente esse grau de pureza.
11.º - Nesta senda defendeu o Supremo Tribunal de Justiça, ainda que em 1996, mas em Acórdão que continua a revestir pertinência e quanto a nós aplicabilidade que deve ser tida em consideração, segundo regras de experiência comum, o normal grau de impureza de tais substâncias estupefacientes quando chegam à posse do consumidor. E nesse mesmo Acórdão do STJ de 15/05/1996, em que é relator o Excelentíssimo Conselheiro Andrade Saraiva: “Neste sentido, é considerada quantidade necessária para o consumo médio individual durante um dia, a que não excede: (…) 2 gramas de haxixe (canábis resina) x 10 dias = 20 gramas.”
12.º - O acórdão a quo não viola qualquer principio de presunção de inocência, atendendo a que o arguido R. reconheceu a posse de produto estupefaciente – haxixe / canábis – ainda que para seu consumo e que tais substâncias, resultou à saciedade ter sido apreendida na sua casa, no seu quarto, na sua disponibilidade, na sua posse e inerentemente ser de sua propriedade.
13.º - Apenas por aplicação da figura in dubio pro reo pode o arguido, e entende o MP, ver satisfeita a sua pretensão: a absolvição do crime de detenção de produto estupefaciente para consumo por período superior a 10 (dez) dias.
14.º - Efectivamente, não padece o acórdão recorrido de qualquer outro dos vícios que lhe são imputados:
- a manifesta errónea subsunção do direito à matéria dada como provada e não provada,
- a verificação do vicio da alínea b) do nº 2 do artº 410º do CPP – contradição insanável entre a fundamentação e a decisão,
- a verificação do vicio da alínea c) do nº 2 do artº 410º do CPP – erro notório na apreciação da prova.
15.º - Com efeito, se, por força da presunção de inocência, só podem dar-se como provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido, quando eles se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável (neste sentido, também Jesheck, Tratado de Derecho Penal - Parte General, tradução de Mir Puig e Mufloz Conde, Bosch, Barcelona, 1981, pág. 195). Mas se é assim, se é o próprio princípio da presunção de inocência que impõe que, em matéria de prova, a dúvida se decida a favor do arguido, isto é, in dubio pro reo, então este não é um princípio distinto, mas, unicamente, a expressão que aquele mesmo assume nesse domínio.
16.º - Não nos merece qualquer reparo as considerações efectuadas pelo douto tribunal a quo, relativamente à interpretação do artº 40º nº 2 do DL nº 15/93 de 21 de Janeiro, até porque o Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência nº 8/2008, de 25 de Junho de 2008, tomou posição esclarecedora sobre a questão que se colocava quanto à revogação do artº 40º do DL 15/93 de 21 de Janeiro.
17.º - Ora, apesar do arguido deter na sua posse 15,174 grama de canábis (resina), não resulta dos factos provados qual o grau de pureza dessa mesma substância, que não se pode presumir, por forma a integrar o conceito de quantidade que excede o consumo individual médio para dez dias.
18.º - Não se concorda ainda com o douto tribunal recorrido quando a fls. 635 se refere que “E entende este Tribunal que esta tabela é meramente indicativa, no sentido de que não é a quantidade pura, ou seja o principio activo, que está em causa, mas a quantidade de haxixe liquida, que está em causa e que se deve ter por referência”.
19.º - Não podemos deixar de discordar com o douto Tribunal a quo, na medida em que não sendo um dos factores de equação e de aplicabilidade da tabela da Portaria 94/96 de 26 de Março, o grau de pureza das substâncias, como é afirmado, então não teria o legislador feito menção expressa, em alíneas expressas às concentrações médias de *9THC presentes nas substâncias apreendidas…
20.º - Não se podendo deixar de assumir a posição que os factos provados e ainda factos que não lograram apurar-se, nomeadamente o grau de pureza da substância em causa, não pode deixar de ser tida em consideração e avaliada por essa Veneranda Relação de acordo com o exposto sobre o principio in dubio pro reo, que assiste razão, parcialmente, ao recorrente R., pugnando-se pela sua absolvição pelo crime pelo qual vem condenado, por estrita aplicação do principio in dubio pro reo.
Razões pelas quais se entende que o recurso merece provimento parcial apenas quanto à aplicação do principio in dubio pro reo que se coaduna com a matéria de facto dada como provada nos autos quanto ao arguido R. devendo o mesmo ser absolvido com este fundamento.
II - Subidos os autos a esta Relação a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer secundando igual sentido decisório, ainda que fundado na circunstância de não ter sido apurado qual o grau de pureza dos indicados 16,7 gramas de cannabis detidos pelo arguido.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Tendo lugar a conferência.
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Cumpre pois apreciar a decidir:
III - 1) Como se tem por Doutrinária e Jurisprudencialmente consensualizado, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da motivação apresentada, o que num recurso define e delimita o respectivo objecto.
Assim, sem prejuízo da sua relativa extensão, que aliás, não beneficia essa inteligibilidade, julgamos serem as seguintes as reais questões colocadas pelo arguido R.:
- Se a decisão recorrida padece dos vícios de contradição insanável de fundamentação e erro notório na apreciação da prova;
- Se foi violado o princípio in dubio pro reo, sendo por esse motivo o acórdão “inconstitucional”;
- Enquadramento jurídico a conferir aos factos.
III – 2.) Confiramos primeiro a matéria de facto que se mostra definida em 1.ª instância:
A) Factos provados:
1. No dia 03 de Dezembro de 2013, pelas 13h15, no interior do seu quarto de dormir, na residência sita na Rua do Sol, em R., o arguido J. tinha colocado em cima da sua cama:
• 10 (dez) poções, vulgo bolotas, de haxixe, envoltas em papel celofane (pelicula aderente);
• 1 (um) rolo de película aderente;
• 1 (uma) navalha com vestígios de haxixe na lâmina; e
• 1 (uma) pasta de cartão, tamanho A5, contendo no seu interior duas folhas, tamanha A4, dobradas, e quatro folhas, tamanho A5, todas manuscritas com nomes e números, relativos aos montantes de estupefaciente entregue e aos montantes em divida.
2. No mesmo quarto, sobre a mesa-de-cabeceira existente do lado esquerdo da cama, o arguido J. guardava:
• 1 (uma) placa de haxixe, envolta em pelicula aderente;
• Metade de 1 (uma) bolota de haxixe;
• 1 (uma) faca de cozinha com vestígios de haxixe na lâmina;
• 1 (uma) caixa de mortalhas, marca “OCB”;
• 1 (um) bilhete emitido pela transportadora “Dolphin Jet”, em nome de J., relativo ao percurso “Tânger/ Algeciras”, datado de 19-06-2013;
• 1 (um) telemóvel NOKIA 1280, com o IMEI 355205053898413; contendo um cartão SIM da VODAFONE espanhola com o numero (0034)664601418; e
• € 400,00 (quatrocentos euros), em notas do Banco Central Europeu (sendo 26 notas de € 10,00 e 7 notas de € 20,00).
3. Na última gaveta daquela mesa-de-cabeceira o arguido J. guardava um aplaca e meia de haxixe e um triturador de marijuana, com a forma de uma caixa cilíndrica, com 4 (quatro) centímetros de diâmetro.
4. Ainda no mesmo quarto, sobre a cómoda, o arguido J. guardava:
• € 2.000,00 (dois mil euros), em notas com o valor facial de € 10,00 (dez euros), organizadas em maços de € 500,00 (quinhentos euros); e
• 1 (um) telemóvel NOKIA 1280, com o IMEI 355481053328749, com o cartão SIM da operadora TMN com o n.º 969027739.
5. Na primeira gaveta do lado esquerdo dessa comoda, o arguido J. guardava, ainda:
• 1 (um) saco plástico contendo dezenas de cartolinas amarelas com o tamanho 5cmx2cm, destinadas a servir como filtros para cigarros de marijuana;
• 2 (duas) esferas em material plástico contendo haxixe; e
• 4 (quatro) pedações de haxixe.
6. No interior do roupeiro de quarto do arguido J. guardava um pedaço de haxixe, envolto em película aderente.
7. No móvel da televisão, existente naquele quarto, o arguido J. guardava um documento da polícia local de Algeciras, relativo à autuação do veículo BMW com a matrícula 2..., em 19 de Abril de 2013, utilizado pelo arguido J., por estacionamento proibido numa zona de cargas e descargas e, ainda, um recibo relativo ao pagamento de reboque e recolha da viatura pelo Ayuntamento de Algeciras.
8. A maior parte da quantidade da resina de cannabis (haxixe), com o peso bruto total de 205 (duzentos e cinco) gramas, destinava-se a ser vendida, com lucro, pelo arguido J., a terceiros, mediante contrapartida monetária e uma parte diminuta era destinada ao seu próprio consumo.
9. Na ocasião, encontravam-se no interior daquela residência JF e FC, indivíduos conhecidos do arguido J., que ali se deslocaram para adquirir haxixe, mediante contrapartida económica.
10. Nessa mesma ocasião, entrou na referida residência o arguido C., trazendo consigo 2,45 gramas de resina de canábis (haxixe) e € 600,00 (seiscentos euros).
11. Também no dia 03 de Dezembro de 2013, pelas 09h10, no interior da residência do arguido R, conhecido dos demais arguidos, situada na Rua Florbela Espanca, em S., aquele guardava, no respectivo quarto de dormir, numa gaveta da estante, 1 (um) maço de tabaco, marca “Chesterfield”, no interior do qual se encontravam acondicionados 9 (nove) pedaços rectangulares (vulgo línguas) de resina de canábis (haxixe) e parte de 1 (uma) bolota da mesma substância, envolta em papel celofane, com o peso bruto total de 16,7 gramas.
12. No dia 17 de Julho de 2013, pelas 07h00, encontrava-se guardado no interior do roupeiro do quarto de LS, conhecida de R, na residência situada na Avenida Maria de Lamas, , em S.:
• 1 (uma) arma de fabrico artesanal, com a aparência de uma vulgar esferográfica, incluindo uma presilha e um aponta de tinta de cor lilás, a qual permite a deflagração de uma munição de calibre .22 Long Rime (equivalente a 5,6 mm no sistema métrico);
• 5 (cinco) munições de calibre .22 LR, próprias para aquela arma, de marca CCI, de origem norte-americana; e
• 5 (cinco) tabletes e meia (vulgo sabonetes) de haxixe, envoltas em película aderente, com o peso bruto total de 531 (quinhentos e trinta e um) gramas.
13. Nem o arguido R, nem LS, eram titulares de qualquer licença de uso e porte de armas.
14. Todo o montante monetário apreendido ao arguido J., era proveniente da venda de resina de canábis, a terceiros.
15. Os arguidos C, J. e R conheciam a natureza e características estupefacientes da resina de cannabis que lhes foi apreendida, tendo agido livre, deliberada e conscientemente.
16. O arguido J. sabia que a detenção e venda da resina de canábis a terceiros, era proibida e punida por Lei Penal.
17. O arguido R destinava a totalidade dos 16,7 gramas de resina de canábis que detinha ao seu único e exclusivo consumo.
18. O arguido R destinava a totalidade dos 16,7 gramas de resina de canábis que detinha ao seu único e exclusivo consumo, bem sabendo que tal era proibido e punido pela Lei Penal.
19. O arguido C. destinava a totalidade dos 2,45 gramas de resina de canábis que detinha ao seu único e exclusivo consumo, bem sabendo que tal era proibido e sancionado pela Lei.
20. O arguido R. não averba qualquer condenação no seu certificado de registo criminal.
21. O arguido J. averba as seguintes condenações no seu certificado de registo criminal:
a) Um crime de roubo, por factos de 29.09.2004, acórdão transitado em julgado em 22.11.2005 – pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.
b) Um crime de roubo, por factos de 27.01.2006, acórdão transitado em julgado em 11.02.2006 – pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos.
c) Um crime de furto simples e um crime de condução sem habilitação legal, por factos de 11.03.2004, sentença transitada em julgado em 20.04.2006 – pena única de 240 dias de multa, à taxa diária de € 4,00.
d) No processo n.º 678/09.0GACSC do extinto 3.º Juízo Criminal de Cascais foi condenado por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, por factos de 28.04.2009, sentença transitada em julgado em 19.10.2010 – pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
22. O arguido R. trata-se de indivíduo cujo processo de crescimento e socialização, no geral, se desenvolveu em contexto familiar convencional e normativo, embora assinalado pela separação dos pais ocorrida já em idade adulta.
23. O percurso escolar do arguido R. terá decorrido com referência a dificuldades gerais de adaptação ao processo de ensino/aprendizagem, obtendo o 9.º ano no âmbito da conclusão de um curso profissional na área da Pintura de automóveis.
24. A integração laboral do arguido R. foi caracterizada por escassas experiências temporárias de trabalho, a par de iniciativas pessoais, também elas sem carácter regular ou vinculativo, na área da Pintura de automóveis, deste modo, o arguido nunca terá conseguido obter a autonomia económica necessária para o suporte das suas despesas correntes, estando actualmente desempregado e dependente do agregado de origem.
25. À data dos factos o arguido J. exercia a profissão de mecânico e residia com a mãe; actualmente o seu paradeiro é desconhecido.
26. O arguido C. exerce a profissão de cabeleireiro e aufere cerca de € 350,00 mensais; vive com a namorada; tem o 7.º ano de escolaridade.
B) Factos não provados:
1. No dia 17 de Julho de 2013, pelas 07h00, o arguido R guardava, no interior do roupeiro do quarto de LS, na residência situada na Avenida Maria de Lamas, em S.:
• 1 (uma) arma de fabrico artesanal, com a aparência de uma vulgar esferográfica, incluindo uma presilha e um aponta de tinta de cor lilás, a qual permite a deflagração de uma munição de calibre .22 Long Rime (equivalente a 5,6 mm no sistema métrico);
• 5 (cinco) munições de calibre .22 LR, próprias para aquela arma, de marca CCI, de origem norte-americana; e
• 5 (cinco) tabletes e meia (vulgo sabonetes) de haxixe, envoltas em película aderente, com o peso bruto total de 531 (quinhentos e trinta e um) gramas.
2. Todo o haxixe detido pelo arguido R. destinava-se a ser por este cedido, a troco de contrapartida económica, aos diferentes consumidores que o procuravam para esse efeito.
3. A arma e munições descritas em 1. pertencem ao arguido R e foram por ele entregues à sua conhecida LS.
4. O arguido R pediu a LS para que esta guardasse as armas, munições e estupefacientes na casa desta, com o único objectivo de evitar que as autoridades policiais os detectassem na sua posse.
5. O arguido R sabia que a posse daquela arma, que se encontrava em perfeitas condições de funcionamento e apta a efectuar disparos, não lhe era permitida dado tratar-se de uma arma de fabrico artesanal, dissimulada sob a forma de outro objecto, cuja posse é absolutamente proibida, mas, ainda assim, adquiriu-a e aguardou-a na casa da sua conhecida, indiferente à proibição de tal conduta.
6. Agiu o arguido R livre e conscientemente, guardando a arma e munições nas circunstâncias referidas, bem sabendo que tal conduta era proibida e punidas por Lei Penal.
7. O haxixe que, no dia 03 de Dezembro de 2013, pelas 13h15, encontrava-se no interior do quarto de dormir da residência sita na Rua do Sol, em R., destinava-se a ser comercializado, com lucro, pelo arguido C..
8. J. destinava a totalidade dos 205 (duzentos e cinco) gramas de haxixe a ser vendido a terceiros.
9. Uma parte do estupefaciente detido por J. destinava-se a ser entregue, à comissão, ao arguido C. que, por seu turno, o cederia a troco de dinheiro, aos consumidores, seus clientes, que o abordavam para esse efeito.
10. Na ocasião, encontravam-se no interior daquela residência JF e FC, indivíduos conhecidos do arguido J., que ali se deslocavam amiúde para adquirir haxixe, mediante contrapartida económica.
11. Parte do estupefaciente transaccionado pelos arguidos era adquirido em Marrocos, a individuo desconhecido dos autos, que servia de contacto e fornecedor do arguido J., o qual ali se deslocava periodicamente para adquirir estupefacientes destinados a serem depois por si revendidos em Portugal.
12. Assim, com este intuito, nos dias 19 de Abril e 19 de Junho de 2013, o arguido J. esteve em Algeciras, localidade situada ao sul de Espanha, local onde tomou um barco ferry para Tânger, em Marrocos, para adquirir haxixe que acabou por transportar e guardar na sua residência.
13. No dia 03 de Dezembro de 2013, pelas 13h30, o arguido C. acorreu à residência do arguido J., para acertar com ele contas sobre as vendas de estupefacientes que lhe foram entregues.
14. Os arguidos J. e C. não tinham qualquer actividade regular lícita que lhes assegure a sua subsistência.
15. Os arguidos C. e R. dedicavam-se à cedência de estupefacientes, em especial de canábis sativa, na forma prensada, vulgo haxixe, mediante contrapartida monetária, aos consumidores de estupefacientes que os procuram para esse efeito.
16. Os € 600,00 (seiscentos euros), em notas do Banco Central Europeu, que o arguido C. detinha eram provenientes das vendas de resina de cannabis.
Para os fins de apreciação do recurso importa conhecer também a fundamentação exarada em apoio da convicção assim manifestada:
(...)
III – 3.2.) A regulamentação do consumo de estupefacientes, como é sabido, conheceu com a publicação da Lei n.º 30/2000, de 29/11, uma eminente descontinuidade normativa.
Reconduzindo-a aos seus termos mais simples, começaremos por recordar que de harmonia com o preceituado no art. 40.º do DL n.º 15/93, de 22/01, Diploma que continua a manter-se central em toda a regulamentação da problemática geral dos estupefacientes e substâncias psicotrópicas:
1 - Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.
2 - Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.
3 - No caso do n.º 1, se o agente for consumidor ocasional, pode ser dispensado de pena.
Este preceito veio no entanto a ser revogado pelo art. 28.º da mencionada Lei n.º 30/2000 (excepto quanto ao cultivo), passando agora o respectivo art. 2.º, n.º 1, a estatuir, que constitui contra-ordenação “o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas” I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sendo que as mesmas “não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias” (n.º2).
As dificuldades sentidas com a aplicação deste novo regime, levou a que Supremo Tribunal de Justiça viesse a proferir o acórdão uniformizador de Jurisprudência com o n.º 8/2008 (publicado no DR I.ª Série, n.º 150, de 25/08), que fixou a seguinte Doutrina:
“Não obstante a derrogação operada pelo art. 28.º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”.
Tal enunciado continua a merecer beneplácito constitucional, tal como se retira dos recentes Acórdãos do TC de 17/97/2014, no processo n.º 587/2014, e de 28/01/2015 no processo 495/13.
Donde, assumir pacificidade o entendimento em como a detenção para consumo (exclusivo próprio) acima desses 10 dias continua a constituir o crime previsto no art. 40.º do DL 15/93, e a de quantidades iguais ou abaixo ao período indicado, a contra-ordenação do art. 2.º da Lei n.º 30/2000.
III - 3.3.) Vencida esta primeira etapa de natureza normativa, logo uma outra dificuldade se depara: a do conceito de “consumo médio individual” e sua densificação.
Sobre ele, seguiremos de perto o teor do douto acórdão desta Relação e Secção de 06/011/2012, no processo n.º 5929/09.8TDLSB.L1.5, de que foi relator o Mm.º Desembargador Jorge Gonçalves: “O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que instituiu o ainda vigente regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, estabeleceu, no seu artigo 71.º, n.º 1, al. c):
«Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria: (…) c) Os limites quantitativos máximo do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente».
Mais se acrescentou no seu n.º 3: “O valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.º 1 é apreciado nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal”.
Da determinação da dose média individual com referência ao princípio activo do estupefaciente pode depender a prática de um ou outro crime de tráfico ou então de consumo de estupefacientes e agora de uma contra-ordenação.
A Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, que de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos artigos 52.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 15/93, determinou no seu artigo 9.º que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante”.
Nessa tabela e no que respeita à canabis (resina) é indicado o valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canabis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9THC”, conforme encontra-se anotado nessa tabela.
Por sua vez e de acordo com o artigo 10.º, n.º 1 da mesma Portaria, “Na realização do exame laboratorial referido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 15/93, …, o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência”.
E esta tabela passou igualmente a servir para a determinação dos “limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária” no que concerne à delimitação dos tipos legais dos crimes de traficante-consumidor e de consumo (26.º, n.º 3 e 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93).
Sem nos determos com maior detalhe sobre as controvérsias que se suscitaram a propósito da referida portaria e sobre a questão, não isenta de dúvidas, da quantificação das substâncias estupefacientes (veja-se, por exemplo, João Conde Correia, “Droga: exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência e das suas consequências”, Revista do CEJ, 2004, n.º1, pp.77 e segs.), certo é que parte do S.T.J. se posicionou no sentido de recusar a aplicação daquele artigo 9.º da Portaria n.º 94/96, por se entender que o mencionado artigo 71.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, padecia de ilegalidade e de inconstitucionalidade orgânica (cfr. o Acórdão do S.T.J., de 26.03.1996, Revista do Ministério Público 74/167 e ss.), sem que o Tribunal Constitucional lhe tenha dado razão quando chamado a pronunciar-se sobre a questão. Segundo o Ac. n.º 534/98, de 7 de Agosto de 1998, «os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e letra do art. 71.º do Dec.-Lei n.º 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado», mas antes a «remissão para valores indicativos», susceptíveis de serem fundadamente afastados pelo tribunal.”
Aqui chegados, por via de regra, confrontamo-nos com duas possíveis situações:
Ou existe exame laboratorial a indicar qual é a percentagem desse princípio activo.
Ou não existe (note-se que caso presente, a investigação estava direccionada para o tráfico e não para o consumo).
A relevância de tal apuramento decorre da circunstância do “art. 9.º, da Portaria n.º 94/96, de 26 Março, indicar como quantitativo máximo para cada dose individual diária de cannabis (resina), 0,5 gramas e na nota 3 e) (aplicável à resina de cannabis) esclarecer-se que a quantidade indicada (0,5 gramas) se refere “a uma concentração média de 10% de A9TIIC”.
“Assim, se determinada resina de cannabis, com o peso líquido de 5 gramas (por hipótese) tiver a concentração de 10% de tetraidrocanabinol, então corresponderá ao limite quantitativo máximo para consumo médio individual durante 10 dias (à tal razão de meia grama diária); porém, se a concentração for de 5%, a mesma quantidade de resina de cannabis corresponderá ao consumo médio individual durante 5 dias (como, de outro lado, se a concentração for de 20%, corresponderá ao consumo médio individual durante 20 dias, pois que quanto maior for a concentração da substância activa, menor será a necessidade do consumidor do referido produto, para obter o efeito desejado)” - cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 26/02/2013, no processo n.º 371/11.3PGALM.L1-5.
Não constando dos autos esse “exame”, três outras sub-hipóteses se colocam:
Ou existe já uma impossibilidade da sua realização, e nesse quadro, poderá valer o entendimento de que “é possível recorrer ao critério seguido pela jurisprudência já antes da publicação dessa Portaria, baseado nas regras da experiência comum e que tem em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final, de acordo com o qual, é de 2 gramas a quantidade necessária para o consumo médio individual diário de canabis” (assim acórdão da Rel. do Porto de 04/06/2014, no processo 29/09.3SFPRT-B.P1, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1990, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 393, p. 319; de 5 de Fevereiro de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 404, p. 51; e de 10 de Julho de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 409, p. 392).
Ou se considera ainda possível concretizá-lo, mormente com base na amostra processo ou outra disponível, hipótese em que se prefigura o vício de insuficiência da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º2, al. a) do Cód. Proc. Penal), na definição daquele consumo médio individual.
Ou se considera aquele apuramento desnecessário, em entendimento similar ao constante do acórdão desta Relação de 01/01/2013, no processo n.º 503/10.9GBSSB.L1-9 que sustenta que “quando os relatórios não referem o grau de pureza da droga examinada, tal se deve ao facto de esse grau de pureza se situar dentro dos parâmetros levados em conta para a fixação legal dos limites, e que quando o grau de pureza consta do relatório, tal acontece porque o mesmo se afasta daqueles parâmetros”.
III - 3.4.) Da nossa parte propendemos para a segunda solução.
Posto que se conceda no carácter não absolutista dos critérios quantitativos do art. 9.º da Portaria 94/96, julgamos, em todo o caso, que o preenchimento do conceito de consumo médio individual operado com o concurso de exame laboratorial resolve de forma preferível, porque científica, a preocupação central que decorre da constatação de que as substâncias aditivas ao nível da distribuição para consumo não assumirem o grau de pureza que serve de pressuposto estatístico ao seu estabelecimento (maior ou menor concentração da respectiva substância activa).
Assegura-se assim, no tratamento desta questão, um “funcionamento” nos mesmos padrões de prova pericial que presidem àquela indicação.
Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 31/01/2007 no processo n.º 0612204, “para que tais valores possam ser considerados é necessário que dos autos conste o exame referido no artigo 10.º, daquele diploma”.
Para além do que, assim se respeita a enunciação inserida no acórdão n.º 534/98, de 07/08/98, do TC, que sustenta a constitucionalidade da interpretação da “norma constante da alínea c) do nº1 do artigo 71 do DL nº 15/93 no sentido de que, ao remeter para a portaria nela referida, a definição dos limites quantitativos máximos do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes da tabela I a IV, de consumo mais frequente, anexas ao mesmo diploma, o faz com o valor de prova pericial”.
Não constituem, é certo, “verdadeiramente, dentro do espírito e da letra do art. 71 do DL nº 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado”.
Por outro lado, “a remissão para valores indicativos, cujo afastamento pelo tribunal é possível, embora acompanhada da devida fundamentação”.
Mas também por esta forma se excluem as críticas de violação do “princípio da legalidade da lei penal incriminadora”, ou por outras palavras, a possibilidade de estarmos perante uma norma penal em “branco”, aventada pelo Recorrente.
III - 3.5.) Ainda assim, no que concerne ao tipo de substância que temos presente na situação sob recurso - canabis - admitimos a sua derrogação a favor da última posição acima referida.
Tal como o sustenta, com particular brilho, o Exm.º Desembargador Jorge Gonçalves em escrito não publicado, que nos disponibilizou, e que aqui publicamente agradecemos, existe entre essa droga e aquelas outras de uso mais comum, como a heroína e a cocaína, algumas diferenças importantes. Desde logo de origem, mas que depois se vão repercutir na temática em apreciação:
“Enquanto a heroína e a cocaína são drogas semi-sintéticas – porque produzidas através de modificações químicas em drogas naturais -, as drogas obtidas da canabis são naturais porque extraídas de plantas.
Mais concretamente:
A cocaína provém da planta de coca, ou melhor, das suas folhas. Porém, para chegarmos ao cloridrato de cocaína, que é o pó branco solúvel que se consome por aspiração ou por via injectável, é necessário passar por uma operação complexa de extracção e refino, com tratamentos químicos.
A heroína, por sua vez, tem na sua base uma planta – a papoula do oriente -, da qual se produz o ópio. Deste obtém-se a morfina e desta, por procedimentos químicos, a heroína, cujo nome científico é diacetilmorfina.
Nestes dois casos, podemos identificar a substância proibida – o princípio activo – no seu grau de máxima pureza, sendo sabido, todavia, que a sua comercialização faz-se habitualmente com mistura de produtos de corte, pois na generalidade de droga traficada a percentagem do princípio activo é diminuta (podendo rondar os 10%).
Diversamente, no caso da canabis, não é possível a comercialização de produto com 100% de princípio activo – ou seja, com 100% de THC (tetrahidrocannabinol).
Tal acontece porque estamos perante drogas naturais, em que o tetrahidrocannabinol constitui um componente da própria planta e não se encontra em estado puro, variando por causas naturais, como a qualidade da planta, a zona de cultivo, a selecção das partes componentes (já que a concentração de THC varia numa mesma planta), etc. (embora se fale em tentativas de manipulação genética da planta para aumentar o THC).”
(…)
“É por tudo isto que, no concernente aos derivados da canabis, o fenómeno da adulteração é, aparentemente, muito menos significativo, ainda que possível (Veja-se Eduardo Hidalgo, “Sabes lo que te metes? Pureza y adulteración de las drogas en España”, Edicones Amargord, 2007. Capítulo 1: pag. 25-45. Segundo este autor, os estudos realizados em Espanha pelo Instituto Nacional de Toxicologia não têm confirmado as queixas ou suspeitas de muitos consumidores de haxixe: em 2005, das 6.095 amostras analisadas, apenas 0,78% estavam adulteradas; em 2004, 0,06%; em 2003, 1,6%; em 2002, 0,6%; em 2001, 7,6%; em 2000, 3,2%; em 1999, 2%, e assim sucessivamente)”.
Como acima já se deixou referido, a tabela a que se refere o n.º 9 da Portaria 93/96, de 26/03, no que concerne à canabis resina (sendo que a primeira pode ainda apresentar-se sob a forma de “folhas e sumidades floridas ou frutificadas” e “óleo”), indica um valor de 0,5 gr, tendo subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da canabis” e como referência “uma concentração média de 10% de A9THC”, conforme encontra-se anotado nessa tabela.
Em relação à canabis “folhas e sumidades floridas ou frutificadas” e à canabis “óleo” referem-se valores tendo subjacentes outras concentrações médias de THC.
Ora “a explicação para a técnica utilizada quanto à canabis deriva da circunstância já mencionada: o produto não é comercializável com 100% de princípio activo, pois o tetrahidrocannabinol é um componente da planta que é consumida pelo utilizador em diferentes apresentações, pelo que o limite quantitativo máximo diário para o produto em causa – no caso, resina de canabis, - não se refere ao princípio activo da substância, mas ao próprio produto da canabis em causa, em si mesmo considerado (“folhas e sumidades floridas ou frutificadas”, “resina” ou “óleo”), tendo como pressuposto uma determinada concentração média definida e referenciada nas alíneas c) e e) da nota 3 anexa ao respectivo mapa.”
Donde poder-se afirmar, que “se o relatório nada disser quanto à concentração de tetraidrocanabinol, dever-se-á entender, que o produto da canabis apreendido se enquadra nos parâmetros médios considerados na definição das quantidades consagradas na tabela”.
III – 3.6.) Revertendo agora estes pressupostos para o caso concreto, temos por óbvio que não se poderá considerar o peso bruto do produto apreendido ao Recorrente.
Para todos os efeitos, os eventuais invólucros que o acondicionam não são canabis.
O respectivo peso líquido, de acordo com o exame constante de fls. 195 do Apenso, é de 15,174 gramas, o que vem a significar à razão de 0,5 gramas diárias, um consumo para quase 30 dias.
Logo, ainda que com diversa fundamentação, não se desmerece a conclusão jurídica extraída pela Colectivo, ao condenar o Arguido pela prática de um crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do DL 15/93, de 22/1, por referência à tabela I-C anexa.
III – 3.6.) Violação do princípio in dubio pro reo entendemos não se verificar.
Como é sabido, aquele tem como campo natural de incidência o domínio da apreciação da prova (Castanheira Neves - Processo Criminal, Sumários, pág. 56; Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 312, e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 90 e segt.s).
«Deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente.»
Não se desconhece que para determinada Jurisprudência, o saber-se se o produto detido se destina ou não ao consumo integra matéria passível de ser resolvida com o concurso daquele princípio.
Mas nem a conclusão agora aportada se funda em primeira linha numa questão de facto, como também a base da consideração Jurisprudencial que aqui faz vencimento não deixa de lograr justificação racional e científica capaz de assegurar o quantum de certeza necessário à posição que se defende.
Nesta conformidade:
IV – Decisão:
Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se pois em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido R., mantendo-se a decisão proferida pelo Colectivo de Sintra, ainda que com parcial diferença de fundamentação.
Em razão do seu decaimento e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que possa gozar, ficará aquele sancionado em 3 (três) UCs, nos termos dos art.ºs 513.º, n.º 1, do CPP, e respectivo Regulamento das Custas Processuais.