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FIANÇA
ARRENDAMENTO
MORA
Sumário
- Sendo possível a determinação do seu objecto, com base em critérios estabelecidos pela lei ou pelas partes, não padece a fiança do vício de indeterminabilidade gerador da sua nulidade. - Estipulado que o fiador se obrigou a garantir o pagamento de todas as quantias que viessem a ser devidas pela inquilina à senhoria por virtude de contrato de arrendamento, até à entrega efectiva do locado, está aquele obrigado a pagar tais quantias, a título de renda ou equivalente, não obstante a resolução do contrato. - Embora a constituição em mora do arrendatário não dependa de interpelação judicial, por estar em causa uma obrigação com prazo certo (art. 805º nº 1 e 2, al. a) do C. Civil), a constituição em mora por parte do fiador depende, nos termos gerais, de interpelação, já que aquele, em regra, poderá nem saber que o arrendatário deixou de cumprir. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO:
1. B... S.A. propôs acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra:
- J...; e
- J..., pedindo a condenação de ambos réus no pagamento da quantia de € 528.643,97, acrescida de juros de mora, à taxa legal.
Alegou, em síntese, que deu de arrendamento à sociedade P... SA., um prédio (que identifica), conforme contrato datado de 01.11.2006, também assinado pelo 1.º réu, na qualidade de fiador, com renúncia ao benefício da excussão prévia; em 01.02.2009, a autora e a P... assinaram um aditamento ao contrato, reformulando o valor das rendas, tendo o 2.º réu assumido igualmente a qualidade de fiador relativamente a todos os valores emergentes do contrato de arrendamento, com renúncia ao benefício da excussão prévia.
Apesar de interpelada, a P... não pagou rendas, tendo sido, em 28.04.2011, notificada judicialmente da resolução do contrato de arrendamento; só em 15.06.2012, o locado foi entregue à autora, no âmbito do processo de execução para entrega do mesmo; todavia, a P..., entretanto declarada insolvente, não pagou as rendas referentes ao mês de Outubro de 2010, Janeiro de 2011, bem como as de Março de 2011 e seguintes.
Concluiu a autora que a P... e os réus – estes na qualidade de fiadores – lhe devem a quantia de € 127.443,75 referente às rendas vencidas até à data da resolução do contrato (31.07.2011), acrescida da indemnização prevista no n.º 2, do artigo 1045.º do Código Civil (€400.537,50), bem como despesas no valor de € 590,65.
Citados, os réus contestaram.
O 1.º réu – J... - alegou a nulidade do negócio, nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil, por indeterminabilidade da fiança, por se ter responsabilizado por todas as quantias decorrentes do contrato, inexistindo qualquer critério para a definição das responsabilidades futuras do fiador e ainda que a autora apenas reclamou da P... quantia substancialmente inferior à quantia peticionada, o que impede que os réus fiquem sub-rogados nos direitos da autora, visto o disposto no artigo 653.º do Código Civil.
Mais invocou que a presente acção corresponde a uma acção da P... contra a autora, na qual peticiona a quantia de €398.750,00, pelo que lhe é lícito recusar o cumprimento por poder existir compensação com uma dívida da P..., nos termos do artigo 642.º do Código Civil.
E excepcionou também a extinção da fiança, porquanto apenas foi fiador por exigência da autora, na qualidade de presidente do conselho de administração da P..., tendo posteriormente a autora desonerado o 1.º réu, aquando do 1.º aditamento, passando a fiador o novo presidente do conselho de administração, ora 2.º réu. Acresce que até à data do aditamento não existia qualquer incumprimento do contrato de arrendamento.
Invocou ainda que a fiança não abrange a indemnização prevista no artigo 1045.º do Código Civil, na medida em que a entrega do locado é da responsabilidade do arrendatário, nos termos do disposto no artigo 1038.º alínea i), do Código Civil; a fiança apenas abrange a violação das cláusulas contratuais durante o período de vigência do contrato, o qual cessou em Abril de 2011, por resolução, pelo que o fiador não responde pela indemnização pela não entrega.
Terminou pedindo a sua absolvição do pedido.
Por seu turno, o 2.º réu – J... - apresentou contestação, alegando que não renunciou ao benefício da excussão, enquanto fiador da P..., no aditamento ao contrato de arrendamento e que quando, em Agosto de 2009, vendeu a P..., não havia dívidas, pelo que não tem a obrigação de indemnizar.
Este réu concluiu que apenas poderá responder após terem sido excutidos todos os bens da devedora P....
A autora replicou, alegando que o crédito verificado pelo administrador de insolvência é de € 655.218,85.
Mais alegou que não existe qualquer crédito compensável da P...; nunca a autora desonerou o 1.º réu da qualidade de fiador, nem alguma vez tal pretensão lhe foi apresentada pelo 1.º réu.
Em sede de despacho saneador foi logo julgada improcedente a invocada excepção da nulidade da fiança por indeterminabilidade do seu objecto. E, de seguida, o Tribunal passou a enunciar os factos assentes e os controvertidos.
Depois, corridos os subsequentes actos processuais, realizada a audiência de julgamento, com data de 17.05.2014, foi proferida sentença a condenar os réus a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de € 484.095,36, acrescida de juros de mora desde a citação, a liquidar.
Não conformado, recorreu apenas o 1º Réu – J....
Alegou e, no final, concluiu, em síntese, que:
- O Recorrente deduziu na sua Contestação a excepção de nulidade do negócio, nos termos do art.º 280.º do Código Civil.
- O Tribunal a quo quanto á excepção de nulidade do negócio decidiu que: “a fiança prestada tinha à data da sua expressão, com objecto indeterminado e futuro, mas objectivamente determinável. (…) O objecto da fiança era claramente delimitado e facilmente determinável aquando da sua assunção pelos Recorrentes – ela abrangia as rendas e indemnizações resultantes do incumprimento do contrato da inquilina. (…) A invocada nulidade não pode ser sustentada no carácter geral da fiança, mas sim na indeterminabilidade do seu objecto. Ora, no caso, o objecto da fiança é claramente determinável. Pelo exposto julgo improcedente a invocada excepção da nulidade da fiança.”
- No contrato de arrendamento em causa não está estabelecido o limite quantitativo da responsabilidade assumida pelo fiador e nem um limite temporal da validade da fiança no futuro.
- Tem de existir sempre um critério objectivo, definido pelas partes, com vista à determinação da obrigação; caso contrário, o negócio será manifestamente nulo.
- Está agora a ser exigido ao Recorrente um valor que não era conhecido na data, nem determinável – a renda inicial era de € 14.400 (catorze mil e quatrocentos euros) tendo sofrido diversos aumentos – desconhecidos do fiador – que estão agora a ser exigidos.
- Está ainda a ser exigido ao Recorrente, na qualidade de fiador, a obrigação de pagamento de uma indemnização pela não entrega atempada do locado, sendo certo que nem estava colocada essa hipótese no contrato – resultado da conduta posterior à resolução do contrato de arrendamento da devedora/afiançada.
- Ao Recorrente, na qualidade de fiador, está também a ser exigida a obrigação de pagamento de uma indemnização elevada ao dobro nos termos do art.º 1045.º, n.º 2, do CC, a qual também não consta do contrato de arrendamento!
- O Recorrente/fiador acabou por ser responsabilizado por tudo o que aconteceu entre a Recorrida e a afiançada P..., S.A e que gere obrigações desta para com aquela, o que corresponde a uma total indeterminação do objecto da fiança.
- A devedora e afiançada foi declarada insolvente em 11.09.2012, ficando o Recorrente, na qualidade de fiador, sujeito à imprudência da devedora.
- Da matéria de facto dada como assente não resulta a determinabilidade do objecto da fiança.
- Assim, não se provando a determinabilidade do objecto do negócio – nomeadamente através da fixação do limite máximo do montante a garantir, bem como o prazo de validade da fiança - não pode improceder a excepção de nulidade do negócio.
- Tendo sido violado o preceituado no artigo 280.º, n.ºs. 1 e 2 do Código Civil.
- A Recorrida apenas reclamou à P..., S.A. a quantia de € 72.825,00
- Ao Recorrente, no entanto, vem pedir a quantia total de € 528.643,97
- A Recorrida bem sabe que o Recorrente nunca reaverá essa quantia, uma vez que a P..., S.A. foi considerada insolvente.
- A Recorrida impede, assim, a sub-rogação dos direitos, pois como aquela bem sabe o agravamento da situação patrimonial da devedora e afiançada, resulta na impossibilidade daquele reaver as quantias que lhe são agora solicitadas.
-Assim, não poderia ter improcedido a liberação por impossibilidade de sub-rogação, como o Tribunal a quo considera na sentença, tendo sido violado o art.º 653.º do Código Civil.
- Foi dado como facto assente que a Inquilina, a P..., S.A. não pagou as rendas de Outubro de 2010, Janeiro de 2011, Março e Abril de 2011 e as seguintes.
- Em 28.04.2011, a P..., S.A. foi notificada judicialmente, no âmbito do processo n.º 844/11.8TJLSB, da 3.ª Secção do 2.º Juízo Cível de Lisboa, da resolução do contrato de arrendamento.
- A resolução do contrato de arrendamento constitui uma forma de cessação do contrato, e como tal determina a sua extinção, conforme dispõe o artigo 1079.º do Código Civil.
- O Recorrente na qualidade de fiador obrigou-se solidariamente ao integral cumprimento das cláusulas do contrato de arrendamento, mas só na pendência deste contrato
- A extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança (art. 651º do C. Civil).
- A obrigação dos fiadores era acessória da obrigação principal que recaía sobre o arrendatário (art.º 627.º, n.º 2 do CC), ficando portanto subordinada a seguir a obrigação afiançada, acompanhando a sua invalidade (dependência genética) ou extinção (dependência extintiva) – art.ºs 632.º e 651.º do CC.
- O Recorrente não pode ser responsabilizado pelo facto de a sociedade P..., S.A. não ter cumprido o disposto n al. i) do art.º 1038.º do CC, que determina ser obrigação do locatário restituir a coisa, findo o contrato.
- Pois que, a partir de Agosto de 2011 – data da resolução do contrato de arrendamento – que o contrato de arrendamento deixou de existir.
- A partir dessa data deixou o fiador e aqui Recorrente, de ser responsável pelos actos da sociedade P..., S.A.
- O Recorrente apenas se constituiu fiador quanto à violação das cláusulas contratuais durante o período de duração do contrato de arrendamento.
- A indemnização diz respeito ao comportamento a P..., S.A. posteriormente à Vigência desse contrato.
- Com a resolução do contrato de arrendamento – que determinou a extinção da obrigação principal – foi extinta a fiança.
- Não pode, por isso, o Recorrente ser responsabilizado pelos actos da devedora e arrendatária, nomeadamente quanto à não entrega do locado
- Tal questão foi devidamente submetida pelo Recorrente na sua contestação à apreciação do Tribunal a quo.
- Não consta da sentença a análise e apreciação desta questão.
- Existe, assim, omissão de pronúncia, estando a sentença ferida de nulidade, nos termos da al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
- A sentença violou os art.ºs 280.º, 653.º do Código Civil e artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
O recorrente terminou pedindo o provimento do recurso e, em consequência, a revogação da sentença recorrida.
A Autora/recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do decidido, pondo a tónica na determinabilidade do objecto da fiança no quadro do contrato de arrendamento em causa – valor da renda até entrega do locado, indemnização por não entrega após extinção do mesmo e despesas necessária à sua entrega coactiva – € 590,65 – e na improcedência, no caso, da tese da extinção da obrigação determinar a extinção da fiança, “uma vez que a cessação (e extinção) do contrato, não corresponde à sua nulidade ou inexistência – existindo necessariamente diversas obrigações que sobrevivem ao contrato do qual emergem”.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Matéria de Facto:
2. A sentença recorrida teve como provados os seguintes factos:
1. Por contrato celebrado em 01.11.2006, com a sociedade P... S.A, a autora deu a esta de arrendamento o prédio urbano sito em Lisboa, na Av. Infante D. Henrique, descrito na 8.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5251 da freguesia de Marvila e inscrito na matriz sob o artigo 1311 daquela mesma freguesia, do qual fazem parte os armazéns identificados pelas letras “T”, “U”, “V” e “X”, bem como cinco lugares de estacionamento no parque junto aos armazéns identificados na planta anexa ao mesmo, cf. documento de fls. 17-30. A).
2. Do referido contrato consta a Cláusula Décima com a seguinte redacção: “Os Fiadores, renunciando ao benefício da excussão prévia, constituem-se fiadores e principais pagadores de todas as quantias que forem devidas pela Inquilina à Senhoria por força deste arrendamento, até à entrega efectiva do local arrendado, ainda que haja alteração da renda ou renovação, independentemente do prazo decorrido desde o início do contrato”. B).
3. O 1.º réu interveio no identificado contrato, como terceiro outorgante, apondo a sua assinatura por baixo da expressão “Os fiadores”. C)
4. Em 1 de Julho de 2007, foi eleita nova administração da sociedade P..., S.A..
5. Em 01.02.2009, por via de dificuldades financeiras pelas quais passava a P..., S.A., a autora e esta celebraram um aditamento ao contrato de arrendamento, de fls. 32-43, reformulando além do mais os valores das rendas (doc. 2). D)
6. No aditamento ao contrato de arrendamento, o 1.º réu não figura como fiador. G).
7. O 2.º réu foi parte neste aditamento, como terceiro outorgante, apondo a sua assinatura por baixo da expressão “O Fiador”. F)
8. Do referido aditamento ao contrato de arrendamento consta a Cláusula 2ª (Fiança) com a seguinte redacção: “Com a celebração do presente aditamento, e com efeitos a partir da presente data, o Fiador, renunciando ao benefício da excussão prévia e ao beneficio da divisão, constitui-se fiador e principal pagador de todas as quantias que forem devidas pela Inquilina à Senhoria nos termos do contrato de arrendamento e das demais obrigações emergentes do mesmo, até à entrega efectiva do local arrendado, (…)” . E)
9. Quando ocorreu a necessidade de alterar o contrato de arrendamento, a Autora exigiu o reforço de fiadores, passando igualmente a ser fiador o novo administrador da P..., S.A. (7.º, 1.ª parte).
10. Em 28.04.2011, a P..., S.A. foi notificada judicialmente, no âmbito do processo n.º 844/11.8TJLSB, da 3.ª Secção do 2.º Juízo Cível de Lisboa, da resolução do contrato de arrendamento, conforme documento de fls. 45-89. I)
11. A autora instaurou execução para entrega do locado, a qual correu termos sob o proc. n.º 30349/11.0YYLSB, do 3.º Juízo de Execução de Lisboa (3ª Secção), tendo o locado sido entregue no dia 15.06.2012, conforme documento de fls. 95. J).
12. Para obter a entrega do imóvel, a Autora teve de suportar despesas no valor de €590,65, correspondentes à taxa de justiça paga e aos valores despendidos com o Solicitador de Execução, conforme fls. 97, 99, 101. (5.º)
13. Por conta do que entendia ser-lhe devido pela P..., S.A., por incumprimento do contrato de arrendamento, a autora reclamou € 72.825,00 na execução para pagamento de quantia certa, proc. n.º 6499/11.2YYLSB, 1º Juízo de Execução de Lisboa (1ª Secção). L)
14. A P..., S.A. foi declarada insolvente, por sentença de 11.09.2012, no processo n.º 465/12.8TYLSB do 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa. M)
15. Na lista provisória de credores, a autora viu relacionado pelo Sr. Administrador de Insolvência da P...,S.A. um crédito global de € 655.216,85, resultante do incumprimento do contrato de arrendamento. N)
16. A renda, originalmente fixada em € 14.400,00, foi alterada em 01.02.2009, actualizável anualmente, sendo de € 17.744,88 entre Agosto de 2009 e Dezembro de 2011 e de €15.202,70, a partir da renda de Janeiro de 2012. H) e 1º)
17. A P..., S.A. não pagou as rendas de Outubro de 2010, Janeiro de 2011, Março e Abril de 2011 e as seguintes (3.º).
18. A Autora procedeu ao envio de uma carta registada com aviso de recepção, de fls. 225, conforme fls. 223-224, em 15.03.2011, na qual interpelava a P..., S.A. para proceder ao pagamento de € 72.825,00, acrescido de € 36.413,00, valor este correspondente a indemnização por atrasos nas rendas, porém, a sociedade P... nada pagou. (4.º).
*
O Direito:
3. As questões colocadas pelo recorrente, delimitadas pelo acervo conclusivo da sua alegação, são as seguintes:
(i) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
(ii) Nulidade da fiança, nos termos do art.º 280.º do Código Civil, por indeterminabilidade do seu objecto;
(iii) Liberação por impossibilidade de sub-rogação;
(iv) Extinção da Fiança, por extinção da obrigação principal com a resolução do contrato de arrendamento e não com a entrega do locado.
3.1. Começa o recorrente por imputar à sentença recorrida o vício da sua nulidade, por omissão de pronúncia. Alega que, apesar de ter invocado que com a resolução do contrato de arrendamento – que determinou a extinção da obrigação principal – foi extinta a fiança e que, por isso, não poderia o Recorrente ser responsabilizado pelos actos da devedora e arrendatária, nomeadamente quanto à não entrega do locado, a sentença não se pronunciara sobre esta questão.
Sem razão.
A doutrina e a jurisprudência têm afirmado, reiteradamente, tanto no âmbito do Código de Processo Civil anterior como do actual, que só gera a dita nulidade da sentença, agora consagrada no art. 615º nº 1, al. d) deste último diploma, a omissão de pronúncia sobre as questões em sentido técnico, ou seja, sobre os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam. Isto é, aquelas em que se centra a controvérsia em função da causa de pedir e do pedido, com excepção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução já dada a outras (artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil).
Como ensinava Alberto dos Reis, “...são na verdade coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 143).
Ora, no caso, se bem que fosse questão a decidir a da extinção (ou não) da fiança face à resolução contratual operada, certo é que o Tribunal recorrido, embora muito sucintamente, se pronunciou sobre essa matéria, ao afirmar expressamente que “...constituindo-se fiadores de todas as obrigações emergentes para a arrendatária do contrato de arrendamento por esta celebrado com a autora, até à entrega efectiva do locado, dúvidas não existem de que os réus são solidariamente responsáveis em conformidade pelo pagamento das rendas e da indemnização até à entrega efectiva locado” (sublinhado da própria sentença) - fls. 261.
O que constitui clara emissão de pronúncia no sentido de que a resolução do contrato de arrendamento não extinguiu a fiança prestada, estendendo-se a responsabilidade de ambos os fiadores à “totalidade da dívida do arrendatário”( cfr. fls. 260).
Não se verifica, pelo exposto, a apontada nulidade da sentença.
3.2. Entre as questões colocadas no recurso, o recorrente pôs desde sempre a tónica da sua defesa na nulidade da fiança, nos termos do art.º 280.º do Código Civil, por indeterminabilidade do seu objecto.
Estatui este preceito, inserido na parte do Código Civil respeitante ao objecto do negócio jurídico que “É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”.
E, fundado nesse preceito, defende o recorrente que não estando no contrato de arrendamento em causa estabelecido o limite quantitativo da responsabilidade por si assumida enquanto fiador, nem um limite temporal da validade da fiança no futuro, a mesma tem de ser havida por nula dada a indeterminabilidade do seu objecto.
Vejamos.
A fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (art. 627º, nº1, do C. Civil).
Tem a vantagem de juntar à garantia geral do património do devedor a garantia especial do património de terceiro. Todavia, porque não se trata de garantia real, pois não é dotada de sequela, característica e força dos direitos reais absolutos, fica ao sabor das vicissitudes desse património.
No âmbito da fiança, como acontece na generalidade dos institutos, as partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo da prestação, a qual deve corresponder a um interesse do credor digno de protecção legal - art. 398º do C. Civil.
Tem-se entendido que o conteúdo da prestação deve ser determinado ou determinável, isto é, impõe-se que esteja determinado, desde a celebração do contrato, tudo aquilo que o devedor deve prestar ou, não o estanto, que essa determinação seja possível em momento ulterior, com base em critérios estabelecidos pelas partes ou pela lei (cfr. Galvão Teles, Direito da Obrigações, 1997, 41 e, por exemplo, os Acórdãos do STJ, de 16.2.92, 15.6.94 e 11.5.93, os dois primeiros no BMJ-418/751 e 438/471, respectivamente, e o último in CJ, I-99).
Assim, a cominação da nulidade apenas atinge os negócios jurídicos de objecto indeterminável mas não os de objecto indeterminado.
A prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, mas exista um critério para ulteriormente proceder à determinação. A prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder a essa determinação (Menezes Cordeiro, Parecer publicado na CJ 1992, III-61).
Um negócio jurídico pode ter, assim, ab initio, um conteúdo indeterminado, mas, sob pena da sua nulidade, devem as partes fixar os critérios da respectiva determinação, seja através de elementos objectivos desde logo definidos na respectiva convenção, seja confiando-a a uma ou outra das partes ou a terceiro.
Nesta segunda hipótese, e sem prejuízo do regime legal relativo às obrigações genéricas ou alternativas, a determinação - na falta de outros critérios que tenham sido eventualmente convencionados - deve ser feita segundo juízos de equidade e, se tal não for possível ou a determinação não tiver ocorrido em tempo devido, deve o tribunal declarar os termos respectivos - art. 400º.
Mas, mesmo neste caso, sempre se impõe que as partes estabeleçam com clareza o critério da determinação da prestação, não apenas para que nenhuma delas se sujeite ao arbítrio da outra ou de terceiro, mas, pior ainda, para que o devedor não fique à mercê do credor.
Ou seja: “A determinação da prestação, por alguma das partes ou de terceiro, só pode ser pactuada se houver um critério a que essas entidades devam obedecer” (Menezes Cordeiro, in Parecer citado, pag. 61).
Sabendo-se que a fiança tanto pode abarcar as obrigações presentes como futuras e condicionais - art. 628º -, facilmente se entende que o objecto do contrato possa não estar ainda determinado à data da sua celebração; não obstante essa indeterminação, o contrato será plenamente válido se nele se contiver o critério objectivo que conduza à ulterior determinação da prestação.
O que se pretende - também aqui - é evitar que o fiador fique à mercê do devedor principal ou do seu credor no que respeita à obrigação afiançada.
Mais em concreto, dir-se-á que a indeterminabilidade do objecto da fiança não pode ser de tal modo vaga e genérica que exponha o fiador ao risco patrimonial resultante da imprudência com que o credor outorgue no contrato principal ou de ver o devedor principal multiplicar as suas obrigações só porque o fiador lhe garantiu o respectivo pagamento (sobre esta matéria v., entre outros, Vaz Serra, RLJ Ano 107, p. 255 e ss, A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p.802, Menezes Cordeiro, CJ/STJ, Ano XVII, T. 3, p. 61 e seg, Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 580, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 548, Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 41, Pedro R. Martinez e Pedro F. Ponte, Garantias de Cumprimento, bem como, também entre muitos outros, Acs do STJ de de 3/4/2001 – proc. nº 01B3592; de 23/1/01 – proc nº 00A197; de 8/11/07 – proc nº 07B3009, todos em www.dgsi.pt/jstj, e ainda o Acórdão Uniformizador do STJ de 23/1/2001, DR, 1ª Série, de 8/3/2001.
No mesmo sentido se pronunciou ainda o STJ no Acórdão de 28.02.2008 – proc. nº 08B158 - e de 19.02.2006 – proc. nº 06A4127 – de cujo sumário consta, designadamente o seguinte: “O "distinguo" entre fiança geral e fiança "omnibus", ou genérica, está em que aquela é prestada para todas as obrigações do devedor principal, decorrentes de qualquer causa ou qualquer titulo, enquanto a fiança genérica, ou "omnibus", garante as obrigações futuras resultantes de certa ou certas relações negociais; A fiança "omnibus" será válida se, à data da sua prestação, e em relação aos débitos não constituídos, existem elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada”.
Ora, no caso em apreciação, verifica-se que o Réu recorrente interveio no contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a P..., precisamente como fiador, obrigando-se nessa qualidade ao constante da respectiva cláusula 10ª, de onde resulta que, para além de ter renunciado ao benefício da excussão prévia, se constituiu expressamente fiador e principal pagador “…. de todas as quantias que forem devidas pela Inquilina à Senhoria por força deste arrendamento, até à entrega efectiva do local arrendado, ainda que haja alteração da renda ou renovação, independentemente do prazo decorrido desde o início do contrato”.
Ou seja, os intervenientes no contrato, não obstante o desaparecimento das limitações imposta à fiança do locatário pelo primitivo art. 655º do C. Civil, entretanto revogado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, em vigor desde 28 de Junho desse mesmo ano, fazendo pleno uso da livre estipulação permitida pela formulação aberta da nova redacção dada, pela dita Lei, ao nº 2 do art. 1076º do C. Civil – “As partes podem caucionar, por qualquer das formas legalmente previstas, o cumprimento das obrigações respectivas” – quiseram, manifestamente, garantir através da fiança, o pagamento de todas as quantias devidas pela afiançada à senhoria, no âmbito do contrato de arrendamento em causa, sem qualquer limitação temporal e até à entrega efectiva do local arrendado, ainda que houvesse alterações da renda ou renovações, tudo conforme deixaram expressamente consignado na cláusula transcrita.
O objecto da fiança, dependendo de prestações futuras, não estava, obviamente determinado. Mas sendo a sua determinação possível em função do valor e número de rendas em dívida e da eventual mora e indemnizações, a sua determinação ficou assegurada com base em critérios estabelecidos pelas partes ou pela lei e, como tal não padece do vício de indeterminabilidade gerador da sua apontada nulidade.
Improcede, assim, neste segmento, a argumentação do recorrente.
3.3. O recorrente invoca ainda a liberação por impossibilidade de sub-rogação, nos termos do art. 653º do C. Civil.
Para tanto, fez o recorrente apelo à circunstância de, a autora, por carta registada com aviso de recepção, de 15.03.2011, ter interpelado a P..., S.A. para proceder ao pagamento de € 72.825,00, acrescido de € 36.413,00, valor dito correspondente a indemnização por atrasos nas rendas (ponto 18 da matéria de facto provada) e depois ter exigido da mesma locatária, na execução para pagamento de quantia certa - proc. nº 6499/11.2YYLSB, 1º Juízo de Execução de Lisboa (1ª Secção) - apenas a quantia de € 72.825,00, também por incumprimento do contrato de arrendamento.
Dispõe aquele preceito que: “Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a estes competem”.
Pretende, portanto, se bem se entende a sua argumentação, ver reduzida a sua responsabilidade àquela quantia, por corresponder à exigida na execução.
Em primeiro lugar e como bem refere a recorrida, a execução foi intentada em 2011 e a desocupação do locado ocorreu apenas em Junho de 2012, donde deriva que, aquela actuação da credora/locadora, só por si, não releva para o efeito pretendido. Ao tempo ainda não se verificava o atraso na entrega do imóvel justificador da exigência de parte considerável do montante pedido.
Acresce que, como resulta também da matéria de facto provada, declarada a insolvência da locatária, na lista provisória de credores, a autora viu relacionado pelo Administrador de Insolvência um crédito global de € 655.216,85, resultante do incumprimento do dito contrato de arrendamento, o que evidencia que a dita actuação da locadora não releva para a sub-rogação nos direitos da autora, nos termos gerais (art. 644º do C. Civil).
Donde seja de concluir pela inexistência da invoca liberação por impossibilidade de sub-rogação.
3.4. Por último, o recorrente invoca a extinção da fiança, por extinção da obrigação principal operada com a resolução do contrato de arrendamento, irrelevando a não entrega imediata do locado.
Como é sabido, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, sendo a sua obrigação acessória da que recai sobre o principal devedor. A fiança tem o conteúdo da obrigação principal, cobrindo as consequências legais ou contratuais da mora ou culpa do devedor – artigos – art. 627º e 634º do C. Civil.
Daqui resulta que, salvo estipulação em contrário (art. 631º, nº1) o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor, quer estes respeitem à acção de cumprimento, quer à indemnização por incumprimento ou mora – Almeida Costa, obra citada, p. 615 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, p. 322 - não podendo, todavia, o conteúdo da obrigação do fiador exceder o da dívida principal, nem a fiança ser contraída em condições mais onerosas, dado o seu, já referido, carácter acessório.
Expostos que ficam estes princípios, há que ter desde já em conta que, na interpretação que é necessário fazer do clausulado no contrato de arrendamento em apreço, mormente as declarações negociais nele insertas em relação à responsabilidade do fiador – a transcrita cláusula 10ª - haverá que procurar a impressão do real destinatário, com apoio nos termos da declaração e nas demais circunstâncias do negócio jurídico, bem como nos fins pelas partes visados – art. 236º, nº 1 - sendo o sentido decisivo da declaração aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (v. P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. I, p. 223 e M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, p. 309 e ss).
E, sendo o negócio em apreço formal – e o contrato foi, como devia, reduzido a escrito – a declaração não pode valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – citado art. 238º, no seu nº 1.
Ora, constando expressamente da cláusula em apreciação que o recorrente se constituiu expressamente fiador e principal pagador “…. de todas as quantias que forem devidas pela Inquilina à Senhoria por força deste arrendamento, até à entrega efectiva do local arrendado, ainda que haja alteração da renda ou renovação, independentemente do prazo decorrido desde o início do contrato”, dúvidas não podem subsistir que o mesmo se obrigou a garantir o pagamento de todas as quantias que viessem a ser devidas pela inquilina à senhoria por virtude desse contrato de arrendamento, até à “entrega efectiva” do locado.
Ou seja, não obstante a resolução do contrato ter ocorrido em 28.04.2011, conforme resulta do ponto 10 da matéria de facto provada, tendo o locado só sido entregue à senhoria no dia 15.06.2012, no âmbito de execução instaurada para o efeito (cfr. ponto 11 da mesma matéria provada), o recorrente está obrigado a pagar todas as quantias devidas pela inquilina à autora, a título de renda ou equivalente até à entrega do locado.
E, em princípio, deveria mesmo ser responsabilizado pela mora, como entendeu a 1ª Instância, desde que a autora tivesse alegado e provado que dera conhecimento aos fiadores da falta de pagamento pontual das rendas pela afiançada, interpelando-os para pagarem.
É que, pese embora a constituição em mora do arrendatário não dependa de interpelação judicial, por estar em causa uma obrigação com prazo certo ( art. 805º nº 1 e 2, al. a) do C. Civil), a constituição em mora por parte do fiador depende, nos termos gerais, de interpelação, já que aquele, em regra, poderá nem saber que o arrendatário deixou de cumprir.
E se a responsabilização do fiador pela mora fundada no não pagamento das rendas depende de interpelação, como se disse, a responsabilidade dos fiadores relativamente aos locatários, só em casos muito particulares, poderá abranger a indemnização a que se reporta o nº 2 do art. 1045º do C. Civil.
É que o fiador, em princípio, não tem meios para, coercivamente, impor ao arrendatário a desocupação do locado.
A responsabilidade do fiador, em situações como a presente, em que aquele se comprometeu a garantir as obrigações do arrendatário perante o senhorio até à entrega do locado, respeitam à renda em singelo até à efectiva desocupação e entrega (cfr. Acórdão do STJ de 9.11.1999 – proc. nº 99A668), mas não pode abarcar a responsabilidade pelo incumprimento na devolução, excepto se se provasse que o próprio fiador, pessoalmente, contribuíra ou colaborara na demora da restituição, o que os factos provados, no caso não demonstram.
Pelo contrário, o que os factos provados indiciam é que, tendo o recorrente deixado de exercer as funções directivas de que era titular ao tempo da constituição da fiança, sendo substituído pelo outro réu no exercício das mesmas - o que teria determinado a autora a exigir o reforço da fiança por parte do novo titular - o recorrente/ fiador, no caso só pode ser responsabilizado pelo pagamento de todas as rendas, ou quantias indemnizatórias equivalentes, devidas pela arrendatário à senhoria, em singelo.
Ou seja, a exigência ao fiador da indemnização pela mora no incumprimento dependia de interpelação, que os autos não evidenciam ter sido feita; e a indemnização pelo atraso na devolução, a que se reporta o nº 2 do art. 1045ºdo C. Civil, não é exigível ao fiador, porquanto se não provou que ele pessoalmente obstara ou dificultara a entrega.
Daí que a responsabilidade do recorrente se restrinja, no caso, ao pagamento da totalidade das rendas em dívida até à resolução, acrescida do valor das mesmas, a título de indemnização, até à restituição do locado, nos termos do mencionado art. 1045º nº 1 do C. Civil, mas não já da indemnização decorrente do nº 2 do mesmo preceito.
Procede, assim, mas apenas nesta parte, o recurso, aproveitando o decidido a ambos os réus, enquanto devedores solidários, nos termos do art. 634º, nºs 1 e 2, al. c), do C.P. Civil.
DECISÃO:
4. Termos em que acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder procedência parcial ao recurso.
Consequentemente, altera-se o decidido e condenam-se os réus, solidariamente, a pagar à autora a quantia correspondente às rendas devidas pela Locatária à Autora relativas aos meses de Outubro de 2010, Janeiro de 2011, Março e Abril de 2011 e as seguintes até de Junho de 2012, inclusive, com referência aos valores constantes do ponto 16 da matéria de facto, que se computam em € 304 154,76, acrescidas dos juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a citação, absolvendo os do mais que lhes foi pedido.
Custas pelo recorrente e pela recorrida, na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 24 de Setembro de 2015.
Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge