Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
I - O regime processual civil de retificação de erros de cálculo devidos a lapso manifesto, constatável na sentença ou despacho – estabelecido nos artigos 613º, n.º 2 e 3, e 614º, do Código de Processo Civil – não cobra integral aplicação à conta de custas e mapa de rateio. II – Não é recondutível ao mero erro de cálculo a circunstância de a secretaria, em alegada inobservância do decidido na sentença de verificação e graduação de créditos, apenas ter considerado, na elaboração do mapa de rateio final, os juros vencidos desde a data do vencimento do crédito da recorrente, até à data da declaração da insolvência, que não os juros relativos a “três anos” completos. III - Tendo transitado em julgado a decisão que declarou encerrado o processo de insolvência, em necessária consideração da liquidação e rateio final efetuados – e que não foram objeto de oportuna reclamação – resulta precludida a possibilidade de alteração do que, porventura em eventual desconformidade com a sentença de verificação e graduação de créditos, assim haja sido consignado naquele rateio, relativamente ao crédito da Recorrente. IV - Os princípios da gestão processual, e de que “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial” não podem “em qualquer caso, prejudicar as partes”, não têm, o alcance de desresponsabilizar as partes da sua inércia, retirando-lhes todo e qualquer ónus, com afastamento de preclusões e cominações processuais.
Mais requerendo a exoneração do passivo restante.
Por sentença de 01-06-2010, reproduzida a folhas 26 a 31, transitada em julgado, foi declarada a insolvência dos Requerentes, e determinado o mais legal.
O processo seguiu seus termos, com indeferimento liminar da requerida exoneração do passivo restante, por despacho reproduzido a folhas 182, 183, de que os Requerentes interpuseram recurso.
Vindo esta Relação, a revogar tal despacho, na sequência do que, por despacho de folhas 307-314, foi admitido liminarmente aquele pedido e nomeado fiduciário.
Encerrada a liquidação, remetido o processo à conta e efetuados os pagamentos prioritários, elaborou a secretaria mapa de distribuição e rateio final, conforme folhas 433.
Por decisão de 11-05-2015, a folhas 452, na consideração de se mostrar “finda a liquidação da massa insolvente, tendo já sido efetuado o rateio final, nos termos do art.º 182º do CIRE”, foi “ao abrigo do art.º 230º, n.º 1, al. a) do CIRE”, declarado encerrado o processo.
Em 29-05-2015, veio o Administrador da Insolvência, conforme de folhas 487 se alcança, “informar que em face do pagamento do IMI, no montante de € 1.766,49, respeitante aos anos em que a massa insolvente esteve na posse do imóvel e de que só agora foi notificado, resta para pagamento aos credores, por rateio, o montante de € 54.963,76.
Junta assim o signatário mapa de rateio, tendo por base o mapa produzido pela secretaria e o saldo atual da massa insolvente, que é de € 60.297,64.”.
Daquele mapa reclamou o credor Banco S. A., em requerimento de 03-06-2015, por alegada desconformidade do referido mapa com a sentença de verificação e graduação de créditos, de 18-02-2011, alegando que deveria ter sido também graduada logo a seguir aos créditos da Fazenda Nacional, a integralidade do seu crédito por juros de mora sobre o capital em dívida, de € 40.188,63, no montante de €8.276,85, relativos ao período de três anos após o incumprimento dos insolventes, em 05-03-2013.
Requer que seja ordenada a correção do rateio, “dele passando a constar que o pagamento de créditos do Banco Comercial Português, S. A., no montante de € 48.465,48, se fará em primeira linha, do produto da venda do imóvel apreendido e, apenas e só, o que daí remanescer será rateado, na devida proporção pelos credores comuns.”.
Tendo tomado conhecimento do assim requerido, manifestou o senhor Administrador da Insolvência nada opor “ao peticionado pelo credor Banco, não se pronunciando contudo sobre a tempestividade do pedido, que V. Exa. superiormente decidirá”.
Desde logo juntando “mapa retificativo, onde o saldo de € 54.963,76 a distribuir pelos credores, reflete já os pagamentos de IMI, conforme demonstrado em requerimento anterior apresentado pelo signatário e datado de 29-05-2015, e onde se poderá verificar o impacto, do aumento do valor reconhecido ao "Banco” nos valores a distribuir pelos restantes credores (anexo II).”.
Sobre o assim requerido recaiu o despacho de 12-06-2015, reproduzido a folhas 511, com o seguinte teor:
“Fls.480 e segs.: Nada a ordenar, encontrando-se prejudicado o processado realizado pelo AI de forma extemporânea e bem assim a reclamação do credor Banco, porquanto a proposta de rateio final do AI (cf. artº 182º, nº3 do CIRE) foi apresentada já após tal operação ter sido realizada pela secretaria, conforme dispõe o nº1 do mesmo preceito, e bem assim já após prolação de sentença de encerramento do processo (cf. rateio de fls.433 e sentença de fls.452).
O mesmo ocorre relativamente à reclamação do Banco, porquanto tal credor foi notificado, aliás como os restantes credores, quer do rateio final, quer da sentença de encerramento e não reclamou daquele, nem impugnou a sentença (cf. notificações de fls.432 e 456).”.
Inconformado, recorreu o Banco, S. A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. O rateio cujo mapa foi elaborado pela secretaria judicial não está conforme o teor da douta sentença de verificação e graduação de créditos, de 18-02-2011, com a reclamação de créditos apresentada pelo ora requerente e com a lei aplicável — sendo que, da sua actual formulação, resulta flagrante prejuízo para o ora reclamante, enquanto credor garantido.
2. Na douta sentença de graduação de créditos, os créditos hipotecários do ora reclamante Banco, S.A., no que respeita ao produto da venda do único imóvel apreendido nos autos de insolvência, foram correctamente graduados logo a seguir ao crédito da Fazenda Nacional, proveniente de IMI.
3. O Banco ora Apelante na sua reclamação de créditos foi bem claro ao peticionar os juros moratórios sobre o capital em dívida a contar de 5 de Março de 2010, data do incumprimento, calculados à taxa de 6,865% (2,865%+4% a título de cláusula penal).
4. Os juros moratórios peticionados na reclamação de créditos remetida ao Senhor Administrador de Insolvência em 23/06/2010 foram calculados com referência à data da declaração de insolvência, ou seja, ao dia 1 de Junho de 2010 e ascendiam efectivamente a € 665,17, quantia que foi incluída no rateio.
5. Na reclamação de créditos o Banco, S.A. deu integral cumprimento ao disposto no Art.º 128º do CIRE indicando a proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros.
6. Após a declaração de insolvência e até ao limite previsto no n.º 2 do Art.º 693º do C. Civil, os juros relativos a tal empréstimo também se encontram abrangidos por hipoteca e como tal devem ser pagos, com preferência dos demais credores, pelo produto da venda do imóvel apreendido.
7. O Banco, S.A., tem assim direito a haver juros moratórios sobre o capital em dívida (€ 40.188,63) a contar de 05/03/2010, data do incumprimento, até 05/03/2013 (3 anos após o incumprimento) à taxa de 6,865% o que perfaz a quantia de € 8.276,85 e tais juros devem ser garantidos juntamente com o capital e pagos com preferência sobre os demais credores comuns pelo produto da venda do imóvel apreendido.
8. O Senhor Administrador de Insolvência na elaboração da proposta de rateio e distribuição final e a secretaria judicial na elaboração do mapa e distribuição final, não procedeu à actualização dos juros sobre o capital garantido vencidos na pendência da insolvência e garantidos, juntamente com o capital, até ao limite previsto no n.º 2 do Art.º 693º do C. Civil.
9. O mapa de rateio e distribuição final contemplou apenas e somente os juros vencidos desde o incumprimento (05/03/2010) até à data da declaração de insolvência, ou seja, até ao dia 01/06/2010 num total de € 665,17, valor que havia sido reclamado pelo Apelante aquando da declaração de insolvência.
10. Ficou assim por calcular a quantia de € 7.611,68, correspondente ao somatório dos juros que se venceram desde a declaração de insolvência, ou seja, 01/06/2010 até 05/03/2013 (3 anos após incumprimento), calculados à mesma taxa de 6,865%.
11. Também ficou de fora da proposta o montante de € 1.766,49 a título de IMI´s pagos pelo Senhor Administrador de Insolvência e referentes aos anos em que a massa insolvente esteve na posse do imóvel, que o Senhor Administrador de Insolvência.
12. A distribuição e rateio final não respeita a sentença de verificação e graduação de créditos proferida e transitada em julgado nem toda a ratio legis do CIRE no que respeita à disciplina do pagamento aos credores.
13. O erro decorre de lapso manifesto no cálculo aritmético, que não envolve a formulação de qualquer juízo de legalidade, logo rectificável a todo o tempo, nos termos do art.º 614º, n.º 2, do C.P. Civil.
19. Tendo em conta o reforço do papel que o administrador da insolvência assumiu com o CIRE, com a contrapartida da responsabilidade pessoal expressamente consagrada no Art.º 59 do CIRE, este pode apresentar no processo proposta de distribuição e de rateio final nos termos do n.º3 do Art.º 182 do CIRE, sendo tal informação apreciada pela secretaria.
20. Não assiste razão que impeça o Tribunal de rectificar o mapa de rateio final elaborado pela secretaria quando o lapso depende de simples cálculo aritmético, a sua rectificação foi proposta pelo Senhor Administrador de Insolvência e encontra-se devidamente fundamentada e documentada e os demais credores nada têm a opor a tal rectificação.
21. Não foi dado integral cumprimento ao disposto no Art.º 157 do C.P.Civil, aplicável por via do Art.º 17º do CIRE, por parte da secretaria e, na opinião do ora apelante, existiu clara violação do dever de gestão processual por parte do Meritissimo Juiz do Tribunal ad quo neste caso concreto.
23. Nem a secretaria, nem o Meritíssimo Juiz, confirmaram se a proposta de distribuição e rateio final apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência estava ou não conforme a douta sentença de verificação e graduação de créditos, nem realizaram oficiosamente as diligências que entendesse necessárias para validação do seu conteúdo,
27. O Meritissimo Juiz do Tribunal ad quo podia e devia ter feito uso das prerrogativas previstas no Art.º 6º e 411º, ambos do C.P.Civil, aplicáveis ao processo de insolvência por via do Art.º 17º do CIRE, para determinar o montante do crédito do ora Apelante abrangido pela hipoteca constituída pelos insolventes e registada sobre o único imóvel apreendido nestes autos.
30. Tais erros e omissões prejudicam o ora Apelante no valor de € 7.611,68, correspondente ao somatório dos juros que se venceram desde a declaração de insolvência, ou seja, 01/06/2010 até 05/03/2013 (3 anos após incumprimento), calculados à mesma taxa de 6,865%.
34. O Tribunal a quo, após cumprido o contraditório, e estando em causa um erro material manifesto, decorrente de uma mera operação aritmética, deveria ter ordenado à secretaria que elaborasse novo mapa de rateio final em conformidade.
35. Com tal decisão emendava os erros e omissões cometidas neste processo e que originaram prejuízos quer ao Senhor Administrador de Insolvência quer ao ora Apelante.
40. Por outro lado, no que respeita às garantias e uma vez que a sua constituição está normalmente dependente do preenchimento de requisitos formais ad substantiam, a sua existência não podia ser puramente ignorada ou desconsiderada por mero efeito da falta de reclamação do mapa de rateio final.
41. O Meritíssimo Juiz ad quo deveria ter considerado os erros e omissões cometidos pela secretaria na elaboração do mapa de rateio final, porque erros manifestos e de cálculo, passíveis de ser rectificados, a todo o tempo.
42. O Tribunal ad quo fez inadequada aplicação do direito dado que, neste caso, devia ter apreciado o requerimento do Senhor Administrador de Insolvência que rectificou a sua proposta de mapa de rateio e por sua vez, na sequência deste, o requerimento apresentado pelo ora Apelante, dando à secretaria a oportunidade de elaborar novo mapa de rateio em conformidade com tais pedidos, sendo, subsequentemente, todos os credores notificados para, em 10 dias, dele reclamar.
43. Assim, deverá ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita os requerimentos apresentados quer pelo Banco, S.A. em 03/06/2015 quer pelo Senhor Administrador de Insolvência em 29/05/2015 e 04/06/2015 que ordene à secretaria a elaboração de novo mapa de rateio em conformidade com as rectificações requeridas e subsequente notificação aos demais credores para, querendo, reclamarem do mesmo.
NORMAS VIOLADAS:
Artº 182º, 174º, 48º alínea b) do CIRE, Art.º 6º, 411º, 157º do Código Processo Civil e Art.º 693º do C. Civil.”.
Remata com a revogação da sentença recorrida a substituir por acórdão “que admita os requerimentos apresentados quer pelo Banco, S.A. em 03/06/2015 quer pelo Senhor Administrador de Insolvência em 29/05/2015 e 04/06/2015 e ordene à secretaria a elaboração de novo mapa de rateio em conformidade com as rectificações requeridas e subsequente notificação aos demais credores para, querendo, reclamarem do mesmo.”.
Também na sequência de tal despacho requereu o senhor Administrador da Insolvência que fosse clarificado “como deve fazer-se a imputação do IMI da responsabilidade da massa insolvente que já foi pago, mas que não foi tido em conta no mapa de rateio elaborado pela secretaria nos termos do n.º 1 do art.º 182° do CIRE, dado que a notificação para pagamento do referido IMI foi posterior à elaboração deste mapa.”.
Sobre o assim requerido recaindo despacho de 15-07-2015, a folhas 601, nos seguintes termos:
“Requerimento de fls.517: Ao contrário da situação apreciada no despacho de fls.511 que se reportava a um crédito reclamado do insolvente, o pagamento do IMI ora comprovado corresponde a uma dívida/despesa da massa insolvente que entra em regra de custas. Assim, deverá o contador reformular a conta de custas do processo e consequentemente o rateio final por forma a atender-se a tais pagamentos de IMI, conforme requerido pelo AI.
D.N.”.
II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Sendo de assinalar, que o suscitado pelo senhor Administrador da Insolvência, relativamente ao pagamento do IMI, se mostra ultrapassado, na sequência do supracitado despacho de 15-07-2015.
Isto posto:
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se é caso de retificação do mapa de rateio final, em termos de serem também contemplados os juros sobre o crédito de capital reclamado pelo ora Recorrente, relativos ao período decorrido desde a data da declaração da insolvência até se perfazerem três anos sobre a data do vencimento daquele crédito de capital.
Vejamos
1. Ordenada a remessa do processo à conta – por despacho de folhas 396 – foi a mesma elaborada pela secretaria, nos termos que de folhas 409 se alcançam.
Sem que haja sido deduzido incidente de reclamação, e designadamente pelo Banco, S.A., oportunamente notificado da conta, como de folhas 415 decorre.
Sendo subsequentemente elaborado pela secretaria o mapa de rateio (final), constante de folhas 433, pelo qual o Banco, S.A. – ali ainda designado Banco (…) – recebe € 40.853,80, correspondentes à totalidade do seu crédito de capital e ainda a juros.
De tal mapa sendo notificados os credores interessados, e designadamente o Banco, S.A., conforme consta a folhas 439 – com certificação CITIUS datada de 16-03-2015 – sem que nada tenha sido oposto ou requerido a propósito, designadamente por aquele.
Vindo a ser ulteriormente proferida a decisão de 11-05-2015, que, como visto já, considerando mostrar-se finda a liquidação da massa insolvente, tendo já sido efectuado o rateio final, nos termos do artigo 182º do CIRE, declarou encerrado o processo, ao abrigo do artigo 230º, n.º 1, alínea a), daquele mesmo Código.
Sem que tal decisão haja sido objeto de recurso ou requerimento de qualquer natureza, designadamente por parte do Banco, S.A., que notificado dela foi, conforme de folhas 456 – com certificação CITIUS datada de 13-05-2015 – se alcança.
Tendo assim transitado em julgado.
Com requerimento de 29-05-2015, veio juntar o senhor Administrador da Insolvência, nominado “mapa de rateio, tendo por base o mapa produzido pela secretaria e o saldo actual da massa insolvente”, na sequência, como informa, “do pagamento do IMI no montante de € 1.776,49, respeitante aos anos em que a massa insolvente esteve na posse do imóvel e de que só agora foi notificado.”.
Na sequência do que apresentou o ora Recorrente, em 03-06-2015, a já referida “reclamação” de tal “mapa de rateio”, que outra coisa não é senão uma proposta de mapa de rateio.
Sobre tais requerimento e “reclamação” recaindo então o despacho recorrido.
2. Ora nenhuma retificação sendo requerida quanto à decisão recorrida, também ponto é que o meio adequado para obter a “retificação” de lapso material no mapa de rateio final era a oportuna apresentação de reclamação para o juiz, nos termos do artigo 157º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Isto quando melhor se não deva entender que seria aqui caso de apresentação de requerimento de reforma de “erros materiais”, a que se seguiria eventual reclamação para o juiz, por analogia com o que se verifica relativamente à conta de custas, cfr. artigo 31º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais.
Nenhuma de tais iniciativas tomou a ora Recorrente.
Sendo de assinalar que o regime processual civil de retificação de erros de cálculo devidos a lapso manifesto, constatável na sentença ou despacho – estabelecido nos artigos 613º, n.º 2 e 3, e 614º, do Código de Processo Civil – não cobra integral aplicação à conta de custas e mapa de rateio, não só por não serem estes assimiláveis àqueles, como também por isso que as especiais exigências de definição de pagamentos se não compadecem com uma possibilidade de retificação “a todo o tempo”, e designadamente depois do encerramento do processo, implicando devoluções de pagamentos porventura há muito efetuados, e até a reabertura de processo encerrado.
Por outro lado, e desde logo, é a própria recorrente a afastar o que depois diz tratar-se de um “simples erro de cálculo aritmético”, quando citando o seu requerimento de 03-06-2015, no corpo das suas alegações, reitera, expressis et apertis verbis, que “o rateio efectuado se mostra desconforme com o teor da douta sentença de verificação e graduação de créditos, e com a letra e o espírito da lei aplicável”.
E como poderia reconduzir-se a um erro de cálculo a circunstância de – na versão da própria Recorrente – a secretaria apenas ter considerado, na elaboração do mapa de rateio final, os juros vencidos desde a data do vencimento do crédito da recorrente, até à data da declaração da insolvência, que não os juros relativos a “três anos” completos?
Não se trata de erro no cálculo dos juros relativos a um período considerado pela secretaria na elaboração do mapa de rateio, mas da elaboração do cálculo de juros em alegada desconsideração da totalidade do período de juros a que a Recorrente teria direito…reconhecido na sentença de verificação e graduação de créditos…
Ora tendo transitado em julgado, como transitou, a decisão que declarou encerrado o processo de insolvência, em necessária consideração da liquidação e rateio final efetuados – e que não foram objeto de oportuna reclamação – resulta precludida a possibilidade de alteração do que, porventura em eventual desconformidade com a sentença de verificação e graduação de créditos, assim haja sido consignado naquele rateio relativamente ao crédito da Recorrente, cfr. art.ºs 619º, n.º 1 e 620º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
É facto que o processo civil é enformado por princípios, e designadamente pelo princípio da gestão processual, convocado pela Recorrente.
Porém, e para lá do equilíbrio entre tais princípios não ser estático, dependendo da ponderação do caso concreto, não tem, o assim invocado, o alcance de desresponsabilizar as partes da sua inércia, retirando-lhes todo e qualquer ónus, com afastamento de preclusões e cominações processuais.
Como refere Lebre de Freitas – in “Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do novo Código”, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2013, págs.182, 183 – “Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos perentórios (…) As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato.”.
Também que “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial” não possam “em qualquer caso, prejudicar as partes” – cfr. artigo 157º, n.º 6, do Código de Processo Civil – não tem o alcance de afastar os ónus e preclusões estabelecidos na lei de processo.
Tratando-se aí, e v.g., como anotam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre,[1] de não poder o ato da parte, ““em qualquer caso” ser recusado ou considerado nulo se tiver sido praticado nos termos e prazos indicados pela secretaria, embora em contraditoriedade com o legalmente estabelecido.”.
Princípio que o Código concretiza, v.g., no tocante à citação com indicação de prazo para a defesa superior ao que a lei concede, vd. artigo 191º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Mas que, na hipótese de ser indevidamente rejeitada a apresentação da defesa nesse superior prazo, sem que a parte oportunamente recorra do despacho que mantenha ou determine tal rejeição – cfr. artigo 644º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil – não permite arredar o caso julgado formal assim operado.
Sendo, por tudo isto, inconsiderável a “reclamação” do BCP apresentada em 03-06-2015.
Com improcedência das conclusões da Recorrente.
III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 2015-10-15
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)
___________________________________________
[1] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2014, pág.316.