In - Quando o advogado, ao praticar em juízo determinado acto em nome da parte, protesta juntar procuração justifica-se que o juiz não desencadeie logo o mecanismo de rejeição previsto no art. 48 do Código de Processo Civil" aplicado ex vi art. 4.° CPP.
II - Há-de, naturalmente, o juiz mandar notificar apenas o advogado para juntar a procuração em falta, sem sujeição imediata à cominação prevista no art. 48 do Código de Processo Civil" aplicado ex vi art. 4.° CPP.
Acordam, em conferência, na 5a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,
1. No âmbito do processo comum n° 190/14.5PLLRS da Comarca de Lisboa Norte - Loures Instância Central Secção Criminal - J6, o demandante cível, C..., E.P.E., veio interpor recurso do despacho proferido em 23/03/2015 que considerou sem efeito os actos praticados pelos Ilustres Advogados, porquanto não juntaram, dentro do prazo fixado para o efeito, instrumento de representação bastante, nos termos do art. 48.°, n.° 2, CPC, condenando os Advogados em custas, pedindo que tal decisão seja revogada e substituída por outra que admita a procuração original da cópia anteriormente junta, revogando, igualmente e em consequência, a decisão de condenação dos advogados em custas.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1º O ora Recorrente apresentou, em 12/02/2015, pedido cível relativo às despesas hospitalares de S... e A... decorrentes das agressões a que se refere o NUIPC 374/14.6PLLRS, incorporado nos presentes autos;
2º Por despacho datado de 03/03/2015, ordenou o Mmo. Juiz a quo que "as demandantes" fossem notificadas 'para juntarem aos autos instrumento de representação forense, no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos e sob cominação do previsto no art. 48 do Código de Processo Civil" aplicado ex vi art. 4. ° CPP. (nosso sublinhado).
3° Tal despacho, impreciso quanto aos seus destinatários, que não identificava expressamente, havendo vários lesados nos autos, causou sérias dúvidas quanto à sua aplicabilidade ao ora Recorrente, certo que estava de ter junto procuração com o pedido de indemnização.
4° Não obstante, o ora Recorrente, prevendo eventual lapso dos seus serviços, requereu, na dúvida e por impossibilidade de consulta do processo no dia 13/03/2015, por motivo de greve, a junção de procuração aos autos, nos termos em que sempre fez (e como acreditava ter feito): cópia da procuração original com aposição do selo branco do C..., EPE.
5° Por despacho datado de 23/03/2015, veio o Mmo. Juiz a quo considerar "sem efeito os actos praticados pelos Ilustres Advogados, porquanto não juntaram, dentro do prazo fixado para o efeito, instrumento de representação forense bastante", mas apenas "voltaram a juntar cópias", "em tudo iguais aos "instrumentos "que já haviam junto".
6° Despacho este, novamente impreciso quanto aos seus destinatários, que não identificava, apenas remetendo para folhas do processo, o que obrigou à deslocação ao Tribunal, única e exclusivamente, para consulta do processo, tendo o Recorrente então se apercebido, com grande surpresa, que o mesmo se dirigia ao seu pedido e à procuração por si junta, nos moldes em que sempre havia feito, em mais de 2000 processos de natureza diversa, enquanto Autor e Réu.
7° Ora, somente com este último despacho, é que se tornou claro e evidente para o demandante, ora Recorrente, que a procuração havia sido, efectivamente, junta com o pedido de indemnização civil, mas que não fora considerada "instrumento de representação forense bastante", o que foi omisso do despacho inicial datado de 03/03/2015 e se afigurava essencial para que os demandantes actuassem em conformidade.
8° Com efeito, ao ordenar a notificação das demandantes (sem especificar quais) para juntar aos autos instrumento de procuração forense, o despacho do Mmo. Juiz a quo gerou a convicção de que se estaria perante a ausência de procuração e não qualquer outra situação de insuficiência ou irregularidade do mandato.
9° 0 art. 131.0, n.° 3, in fine, CPC, ex vi art. 4.° CPP, dispõe que "os actos processuais que hajam de reduzir-se a escrito devem ser (..) redigidos de maneira a tornar claro o seu conteúdo" (nosso sublinhado).
10° Tal norma, conjugada com o dever de boa fé processual impunha, salvo melhor opinião, que o primeiro despacho mencionasse, previamente, a não admissão dos instrumentos juntos aos autos, por se tratar de cópias, e a consequente notificação para juntar aos autos novo documento,
11° Em vez de referir apenas a notificação dos demandantes para juntar aos autos procuração, o que pressupunha, salvo melhor opinião, a falta de procuração - situação diversa da não admissão de documentos juntos.
12° Não o tendo feito de inicio (e, a prová-lo, a circunstância de _ambos os _demandantes terem incorrido no mesmo erro), impunha a referida norma (art. 131. °, n.° 3), conjugada com os deveres de boa fé processual, gestão processual e cooperação, que fosse proferido novo despacho que se pronunciasse sobre os documentos juntos, não os admitindo, e ordenasse a notificação dos demandantes para, em consequência, e agora no conhecimento pleno do fundamento do despacho, juntar aos autos novo documento.
13° Por tudo o exposto, deverá ser, salvo melhor opinião, revogada a decisão do Tribunal a quo e substituída por outra que admita a junção aos autos da procuração forense em anexo (original da cópia anteriormente junta).
Nestes termos, e nos melhores em Direito sempre doutamente supridos por V. Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente:
a) Ser revogada a decisão do Tribunal a quo e substituída por
outra que admita a junção aos autos da procuração forense em anexo (original da cópia anteriormente junta);
b) Ser revogada a decisão de condenação em custas a cargo da
advogada signatária das peças processuais entregues.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta apôs o competente "Visto".
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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2. De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
É objecto do presente recurso, com o que se pede a revogação da decisão do tribunal "a quo", o despacho proferido em 23/03/2015 que considerou sem efeito os actos praticados pelos Ilustres Advogados, porquanto não juntaram, dentro do prazo fixado para o efeito, instrumento de representação bastante, nos termos do art. 48.°, n.° 2, CPC, condenando os Advogados em custas.
Dos autos, com interesse para a decisão, constam os seguintes
elementos:
Notificado para deduzir pedido de reembolso das despesas hospitalares respeitantes ao tratamento dos Ofendidos S... e A... (NUIPC 374/14.6PLLRS incorporado nos presentes autos), o ora Recorrente, apresentou o correspondente pedido de indemnização cível, por telecópia, no dia 12/02/2015, tendo o original seguido por correio no dia 13/02/2015.
Por despacho datado de 03/03/2015, do qual foi o ora Recorrente notificado no dia 09/03/2015, foi ordenada, relativamente a fis. 671 e 682, a notificação das demandantes para juntarem aos autos instrumento de representação forense, no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos e sob cominação do previsto no artigo 48 do Código de Processo Civil, aplicado aos presentes autos por via do disposto no artigo 4° do Código de Processo Penal.
Perante as dúvidas quanto à aplicabilidade do referido despacho ao pedido do ora Recorrente, quer porque estava convicto de que tinha junto a procuração, quer porque havia outros lesados que poderiam ter também deduzido pedido de indemnização cível e a quem o despacho se reportasse, e a impossibilidade de consultar o processo (visto no dia 13/03/2015, embora se tenha deslocado à secção do J6 para consultar o processo e verificar se as folhas indicadas se referiam ao seu pedido, não foi possível fazê-lo dada a adesão global à greve), o recorrente, na dúvida, e considerando a possibilidade de erro na junção dos documentos ao pedido ou extravio da procuração, requereu a junção de nova procuração, nos seguintes termos:
"C..., E.P.E., Demandante nos autos à margem identificados, notificado do despacho datado de 03/03/2015 e não tendo conseguido confirmar se o mesmo se refere ao seu pedido cível, por motivo de greve, vem, na dúvida, requerer a V. Ex. a a junção aos autos de procuração forense".
De seguida o Mmo. Juiz a quo profere em 23/03/2015, o seguinte despacho:
"Fls. 719 e seguintes:
Por despacho judicial de fls. 700 e 701, as demandantes foram notificadas para, no prazo de 5 (cinco) dias, juntarem aos autos os instrumentos de representação forense, nos termos e sob cominação do previsto no artigo 48 do Código de Processo Civil.
Sucede, porém, que as mesmas, por requerimentos de fls. 719 e 746, voltaram a juntar aos autos cópias, uma delas digitalizada - portanto, não originais - e não procederam a qualquer certificação da sua conformidade com os originais - cfr. fls. 720 e 747 - em tudo iguais aos "instrumentos" que já haviam junto, e relativamente aos quais haviam sido notificadas do despacho anterior.
Pelo exposto, dou sem efeito os actos praticados pelos Ilustres Advogados, porquanto não juntaram, dentro do prazo fixado para o efeito, instrumento de representação forense bastante - cfr. n.° 2 do artigo 48 do Código de Processo Civil
Custas pelos Ilustres Advogados.
Notifique".
É deste despacho que vem interposto o presente recurso, alegando o recorrente que procuração junta era de facto igual ao documento que o ora Recorrente acreditava ter junto inicialmente (e que efectivamente juntou, como se veio a confirmar), porque estava convicto de que o anterior despacho, datado de 03/03/2015, atento o seu teor, teria origem na falta de procuração.
Somente com a notificação do despacho proferido em 23/03/2015 é que se tornou claro que o que se pretendia com o primeiro despacho era a junção de documentos originais ou cópias certificadas, não estando em causa a falta de procuração.
Segundo o recorrente, o tribunal "a quo" não deveria ter recorrido à cominação do previsto no artigo 48 do Código de Processo Civil, pelo facto de Recorrente invocar dúvida no seu requerimento apresentado em 13/03/2015 e de juntar novamente o mesmo documento, por um lado, e o facto de ambos os demandantes terem incorrido no mesmo erro, por outro, imporia, salvo melhor opinião, no âmbito do principio da cooperação, a prolação de novo despacho a esclarecer o conteúdo do primeiro despacho, concedendo prazo para junção aos autos de procuração original ou cópia certificada e não a rejeição tout court dos actos praticados.
Vejamos.
Quando o advogado, ao praticar em juízo determinado acto em nome da parte, protesta juntar procuração justifica-se que o juiz não desencadeie logo o mecanismo de rejeição previsto no art. 48 do Código de Processo Civil" aplicado ex vi art. 4.° CPP.
Há-de, naturalmente, o juiz mandar notificar apenas o advogado (cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 27-05-99, CJ, Ano XXIV, Tomo III, pág. 114) para juntar a procuração em falta, sem sujeição imediata à cominação prevista no art. 48 do Código de Processo Civil" aplicado ex vi art. 4.° CPP.
Deixando o advogado de juntar a procuração no prazo concedido, então sim, seja qual for o motivo, deverá o juiz aplicar o referido regime legal, por tudo se passar como se não haja mandato.
Porém, como entendeu o STJ, por acórdão proferido, em 10.7.1986 (BMJ, 359.° - 623) "a expressão «...sem que esteja regularizada a situação...» inserta no n.° 2 do art. 40° do CPC, implica, além da abstenção, por parte do notificado, uma oposição frontal ao despacho do juiz. II- Assim, não cabe no espírito daquele normativo legal, a junção aos autos, dentro do prazo fixado pelo juiz, de uma segunda procuração, formalmente diversa da primeira, ainda que irregular ou insuficiente" (Acórdão citado in Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, Ediforum, 18.° Edição Actualizada, Setembro/2004).
Ora, na presente situação, afigura-se não ter havido qualquer oposição frontal ao despacho proferido, mas apenas e tão-somente uma actuação assente num pressuposto errado (falta de procuração), decorrente da imprecisão e insuficiência do despacho proferido em 03/03/2015.
A junção aos autos de "instrumento" igual ao que já havia junto ficou a dever-se à imprecisão e insuficiência do despacho inicial (03/03/2015), que ao ordenar a notificação das demandantes (sem especificar quais) para juntar aos autos instrumento de procuração forense criou a convicção de que se estaria perante a ausência de procuração e não qualquer outra situação de insuficiência ou irregularidade do mandato.
Assim, e concordando com o recorrente, não se poderá considerar que houve falta de regularização da situação, mas sim uma regularização indevida, assente na convicção de que não teria sido junta procuração com a petição inicial - convicção essa criada, reitera-se, pelo teor do despacho datado de 03/03/2015, o que conduziu à junção de procuração formalmente igual à primeira.
Com efeito, a actuação, por partes dos demandantes, em conformidade com o despacho datado de 03/03/2015, impunha e pressupunha que o mesmo se pronunciasse quanto às procurações inicialmente juntas e que identificasse os demandantes a quem se dirigia, só assim se tornando claro o seu conteúdo, nos termos do art. 131.°, n.° 3, in fine, CPC, ex vi art. 4.° CPP, e assim se evitando o erro em que incorreram os Demandantes, nos quais de inclui o recorrente.
3. Decisão.
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão que considerou sem efeito, tout court, os actos praticados pelos advogados dos demandantes, devendo ser substituída por outra que admita a procuração em anexo (original da cópia anteriormente junta), revogando, igualmente e em consequência, a decisão de condenação dos advogados em custas.
Lisboa, 3 de Novembro de 2015
Cid Geraldo
Ana Sebastião