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EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
HABILITAÇÃO
Sumário
- Proposta acção contra sociedade, de responsabilidade limitada, já extinta, os antigos sócios assumem a responsabilidade da sociedade, em sua substituição e á custa de bens que a ela pertenciam e que foram, entretanto, partilhados. - A legitimidade passiva recai sobre os antigos sócios apenas até ao montante que receberam em partilha do saldo da liquidação, cabendo ao demandante o ónus de alegar e provar esse recebimento. - O incidente de habilitação previsto no nº2 do art.351º/CPC é o meio processual adequado para fazer intervir os sócios da pessoa colectiva extinta antes da entrada da acção em juízo. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO:
I.1- «Condomínio do Prédio Urbano sito ...», propôs, em 14.08.2013, acção declarativa sob a forma ordinária contra «M... Ldª» e «L...S.A.», pedindo que as rés sejam condenadas a proceder à eliminação e reparação dos defeitos e vícios de que padece o prédio urbano em regime de propriedade horizontal, através da realização das obras necessárias ou, em alternativa, a pagarem á autora a quantia de 30.055,61 €, valor necessário á adjudicação do orçamento junto aos autos, para reparação dos defeitos verificados, acrescidos de juros de mora até integral pagamento.
Foi devolvida a carta registada com AR para citação da ré «M...» (fls.88), e o agente de execução não concretizou a citação pelos motivos que expôs na certidão a fls.90.
Em pesquisa efectuada a 13.11.13 na base de dados respeitante a pessoas colectivas por NIPC, consta, quanto á situação da sociedade por quotas «M... Ldª», “extinta.”
Em requerimento datado de 24.01.2014, L..., alegando ter sido sócio da sociedade «M...» estando esta extinta e dissolvida, pede que se declare nulo o processado após a petição inicial, por nulidade da citação da sociedade, e ordenada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
No despacho proferido a 29.01.14 entendeu-se que a legitimidade para a acção pertence aos sócios, ordenando-se, em consequência, a notificação da A. para regularizar esse pressuposto processual.
Deste despacho recorreu L..., recurso cujo objecto não foi conhecido por falta de legitimidade para recorrer, conforme decisão singular desta Relação de 22.04.15 (fls.121-123).
Na sequência do aludido despacho, a A. requereu a substituição da ré «M...» pelos sócios liquidatários que indicou, e por despacho datado de 11.02.14 determinou-se a citação dos mesmos sócios, entre eles, L...
Deste despacho apelou L..., alegando e concluindo a fls.2 a 11.
I.2- Remetidos os autos a esta Relação, a solicitação do relator a quem o processo foi inicialmente distribuído a 1ª instância informou que L... não foi citado nos presentes autos, que o primeiro acto no processo foram as alegações de recurso datadas de 07.03.14 que constituem o apenso A., tendo posteriormente apresentado contestação com os restantes RR. em 31.03.14.
Proferiu-se a 02.07.15 despacho a convidar as partes a pronunciarem-se sobre eventual ilegitimidade do recorrente para interposição do presente recurso, pronunciando-se o recorrente no sentido de ser ele parte legítima nos termos do art.631º/2, CPC por se considerar directa e efectivamente prejudicado pela decisão impugnada.
Redistribuído o processo em virtude de o anterior relator já não pertencer a esta Relação, cumpre desde já apreciar e decidir da questão da legitimidade para interposição do presente recurso.
I.2- O recurso é de rejeitar quando o recorrente careça de legitimidade para recorrer. Trata-se de um pressuposto subjectivo dos recursos que deve ser apreciado pelo juiz a quo, e na instância superior, pelo relator (art.652º/1-b) do CPC).
O art.631º/CPC regula sobre a legitimidade de recorrer, estabelecendo no nº1 que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencida. O nº2 dispõe que “as partes directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.”.
Suporte do pedido de impugnação é, assim, o prejuízo sofrido. Partes principais são as pessoas que vêm a juízo impetrar a tutela de interesses próprios – autor e réu, exequente e executado, requerente e requerido, etc..[2]
Pelo nº1 claramente se conclui que o recorrente L... não tem legitimidade para recorrer por não ser parte principal no processo. Na realidade, á data da prolação do despacho que pretende impugnar (11.02.14) o recorrente não figurava do lado passivo da relação controvertida.
Vejamos se o nº2 lhe confere essa legitimidade como defende.
Desse preceito decorre que apenas os terceiros que sofram um prejuízo actual e positivo com a decisão que pretendem impugnar, têm legitimidade para recorrer.
Tal é o caso em apreço, pois que, sendo o recorrente um terceiro, a decisão de substituir a 1ª ré pelos sócios liquidatários em que ele se inclui, ordenando a sua citação para os termos do processo, pode produzir efeitos em relação a si. Visando a decisão directamente o recorrente ao chamá-lo á acção, existe aqui um prejuízo directo.
Logo, discordando do assim decidido, tem o recorrente legitimidade para recorrer dessa decisão, com apoio no citado art.631º/2.
I.3 – Decidida a questão processual prévia, e não havendo razões que a tal obstem, impõe-se conhecer do objecto do recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.
São as seguintes as conclusões do recurso.
1/ A sociedade «M... Lda»., Ré nos autos supra identificados e da qual o aqui impetrante foi sócio, está extinta e a sua dissolução e encerramento da liquidação devidamente registados na Conservatória do Registo Comercial;
2/Carece a sociedade em apreço de personalidade jurídica e judiciária, cfr. artigo 160º/2 do CSC e 11º do CPC, à semelhança do que acontece com a morte de qualquer pessoa singular;
3/ Sendo certo que a extinção da sociedade em causa é anterior à instauração da presente ação judicial, pois o registo de dissolução e encerramento da liquidação é de 8/09/2012 e a presente ação deu entrada em 14/08/2013;
4/ Não sendo possível citar uma sociedade destituída de personalidade jurídica, à semelhança da impossibilidade de se citar uma pessoa singular após a sua morte, resulta que o acto de citação de fls… dos autos à sociedade M... Lda., está ferido de nulidade por falta de citação, nos termos do estabelecido nos artigos 187º, al a) e 188º, n.º 1 al d), ambos do CPC, isto é, a Ré sociedade não está citada para os termos da ação;
5/ O Autor, notificado para regularizar o pressuposto processual de legitimidade passiva, não instaurou – como deveria – incidente de habilitação dos sócios da sociedade extinta e liquidada, com registo da extinção efetuado antes da propositura da ação, pelo que deveria o juiz a quo ter declarado a extinção da instância por impossibilidade de continuação da lide nos termos do disposto no artigo 269º/3 do NCPC;
6/ O n.º 2 do artigo 351º do NCPC prevê que durante as diligências para citação do Réu se constate o seu falecimento e estatui que, pese embora o óbito ser anterior à propositura da ação, pode ser requerida a habilitação dos seus sucessores, nos termos gerais, pelo que é este o normativo legal que podia e deveria ter sido convocado a regular a situação que nos ocupa e não o estabelecido no artigo 162º do CSC, inaplicável à presente situação, na medida em que a extinção da sociedade não ocorreu na pendência da ação judicial, única situação regulada nesta disposição legal;
7/ Apesar de o n.º 2 do artigo 351º do NCPC apenas se referir a “falecimento”, nela se abrangem também os casos de extinção de pessoa colectiva;
8/ Se a extinção da sociedade ocorre na pendência da ação judicial, dispõe o artigo 162º do CSC que se considera substituída pela generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação nem suspensão da instância, remetendo ainda para o estabelecido no artigo 163º, n.ºs 2, e 4 e 5 do mesmo diploma legal, o que não aconteceu no caso que nos ocupa;
9/ Se a extinção da sociedade ocorre em data anterior à propositura da ação judicial – como é o caso – rege o disposto no artigo 163º, n.º 1 do CSC, que exige ao Autor que, para demandar os sócios, peça ao Tribunal não só a substituição da sociedade pelos sócios mas também e cumulativamente que alegue e prove que estes receberam bens sociais em partilha e qual o seu valor (por ser este o limite da respetiva responsabilidade);
10/ A forma pela qual os sócios da sociedade extinta são chamados à ação não é indiferente (como parece fazer crer – erradamente – o Tribunal a quo) consoante o momento em que ocorra a extinção (prévia ou posterior à instauração da ação judicial);
11/ A extinta sociedade nunca chegou a ser parte na presente ação porque não existia à data da sua instauração pelo que é uma aberração requerer – e ser deferido – a sua substituição como parte que não era nem nunca o foi, através de mero requerimento onde se identificam os nomes dos sócios;
12/ Nos presentes autos os sócios apenas podem ser demandados nos termos do n.º 1 do artigo 163º do CSC que estatui que a qualidade de sócio, por si só, é insuficiente para julgá-lo parte legítima na presente ação, pois haverá ainda que apurar se, segundo o direito material, o sócio sucedeu na relação jurídica objeto do processo, isto é, terá o Autor de alegar e provar que os sócios receberam bens sociais em partilha e qual o montante recebido, por ser esta uma condição impreterível para obter a condenação dos sócios nos termos da citada norma legal;
13/ A alegação e prova de tais factos – se foram recebidos bens sociais e qual o seu valor– não se coaduna com a “substituição” de Réus por mero requerimento como aconteceu no caso que nos ocupa e sancionado (mal) por despacho judicial;
14/ Por outras palavras, apenas o incidente de habilitação de sucessores se afigura o meio processual adequado para suprir a insuficiência de alegação e prova dos requisitos constantes no artigo 163º do CSC na petição inicial apresentada pelo Autor, assim se aferindo da legitimidade passiva dos sócios “ab initio”.
15/ A questão suscitada é prévia à discussão da questão de fundo, pois os sócios da sociedade extinta apenas assumirão a posição de Réus quando e se vierem a ser declarados habilitados como seus sucessores;
16/ À revelia das disposições legais citadas o juiz não ordenou a extinção da instância por impossibilidade da lide e julgou conforme à lei a “substituição” da Ré sociedade pelos sócios liquidatários por mero requerimento apresentado pelo Autor ao abrigo do disposto no artigo 162º do CSC, pelo que violou o disposto nos artigos 5º, 11º, 269º/3, 351º, 2 e 354º/3 do NCPC e 162º, 163º do CSC;
17/ O fundamento específico da recorribilidade do despacho datado de 11.02.2014 consiste na deficiente aplicação normas legais aqui invocadas e que motivaram erro na decisão sob recurso.
II – FUNDAMENTOS:
Os elementos factuais a considerar são os acima relatados.
Como claramente decorre das transcritas conclusões, é objecto de controvérsia a questão de saber se foi correcta a decisão de substituir a sociedade 1ª ré pelos sócios liquidatários sem ter havido prévio incidente de habilitação.
A sociedade ré está extinta, tendo sido inscrita no registo comercial, em 18.09.2012, a dissolução e encerramento da liquidação.
A liquidação consiste no apuramento da situação patrimonial da sociedade dissolvida, com vista a distribuir os seus bens remanescentes, reembolsando os sócios das suas entradas de capital e, sobrando bens, partilhando entre eles os lucros finais de exploração.[3]
Com a inscrição no registo do encerramento da dissolução, a sociedade extinta perde a sua personalidade e capacidade judiciárias, mas não se extinguem as relações jurídicas de que era titular, como flui do disposto nos arts.162º, 163º e 164º do C.S.Com..[4]
Assim, e no tocante às acções pendentes, dispõe art.162º/1 que “as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º/2, 4 e 5, e 164º/2 e 5”, estabelecendo o nº2 que a “instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
Deste preceito retira-se o seguinte: nas acções em que a sociedade seja parte a instância não se extingue com a extinção da sociedade, a qual considera-se substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, e a instância não se suspende nem é necessária habilitação.
Assim, nas acções pendentes, elas continuam após a extinção da sociedade que seja parte, sendo substituída na sua posição processual pelos sócios.
Não é este o caso que nos ocupa.
Na realidade, á data da propositura da acção (14.08.2013), a sociedade ré «M... Ldª» já estava extinta, pois o registo do encerramento da liquidação foi inscrito em data anterior (18.09.2012), e a citação da ré não chegou a efectivar-se ao contrário do que afirma o recorrente.
Portanto, não tem aqui aplicação a norma daquele art.162º.
No entanto, proposta acção contra sociedade já extinta, os antigos sócios (de sociedades de responsabilidade limitada) assumem a responsabilidade da sociedade, em sua substituição e á custa de bens que a ela pertenciam e que foram, entretanto, partilhados. A sua responsabilidade pessoal não excede, pois, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais.[5]
Com efeito, estabelece o art.163º/1 do C.S.Com., que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.
Logo, ao contrário do decidido no despacho impugnado, a substituição pelos sócios da sociedade extinta não é automática, visto a situação desenhada nos autos não se enquadrar no art.162º como se disse. Contudo, não tendo a sociedade já extinta personalidade nem capacidade judiciária para ser demandada, a legitimidade passiva recai sobre os antigos sócios mas apenas até ao montante que receberam em partilha do saldo da liquidação, cabendo á demandante o ónus de alegar e provar esse recebimento.
Na situação em análise em que a acção foi proposta após a extinção da sociedade 1ª ré, e que por esse facto se frustou a citação, terá a autora que chamar os antigos sócios para prosseguirem os termos da demanda através do incidente da habilitação.[6]
Dispõe o nº2 do art.351º/CPC que “se, em consequência das diligências para a citação do réu, resultar certificado o falecimento deste, poder-se-á requerer a habilitação dos seus sucessores (…), ainda que o óbito seja anterior à proposição da acção”.
Embora se refira o falecimento (de pessoa singular), entende-se que o nº1 abrange igualmente a extinção de pessoa colectiva.[7]
Assim e conforme se salientou no citado Ac.R.C. de 22.03.11, o incidente de habilitação previsto no nº2 do art.351º é o meio processual adequado para fazer intervir os sócios da pessoa colectiva extinta antes da entrada da acção em juízo.
Requerida a habilitação, a instância deverá, então, ser suspensa.
Logo, a extinção da sociedade antes da propositura da acção não torna impossível ou inútil a continuação da lide, dando lugar á extinção da instância (art.269º/3, CPC), como defende o recorrente.
Segue-se, assim, que o despacho datado de 11.02.14 não pode manter-se e todos os actos subsequentes á sua prolação serão anulados, ficando os autos a aguardar a habilitação nos termos acima expostos.
III – DECISÃO:
Com fundamento no exposto, concede-se provimento ao recurso e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido de 11.02.14, anulam-se os actos processuais subsequentes, ficando a instância suspensa até ser requerida a habilitação dos antigos sócios da sociedade extinta.
Custas pela autora.
Lisboa, 05.11.2015
Regina Almeida
Maria Manuela Gomes
Fátima Galante
[1]Relatora: Regina Almeida – Desembargadoras Adjuntas: Drªs Maria Manuela Gomes e Fátima Galante
[2]Cfr. F. Amâncio Ferreira, «Manual dos recursos em processo civil», 9ª ed., pág.144
[3]Cfr. Paulo Olavo Cunha, «Direito das Sociedades Comerciais», 5ª ed., pág.947
[4]Cfr. Ac.STJ de 26.06.08, CJstj II/08-140
[5]Cfr. Ac.R.P. de 16.05.11, CJ III/11-177 e Ac.STJ acima citado
[6]Cfr. Ac.R.C. de 22.03.11, proc.1447_08.0TBVIS, in www.dgsi.pt
[7]Cfr. J. Lebre de Freitas, «C.P.C. anotado», Vol.I, 2ª ed., pág.682