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PERITO
HONORÁRIOS
JUÍZO DE VALOR
LAUDO
Sumário
I – A inexistência de reacção ao recebimento do relatório pericial e nota de honorários – a respectiva notificação aludia primacialmente ao relatório pericial (cfr. fls. 413 e 414), embora incluísse na sua primeira folha a nota de honorários, encimada pelo título “assunto: explicitação do tempo gasto na diligência” – não pode ser entendida como aceitação automática pelas partes de todo e qualquer valor que o perito viesse a reclamar nesta sede. II – Esse efeito cominatório pleno, para valer, sempre suporia uma expressa e autónoma notificação para que se pronunciarem quanto à nota de honorários, com a menção das respectivas consequências nada dizendo. III – Constitui obrigação do julgador aquilatar da justificação para o valor pedido em directo e necessário confronto com as concretas tarefas executadas – e demonstradas - pelo perito, conjugado com as despesas por si suportadas no cumprimento da sua missão, competindo-lhe exigir do perito uma concreta especificação de todo o trabalho desenvolvido, com o detalhe e o pormenor bastantes para justificar, fora de qualquer dúvida, a contrapartida monetária que apresenta. IV – Deve proceder a um juízo sobre o equilíbrio e a adequação de tal pedido, socorrendo-se - se necessário - dos laudos de entidades qualificadas nesse domínio, as quais, seguramente – e uma vez apresentadas, com minúcia, as tarefas realizadas pelo perito – poderão informar o tribunal, com toda a objectividade e isenção, acerca da razoabilidade – ou falta dela - da verba pedida. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
No âmbito do processo que N., S. A., move a P. SGPS, S. A., e P., S. A., foi ordenada a realização de peritagem.
Em 9 de Outubro de 2014, foi junto o laudo de peritagem, assim como a nota de honorários (cfr. fls. 14 a 412).
A nota de honorários do perito AB consta de fls. 15, aí se referindo: “ ( …)
Assunto: Explicação do tempo gasto na diligência. No seguimento da minha nomeação como Perito por parte desse tribunal para a realização da peritagem colegial requerida pelas partes na petição inicial e na base instrutória, segue quadro detalhado com explicitação das tarefas e tempos dedicados à perícia colegial. Informa-se que o valor apresentado teve por base o valor unitário de € 100,00/hora (que inclui, para além dos honorários, as despesas incorridas e suportadas com comunicações telefónicas e correio, deslocações e outras gerais de expediente).
Tarefas e tempos dispendidos: Análise e estudo de diversos dossiers, bem como preparação do processo (incluindo deslocações ao tribunal) – Análise da documentação das partes, organização e preparação (individual) do processo de acordo com os quesitos – 850 horas. Reuniões preparatórias do colégio dos peritos – discussão e interpretação das diversas questões formuladas e definição da forma de elaboração do Relatório – 20 horas. Relatório Final – Elaboração do relatório final conjunto, com integração das conclusões da perícia – 6 horas. Total de horas gastas – 876 horas “.
Tanto o laudo pericial como a referida nota de honorários foram dadas a conhecer às partes.
Nenhuma das partes se pronunciou quanto à dita nota de honorários.
Foi proferida decisão a fls. 415 a 418, donde consta:
“ Honorários do perito AB – fls. 2180-2182. Vem este perito dizer que despendeu 876 horas na realização da perícia e que o valor hora é de € 100,00. As partes nada disseram. ( … )
O Tribunal Constitucional já se pronunciou quanto à inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 17º, nºs 2 e 4, do Regulamento das Custas Processuais em articulação com a Tabela IV anexa ao mesmo, segundo a qual, por cada perícia, os peritos não podem auferir mais de 10 UC, ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o trabalho ( sic ) ( … ). ( … )
O caso dos autos constitui um exemplo bem evidente de uma perícia manifestamente complexa e morosa – matéria de comunicações e concorrência, de tal modo que se reflecte num relatório pericial com cerca de 400 páginas – que, caso fosse remunerada de acordo com os limites impostos pela norma extraída do artigo 17º, nº 2 e 4, do RCP conjugado com a Tabela IV anexa ao mesmo, resultaria numa violação do princípio constitucional da proibição de excesso, nas dimensões da adequação e da proporcionalidade – artigo 18º, nº 2 da CRP – e por isso e tendo presente o disposto no artigo 204º da CRP, dever ser recusada a sua aplicação.
Estamos perante uma perícia que, obviamente, convoca um saber especial, não acessível a qualquer pessoa, mas a quem disponha de formação universitária e experiência profissional no sector.
As partes não colocaram em causa bem o tempo despendido na realização da perícia nem o valor atribuído a cada hora de trabalho.
Nem o tribunal tem elementos que permitam afirmar que o tempo despendido é excessivo ou desnecessário ou que o montante atribuído a cada hora de trabalho não está em conformidade com os usos do mercado.
Destarte, impõe fixar a remuneração devida ao perito AB em € 87.600,00.
Em face ao exposto, decide-se:
- não aplicar o disposto nos nº 2 e 4 do artigo 17º do RCP e da tabela IV anexa ao mesmo, donde resulta que, por cada perícia, os srs. Peritos não podem auferir mais do que 10 UCs, ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o trabalho necessário à sua realização levassem a considerar que a remuneração devida era superior, por violação do princípio constitucional da proibição de excesso, nas dimensões da adequação e da proporcionalidade – artigo 18º, nº 2 da CRP. - fixar a remuneração do Perito AB em € 87.600,00 “.
Apresentou a A. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 543).
Juntas as competentes alegações, a fls. 3 a 40, formulou a apelante as seguintes conclusões:
a. O presente recurso versa sobre o despacho proferido pelo Tribunal a quo que fixou a remuneração devida a um dos três Ilustres Peritos nomeados, o Senhor Dr. AB, em cerca de 858 UC's (concretamente, em € 87.600).
b. Este valor excede em quase 85 vezes o montante legal aplicável à concreta perícia realizada caso a remuneração seja fixada por serviço (€ 1.020).
c. E é cerca de 25 vezes superior ao montante legal aplicável à concreta perícia realizada caso a remuneração seja fixada por página (€ 3.549,60) - sempre considerando que o Regulamento das Custas Processuais permite a interpretação de que o valor aferido será atribuível a cada um dos peritos.
d. O recurso, de apelação autónoma, é admissível nos termos da alínea a), in fine, do n." 1 do artigo 644.° e da alínea e) do n." 2 do artigo 644.° do Código de Processo Civil, constituindo a fixação da remuneração dos peritos um incidente processado autonomamente da causa e estando integrado na ratio de ambas as normas invocadas.
e. O despacho recorrido foi proferido em violação do princípio do contraditório (artigo 3.°, n." 3, do CPC) na medida em que não foi facultada à Autora i) pronúncia prévia sobre a nota de honorários do perito Senhor Dr. AB, e ii) pronúncia prévia sobre a (in)constitucionalidade da aplicação do disposto nos n.os 2 e 4 do art.17º do RCP e da tabela IV anexa ao mesmo e o valor a fixar de remuneração.
f. Adicionalmente, invoca-se a inconstitucionalidade, por violação do princípio da proibição da indefesa e do princípio do contraditório ínsitos no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrados nos artigos artigo 18°, n." 1, e 20.°, n.os 1 e 4, da Constituição, da interpretação das normas dos artigos 3.°, n." 3 do Código de Processo Civil e do artigo 204.° da Constituição da República Portuguesa segundo a qual as partes num processo, responsáveis pelo pagamento de encargos, não têm que ser notificadas para exercício do contraditório previamente à decisão de não aplicação pelo Tribunal, ex offido, das normas legais aplicáveis à remuneração de peritos, constantes do artigo 17.° nos 2 e 4 e da Tabela IV do Anexo I do Regulamento das Custas Processuais com base na inconstitucionalidade destas normas.
g. Note-se, de resto, que, ainda que o Tribunal a quo pudesse prescindir do contraditório quanto à inconstitucionalidade das normas do RCP quanto à remuneração dos peritos, não estaria legitimado a, consequentemente, proferir decisão de fixação de remuneração com nova preclusão de contraditório.
h. Invoca-se ainda a inconstitucionalidade, por violação do princípio da proibição da indefesa e do princípio do contraditório ínsitos no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrados nos artigos artigo 18°, n." 1, e 20.°, n.os 1 e 4, da Constituição, da interpretação dos artigos 3.°, n.º 3, do Código de Processo Civil, e 204.° da Constituição da República Portuguesa segundo a qual as partes num processo, responsáveis pelo pagamento de encargos, não têm de ser notificadas para exercício do contraditório previamente à decisão de fixação da remuneração de peritos em valor superior aos limites máximos legais previstos nos artigos 17.° nºs 2, 3 e 4 e da Tabela IV do Anexo I do Regulamento das Custas Processuais.
l. Pelo que o despacho recorrido é nulo nos termos dos artigos 195.° (nulidade processual relevante para a decisão da causa) e 615.° n." 1 al. e) (omissão de pronúncia) do Código de Processo Civil, devendo ser revogado.
j. Devendo ainda ser anulados todos os actos conexos à remuneração do Ilustre Perito Senhor Dr. AB que tenham sido praticados após a omissão de contraditório arguida.
k. Acresce que o douto despacho recorrido incorre em erro de julgamento relativamente ao valor máximo previsto na Tabela IV do Anexo I, na medida em que à sua interpretação é também aplicável a previsão do n." 3 do referido artigo 17.° do RCP - do que resulta a proporcionalidade e adequação do regime de remuneração dos peritos.
1. O Tribunal poderia ter optado pela "Remuneração em função do número de páginas ou fracção de um parecer ou relatório de peritagem", atribuindo o valor máximo assim aferido a cada um dos Peritos, do que resultaria que, por efeito de um relatório pericial de 348 páginas, os Senhores Peritos poderiam auferir, cada um, até € 3.549,60, adoptando-se, nos termos do n.º 3 do artigo 17.° do RCP o critério de valor em função de página (€ até 10,20 por página).
m. Além de que a lei (Regulamento das Custas Processuais) não impede a fixação de um valor consensual entre as partes e o Tribunal pelos serviços a prestar de montante superior ao estabelecido.
n. O artigo 17.°, n.ºs 2 e 4 e a Tabela IV do RCP visam a protecção das expectativas das partes e garantir, para estas, o acesso à justiça, sendo, portanto reflexo de uma preocupação constitucionalmente garantida.
o. Pelo que se invoca a inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.° e 18.°, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, da interpretação do artigo 18.°, n.º 2, da CRP e do artigo 17.°, n.ºs 2 e 4 e a Tabela IV do RCP, no sentido de que não são aplicáveis limites máximos de remuneração a auferir pelos peritos no âmbito da actividade por estes realizada.
p. Mais se invoca que a interpretação no sentido de que a aplicação dos n.os 2 e 4 o art.17º do RCP e da tabela IV anexa ao mesmo é materialmente inconstitucional quando o sujeito processual (perito) afectado não manifestou, previamente ao desempenho das funções de perito, a sua discordância e não aceitação dos valores legalmente vigentes e aplicáveis, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e protecção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.° da CRP), e do princípio basilar da autonomia privada, que tem, por si só, dignidade constitucional (em violação do artigo 26.° da CRP e dos princípios da igualdade (artigo 13.° da CRP), da liberdade [artigo 27.°, n." 1 da CRP), da propriedade (artigo 62.°, n." 1 da CRP), da liberdade de trabalho (artigo 53.°, n." 3 da CRP) e da liberdade de empresa (artigo 85.°, n." 1 da CRP)].
Acresce que:
q. Relativamente à nota de remuneração, não é legítima a facturação de despesas incorridas e suportadas como horas a remunerar, o número de horas invocado pelo Ilustre Perito apresenta-se excessivo, especificamente na componente de "Análise da documentação das partes) organização e preparação (individual do processo de acordo com os quesitos' (850 horas), o critério de valor/hora não é adequado ao tipo de serviço pretendido (Relatório Pericial) e o concreto valor/hora fixado pelo Tribunal não é adequado ou proporcional.
r. A nota de honorários deve ser fundamentada e detalhada para que os seus destinatários possam aferir a adequação dos serviços prestados face ao valor que é imputado - o que não sucede com a nota em causa.
s. Não é legítima a apresentação de uma nota de honorários por 876 horas, das quais 850 horas de análise de documentos e preparação de dossiers, sem que se detalhe, discriminadamente, as tarefas concretamente desempenhadas nesse período temporal: por hora, por tarefa, por documento.
t. Vista a nota de honorários, não é aceitável a total falta de discriminação das tarefas específicas a que respeitam 850 horas de análise de documentos e não corresponde minimamente aos padrões médios de exigência de detalhe deste tipo de documentos, seja na vertente dos usos de mercado seja na vertente de normal fundamentação dos serviços prestados.
u. Não é, portanto, exigível o pagamento da nota de honorários sem qualquer detalhe ou fundamentação, na medida em que são imperceptíveis os serviços efectivamente prestados nas 876 horas imputadas.
v. O Tribunal dispunha de elementos suficientes para aferir que o valor de remuneração é notoriamente excessivo, assim como o número total de horas, correspondente a 108 dias de trabalho (com 8 horas diárias) e a pouco menos de 5 meses (com 22 dias úteis).
w. Auferir € 17.000 por mês ou mais de € 700 por dia num trabalho desta natureza é notoriamente excessivo e desproporcional.
x. Entendendo não dispor de elementos suficientes para proceder a uma fixação justa e equitativa, o Tribunal a quo não podia deferir a pretensão do Perito, antes devendo fazer uso do poder-dever previsto no artigo 411.0 do CPC, ordenando as diligências necessárias ao apuramento de valor adequado aos serviços concretamente prestados pelo Ilustre Perito Senhor Dr. AB junto do próprio Perito e da Ordem dos Economistas, nomeadamente:
a. Solicitando parecer à Ordem dos Economistas dos valores de mercado para pareceres desta natureza e para os valores mínimos considerados dignos nos termos do Código Deontológico dessa profissão, e
b. Solicitando ao próprio Perito: (i) discriminação, por hora, das tarefas realizadas, especialmente no segmento de "Análise e estudo dos diversos Dossiers, bem como preparação do processo (inc. deslocações ao Tribunal]"; (ii) discriminação de todas as diligências concretamente efectuadas; (iii) discriminação das despesas incorridas; (iv) discriminação detalhada das deslocações efectuadas (horas e kms);
y. Tendo omitido o exercício desse poder-dever, previsto no artigo 411.° do Código de Processo Civil, incorreu o despacho recorrido em nulidade que influi no exame e decisão da causa (valor de remuneração a fixar) nos termos dos artigos 195.° e 615.° n.º 1 al, d) do Código de Processo Civil, por excesso de pronúncia, nulidade que se argui expressamente.
z. Pelo exposto, tendo o douto despacho recorrido incorrido em nulidades, tendo interpretado várias normas em violação de direitos constitucionalmente protegidos da Recorrente e incorrido ainda em erro de julgamento, deverá, por todo o exposto, ser revogado.
Contra-alegou o perito AB, formulando as seguintes conclusões:
Tal como decorre do disposto nos n.º 3 do artigo 200.°, n.º 4 do artigo 615.° e n.º 1 do artigo 617.°, todos do C.P.C., as nulidades só podem ser arguidas perante o Tribunal que proferiu a decisão, competindo ao Juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
Não o tendo feito, não podem agora tais nulidades ser apreciadas pelo Venerando Tribunal da Relação.
A Recorrente, não se conformando com o douto despacho que fixou a remuneração ao Recorrido em € 87.600,00 euros, um dos argumentos que veio alegar como fundamento da discordância foi que o Tribunal teria violado o princípio do contraditório, em virtude de não ter sido facultada à Recorrente a nota de honorários para que se pudesse pronunciar (artigo 3.° n° 3 do CPC).
Contudo, a Recorrente não tem razão com tal argumento. Desde logo, porque as partes foram notificadas da apresentação pelo Recorrido da relação das "Tarefas e tempos despendidos", e nada disseram. Depois, porque não tinha que ser facultado à Recorrente a pronúncia prévia sobre a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 17.° n." 2 e 4 do RCJ e da Tabela IV anexa, quanto ao valor a fixar de remuneração, porque o desconhecimento da lei não colhe como argumento.
Face ao exposto, não estamos perante uma qualquer decisão-surpresa, até porque não há uma única situação não prevista, que o douto Tribunal deixasse de observar ou que se pronunciasse sem ser devido, quer do ponto de vista processual, quer material.
Vem também a Recorrente alegar que o Tribunal a quo teria violado o princípio do inquisitório consagrado no artigo 411.° do C.P.C., que impõe ao Juiz realizar ou ordenar, mesmo que oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
Porém, o Tribunal a quo tudo fez que lhe era devido fazer nos termos do artigo 6.° n.º 1 do CPC, e depois decidiu.
De qualquer modo, o princípio do inquisitório impõe ao Juiz, também, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere e se a Recorrente não se quis pronunciar sobre a nota de detalhe de honorários e despesas apresentada pelo Recorrido, porque foi negligente ou inepta, terá de assumir a consequência de tal comportamento e não, como fez, imputar esse lapso ao Tribunal.
A Recorrente também invoca que a decisão viola o princípio da proibição de indefesa.
Porém e aqui também, a Recorrente não tem razão e sobre esta temática, bastando para chegar a tal conclusão ler o Douto Acórdão n." 656/2014, publicado no n.º 230 da 2.a série do Diário da República e citado pelo Tribunal a quo, relativamente ao artigo 17.° n.º 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais conjugada a Tabela IV do mesmo Regulamento.
Ali, as dúvidas da Recorrente são respondidas, sendo feita uma explanação do que deve ser o sentido e alcance do preceito, concluindo-se pela inconstitucionalidade da norma que fixava um teto máximo para o apuramento do valor a pagar, sugerindo que na fixação dos valores a pagar, fosse tido em conta o bom senso e a razoabilidade.
E foi de acordo com esses princípios que o Douto Tribunal decidiu, considerando que se estava perante uma perícia que dependia de um "saber especial, não acessível a qualquer pessoa, mas a quem dispunha de formação universitária e experiência profissional no sector. ".
E uma vez que "As partes não colocaram em causa nem o tempo despendido na realização da perícia nem o valor atribuído a cada hora de trabalho.", e na falta de outros elementos cujo ónus cabia às partes requerer, se fosse caso disso, entendeu adequado fixar a remuneração do Recorrido no valor solicitado.
Também não vislumbramos como a Decisão recorrida viole o direito de acesso aos Tribunais. Não estamos perante uma situação em que as partes, e aqui muito concretamente a Recorrida, sejam de tal modo permeáveis e frágeis que não possam assegurar o pagamento de tais despesas, as quais deveriam estar previstas (não só as despesas dos peritos, mas também das custas e dos advogados).
Tanto mais que a Autora/Recorrente é uma sociedade de grande dimensão Nacional e aquilo que defende nos presentes Autos tem por enquadramento reconhecer o direito a muitos milhares de euros.
Injusto seria a Recorrente para beneficiar, servir-se do trabalho e esforço dos peritos e não lhes querer pagar o valor devido.
A ora Recorrente veio também suscitar diversas nulidades da decisão.
Contudo, as nulidades referidas pela Recorrente são invocadas de forma transversal aos diversos fundamentos do recurso.
Ora, tal como decorre do disposto no n.º 3 do artigo 200.°, n.º 4 do artigo 615.° e n.º 1 do artigo 617.°, todos do C.P.C., tais nulidades só podem ser arguidas perante o Tribunal que proferiu a decisão, competindo ao Juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
Aliás, este é um princípio quase que imutável na nossa legislação processual, à qual se referem vários autores, designadamente Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, VoI. II, pág. 513.
Ora, analisando as alegações da Recorrente, a arguição das pretensas nulidades processuais apenas é dirigida ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, e não ao Tribunal a quo, o que desde logo impede que o Venerando Tribunal da Relação sobre as mesmas se pronuncie por incompetência material para conhecer de tais pedidos.
Ainda assim e sem conceder se dirá, quanto ao alegado erro de julgamento, o seguinte:
Com toda a consideração, o que se verifica é que o verdadeiro objeto do recurso é apenas a de tentar conseguir que seja pago ao Recorrido o menor valor possível, independentemente de avaliarem a amplitude e complexidade do trabalho.
O que é impressionante é que a Recorrente impugna que a peritagem executada correspondesse a 108 dias de trabalho, mas não indica qual seria o tempo necessário para o realizar; nega que seja devido o valor que foi pedido por o entender elevado, mas não justifica qual o que entende ser o correto.
Não podemos ignorar que o trabalho foi realizado por um prestigiado economista e revisor oficial de contas - sabendo-se que estes técnicos, tais como os advogados em processos da importância e valor idêntico ao dos presentes autos, são pagos pelo seu trabalho à taxa horária adequada.
O trabalho consistia em analisar dezenas de volumes de processo, num total de cerca de 18.000 (dezoito mil) documentos, cujo Relatório culminou em 364 páginas.
Além do mais, o processo é muito complexo, designadamente e em particular no que concerne às questões técnicas relacionadas com as "redes", e o número total de horas debitado é inferior ao que foi executado.
Face ao exposto e uma vez que as partes foram notificadas da nota de honorários e despesas apresentada pelo Recorrido e nada disseram, o Douto Tribunal a quo ficou com legitimidade acrescida para decidir e, fê-lo adequadamente.
Razão pela qual não tem sentido nesta fase requerer ao Tribunal diligências de esclarecimento da nota de despesas e honorários, por serem extemporâneas, porque se ''As partes não colocaram em causa nem o tempo despendido na realização da perícia nem o valor atribuído a cada hora de trabalho", e o Tribunal também não tinha obrigação de conhecer outros elementos que não conhecer que o trabalho era muito complexo, decidiu bem.
Face ao exposto, deverá improceder por não provado o presente Recurso, devendo manter-se in totum a Douta Decisão proferida que fixa a remuneração do Recorrido em € 87.600,00 euros, com todas as consequências até final.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente por não provado e, na sequência, manter-se o Douto Despacho que fixou a remuneração do Perito ora Recorrido, bem como todos os atos conexos com tal decisão, com todas as consequências até final, designadamente, ordenando-se o pagamento de tal valor ao Recorrido.
II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 – Nulidades suscitadas pela recorrente (omissão e excesso de pronúncia - artigo 615º, nº 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Civil).
2 – Fixação dos honorários a perito. Controlo jurisdicional. Do seu processamento processual e adequação substantiva.
3 – Violação do princípio do contraditório. Ausência de pronúncia prévia das partes, inclusive sobre o juízo de inconstitucionalidade da aplicação da aplicação do disposto nos artigos 2 e 4 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais. Violação da proporcionalidade e adequação do regime de remuneração dos peritos (artigo 17º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais) – critério em função da página. Inconstitucionalidades suscitadas. Excessos na nota de honorários. Falta de detalhe e de discriminação Diligências a prosseguir oficiosamente pelo tribunal com vista a aquilatar da adequação dos honorários apresentados relativamente aos serviços prestados. Nulidade por excesso de pronúncia. Conhecimento prejudicado.
Passemos à sua análise:
1 – Nulidades suscitadas pela recorrente (omissão e excesso de pronúncia - artigo 615º, nº 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Civil.
As questões suscitadas nesta apelação não têm a ver com a regularidade formal da decisão recorrida, mas antes com o respectivo mérito – fundando-se na sua discordância substantiva relativamente aos fundamentos em que assentou.
O juiz a quo ao proferir a decisão ora em crise limitou-se a abordar a temática jurídica que lhe foi especificamente suscitada – a fixação e quantificação dos honorários devidos ao perito, em conformidade com o requerimento apresentado por este.
Fundamentou-a com o desenvolvimento fáctico e jurídico suficiente, sem qualquer vício de natureza formal, não extrapolando o seu objecto nem deixando de conhecer qualquer questão essencial e relevante.
Não se verifica, por conseguinte, qualquer omissão ou excesso de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Civil).
Improcede a arguição de nulidades da decisão recorrida.
2 – Fixação dos honorários a perito. Do seu processamento processual e adequação substantiva.
A decisão recorrida – ao aceitar o valor remuneratório pedido pelo perito sem realizar, a esse propósito, nenhum tipo de juízo crítico e/ou valorativo - não merece a nossa concordância.
É certo que as partes foram notificadas, em conjunto, do relatório pericial e da nota de honorários e que poderiam, agindo com a diligência e atenção devidas, ter-se pronunciado sobre este último (manifestando as reservas e discordâncias que bem entendessem).
Foi precisamente para isso que foram notificadas dela.
Não o fazendo, não podem agora invocar a proibição do efeito de decisão surpresa, por violação do princípio consignado no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil.
Contudo,
Aceitando-se o juízo de inconstitucionalidade da aplicação da aplicação do disposto nos artigos 2 e 4 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais, nos termos proficientemente desenvolvidos pelo juiz a quo, o certo é que, perante os elementos reunidos nos autos, não existe fundamento sério e suficiente para a fixação do avultadíssimo valor atribuído, a título de honorários, ao perito em causa - € 87.600,00 (oitenta e sete mil e seiscentos euros).
Desde logo, cumpre assinalar que a inexistência de reacção ao recebimento do relatório pericial e da nota de honorários – a respectiva notificação aludia primacialmente ao relatório pericial (cfr. fls. 413 e 414), embora incluísse na sua primeira folha a nota de honorários, encimada pelo título “ assunto: explicitação do tempo gasto na diligência “ – não pode, naturalmente, ser entendida como aceitação automática pelas partes de todo e qualquer valor que o perito viesse a reclamar nesta sede.
O efeito cominatório pleno que a decisão recorrida explicitamente pressupõe carece, em absoluto, de fundamento legal – sendo que o mesmo, para valer, sempre suporia, como é evidente, uma expressa e autónoma notificação para que se pronunciarem quanto à nota de honorários, com a menção das respectivas consequências nada dizendo.
Assim,
Constituía, a nosso ver, obrigação do julgador aquilatar da justificação para o valor pedido, em directo e necessário confronto com as concretas tarefas executadas – e demonstradas - pelo perito em causa, conjugado com as despesas por si suportadas no cumprimento da sua missão.
No mesmo sentido, competia-lhe exigir do perito uma discriminada especificação de todo o trabalho desenvolvido, com o detalhe e o pormenor bastantes para justificar, fora de qualquer dúvida, a contrapartida monetária que apresenta.
Não pode o tribunal a quo escudar-se na falta de “ elementos que permitam afirmar que o tempo despendido é excessivo ou desnecessário ou que o montante atribuído a cada hora de trabalho não está em conformidade com os usos do mercado “.
Pelo contrário,
Deve proceder a um juízo sobre o equilíbrio e a adequação de tal pedido, socorrendo-se - se necessário - dos laudos de entidades qualificadas nesse domínio, as quais, seguramente – e uma vez descritas, com minúcia, as tarefas realizadas pelo perito – poderão informar o tribunal, com toda a objectividade e isenção, acerca da razoabilidade – ou falta dela - da verba pedida.
Esta postura é especialmente reforçada pela circunstância de nos encontrarmos perante uma situação algo invulgar em que o trabalho desempenhado necessitou, no dizer do perito, de 876 horas, correspondendo, à razão de oito horas diárias, a um hercúleo esforço consecutivo de mais de cem dias, em rigorosa e dedicada exclusividade.
O valor/hora indicado - € 100,00 (cem euros) – dispara para um valor mensal, calculado a 40 horas por semana, na ordem dos € 16.000,00 (dezasseis mil euros).
Por outro lado,
A inclusão na listagem de peritos obriga a um especial dever de probidade, não se tratando da escolha, em mercado aberto, de um profissão liberal para exercer funções fora deste enquadramento processual específico.
Bem pelo contrário, o perito age nestas circunstâncias como um verdadeiro auxiliar da justiça – de acordo com a sua própria vontade de se disponibilizar e, desse modo, colocar-se ao serviço da actividade jurisdicional.
Outrossim não poderá olvidar-se que se tratou de uma perícia colegial com a inerente partilha de tarefas, informações e estudos, e não de um esforço individual e isolado, sem nenhum tipo de trabalho de equipa ou apoio especializado.
Por tudo isto,
A inusitada ordem de grandeza da importância pretendida pelo perito terá que ser melhor analisada, não sendo compatível nem compaginável com uma caracterização dos trabalhos tão vaga e genérica – “Análise e estudo de diversos dossiers, bem como preparação do processo (incluindo deslocações ao tribunal) – Análise da documentação das partes, organização e preparação (individual) do processo de acordo com os quesitos. Reuniões preparatórias do colégio dos peritos – discussão e interpretação das diversas questões formuladas e definição da forma de elaboração do Relatório “ – nada aí se informando, de concreto, quanto à justificação – que se quer especialmente rigorosa - para a atribuição de honorários no montante de € 87.600,00.
Procede, portanto, o recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando ao juiz a quo que proceda à avaliação da justeza e razoabilidade da verba pedida, se necessário com recurso ao parecer das entidades competentes e especializadas neste domínio, e tendo sempre presente as considerações tecidas supra.
3 – Violação do princípio do contraditório. Ausência de pronúncia prévia das partes, inclusive sobre o juízo de inconstitucionalidade da aplicação da aplicação do disposto nos artigos 2 e 4 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais. Violação da proporcionalidade e adequação do regime de remuneração dos peritos (artigo 17º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais) – critério em função da página. Inconstitucionalidades suscitadas. Excessos na nota de honorários. Falta de detalhe e de discriminação Diligências a prosseguir oficiosamente pelo tribunal com vista a aquilatar da adequação dos honorários apresentados relativamente aos serviços prestados. Nulidade por excesso de pronúncia. Conhecimento prejudicado.
Face ao decidido supra considera-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na presente apelação.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando ao juiz a quo que proceda à avaliação da justeza e razoabilidade da verba pedida, se necessário com recurso ao parecer das entidades competentes e especializadas neste domínio e tomando em conta as considerações tecidas supra.
Custas pelo apelado, atendendo à oposição que deduziu.