PRESCRIÇÃO
INCUMPRIMENTO
CITAÇÃO URGENTE
Sumário

Não tendo sido devida e corretamente considerado pelo tribunal o pedido de citação urgente do artigo 562.º do Novo Código de Processo Civil, vindo a ré a ser citada para além do termo do prazo, deve aplicar-se o número 6 do artigo 157.º do mesmo diploma legal e presumir-se que aquela citação prévia à distribuição poderia ter sido concretizada até ao termo do prazo de prescrição (ainda que escasso).
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam, em Conferência, neste Tribunal da Relação de Lisboa.



I – RELATÓRIO:



AA, casado, contribuinte fiscal n.º (…), residente (…), veio instaurar, em 29/09/2014 (pelas 22,53,25 horas) e com pedido de citação urgente, ao abrigo do disposto no artigo 561.º do Novo Código de Processo Civil (modalidade: oficial de justiça), os presentes autos de ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra BB, SA, pessoa coletiva n.º (…) com sede na (…) Lisboa, pedindo, em síntese, que a Ré seja condenada a pagar ao Autor:

«-Diferenças salariais, decorrentes da situação de tirocínio e de reclassificação profissional subsequente, no montante global de € 2.046,66, a que acrescem juros de mora vencidos e os vincendos até integral e efetivo pagamento;
-A indemnização de € 10.000,00, por violação de danos não patrimoniais na pessoa do Autor e em benefício deste (art.ºs 40.º a 53.º do corpo deste articulado) (…)»
*

No início e final da Petição Inicial, pode ler-se o seguinte:

«I – Da Citação Prévia:

1.º- O prazo prescricional está iminente;
2.º- Com efeito, o Autor celebrou acordo de revogação do seu contrato de trabalho, com a Ré, em 30/09/2013 (Doc. n.º 1)
3.º- Por dificuldades várias, v.g., a recolha de elementos conducentes a fundamentar a presente ação, só foi possível agora articular a presente peça processual;
(…) Requer-se a V. Exa. Que se digne ordenar a citação da Ré previamente à distribuição, face à eminência do prazo de prescrição, para contestar, querendo, no prazo e sob as cominações legais, seguindo-se os demais termos até a final»
*

Foi agendada data para a realização da Audiência de partes (despacho de fls. 68, datado de 30/9/2014) e concretizada a citação urgente da Ré através de carta registada com Aviso de Receção (remetida no dia 30/9/2014), tendo este último sido assinado em 2/10/2014,conforme ressalta de fls. 72 dos autos.

Mostrando-se inviável a conciliação das partes, foi a Ré notificada, no quadro da Audiência de Partes, para, no prazo e sob a cominação legal, contestar (fls. 74), o que a Ré fez, em tempo devido, e nos seguintes termos (fls. 75 e seguintes):

POR EXCEPÇÃO.

A – DA PRESCRIÇÃO:

2.°- O contrato de trabalho que ligou o Autor à Ré cessou, por acordo de revogação, no dia 30 de Setembro de 2013, tal como o Autor alega nos artigos 2.º e 9.º da douta p.i., e consta expressamente do Doc. 1 junto com a p.i.
3.º- A douta p.i. deu entrada em juízo no dia 29 de Setembro de 2014, conforme certificação aposta pelo sistema CITIUS a fls. 67/67 da peça com a referência 17680901, que incorpora a p.i.
4.º- A Ré foi citada para a presente ação apenas em 2 de Outubro de 2014, conforme comprovativo do registo junto aos autos.
5.º- Os créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, quer pertençam ao trabalhador ou ao empregador, prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
6.º- A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, como prevê o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.
7.º- Se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição interrompida logo que decorram os cinco dias, como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo 323.º do Código Civil.
8.º- No caso dos presentes autos, atenta a data da cessação do contrato de trabalho, a prescrição ocorreu no dia 1 de Outubro de 2014, por ser o dia em que se completou um ano a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho.
9.º- Sendo a Ré citada para a presente ação apenas no dia 2 de Outubro de 2014 já os créditos que o Autor invoca se haviam extinguido por prescrição no dia 1 de Outubro de 2014.
10.°- Nem no caso poderia argumentar-se a interrupção da prescrição ao abrigo do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, dado que a citação não foi requerida pelo Autor com cinco ou mais dias de antecedência em relação ao termo do prazo prescricional. Assim,
11.º- Os créditos que o Autor reclama na presente ação a existirem - não concedendo - já se extinguiram por prescrição.
12.º- A prescrição é uma exceção perentória que aqui expressamente se invoca e importa a absolvição dos pedidos — cfr. n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no n.º 2, alínea a) do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho - o que se requer.”
*

O Autor, notificado da contestação, veio responder à exceção de prescrição aí invocada, dentro do prazo legal e nos seguintes termos (fls. 91 e seguintes):

«I. DA ALEGADA PRESCRIÇÃO:

1.º- Efetivamente, o contrato de trabalho que ligou Autor e Ré cessou no dia 30 de setembro de 2013, tendo a p.i. dado entrada em juízo no dia 29 de setembro de 2014 (cfr certificação com a Referência 17680901).
2.º- Por esse motivo, e por estarem em falta menos de 5 dias para a prescrição do direito a reclamar dos créditos laborais, o Autor requereu a citação urgente, nos termos do artigo 561.º do CPC, mais se salientando no formulário que a citação da R. fosse concretizada por oficial de justiça.
3.º- A Ré, não obstante, foi citada por via postal, no dia 2 de Outubro de 2014. Ora,
4.º- No dia 30 de setembro de 2014 foi proferido despacho nos termos do qual "Notifique e cite nos termos requeridos na petição inicial (artigo 5612) e do artigo 542, n.ºs 3, 4 e 5 CPT". No entanto,
5.º- E apesar do teor do douto despacho liminar, a secretaria ainda assim, procedeu à mera citação por via postal e não através de oficial de justiça, como requerido e aceite.
6.º- Neste sentido: "O Tribunal (em termos amplos) face a um pedido de citação urgente, não tem só de satisfazer, de imediato e com prontidão o mesmo, como deve ainda procurar fazê-lo de uma maneira criteriosa, prudente e ponderada, escolhendo para a concretização de tal ato, de entre a panóplia de instrumentos que a lei coloca ao seu dispor, aquele ou aqueles que se revelem mais aptos e eficientes à sua prossecução efetiva e atempada" (Ac. TRL, de 2 novembro de 2011, Processo n.º 541/10).
7.º- Ao Autor não pode ser imputada a responsabilidade da não efetivação oportuna de tal citação urgente, mas antes à Secretaria do Tribunal, sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 157.º do Código do Processo Civil: "os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes".
8.º- Tendo o Autor requerido a citação urgente, através de oficial de justiça, e tendo o despacho liminar admitido a concretização da citação urgente, nos termos solicitados pelo A., acabou a secretaria por concretizá-la por via postal, o que se revelou claramente insuficiente, mas claramente alheio ao Autor. Mais,
9.º- O prazo de prescrição interrompe-se pela citação, mas se a citação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida, logo que decorram os 5 dias (artigo 323.º, n.º 2 do Cód. Civil); Não sendo possível interpor a ação com mais de 5 dias de antecedência sobre a data da prescrição, o Autor pode fazer uso (como fez) da citação urgente,
10.º- Caso contrário, deixava de ter sentido a existência deste instituto.
11.º- Como a Secretaria não concretizou a citação nos termos solicitados e admitidos, pois ao invés de a efetuar através de oficial de justiça, concretizou-a através de via postal, não pode o Autor ser claramente prejudicado. Aliás,
12.º- Caso contrário seria completamente irrelevante o Autor ter a potencialidade de requerer a citação urgente, bem como de indicar qual o meio pretendido para concretização da mesma!
13.º- Pelo exposto, nos termos do artigo 1572, n.2 6 do CPC, não deverá a exceção perentória invocada de prescrição proceder, prosseguindo os autos os seus devidos termos.»
*

Foi proferido, a fls. 181 a 184 e com data de 06/03/2015, saneador-sentença, onde se considerou a instância válida e regular, tendo, de seguida, sido apreciada a exceção perentória arguida pela Ré na sua contestação nos seguintes termos:

“A prescrição é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objetivos de conveniência ou oportunidade: visa satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo. Porém, essa proteção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo - cfr. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 375 e segs..

Assiste integral razão ao réu quanto à questão suscitada.

Preceitua o art.º 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho que: «O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho».

No caso dos autos, tendo o contrato que vinculou as partes cessado em 30 de Setembro de 2013, o prazo prescricional de um ano, previsto no aludido normativo, iniciou-se em 01 de Outubro de 2014, e completou-se às 24h00m desse dia (artigo 279.º, alínea c) do Código Civil).—

Tal prazo apenas podia ser interrompido, pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprimisse, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, por compromisso arbitral ou por reconhecimento do direito, no decurso desse prazo (artigos 323°, n.º 1, 324.º e 325.º do Cód. Civil).

Ora, o que é certo é que no decurso desse prazo não ocorreu nenhum desses atos, pelo que tendo sido intentada a ação no dia 29/09/2014, e o réu sido citado no dia 2/10/2014, não ocorreu a interrupção do prazo prescricional, uma vez que o mesmo já se havia completado quando a citação se verificou.

Como se referiu na decisão singular proferida na 4.ª Secção da Relação de Lisboa (no âmbito do processo 2151/11.7TTLSB.L1 citando vasta jurisprudência), que aqui acompanharemos de perto por ter versado sobre situação semelhante à destes autos -, a tal não obsta o disposto no artigo 323.º, n.º 2 do Cód. Civil, de acordo com o qual se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias, uma vez que para beneficiar da interrupção do prazo de prescrição ali prevista, é mister que o autor cumpra duas condições:

-Requeira a citação do réu cinco dias antes do termo do prazo prescricional;
-Evite que o eventual retardamento da citação lhe seja imputável, interpretando-se esta última situação em termos de causalidade objetiva, de tal modo que o retardamento da citação só lhe será imputável se o mesmo violasse objetivamente a lei (v.g. se indicando falsa residência do réu ou se não entregar os necessários duplicados).

Assim sendo, para que a falta de citação não lhe seja imputável, o autor deve estar prevenido e tudo fazer para que a citação se realize antes do termo do prazo da prescrição, requerendo-a não só cinco dias antes desse termo, mas também diligenciar de forma a que a mesma se possa realizar dentro de cinco dias.

Ora, tal não sucedeu no caso dos autos, sendo irrelevante que a citação não haja concretizado na forma requerida pelo autor apenas no formulário com que instaurou a ação em juízo, já que mesmo a citação por essa via – atenta a proximidade do prazo de interposição da ação com o prazo prescricional não conduziria a resultado diferente.

É que é preciso atender a que o requerimento de citação prévia, por si só, não interrompe a prescrição. Para tal suceder, o autor devia ter o cuidado de instaurar a ação, pelo menos, cinco dias antes de expirar o prazo da prescrição.

Como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa de 26/09/2007 (citado na decisão sumária a que supra se aludiu), “inexiste norma legal que permita atribuir ao requerimento de citação urgente, a que alude o art.º 478.º do CPC, o efeito de interromper o prazo de prescrição de créditos. (...) o credor prudente que pretenda afastar a possibilidade de se ver confrontado com a arguição da exceção de prescrição pelo devedor, tem de propor ação ou de requerer a notificação judicial avulsa com antecedência de pelo menos cinco dias relativamente à data em que possa ocorrer a prescrição”.

E, como se lê na decisão referida, o requerimento de citação prévia à distribuição constitui sem dúvida mais uma hipótese concedida pela lei ao credor para procurar evitar a consumação da prescrição, mas, só por si, não a garante, pois a prescrição se interrompe se a citação efetivamente se concretizar antes de esgotado o respetivo prazo, ou então, se a ação for instaurada cinco dias antes do prazo de prescrição se esgotar e a citação não se concretizar nesses cinco dias, por razões não imputáveis ao autor. (assim, Acórdão do STJ, de 24/3/1999, citado na decisão sumária supra mencionada).

A lei — o art.º 337.º, n.º 1 do CT — fixa o prazo de um ano para a verificação da prescrição, mas não estabelece nem se compreenderia que estabelecesse qualquer prazo para a interrupção do decurso desse prazo.

Com efeito, a interrupção de um determinado prazo só é concebível se o ato interruptivo for praticado antes de se completar esse prazo. Decorrido o prazo e consumada a prescrição, não há pois que falar em qualquer interrupção desta.

Verifica-se assim que no caso dos autos, o ato interruptivo da prescrição, consubstanciado na citação concretizada, ocorreu quando esta já havia sido consumada.

O autor não requereu a citação da ré pelo menos cinco dias antes do termo do prazo da prescrição para obter a interrupção desta os termos do n.º 2 do art.º 323.º do Cód. Civil, nem tão pouco promoveu a interrupção por alguns dos demais meios interruptivos previstos na lei.—

Encontra-se pois prescrito o alegado direito do autor contra a ré sendo que a prescrição constitui exceção perentória que apenas é conhecida se arguida pela parte a quem aproveita, como veio a verificar-se.

Termos em que face ao exposto, se decide julgar procedente a exceção de prescrição invocada pela ré e, consequentemente, determinar a absolvição do pedido que contra si foi formulado pelo autor.--
Custas pelo autor – artigo 527.º, n.º 1 do CPC.—
Registe e notifique.»
*

O Autor AA, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 185 e seguintes, arguir a sua nulidade e interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 208 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*

O Apelante apresentou, a fls. 186 verso e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)

*
A Ré, notificada de tais alegações, veio responder-lhes dentro do prazo legal, tendo para o efeito apresentado as contra-alegações de fls. 68 e seguintes, aí tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
*

O ilustre magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do recurso (fls. 144 a 146).
*

As partes, notificadas para se pronunciarem acerca do parecer do ilustre magistrado do Ministério Público, nada disseram dentro do prazo legal.  
*

O relator da presente Apelação, fazendo apelo ao disposto nos artigos 87.º, número 1 do Código do Processo do Trabalho e 656.º do Novo Código de Processo Civil, através de decisão singular e sumária, proferida no dia 17/09/2015, que concluiu, em síntese, a apreciação do seu objeto, nos seguintes moldes (fls. 149 e seguintes):
 
“Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, n.º 1 do Código do Processo do Trabalho e 656.º, 662.º e 663.º do Código de Processo Civil, decide-se, mediante decisão sumária e singular, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por AA, com a revogação da decisão recorrida, decidindo-se, em sua substituição, pela improcedência da exceção perentória (invocada pela Ré) da prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor, devendo os autos baixar ao tribunal da 1.ª instância a fim de seguir a legal e normal tramitação.
Custas do presente recurso a cargo da Apelada – artigo 527.º, número 1, do NCPC.
Registe e notifique.”  
*

Em sede de fundamentação a mencionada Decisão Singular sustentou o seguinte:

«É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*

A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS.

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 29/09/2014, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013 e Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
  
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade em julgamento.

B – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Realce-se que o Recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, o recorrido requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

C– MODIFICAÇÃO OFICIOSA DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Ora, ao abrigo dos poderes oficiosos derivados do artigo 662.º do NCPC, este tribunal de recurso, por os considerar pertinentes, decide aditar os seguintes novos Pontos de Facto à Matéria de Facto dada como Provada, que resultam dos elementos documentais constantes dos autos, que se identificam sob os números 4) a 7):

4) O Autor requereu que a citação urgente fosse efetuada por oficial de justiça (cfr. fls. 2).
5) O despacho judicial determinativo da citação foi proferido em 30/09/2014, na sequência da conclusão aberta nesse mesmo dia, possuindo o mesmo o seguinte teor: «Notifique e cite, nos termos requeridos na petição inicial (art.º 561.º do CPC) e do art.º 54.º, n.ºs 3, 4 e 5, do CPT.» (cfr. fls. 68).
6) A secretaria do Tribunal do Trabalho de Lisboa procedeu à citação da Ré através de carta registada com Aviso de receção, remetida no dia 30/9/2013 (cfr. fls. 71 e 72), para a morada indicada pelo Autor na sua Petição Inicial.
7) A morada indicada pelo Autor na sua Petição Inicial foi a seguinte: (…)

D– OBJECTO DO RECURSO.

Atendendo ao teor da decisão judicial recorrida, é natural que as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, questionem unicamente a circunstância do tribunal da 1.ª instância ter considerado verificada a prescrição dos direitos laborais reclamados pelo Apelante no âmbito da presente ação.

F– PRESCRIÇÃO.

Conforme já deixámos referido, a Ré, na sua contestação, arguiu a exceção perentória da prescrição dos créditos laborais de que o Autor se afirma credor, conforme prevista e regulada nos artigos 300.º e seguintes do Código Civil.

Importa chamar à boca de cena da presente Decisão Singular os artigos 337.º, número 1 do Código do Trabalho de 2009, 323.º do Código Civil e 561.º do Novo Código de Processo Civil, que respeitam, respetivamente, aos prazos prescricionais vigentes no direito laboral, à forma como o decurso da prescrição pode ser interrompido e o meio processual facultado ao titular do direito para, em situações de eminência do termo do respetivo prazo, lograr a sua célere interrupção, mediante a citação urgente do réu:      

Artigo 337.º
Prescrição e prova de crédito:

1- O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
2- O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.

Artigo 323.º
Interrupção promovida pelo titular:

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Artigo 561.º
Citação urgente:

1- O juiz pode, a requerimento do autor, e caso o considere justificado, determinar que a citação seja urgente.
2- A citação declarada urgente tem prioridade sobre as restantes, nomeadamente no que respeita à realização de diligências realizadas pela secretaria nos termos do artigo seguinte[1].

Logo, o recorrente tinha o prazo de 1 ano contado nos termos do artigo 337.º do Código do Trabalho, ou seja, a partir do dia imediato à cessação do vínculo laboral, para propor a correspondente ação judicial de carácter laboral, tendo de provocar a interrupção do mesmo, conforme estipulado no artigo 323.º do Código Civil, até às 24 horas do último dia desse prazo, podendo lançar mão da citação urgente, como veio a fazer, tudo sem prejuízo do disposto no número 2 da transcrita disposição do Código Civil.

G– CITAÇÃO URGENTE – REGIME LEGAL.
 
Impõe-se rebater uma interpretação do regime legal que se nos afigura perpassar pela fundamentação do saneador/sentença recorrido e que inculca que o Autor estaria obrigado a propor a presente ação até ao 6.º dia antes do prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo legal constante do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil.

Ora, se a jurisprudência das cautelas, como se usa dizer, aconselha uma tal atuação adjetiva, a circunstância do autor propor uma ação de cariz laboral ou de outra natureza já para além dessa fronteira ou limite de segurança (ainda que relativo, pois convirá não olvidar que tal regime de exceção só se aplicará desde que a não realização da citação do réu dentro do prazo de 5 dias não seja imputável ao autor, como poderá acontecer com a errada e injustificada indicação da sede ou domicílio do demandado) não significa – não pode nem deve significar – que a citação do réu não possa ser concretizada ainda dentro do prazo prescricional em curso.

Se assim fosse - como bem assinala o Autor na sua resposta à contestação e alegações/conclusões de recurso -, a figura da citação urgente, ou seja, prévia à distribuição dos autos (ainda que tal regra, com a distribuição eletrónica e processamento eletrónico dos processos, possa ter perdido grande parte da sua razão de ser) e com a tramitação prevista nos artigos 137.º, n.ºs 1 e 2, 138.º, n.º 1, 156.º, n.ºs 1 e 3 e 162.º, n.º 1, 226.º, 561.º e 562.º do NCPC, deixaria de ter conteúdo útil ou apenas muito residual, propósito que seguramente não esteve na mente do legislador quanto criou tal instituto processual (cfr. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).

Adivinha-se em tal argumentação jurídica um juízo de censura sobre a propositura das ações já dentro do prazo de 5 dias do n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil que parece presumir, como regra, a negligência, incompetência ou preguiça de quem instaurou os autos nesses moldes (autor e/ou advogado ou Ministério Público) e que, por tal motivo, deve ser “castigado” por tal conduta displicente, temerária e desnecessária.

Ora, ainda que se admita que, em muitas situações de propositura de ações já nos últimos dias do prazo prescricional, possa haver da parte da parte e/ou do seu mandatário ou patrono uma atitude descuidada, temporalmente descontrolada, de guarda para o último momento da feitura do articulado inicial, muitas outras haverá que não se radicam em tais cenários (subjetivamente) censuráveis e antes em razões objetivas perfeitamente plausíveis e aceitáveis como será o caso de negociações prolongadas no sentido de se tentar chegar a um acordo extrajudicial (com ou sem má fé da parte contrária), obtenção de elementos documentais de busca difícil e demorada, quer em território nacional ou como no estrangeiro, dificuldades de comunicação entre o cliente e o seu mandatário, o excesso de trabalho pendente nas mãos deste último, etc.

Não será irrazoável recordar, nesta matéria, as diferenças de regime que existem entre os institutos da prescrição e da caducidade (sendo que esta se interrompe com a mera propositura da ação – artigo 328.º do C. Civ.) e as dúvidas legítimas que, por vezes, os prazos legais suscitam no intérprete e aplicador do direito, podendo o Ministério Público ou o advogado do autor estar convencido de que está face a um prazo de caducidade mas, à cautela e não vá o Diabo tecê-las, requerer ainda assim a citação prévia e urgente do réu, a fim de cobrir todas as possibilidades temporais envolvidas nos autos (cfr., aliás, os artigos 298.º e 299.º do mesmo texto legal).
  
Logo, ainda que se aceite como perfeitamente legítima, dado se integrar na estratégia da defesa do réu, a explanação na contestação desses juízos de valor negativos, já não é de admitir que, quer o julgador, como a secretaria do tribunal, na ausência de dados objetivos e concretos que lhes sejam fornecidos nesse sentido pelo processo, possam pautar a sua decisão e atuação pelos mesmos, fazendo refletir estes últimos, de alguma maneira, quer nos despachos prolatados, como no subsequente cumprimento pelos oficiais de justiça.

Também não podem colher aqui considerações logísticas ou operacionais, de muito serviço e/ou falta de funcionários judiciais (para mais, quando é possível, para esse mesmo efeito e desde que garantida a sua atuação imediata, lançar mão do corpo dos solicitadores de execução) para obviar, atrasar ou negligenciar, para além do admissível e razoável, a concretização pelo juiz e/ou pelos serviços de secretaria de tal ato judicial urgente.  
   
A justiça material, aqui como em qualquer outro processo em que ocorram cenários com o que estamos a analisar, sobrepõe-se à mera justiça formal, demandando uma atitude proactiva e direcionada a conseguir, de forma séria, empenhada e eficiente, a pretendida citação do réu ainda dentro do prazo prescricional[2].

Impõe-se dizer, para desvanecer qualquer dúvida, que as considerações que se deixaram feitas não visam, minimamente, a situação efetiva espelhada nos presentes autos mas procuram, tão só e apenas, justificar a nossa posição, em moldes gerais e abstratos.

Claro que o pedido de citação urgente possui riscos que, por exemplo e fora das hipóteses raras em que o autor atua abaixo da diligência mínima reclamada pelas circunstâncias práticas existentes no caso concreto, não se verificam nas situações contempladas no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil, pois que aqui o prazo prescricional presume-se interrompido no 6.º dia após a propositura da ação, ao passo que ali tal interrupção só opera se o tribunal, em termos globais e nas condições de boa-fé, diligência e adequação eficaz dos meios colocados ao seu dispor, lograr a sua concretização até às 23 horas, 59 minutos e 59 segundos do último dia do prazo de prescrição que está a decorrer e que se busca interromper antes do seu esgotamento.

Tal risco corre exclusivamente por conta e às custas do autor, tendo o mesmo que se conformar com o insucesso das diligências corretas e possíveis levadas a cabo pelo tribunal no sentido de lograr a referida citação urgente (o réu pode ter-se ausentado, temporária ou definitivamente, do local indicado, ou a morada referida é a incorreta ou simplesmente o demandado, sabendo do propósito do demandante em o acionar judicialmente, furta-se simplesmente a qualquer contacto com o oficial de justiça ou com o solicitador de execução).  
                                  
Esse risco que, como bem se percebe, varia de demandado para demandado, existe sempre e de forma agravada ou acentuada em ações como a presente, nada podendo ser imputado ou censurado ao tribunal (aqui olhado em sentido lato) quando atuou de forma sensata, rigorosa e cuidada na tentativa de conseguir atempadamente a pretendida citação urgente mas não logrou atingir tal desiderato.

Salvo melhor opinião, parece-nos ser esta a melhor interpretação do regime jurídico que deixámos enunciado e analisado.                                     
H– CITAÇÃO DA RÉ.

Diremos que, face ao acordo entre as partes quanto a tal facto (cf. artigos 2.º da petição inicial e 2.º da contestação), o vínculo laboral que mantinha Autor e Ré mutuamente vinculados cessou no dia 30/09/2013, isto é, o prazo prescricional de 1 ano começou a correr no dia 1/10/2013 e cessaria no correspondente dia do ano de 2014, ou seja, às 24 horas do mesmo dia 1 de Outubro (quarta-feira), sem prejuízo das regras constantes do artigo 279.º, alínea e) do Código Civil.

Segundo a decisão recorrida, que aí abraça a tese da Ré, a ação deu entrada em juízo no dia 29/09/2014 (segunda-feira), tendo a Petição Inicial sido enviada por correio eletrónico nessa data, tendo a citação da Ré somente se concretizado no dia 2/10/2013, por carta registada com Aviso de Receção, remetida para morada indicada pelo Autor.

Importa realçar que, ao contrário do que sustenta o recorrente, não se verifica nos autos a situação prevista no número 2 do artigo 323.º do Código Civil pois o 5.º dia aí mencionado coincide com o dia 3/10/2014, só se operando a interrupção do prazo de prescrição no 6.º dia após a propositura da ação, ou seja, no dia 4 de Outubro de 2014, quando o prazo prescricional em presença já se achava completamente esgotado.

Esse raciocínio não se mostra inquinado pela circunstância da citação dos autos não se ter efetuado «por causa não imputável ao requerente» – o aqui Autor –, pois tal pressuposto está ligado intimamente ao resto do preceito, que estabelece o prazo mínimo de 5 dias de pendência da ação para a subsequente interrupção da prescrição no dia seguinte (6.º dia).   
          
Sendo assim, numa primeira análise e tendo como pano de fundo as disposições legais acima transcritas e o quadro factual exposto, nada haveria a censurar à sentença impugnada.

I– CITAÇÃO URGENTE.

A ação deu entrada em juízo pelas 22:53:25 (cfr. fls. 67) horas do dia 29/09/2014 por via eletrónica e foi objeto de despacho imediato e prévio à distribuição, conforme determinado pelo artigo 561.º, número 2, do Novo Código de Processo Civil, ordenando a citação urgente, no dia 30/09/2014.

Dir-se-á que, quer a secretaria judicial, face ao pedido de citação urgente deduzido pelo Autor no início e final do correspondente articulado, que impunha a apresentação, logo no dia seguinte (30/9/2014) ao juiz titular do processo, como veio efetivamente a acontecer, como o despacho proferido por este último, nesse próprio dia, cumprem diligentemente os deveres funcionais derivados do regime legal aplicável.

Uma conduta algo displicente surge, apenas e em toda a sua extensão, no dia 30/9/2013, quando a secção, após a requerida citação urgente ter sido deferido por despacho judicial da mesma data e apesar do Autor ter requerido expressamente que a diligência em causa fosse concretizada por oficial de justiça, se limita a remeter para o efeito para a Ré uma carta registada com Aviso de Receção, quando, naquelas específicas condições, a citação por via postal, ainda que por correio azul, não garantiria a sua concretização até ao dia 1/10/2014, pois haveria a necessidade de aposição de assinatura no Aviso de Receção, o que poderia não ser conseguido dentro daquele curtíssimo prazo de pouco mais de 24 horas.

Afigura-se-nos difícil contrapor que a citação por oficial de justiça ou por solicitador de execução seria de difícil e oportuna concretização atenta a localização do tribunal e da rua onde operaria a citação (argumento, aliás, que nem sequer colheria, mesmo que se situassem na área de competência territorial de secções laborais diversas[3]), dado a Ré ter sede na mesma comarca (Tribunal do Trabalho de Lisboa) e cidade (em rigor, para quem conhece Lisboa, a Secção de Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa e a sede da Ré não estão separadas por distâncias e jornadas temporais assinaláveis e intransponíveis, para mais com os transportes públicos existentes na nossa capital).
Para quem alegue, ainda assim que, nas condições existentes, não lograria o tribunal recorrido obter tal resultado, dentro daquele curto espaço de tempo, argumentar-se-á, desde logo, com o facto de a secretaria do tribunal da 1.ª instância, aparentemente, nem sequer ter equacionado tal alternativa como a mais adequada, por se revelar a mais expedita e capaz de conseguir a finalidade pretendida e, nessa medida e segundo esse juízo evidente, ter lançado mão dela.  

Não somos, em segundo lugar, dessa opinião, nada ressaltando dos autos nem do regime legal aplicável (para mais, quando as comunicações entre tribunais e os solicitadores de execução são feitos por via eletrónica, ou seja, de forma quase instantânea) no sentido de que a mesma não poderia objetivamente ser levada a cabo através de solicitador de execução (partindo-se do necessário e prévio pressuposto de que estaria assegurada a sua efetivação em tempo útil) ou de oficial de justiça (a via mais eficaz e adequada, na nossa modesta opinião, ao propósito ordenado e perseguido), desde que tivesse havido o empenho e o interesse necessários a levar a bom porto essa missão, dentro do referido prazo[4].

O tribunal (considerado em termos amplos), face a um pedido de citação urgente, não tem só de satisfazer, de imediato e com prontidão, o mesmo como ainda deve procurar fazê-lo de uma maneira criteriosa, prudente e ponderada, escolhendo para a concretização de tal ato, de entre a panóplia de instrumentos que a lei coloca ao seu dispor, aquele ou aqueles que se revelem mais aptos e eficientes à sua prossecução efetiva e atempada (cf., a este respeito, os artigos 131.º, 137.º, números 1 e 2 e 157.º do Novo Código de Processo Civil).

Ora, salvo o devido respeito por posição contrária, não foi isso que se passou no caso dos autos, pois a citação urgente não foi devida e corretamente realizada em tempo útil, por não ter sido escolhido pela secretaria judicial[5] o meio idóneo e adequado a efetivá-la em prazo (ou pelo menos, sido feita uma tentativa nesse sentido) como é imposto pela interpretação conjugada das normas indicadas do Novo Código de Processo Civil.

Sendo assim, afigura-se-nos que, neste particular circunstancialismo, não pode ser imputada ao Autor a responsabilidade da não realização oportuna de tal citação urgente, mas antes à secretaria do tribunal recorrido, sendo certo que, de acordo com o disposto no número 6 do artigo 157.º do Novo Código de Processo Civil, “os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”.

Logo, pelos motivos expostos, temos que presumir que a citação urgente da mesma seria ainda feita dentro do prazo de 1 ano após a cessação do contrato de trabalho dos autos, não se verificando, consequentemente, a exceção perentória de prescrição por ela invocada.  

Sendo assim, o presente recurso de Apelação tem de ser julgado procedente, com a revogação da decisão impugnada e sua substituição por uma outra, de conteúdo, alcance e sentido opostos.”
*

A Apelada BB, S.A. veio, a fls. 168 a 171 apresentar, em 1 de outubro de 2015, reclamação para a conferência, dessa Decisão Singular, tendo a mesma o seguinte teor:

“BB, S.A., Recorrente nos autos à margem referenciados, notificada da douta Decisão Singular, por considerar que a mesma a prejudica, vem requerer, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Salvo o devido respeito, que aliás é muito, a douta Decisão Singular ofende frontalmente o disposto no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, pois caso o Recorrido pretendesse valer-se da presunção ali constante, teria, indubitavelmente, que dar entrada da ação em juízo pelo menos 5 dias antes do termo do prazo de prescrição, o que manifestamente não fez.
E também não se pode imputar à secretaria do Tribunal, como faz a douta Decisão Singular, a falta de citação dentro do prazo de prescrição, pois que nenhuma falha cometeu, dado que a citação pessoal é feita, em regra, por correio registado - cfr. artigo 225.º, n.º 2 do CPC - podendo ser feita por agente de execução, sendo esta última, porém, usada em detrimento da citação por via postal, quando o "autor assim declare pretender na petição Inicial." - cfr. artigo 231.º, n.º 8 do CPC - o que o Recorrido manifestamente também não fez.
Por isso, a douta Decisão Singular prejudica gravemente a Recorrente que, por essa razão, requer que sobre a matéria em questão recaia um Acórdão!”    
*

O Autor veio responder a tal pedido de conferência formulado pela Apelada/Reclamante nos moldes constantes de fls. 176 a 179, possuindo tal resposta o seguinte conteúdo:

«AA vem, nos autos à margem identificados, e na sequência do requerimento que antecede formulado pela BB SA reiterar os termos e fundamentos do recurso por si oportunamente interposto, concordando em absoluto com a douta decisão proferida nos presentes autos, ainda que singular.
A ação deu entrada no dia 29/09/2014, tendo sido objeto de despacho imediato e prévio, que ordenou a citação urgente, no dia 30/09/2014. O então Autor requereu ainda que a mesma fosse concretizada por oficial de justiça, localizando-se o Tribunal em Lisboa e a Sede da empresa Ré igualmente na mesma localidade (inclusivamente não a excessiva distância). Ao invés a Secretaria do Tribunal da 1.ª instância optou por efetuar a citação através de carta registada com aviso de receção, não tendo sequer equacionado outro tipo de solução.
Como bem se refere na douta decisão proferida: "O tribunal (considerado em termos amplos), face a um pedido de citação urgente, não tem só de satisfazer, de imediato e com prontidão, o mesmo, como ainda deve procurar fazê-lo de uma maneira criteriosa, prudente e ponderada, escolhendo para a concretização de tal ato, de entre a panóplia de instrumentos que a lei coloca ao seu dispor, aquele ou aqueles que se revelem mais aptos e eficientes à sua prossecução efetiva e atempada" (artigos 131.º, 137.º n.ºs 1 e 2 e 157.º do Novo Código do Processo Civil).
Não foi o que se passou nos presentes autos, pois a secretaria judicial não escolheu o meio idóneo e adequado a efetuar a devida citação em prazo, tal como havia sido determinado por despacho e requerido pelo Autor.
Como prevê o n.º 6 do artigo 157.º do NCPC, "os erros ou omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes".
Não se verificou, desta forma, a exceção perentória de prescrição, pelo que se entende que a douta decisão do Tribunal da Relação já proferida, não merece qualquer censura».
*

Cumpre decidir, tendo os autos ido aos vistos dos Ex.mos juízes desembargadores adjuntos.
*

II– OS FACTOS.

O tribunal da 1.ª instância, assim como este Tribunal da Relação de Lisboa, deram como provados os seguintes factos:

1) O contrato de trabalho que vinculou Autor e Ré cessou no dia 30/09/2013;
2) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal em 29/09/2014, às 22h53m, tendo requerido a citação prévia da Ré;
3) A Ré foi citada no dia 02/10/2014;
4) O Autor requereu que a citação urgente fosse efetuada por oficial de justiça (cfr. fls. 2).
5) O despacho judicial determinativo da citação foi proferido em 30/09/2014, na sequência da conclusão aberta nesse mesmo dia, possuindo o mesmo o seguinte teor: «Notifique e cite, nos termos requeridos na petição inicial (art.º 561.º do CPC) e do art.º 54.º, n.ºs 3, 4 e 5, do CPT.» (cfr. fls. 68).
6) A secretaria do Tribunal do Trabalho de Lisboa procedeu à citação da Ré através de carta registada com Aviso de receção, remetida no dia 30/9/2013 (cfr. fls. 71 e 72), para a morada indicada pelo Autor na sua Petição Inicial.
7) A morada indicada pelo Autor na sua Petição Inicial foi a seguinte: Rua (…), 1249-130 Lisboa.
*

Nota: Na Factualidade dada como Provada pelo tribunal da 1.ª instância mostram-se já inseridos os Factos que, em sede da Decisão Sumária, o relator desta Apelação ordenou, em termos oficiosos e porque resultavam dos documentos juntos aos autos, que fossem aditados aquela, achando-se igualmente corrigidos ou acrescentados os Pontos de Facto originalmente existentes e que se entendeu por bem ratificar ou acrescentar, achando-se tais aditamentos, acrescentos ou correções assinaladas a negrito no texto da Matéria de Facto acima dada como reproduzida.          

III– OS FACTOS E O DIREITO.

O coletivo de juízes, reunido em conferência e após analisar os elementos relevantes constantes dos autos – articulados das partes e documentos juntos –, bem como o teor das alegações das partes, da reclamação da Apelada e da resposta por parte do Apelante, não encontra fundamento, quer de natureza fáctica como jurídica, para alterar a decisão sumária acima transcrita e proferida pelo relator em 17/09/2015, no que concerne às diversas questões suscitadas na presente Apelação e ali apreciadas e decididas.

A Apelada radica a fundamentação da sua reclamação na circunstância de o Autor não ter requerido a citação urgente da Ré através de agente de execução (ou oficial de justiça), não podendo, por outro lado, beneficiar da presunção do número 2 do artigo 323.º do Código Civil, dado não ter proposto a presente ação para além do prazo de 5 dias referenciado em tal norma jurídica.

Ora, não somente a Reclamante revela desatenção no que concerne aos elementos de facto fornecidos pelos autos e que se mostram refletidos, na parte que releva para o julgamento da exceção perentória da prescrição pela mesma invocada na sua contestação, na Factualidade dada como Assente, sendo manifesto que o Reclamado indicou expressamente a modalidade de citação que pretendia (oficial de justiça), tendo a mesma sido deferida pelo tribunal da 1.ª instância mas desrespeitada pela secretaria judicial, como não foi o artigo 323.º, número 2, do Código Civil que se fez funcionar na situação em análise mas antes, face ao erro cometido pela secretaria e que prejudicou manifestamente o demandante, a regra constante do número 6 do artigo 157.º do NCPC.    
         
Importa reforçar o que já se afirmou na Decisão reclamada e que tem a ver com a circunstância de nada no regime processual comum contido no Novo Código de Processo Civil (e que, nessa como em muitas outras matérias é idêntico ao determinado no anterior Código de Processo Civil) assim como no regime especial do Código de Processo do Trabalho, impor que os autores tenham de propor as ações necessariamente até ao 6.º dia antes de terminar o prazo prescricional em curso, sob pena de verem naufragar as suas pretensões, por força do funcionamento de tal exceção perentória (tese, aliás, sustentada na sentença recorrida e aparentemente sufragada pela Ré).

Rebate, desde logo, tal interpretação do número 2 do artigo 323.º do Código Civil a possibilidade de os demandantes requererem a citação urgente dos réus, nos termos do artigo 561.º do primeiro diploma legal referido, o que só se justifica para situações como a que teve lugar nestes autos (se a citação urgente for pedida para uma ação proposta até ao 6.º dia antes de findar o prazo de prescrição, não há motivo para deferir tal citação urgente, dado aí funcionar, por regra, o número 2 do artigo 323.º do Código Civil).

Certamente que os autores que propõem as ações já dentro do prazo de 5 dias, referido no número 2 do artigo 323.º do Código Civil, deixam de beneficiar do regime aí previsto (a não ser que a citação não tenha sido efetuada por culpa sua) e sujeitam-se ao risco dessa citação ser concretizada já para além do prazo de prescrição que está iminente, mas tal não significa que o julgador e depois a secretaria do tribunal não devam desenvolver (mesmo oficiosamente, convirá dizê-lo[6]) todas as diligências e procedimentos tendentes a efetivar a citação pretendida em tempo (ou seja, ainda dentro do prazo de prescrição que se acha a decorrer).  
           
Sendo assim, confirma-se a Decisão Singular proferida pelo relator, com base nos fundamentos nela explanados com vista a justificar, fáctica e juridicamente, a mesma, como ainda na argumentação jurídica que se deixou acima exposta. 
           
IV – DECISÃO
                  
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 656.º e 652.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, em conferência, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em reiterar a Decisão Sumária proferida pelo relator do presente recurso e, nessa medida, em revogar o despacho recorrido, decidindo-se, em sua substituição, pela improcedência da exceção perentória (invocada pela Ré) da prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor, devendo os autos baixar ao tribunal da 1.ª instância a fim de seguir a legal e normal tramitação.           

Custas do recurso de Apelação nos moldes já fixados na Decisão Sumária (n.º 1 do art.º 527.º do NCPC).
Registe e notifique.


Lisboa, 18 de novembro de 2015     


José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Eduardo Azevedo


[1]O artigo 562.º do NCPC possui a seguinte redação:
Artigo 562.º
Diligências destinadas à realização da citação
Incumbe à secretaria proceder às diligências necessárias à citação do réu, nos termos previstos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 226.º.
Por seu turno, o artigo 226.º do mesmo diploma legal tem o seguinte teor, na parte que para aqui releva:
Artigo 226.º
Regra da oficiosidade das diligências destinadas à citação
1- Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial.
2- Passados 30 dias sem que a citação se mostre efetuada, é o autor informado das diligências efetuadas e dos motivos da não realização do ato.
3- Decorridos 30 dias sobre o termo do prazo a que alude o número anterior sem que a citação se mostre efetuada, é o processo imediatamente concluso ao juiz, com informação das diligências efetuadas e das razões da não realização atempada do ato.
4- A citação depende, porém, de prévio despacho judicial:
a)Nos casos especialmente previstos na lei;
b) (…)
f)Quando se trate de citação urgente.
5- Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.
6- Não tendo o autor designado o agente de execução que deva efetuar a citação nem feito a declaração prevista no n.º 8 do artigo 231.º, ou ficando a designação sem efeito, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 720.º.
Finalmente, os artigos 231.º e 720.º, na parte que para aqui importa, têm o seguinte conteúdo:
Artigo 231.º
Citação por agente de execução ou funcionário judicial
1- (…)
2- Os elementos a comunicar ao citando, nos termos do artigo 227.º, são especificados pelo próprio agente de execução, que elabora nota com essas indicações para ser entregue ao citando.
3- No ato da citação, o agente de execução entrega ao citando a nota referida no número anterior, bem como o duplicado da petição inicial, recebido da secretaria e por esta carimbado, e a cópia dos documentos que a acompanhem, e lavra certidão, que o citado assina.
4- Recusando-se o citando a assinar a certidão ou a receber o duplicado, o agente de execução dá-lhe conhecimento de que o mesmo fica à sua disposição na secretaria judicial, mencionando tais ocorrências na certidão do ato.
5- No caso previsto no número anterior, a secretaria notifica ainda o citando, enviando-lhe carta registada com a indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição.
6-O agente de execução designado pode, sob sua responsabilidade, promover a citação por outro agente de execução, ou por um seu empregado credenciado pela entidade com competência para tal nos termos da lei.
7 - Nos casos em que a citação é promovida por um empregado do agente de execução, nos termos do número anterior, a citação só é válida se o citado assinar a certidão, que o agente de execução posteriormente também deve assinar.
8- A citação por agente de execução tem também lugar, não se usando previamente o meio da citação por via postal, quando o autor assim declare pretender na petição inicial.
9- A citação é feita por funcionário judicial, nos termos dos números anteriores, devidamente adaptados, quando o autor declare, na petição inicial, que assim pretende, pagando para o efeito a taxa fixada no Regulamento das Custas Processuais, bem como quando não haja agente de execução inscrito ou registado em qualquer das comarcas pertencentes à área de competência do respetivo tribunal da Relação.
10- Quando a diligência se configure útil, pode o citando ser previamente convocado por aviso postal registado, para comparecer na secretaria judicial, a fim de aí se proceder à citação.
11- Aplica-se à citação por agente de execução o disposto no n.º 2 do artigo 226.º.
Artigo 720.º
Agente de execução
1- (…)
2- Não tendo o exequente designado o agente de execução ou ficando a designação sem efeito, esta é feita pela secretaria, segundo a escala constante da lista oficial, através de meios eletrónicos que garantam a aleatoriedade no resultado e a igualdade na distribuição.
3- (…)
[2]Ainda que tal justiça formal se revele muito conveniente, porque mata rapidamente um litígio judicial, assim contribuindo positivamente para a baixa da estatística e para o cumprimento dos objetivos fixados.
[3]Não será despiciendo recordar, nesta matéria, que, até à reforma do processo civil de 1995/96, a citação urgente, segundo o número 2 do artigo 478.º do Código de Processo Civil de 1961, não era permitida quando tivesse de ser efetuada editalmente ou fora da comarca, tendo esta última restrição desaparecido com essa reforma, o que implica que a, partir de então, a citação urgente pode ser concretizada, mesmo que tenha de se realizar fora dos limites da competência do tribunal onde é requerida.       
[4]Algum cidadão comum e mediano, colocado na posição do funcionário judicial encarregue de tal diligência judicial, acredita que o mesmo não lograria efetuar tal citação urgente durante o dia útil de 1/10/2014 (quarta-feira)? 
[5]Melhor dizendo, dado cumprimento à modalidade expressamente requerida pelo Autor e judicialmente deferida, com invocação do art.º 561.º do NCPC – fls. 68.
[6]O que implica que a não indicação da modalidade de citação urgente que o demandante pretende não é impedimento ou justificação para os funcionários da respetiva secção não tentarem levar a bom termo tal diligência judicial, optando, para o efeito, pela modalidade ao seu dispor que demonstre ser a mais célere, adequada e eficaz ao objetivo perseguido.