PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
REQUISITOS
LICENÇA SEM VENCIMENTO
MENOR A CARGO
Sumário

1- De acordo com a cláusula 91ª do ACT para o Sector Bancário, os trabalhadores com um ou mais filhos, enteados, adoptados ou adoptandos, desde que menores de seis anos ou incapazes e a seu cargo, têm direito a licença sem retribuição nos termos desta Cláusula e até ao máximo de três anos.
2- A expressão “ a seu cargo”, apesar de pressupor a pertença ao mesmo agregado familiar, não exige, contudo, que o menor esteja exclusivamente a cargo da pessoa que invoca o direito, excluindo apenas as situações em que a guarda do menor esteja atribuída ao outro progenitor, que não exista comunhão de mesa e habitação com o requerente da licença ou em que o menor esteja confiado a uma instituição.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I-RELATÓRIO:


     
AA, casado, portador do Cartão de Cidadão (…), residente (…), veio requerer o decretamento de procedimento cautelar comum contra BB S.A, com sede (…) matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número (…), pedindo que seja julgado procedente por provado o procedimento e, em consequência, seja revogada a decisão da Requerida e atribuída ao requerente a prorrogação do exercício do gozo da licença para assistência a filho, pelo período de doze meses consecutivos, a iniciar com a maior urgência possível, ou, em alternativa, caso se considere não haver lugar à prorrogação da licença, na medida em que o seu gozo efectivo ainda não se iniciou conforme interpretação da Requerida, deverá o presente procedimento ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser atribuído ao requerente o exercício do gozo da licença para assistência a filho, até ao dia 03 de Fevereiro de 2017, a iniciar com a maior urgência possível.

Para tanto invocou, em resumo, que:
(…)

-Em 04 de Fevereiro de 2011 nasceu o segundo filho do Requerente, CC;
-Em virtude do nascimento do seu filho CC, em 05 de Fevereiro de 2013, o Requerente comunicou, por correio registado, à Requerida que iria gozar da licença especial para assistência a filho, prevista no artigo 52.º do Código do Trabalho e na Cláusula 91ª, nº 5 da Convenção Colectiva de Trabalho para o Sector Bancário, pelo período de 3 anos, com inicio em 1 de Março de 2013 e término em 2 de Maço de 2016;
-Informando em tal comunicação, que:

(i) O seu filho faz parte do seu agregado familiar;
(ii) Que o outro progenitor tinha uma actividade profissional,
(iii)Que o outro progenitor não se encontra em situação de licença nem impedida de exercer o poder paternal;
(iv) Não se encontrava esgotado o período de licença parental complementar;
-A tal comunicação veio a Requerida responder, em 19 de Fevereiro de 2013, autorizando o gozo da licença, de 1 de Março de 2013 a 29 de Fevereiro de 2015;
-Iniciando o gozo da licença no dia 1 de Março de 2013;
-Em 17 de Janeiro de 2015, aproximando-se o termo do prazo de vigência da licença que se encontrava a gozar e mantendo-se o motivo pelo qual solicitou a mesma, e sendo permitido pela Convenção Colectiva de Trabalho que rege o sector bancário, o gozo da Licença para assistência a filho pelo período máximo de três anos, o Requerente remeteu à Requerida uma comunicação, solicitando a prorrogação da referida licença pelo período de 1 ano, de forma a completar os três anos a que teria direito por efeito do disposto na Cláusula 91.º, n.º 5, do Acordo Colectivo de Trabalho do sector Bancário;
-Pedido que, sem qualquer justificação ou fundamentação, foi simplesmente indeferido pela Requerida;
-Em 27 de Janeiro de 2015 o Requerente solicitou esclarecimentos à Requerida, nomeadamente que fundamentasse a recusa ao exercício do referido direito, vindo, contudo, mais uma vez a Requerida indeferir a prorrogação da licença sem vencimento apresentada, concedida ao abrigo da cláusula 91ª do ACT, sem qualquer fundamentação;
-Vindo a Requerida, finalmente, em 26 de Fevereiro de 2015 comunicar ao Requerente o indeferimento do seu pedido de prorrogação da licença apresentada, porquanto a licença autorizada ao Requerente foi-o ao abrigo do n.º 1 da Cláusula 91ª do ACT;
-O que não se compreende na medida em que a primeira comunicação é expressa em comunicar o gozo da licença ao abrigo do número 5 do artigo 91.º do ACT;
-O que logrou esclarecer à Requerida, por missiva datada de 04 de Março, acrescentando que, não tinha sido comunicado, em momento algum, uma licença sem vencimento, mas sim uma licença para assistência a filho prevista no artigo 91.º, n.º 5 da Convenção Colectiva de Trabalho para o sector bancário;
-Pelo que o que efectivamente se pretendia era a prorrogação pelo período de doze meses da licença especial para assistência a filho que se encontrava a gozar;
-No entanto, não sendo esse o entendimento da entidade empregadora, e de acordo com as suas expressas informações de que essa licença não foi gozada pelo ora Requerente, comunicou o Requerente, por meio de carta datada de 04 de Março de 2015 que iria exercer o gozo de licença para assistência a filho, nos termos do artigo 52.º do Código do Trabalho e n.º 5 da Cláusula 91ª do ACT aplicável;
-Solicitando o gozo de tal licença até 03 de Fevereiro de 2017;
-Ao que a Requerida respondeu que a documentação remetida pelo Requerente apenas lhe conferia a qualidade de pai, devendo ser feita prova quanto ao requisito do filho menor estar a seu cargo, uma vez que a documentação remetida apenas faz prova de que o filho menor está a cargo de ambos os progenitores;
-Apesar de não entender o que se pretendia com tal missiva, o Requerente remeteu à Requerida, uma declaração subscrita pela sua mulher, progenitora do seu filho, cujo conteúdo refere que é mãe de quatro filhos menores, exerce uma intensa actividade profissional que exige largos períodos de ausência prolongada da sua residência familiar, encontrando-se os filhos menores do casal a cargo do progenitor, ora Requerente e cópia da última declaração de rendimentos;
-Tendo a Requerida novamente e sem qualquer fundamento indeferido a licença para assistência a filho menor;
-Colocando em causa, com a sua postura, a conciliação da via profissional e familiar do Requerente, sem qualquer justificação plausível e atentando contra os direitos que assistem ao Requerente;
-Compete ao Requerente tão-só, em cumprimento do preceituado no art. 91.º, n.º 5 do ACT e do artigo 52.º do CT, alegar e provar a relação de parentalidade, a idade do descendente, a intenção de gozo ou prorrogação licença, o início e terminus do período, a situação profissional da mãe da menor sem gozar da mesma licença e a comunhão de mesa e habitação;
-Tendo procedido à referida alegação, cumpriu o Requerente todos os ditames legais para poder gozar da licença e, consequentemente, prestar toda a assistência que o seu filho menor neste momento necessita;
-Na verdade, o Requerente, durante o gozo desta licença para assistência a filho, não presta trabalho por conta da Requerida, mas também não aufere qualquer rendimento daquela entidade, seja a título de retribuição, seja a título de subsídio, não causando qualquer lesão à requerida;
-A que acresce ainda o facto de esta licença, atentos os direitos que visa acautelar, ser sobreponível aos interesses da entidade empregadora, não podendo, por isso, a requerida obstar ao gozo desta licença sem qualquer justificação ou fundamento.

Conclui o requerente dizendo que se encontram preenchidos os pressupostos do decretamento da providência (existência de um direito do requerido e periculum in mora) e que pretende que o Tribunal determine a revogação da decisão da requerida e autorize o gozo de licença especial para assistência a filho por mais um ano ou, caso se entenda que o mesmo se encontrou a gozar uma outra qualquer licença, conforme interpretação da Requerida que não se logra de todo compreender, seja concedida a licença especial para assistência a filho ab initio até ao dia 03 de Fevereiro de 2017, altura em que o menor perfaz seis anos de idade.

Foi designada a audiência final e citado o requerido para apresentar, querendo, oposição, o que fez invocando, em resumo, que:

- as pretensões do Requerente carecem de pressupostos de facto e de direito porquanto, no caso em apreço, não se verifica o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) a aparência de um direito e a possibilidade séria da sua existência, pois o Requerente não é titular de um direito a licença para assistência a filho nos termos do artigo 52º do Código do Trabalho e de um direito a licença sem retribuição nos termos do n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT, razão pela qual tais direitos não existem; 2) o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora).
-Acresce que o Requerente reconduz, erradamente, a licença para assistência a filho prevista no artigo 52.º do Código do Trabalho à licença sem retribuição referida no n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT, e a confusão entre as duas figuras é latente na troca de correspondência com o Requerido;
-Porém, as referidas licenças são distintas no seu âmbito de aplicação, no regime e nos requisitos, não sendo complementares uma da outra, e não podendo a segunda ser aplicada em extensão da primeira ou vice-versa;
-Sucede que a licença para assistência a filho do artigo 52.º do Código do Trabalho é um direito dos progenitores do menor e que se aplica depois de esgotado o direito à licença parental complementar prevista no artigo 51.º do Código do Trabalho, em qualquer das suas modalidades e tem a duração limite de dois anos, podendo durar até três anos a partir do terceiro filho; para efeitos do exercício do direito por um dos progenitores o outro tem de ter atividade profissional e não se encontrar ao mesmo tempo em situação de licença ou estar impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal e tem de viver com o menor em comunhão de mesa e habitação, sem prejuízo de outros requisitos;
-A licença sem retribuição constante do n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT é um direito do trabalhador de instituição em que seja aplicável este instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e filiado num dos sindicatos outorgantes que tenha um ou mais filhos, enteados, adotados e adotandos menores de seis anos ou incapazes a seu cargo;
-Esta licença tem a duração limite de três anos, independentemente do número de filhos, enteados, adotados ou adotandos;
-O único requisito do exercício do direito a esta licença pelo trabalhador é o do filho ou filhos e outros dependentes estarem a seu cargo, requisito que difere substancialmente do requisito de “comunhão de mesa e habitação” da licença para assistência a filho, sendo este mais abrangente do que aquele;
-A urgência que o Requerente invoca na obtenção de uma decisão preliminar pelo decretamento da presente providência apenas existe por inércia sua;
-De facto, caberia ao Requerente, na data em que tem conhecimento do indeferimento da prorrogação da licença por parte do Requerido (Cfr. Documento n.º 5 junto ao Requerimento Inicial), ou, no limite, da reiteração de tal indeferimento (Cfr. Documento n.º 7 junto ao Requerimento Inicial), requerer uma providência cautelar adequada a assegurar a efetividade do direito que entende estar a ser ameaçado;
-Decorreram quase três meses após o regresso do Requerente ao serviço do Requerido e quase quatro meses após o conhecimento da decisão de indeferimento do Requerido em relação ao pedido de prorrogação efetuado para aquele requerer a presente providência, pelo que o receio do Requerente é-lhe diretamente imputável; e
-Neste caso não existe qualquer lesão que revista caráter grave e de difícil reparação resultante do não decretamento da providência requerida, razão pela qual a providência cautelar não se revela adequada à remoção do periculum in mora, uma vez que esse perigo não existe.
Conclui no sentido de que deve ser julgada improcedente a presente providência cautelar por não estarem reunidos os requisitos previstos nos artigos 362.º e seguintes do CPC, dela se absolvendo o Requerido.
Teve lugar a audiência final com observância do legal formalismo.

Em 02.07.2015 foi proferido o despacho que decidiu a causa e que finalizou com o seguinte dispositivo:

“Por tudo o que ficou exposto e nos termos das disposições legais citadas, defiro ao decretamento da presente providência e, em consequência, atribuo ao requerente a prorrogação do exercício do gozo da licença para assistência a filho, pelo período de doze meses consecutivos.
Custas pela requerida (art. 539º, nº 1, 2ª parte, do CPC).
Registe e notifique.”

Inconformado,o Banco requerido interpôs recurso formulando as seguintes conclusões:
(…)

O requerido contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
(…)

Subidos os autos a este Tribunal, a Exmaª Srª Procuradora-Geral Adjunta lavrou parecer no sentido de ser julgado improcedente o recurso e de ser atribuído ao recurso efeito devolutivo.

Notificadas as partes do mencionado parecer, nada disseram.

Colhidos os vistos legais, cumpre, apreciar e decidir.
*

Objecto do recurso:

Como é sabido, o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC).

Assim, no presente recurso há que apreciar a seguinte questão:

-Se o tribunal a quo errou ao deferir o decretamento da providência e, em consequência, ao atribuir ao requerente a prorrogação do exercício do gozo da licença para assistência a filho, pelo período de doze meses consecutivos.
*

Fundamentação de facto.

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
A) – (…)
B) – (…)
C) – (…)
D) - Em 04 de Fevereiro de 2011 nasceu o segundo filho do requerente, CC conforme assento de nascimento n.º (…), do ano de 2011, cuja cópia consta de fls. 27 e 28 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

E) - Em virtude do nascimento do seu filho, CC, em 05 de Fevereiro de 2013, o requerente comunicou à requerida, por carta cuja cópia consta de fls. 29 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, que iria gozar da licença especial para assistência a filho, prevista no artigo 52.º do Código do Trabalho e na Cláusula 91ª, nº 5 da Convenção Colectiva de Trabalho para o Sector Bancário, pelo período de 3 anos, com inicio em 1 de Março de 2013 e término em 2 de Março de 2016.

F)– Informando, em tal comunicação, que:

(i) O seu filho faz parte do seu agregado familiar;
(ii) Que o outro progenitor tinha uma actividade profissional,
(iii) Que o outro progenitor não se encontra em situação de licença nem impedida de exercer o poder paternal;
(iv) Não se encontrava esgotado o período de licença parental complementar.

G)– Em resposta à carta referida em E), a requerida enviou ao requerente a carta cuja cópia consta de fls. 30 dos autos, datada de 19/02/2013, com o seguinte teor:

“Assunto: Licença s/Vencimento
Exmo. Senhor,
Em resposta à sua solicitação de 5 de fevereiro de 2013, vimos informar o seguinte:
1. Foi autorizada a licença sem vencimento que solicitou de 1 de março de 2013 a 29 de fevereiro de 2015.
2. Em conformidade com o que ficou acordado, o período de licença sem vencimento irá contar para os efeitos do Anexo V do ACTV para o Sector Bancário.
3. (…)”.

H)– O requerente iniciou o gozo da licença no dia 1 de Março de 2013.

I)– O requerente enviou à requerida a carta cuja cópia consta de fls. 31 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 17/01/2015, na qual, além do mais, era dito:
“(…)

Assunto: Pedido de renovação de licença parental.
AA
Empregado: (…)
Nos termos da minuta enviada em 5 de Fevereiro de 2013, que junto em anexo, ao abrigo da licença parental, venho por este meio, solicitar o pedido de renovação pelo período de um ano.
(…)”.

J)- Em resposta à carta referida em I), a requerida enviou ao requerente a carta cuja cópia consta de fls. 32 dos autos, datada de 21/01/2015, com o seguinte teor:

“Assunto: Pedido de renovação de licença para assistência a filho Exmo. Senhor,
Pela presente informamos que o seu pedido de licença sem vencimento, remetido por carta datada de 17 de janeiro de 2015, foi indeferido.
(…)”.

K)– Na sequência da recepção da carta referida em J), o requerente enviou à requerida a carta cuja cópia consta de fls. 33 e vº, que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 27/01/2015.

L)- Em resposta à carta referida em K), a requerida enviou ao requerente a carta cuja cópia consta de fls. 82 dos autos, datada de 11/02/2015, com o seguinte teor:

“Exmo. Senhor,
Conforme foi oportunamente comunicado, por carta enviada em 21 de janeiro de 2015, o Banco reitera o indeferimento do seu pedido de prorrogação da licença sem vencimento apresentada, concedida ao abrigo da cláusula 91º do ACT.
(…)”.

M)- Na sequência da recepção da carta referida em L), o requerente enviou à requerida a carta cuja cópia consta de fls. 35 e 36 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 18/02/2015.

N)- Em resposta à carta referida em M), a requerida enviou ao requerente a carta cuja cópia consta de fls. 37 dos autos, datada de 26/02/2015, com o seguinte teor:

“Exmo. Senhor,
Conforme foi oportunamente comunicado, por carta enviada em 21 de janeiro de 2015, o Banco reitera o indeferimento do seu pedido de prorrogação da licença sem vencimento apresentada, que lhe foi concedida ao abrigo do nº 1 da cláusula 91ª do ACT.
Mais se informa que, a prorrogação requerida ao abrigo do nº 5 da referida cláusula 91ª não lhe é aplicado, porquanto, quando da atribuição da referida licença não foi pedida ao abrigo daquele nº 5, para a qual seria necessário fazer a prova do requisito do filho estar a cargo.
(…)”.

O)- Na sequência da recepção da carta referida em N), o requerente enviou à requerida a carta cuja cópia consta de fls. 38 e 39 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 04/03/2015.

P)- Em resposta à carta referida em O), a requerida enviou ao requerente a carta cuja cópia consta de fls. 43 dos autos, datada de 16/03/2015, com o seguinte teor:

“Exmo. Senhor,
Na sequência do seu pedido de licença sem vencimento, pelo período de 22 (vinte e dois) meses e 3 (três) dias, ao abrigo do disposto no nº 5 da cláusula 91ª do ACT, para o Sector Bancário, foi-lhe solicitado por comunicação de 04/03/2015 que fizesse prova que o filho menor estava a seu cargo.
Respondendo a esse pedido, remeteu para o efeito uma "imagem" de uma declaração datada de 05/03/2015 e subscrita pela sua esposa, na qual se declara que devido à sua intensa vida profissional, os quatro filhos menores, do casal, onde se inclui o menor CC, estavam a cargo de V. Exa.
Ora, como facilmente se conclui a "declaração" enviada, que foi subscrita pela esposa de V. Exa. não é o documento adequado para o efeito e, muito menos as razões invocadas concorrem para o efeito.
Assim, considerando que V. Exa. não fez prova quanto ao seu filho menor estar a seu cargo, indefere-se a licença sem vencimento ao abrigo do n° 5 da cláusula 91ª do ACT, para o Sector Bancário, que oportunamente solicitou.
(…)”.

Q)- A requerida enviou ao requerente a carta cuja cópia consta de fls. 44 dos autos, datada de 08/04/2015, com o seguinte teor:

“Exmo. Senhor,
Na sequência do seu pedido de licença sem vencimento, pelo período de 22 (vinte e dois) meses e 3 (três) dias, ao abrigo do disposto no nº 5 da cláusula 91ª do ACT, para o Sector Bancário, foi-lhe solicitado por comunicação de 04/03/2015 que fizesse prova que o filho menor estava a seu cargo.
Respondendo a esse pedido, remeteu para o efeito uma "imagem" de uma declaração datada de 05/03/2015 e subscrita pela sua esposa, na qual se declara que devido à sua intensa vida profissional, os quatro filhos menores, do casal, onde se inclui o menor CC, estavam a cargo de V. Exa.
Ora, conforme por nós referido por carta com data de 16 de março, a "declaração" enviada, que foi subscrita pela esposa de V. Exa. não é o documento adequado para o efeito.
A requerida prova deverá ser dada mediante entrega de documento oficial que comprove de que o filho está a seu cargo, conforme disposto no nº 5 da cláusula 91ª do ACT, para o Sector Bancário, isto é, que se encontra sob a sua inteira e única responsabilidade.
(…)”.

R)- Do agregado familiar do requerente fazem parte a sua mulher e quatro crianças menores que com ele partilham mesa e habitação.

S)- A cônjuge do requerente é empresária, pelo que a sua actividade profissional exige várias horas diárias alocadas às empresas que gere.

T)- Empresas essas que operam nas áreas de organização de eventos e prestação de serviços de catering e banquetes.

U)- Que requerem a sua permanência na organização e realização dos diversos eventos que as sociedades organizam.

V)- Muitos dos quais se realizam fora de Lisboa, o que exige à cônjuge do requerente largos períodos de ausência.

W)- Não tendo o requerente o apoio de qualquer outro familiar.

X)- É o requerente que leva o filho menor à escola que frequenta, o que face ao horário de entrada na requerida, exige que o mesmo se levante todas as manhãs às 6:30 e que regresse tardiamente a casa.
*

A decisão recorrida ainda considerou que não se provaram quaisquer outros factos, constantes do requerimento inicial ou da oposição, com interesse para a decisão da causa.
*

Fundamentação de Direito.

Previamente à questão suscitada no recurso e no que respeita ao requerido efeito suspensivo do recurso cabe referir o seguinte:

No requerimento de interposição do recurso, a recorrente requereu que fosse atribuído efeito suspensivo ao recurso e, nessa sequência, autorizada a prestação de caução mediante garantia bancária.

Nas contra-alegações, defendeu o recorrido que, por não se verificarem os pressupostos legais, não deveria ser atribuído efeito suspensivo ao recurso.

Sobre tal pedido pronunciou-se o tribunal de 1ª instância nos seguintes termos:” Os factos invocados pelo Requerido não permitem concluir no sentido de que a imediata execução da decisão lhe causa prejuízo considerável ou de grande dimensão, conforme disposto no artigo 647º nº 4 do Código de Processo Civil, aplicável, ex vi do artigo 87 do Código de Processo do Trabalho.
Donde se indefere o pedido de atribuição de efeito suspensivo”
(…)

O referido despacho foi notificado às partes.

Nesta Relação a relatora, após exame liminar do processo, proferiu despacho no sentido de que o recurso era o próprio e que tinha sido admitido com o modo de subida e efeito adequados, tendo, assim, entendido não haver lugar à alteração do efeito do recurso (cfr. al.a) do nº 1 do artigo 652º e nº 1 do artigo 654º do CPC), nada mais havendo a decidir quanto a tal questão.
*

Apreciemos, então, a questão suscitada no recurso e que se traduz em saber se o tribunal a quo errou ao deferir o decretamento da providência e, em consequência, ao atribuir ao requerente a prorrogação do exercício do gozo da licença para assistência a filho, pelo período de doze meses consecutivos.

Sobre a questão e após aludir aos requisitos previstos no artigo 362º do CPC pronunciou-se a sentença recorrida nos seguintes termos:

“Antes de entrarmos na análise da verificação de tais requisitos no caso que nos ocupa, importa precisar qual a disposição do ACT para o Sector Bancário de que deveremos socorrer-nos: se do nº 1 ou do nº 5 da cláusula 91ª respectiva.
Defende a requerida que a licença sem vencimento, com início em 1 de Março de 2013 e termo em 29 de Fevereiro de 2015, referida nas alíneas E) a H) dos factos provados, comunicada pelo requerente por carta datada de 19 de Fevereiro de 2013, foi concedida pela requerida ao abrigo do n.º 1 da Cláusula 91.ª do ACT.

Cremos que sem razão.

Na verdade, do teor da comunicação referida e dada por reproduzida em E), resulta claramente que a mesma foi feita ao abrigo do n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT.

E do teor da carta remetida, em resposta, pela requerida ao requerente, referida e reproduzida em G), resulta que a licença solicitada foi autorizada de 01/03/2013 a 29/02/2015, sem que tenha sido feita qualquer ressalva quanto à norma que fundamentava tal autorização, só permitindo concluir que era dada nos termos em que fora solicitada, ou seja, ao abrigo do n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT.

Concluímos, assim, que, para a análise da situação que nos ocupa, teremos que reportar-nos ao regime previsto nesta última disposição citada.

Pretende, por outro lado, a requerida que a aplicação do dito regime está dependente da verificação do requisito de o menor estar exclusivamente a cargo do requerente.

Também cremos, salvo melhor opinião, que sem razão. Senão, vejamos.

O n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT estabelece o seguinte: “Os trabalhadores com um ou mais filhos, enteados, adoptados ou adoptandos, desde que menores de seis anos ou incapazes e a seu cargo, têm direito a licença sem retribuição nos termos desta Cláusula e até ao máximo de três anos”.

Ora e expressão “a seu cargo”, não implica, ao contrário do que pretende a requerida, que o requerente esteja separado do outro progenitor.

Tal expressão só não abarcará aquelas situações em que a guarda do menor esteja atribuída ao outro progenitor, que não viva em comunhão de mesa e habitação com o requerente, ou em que esteja confiado a uma qualquer instituição de acolhimento.

O que, claramente, não é o caso.

Na verdade, a norma em causa não exige o requisito da exclusividade do menor a cargo, nem tal interpretação é permitida, porque restritiva, numa norma atributiva de direitos.

Nestes termos, atenta a factualidade apurada e atendendo ao disposto no n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT, pode afirmar-se a verificação do primeiro dos requisitos supra enumerados - grande probabilidade de existência do direito supostamente ameaçado, a consagrar na acção declarativa proposta ou a propor.

Como decorre dos factos provados, também se mostra, de forma indiciária e suficiente, demonstrado o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável legalmente exigida.

Na verdade, decorre das regras de experiência comum que, para o desenvolvimento equilibrado de um menor, é fundamental o acompanhamento dos progenitores, ou pelo menos de um deles, durante os primeiros anos de vida, acompanhamento esse que fica comprometido se o requerente se vir impedido de gozar a licença que o ACT lhe confere.

Verificando-se, igualmente, o preenchimento do segundo dos requisitos, acima enunciados, de que depende o decretamento da providência pretendida.”

Discorda a recorrente do entendimento do Tribunal a quo, sustentando, em resumo, que a sentença admite a complementaridade entre os direitos consagrados no artigo 52.º do Código do Trabalho e no n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT do Sector Bancário, conduzindo a uma utilização imprópria e inaceitável do princípio do tratamento mais favorável, sendo que as referidas duas normas coexistem lado a lado com âmbitos de aplicação, regimes, modos de exercício e requisitos distintos; a principal diferença dos dois direitos reside nos seus requisitos: o direito do n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT do Sector Bancário depende do filho, enteado, adoptado ou adoptando ou outro dependente estar a seu cargo, e não somente a cargo; por seu turno, o direito do artigo 52.º do Código do Trabalho pressupõe que o menor viva em “comunhão de mesa e habitação” com o progenitor que o invoca, sendo mais abrangente do que o requisito do anterior direito; as duas normas visam acautelar ou proteger interesses distintos, pois enquanto o direito a licença para assistência a filho insere-se nas medidas de protecção da parentalidade consagradas no Código do Trabalho e visa proteger a posição dos progenitores que trabalham, assegurando o necessário equilíbrio entre a vida pessoal e familiar e a vida profissional, o direito à licença sem retribuição do n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT do Sector Bancário constitui uma medida de protecção do trabalhador bancário que se encontra numa situação particularmente delicada porque tem um ou mais filhos, enteados, adoptados ou adoptandos menores de seis anos ou incapazes a seu cargo; a viabilidade da pretensão do Apelado em combinar as vantagens das duas normas em apreço resultaria numa aplicação inaceitável da teoria do cúmulo ao princípio do tratamento mais favorável, com desprezo pelo equilíbrio dos dois direitos em causa; o Apelado não é, portanto, titular do direito à licença sem retribuição previsto no n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT do Sector Bancário e inexistindo o direito do Apelado à referida licença sem retribuição, inexiste também o fundado receio da respectiva lesão grave e de difícil reparação.

Acresce que os constrangimentos invocados pelo Apelado na conciliação da sua vida pessoal e familiar com a vida profissional, calmamente aceites na douta sentença, são os normais na vida de qualquer pai trabalhador, pelo que admitir a existência de uma lesão grave nos constrangimentos que o Apelado invoca é admitir que a protecção da parentalidade do Código do Trabalho não protege adequadamente a posição dos pais trabalhadores, além de que o acompanhamento do menor não fica de todo comprometido com o não decretamento da providência porquanto existem outras medidas de protecção da parentalidade constantes do Código do Trabalho de que o Apelado pode beneficiar até aquele perfazer pelo menos doze anos de idade.

Vejamos:

Estabelece o nº 1 do artigo 32º do CPT que aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum com as especialidades que enuncia, o que nos remete para o disposto no artigo 362º do CPC, norma relativa ao procedimento cautelar comum e que define o âmbito das providências cautelares não especificadas.

E nos termos do nº 1 do referido artigo “ sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.”

Nos termos do nº 2 do mesmo artigo “o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.”
 
Dispõe o nº 3 do citado artigo que “ não são aplicáveis as providências referidas no nº 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.”

Por seu turno, determina o artigo 368º do CPC:

“1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2- A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”.

A propósito dos requisitos necessários ao deferimento das providências cautelares não especificadas, escreve António Santos Abrantes Geraldes, em “Suspensão do Despedimento e Outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho”, pag.124:

O deferimento de providências não especificadas está dependente da verificação dos seguintes requisitos:

a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b) Fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável na esfera do requerente;
c) Adequação da providência à situação de lesão iminente;
d) Inexistência de providência específica que acautele a concreta situação de perigo.

No que respeita ao “fumus boni juris”, tal como é insuficiente a alegação do direito, não é exigida a certeza quanto á sua existência, bastando que esta possa afirmar-se com suficiente probabilidade.
Quanto ao “periculum in mora”, deve ser o corolário de um conjunto mais ou menos extenso de factos que, de acordo com regras da experiência, permitam afirmar a necessidade de uma intervenção judicial com vista a evitar a consumação, o agravamento ou a repetição da lesão”.

E como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.04.2010, in www.dgsi.pt, proferido ainda na vigência do artigo 381º do CPC, mas cujo entendimento é aplicável ao actual artigo 362º que manteve o texto daquele, “Como na generalidade sucede com qualquer outra providência cautelar, a providência cautelar não especificada está sujeita, além do interesse processual, a dois pressupostos específicos, através dos quais se objectivam os fundamentos da necessidade da composição provisória que o seu decretamento disponibiliza: o fumus bonus iuris e o periculum in mora.

Quanto ao primeiro, basta a aparência da existência do direito, requerendo-se apenas prova sumária.

A prossecução da finalidade específica da providência cautelar exige que a composição provisória que disponibiliza seja concedida com celeridade. A providência cautelar satisfaz-se, por isso, como uma apreciação sumária. A providência cautelar não exige uma prova stricto sensu - mas apenas uma prova sumária do direito ameaçado, ou seja, a probabilidade séria da existência do direito alegado (arts. 384 nº 3, 387 nº 1, 403 nº 2, 407 nº 1, 421 nº 1 e 423 nº 1 do CPC).

O procedimento cautelar requer apenas, quando ao grau de prova, um mera justificação, a simples demonstração de que a existência do direito invocado é provável ou verosímil, sendo, por isso, suficiente, a aparência desse direito. Numa palavra: basta um fumus boni iuris.

Pede-se ao tribunal apenas uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança. Esta solução explica-se pela circunstância de este pressuposto específico da providência cautelar constituir simultaneamente objecto da acção principal, na qual o requerente terá de fazer a prova stricto sensu da existência do direito acautelado[4].

O segundo requisito tem, pelo contrário, de ser objecto de prova que leve à formação de um juízo de certeza sobre a natureza excessiva do periculum in mora.

A finalidade específica da providência é evitar o dano proveniente da demora da tutela da situação jurídica, obviando ao denominado periculum in mora. Se este faltar, isto é, se o requerente da providência não se encontrar na eminência de sofrer uma lesão grave e dificilmente reparável, a providência não pode ser decretada. Ou seja, “a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”[5].

A gravidade da previsível lesão deve aferir-se à luz da sua repercussão na esfera jurídica do requerente, tendo em conta que, no concernente aos prejuízos materiais, eles são, em regra, passíveis de ressarcimento através de restituição natural ou de indemnização substitutiva.

O periculum in mora é, verdadeiramente, um elemento constitutivo da providência requerida: a falta dele obsta ao seu decretamento.

Mas a exigência de que o receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito seja fundado não é incompatível, quanto ao grau de prova, com a suficiência de mera justificação, dado que o requisito tem por finalidade salientar a exigência de que o periculum in mora deve decorrer de factos e circunstâncias objectivas e não de temores puramente subjectivos ou de simples conjecturas do credor, sem qualquer correspondência ou tradução na realidade[6].

Ainda assim, o juízo sobre a verificação do periculum in mora deve aproximar-se da certeza, mas não equivale à exigência de uma prova stricto sensu, ou seja uma convicção, absolutamente certa e segura, do tribunal sobre a realidade dos factos constitutivos daquele pressuposto: é suficiente um juízo de probabilidade forte e convincente[7].

Característica de todo o procedimento cautelar é o de ser sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito a acautelar.

Como refere Rodrigues Bastos é "patente o carácter unicamente instrumental ou indirecto do processo cautelar, no sentido de que uma qualquer das suas formas facilita apenas os meios de alcançar os fins que visa outro processo de diferente natureza"[8].
A providência cautelar aparece, pois, posta ao serviço da ulterior actividade jurisdicional que deverá estabelecer, de modo definitivo, a observância do direito, surgindo como anúncio e antecipação da outra providência jurisdicional, de modo a que esta possa chegar a tempo[9]

E sobre o fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável ainda lemos na obra “Temas da Reforma do Processo Civil” de António Santos Abrantes Geraldes, III Vol. Pag. 100 a 103: “ O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável constitui nas medidas cautelares atípicas, a manifestação do requisito comum a todas as providências: “o periculum in mora”.

Tal como ocorre com a generalidade das providências, o receio pode manifestar-se antes da propositura da acção como na sua pendência. Em qualquer das situações, o autor pode solicitar a adopção da medida que julgue mais adequada para acautelar o efeito útil que através do processo principal pretende ver reconhecido ou satisfeito.

(…) O facto de o legislador ter ligado as duas expressões com a conjunção copulativa “e” em vez de “ou”, determina que não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil. Apenas mereceu a tutela provisória consentida através do procedimento cautelar comum, as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação.
Ficam afastadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões que, apesar de graves sejam facilmente reparáveis.”

Ainda a propósito do fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável lemos no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.03.2007, in www.dgsi.pt: “(…) III- Em relação aos factos integradores do chamado “periculum in mora”, o requerente tem que provar - não basta um mero juízo de verosimilhança - os danos que visa acautelar, sendo certo que se exige a prova da gravidade e da difícil reparação das consequências danosas do “status quo”.

IV- O que significa que apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum, as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo  modo que são afastadas as lesões que apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis”  

Aqui chegados vejamos se o recorrido, conforme sustenta a
recorrente, não é titular do direito à licença sem retribuição previsto no n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT do Sector Bancário, pelo que inexistindo o direito do Apelado à referida licença sem retribuição, inexiste também o fundado receio da respectiva lesão grave e de difícil reparação.

Ora, de acordo com o artigo 59º da Constituição da República Portuguesa:

“1- Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça e cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas têm direito:
(…)
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a actividade familiar.
(…)
Conforme referem JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira in“ Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, pag. 773,  “Trata-se de um modo de protecção da família.”
 
E de acordo com o artigo 67º nº 1 da CRP “A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.”

Por seu turno, o artigo 68 nº 1 da CRP refere que “Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.”

E o nº 4 do mesmo artigo estabelece que “ A lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar”

Sobre esta norma escrevem os mencionados autores, na obra citada, pag. 866: “A norma do nº 4 (acrescentada pela LC 1/97) contém uma imposição constitucional de legislação para regular os direitos de dispensa de trabalho por parte das mães e dos pais, a acrescentar à dispensa prevista na alínea anterior que respeita somente à dispensa imediatamente a seguir ao nascimento. Trata-se agora de dar centralidade aos interesses da criança ou do agregado familiar, reconhecendo-se a licença por maternidade (Cód.trab, art.35: 120 dias, 90 dias dos quais necessariamente a seguir ao parto) e a licença de paternidade (cfr. Cód. Trab. art.36). Estes direitos não consomem outras licenças especiais (ex. dispensa ou redução do período de trabalho para assistência a menores com deficiências; dispensas para consultas, amamentação e aleitação; assistência inadiável e imprescindível a menores; licenças parentais para assistência a filho ou adopção, licença para assistência a pessoa com deficiência ou doença crónica).” 

Por seu turno, dispõe a cláusula 91ª do ACT do Sector Bancário, sob a epígrafe “Licença sem retribuição”:
  
1. Ao trabalhador pode ser concedida, a seu pedido, licença sem retribuição, por período determinado.
2. O trabalhador conserva o direito à categoria, e o período de licença conta-se para os efeitos do Anexo V, salvo acordo escrito em contrário.
3. Durante o período de licença sem retribuição, o trabalhador figurará no mapa a que se refere o n.º 1 da Cláusula 29.ª.
4. Durante o mesmo período, cessam os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que pressuponham a efectiva prestação de trabalho, sem prejuízo do disposto no regime de segurança social.
5. Os trabalhadores com um ou mais filhos, enteados, adoptados ou adoptandos, desde que menores de seis anos ou incapazes e a seu cargo, têm direito a licença sem retribuição nos termos desta Cláusula e até ao máximo de três anos.
6. O exercício do direito previsto no número anterior depende de pré-aviso de 15 dias, dirigido à entidade patronal.”
  
Por fim, o artigo 52º do Código do Trabalho sob a epígrafe “Licença para assistência a filhos” dispõe:

1- Depois de esgotado o direito referido no artigo anterior, os progenitores têm direito a licença para assistência a filho, de modo consecutivo ou interpolado, até ao limite de dois anos.
2- No caso de terceiro filho ou mais, a licença prevista no número anterior tem o limite de três anos.
3- O trabalhador tem direito a licença se o outro progenitor exercer actividade profissional ou estiver impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal.
4- Se houver dois titulares, a licença pode ser gozada por qualquer deles ou por ambos em períodos sucessivos.
5- (…)
6- Para o exercício do direito, o trabalhador informa o empregador, por escrito e com a antecedência de 30 dias:

a) Do início e do termo do período em que pretende gozar a licença;
b) Que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de licença, ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
d) Que não está esgotado o período máximo de duração de licença.
(…)”

Volvendo ao caso dos autos, constata-se que, em 5 de Fevereiro de 2013, o recorrido comunicou à recorrente que: “tendo um filho menor com dois anos de idade (…) vem, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 52º, do artigo 476 e seguintes da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro que aprova o Código do Trabalho e do nº 5 da cláusula 91ª do ACT para o Sector Bancário, comunicar a V.Exas. que o colaborador irá exercer o seu direito à licença sem retribuição, pelo período de 3 anos, com início a 1 de Março de 2013 e terminus em 2 de Março de 2016, altura em que retomará a sua actividade laboral no seu posto de trabalho.”

Mais refere em tal comunicação que “ Para os efeitos supra referidos mais informa encontrar-se esgotado o período de licença parental complementar, pelo que necessita, agora, de usufruir de uma licença especial para assistência a filho, de modo consecutivo, até ao limite de 3 anos, de acordo com o direito conferido pelo Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário.

Ainda informou em tal comunicação, que:
  
1- O seu filho, CC faz parte do seu agregado familiar;
2- Que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontrará ao mesmo tempo em situação de licença e não se encontra impedida ou inibida totalmente de exercer o poder paternal;
3- Não se encontrava esgotado o período de licença parental complementar.

Ora, da análise de tal comunicação, resulta que o recorrido, invocando duas normas distintas (art.52º do CT e cláusula 91ª nº 5 do ACT do Sector Bancário) informou a recorrente que iria exercer o seu direito à licença sem retribuição, pelo período de 3 anos, direito a que alude a cláusula 91ª do ACT do Sector Bancário, enquanto que o artigo 52º do CT se refere a licença para assistência a filho, indicou o início e o termo do período em que pretendia gozar a licença, bem como comunicou que necessitava, agora, de usufruir de uma licença especial para assistência a filho, de modo consecutivo, até ao limite de 3 anos, de acordo com o direito conferido pelo Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário.

Da referida comunicação ainda decorre que o recorrido informou a empregadora dos elementos a que alude o nº 6 do artigo 52º do CT.

Ou seja, na mesma comunicação, o recorrido requereu que lhe fosse concedida uma licença sem retribuição, de acordo com o nº 5 da Cláusula 91ª do ACT do Sector Bancário e que enformou essa comunicação com os requisitos a que alude o artigo 52º do CT.

Ora, dispõe o artigo 236º do Código Civil que “ a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com este (nº 1) e que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº2).

Em anotação a esta norma escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, pag. 222: “ A regra estabelecida no nº 1 para o problema básico da interpretação das declarações de vontade é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente colocado na posição do declaratário real  em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante(nº 2)”.

Analisando a comunicação que o recorrido enviou à recorrida à luz desta regra, não podemos deixar de concluir que o que o recorrido pretendeu foi que lhe fosse concedida uma licença sem retribuição pelo prazo de 3 anos, para assistência ao filho, ao abrigo da cláusula 91ª nº 5 do ACT para o Sector Bancário.

E em resposta à solicitação do recorrido a recorrente, informou o seguinte:

“ 1. Foi autorizada a licença sem vencimento que solicitou a 1 de março de 2013 a 29 de Fevereiro de 2015.
2. Em conformidade com o que ficou acordado, o período de licença sem vencimento irá contar para os efeitos do Anexo V do ACTV para o Sector Bancário.
3. Deverá, entretanto devolver-nos esta cópia, devidamente assinada, expressando nela que concorda com as condições e que a licença foi concedida.”

Perante a resposta da recorrente e não tendo esta feito qualquer alusão a que era deferido o pedido de licença para assistência a filho nos termos do artigo 52º do CT, impõe-se afirmar que esta concedeu ao recorrente a licença sem retribuição a que alude a cláusula 91ª nº 5 do ACT para o Sector Bancário, conforme fora requerido, embora apenas tenha deferido o gozo de tal licença pelo período de 2 anos, quando aquele gozo poderia estender-se até aos 3 anos.

Mas entende a recorrente que o direito do n.º 5 da Cláusula 91.ª do ACT do Sector Bancário depende do filho, enteado, adoptado ou adoptando ou outro dependente estar a seu cargo, e não somente a cargo, o que pressupõe que a cláusula exigiria que o filho estivesse unicamente a cargo do requerente contemplando, assim, situações de separação do outro progenitor ou de inibição do exercício do poder paternal por parte do outro progenitor, o que, salvo o devido respeito, não se extrai da cláusula em causa.

Por outro lado, a expressão “estar a seu cargo”, tem de ser entendida no contexto dos direitos e deveres dos progenitores e no sentido lato de que ambos os progenitores têm o dever de promover o bem estar, a saúde, a educação e a felicidade do filho e não no sentido de exclusividade, interpretação que colidiria com o interesse do menor sempre que não se verificasse essa exclusividade e mesmo assim um dos progenitores assumisse, na vida real, de qualquer forma, a incumbência de suprir a não presença do outro progenitor no crescimento e desenvolvimento do filho. 

Assim, se é certo que a expressão estar “a seu cargo” pressupõe a pertença ao mesmo agregado familiar, tal já não pode significar, contudo, que seja exigido que o menor esteja exclusivamente a cargo da pessoa que invoca o direito e não dos dois progenitores em simultâneo.

E sendo assim, acompanhamos a sentença recorrida quando refere que “Tal expressão só não abarcará aquelas situações em que a guarda do menor esteja atribuída ao outro progenitor, que não viva em comunhão de mesa e habitação com o requerente, ou em que esteja confiado a uma qualquer instituição de acolhimento.”
 
E tendo ficado provado que: do agregado familiar do requerente fazem parte a sua mulher e quatro crianças menores que com ele partilham mesa e habitação (al.R) dos factos provados); a cônjuge do requerente é empresária, pelo que a sua actividade profissional exige várias horas diárias alocadas às empresas que gere ( al.S dos factos provados); Empresas essas que operam nas áreas de organização de eventos e prestação de serviços de catering e banquetes (al.T) dos factos provados); que requerem a sua permanência na organização e realização dos diversos eventos que as sociedades organizam (al.U) dos factos provados); muitos dos quais se realizam fora de Lisboa, o que exige à cônjuge do requerente largos períodos de ausência al.V) dos factos provados); não tendo o requerente o apoio de qualquer outro familiar (al.W dos factos provados); é o requerente que leva o filho menor à escola que frequenta, o que face ao horário de entrada na requerida, exige que o mesmo se levante todas as manhãs às 6:30 e que regresse tardiamente a casa (al.X) dos factos provados), não temos dúvidas que o requerente tem a seu cargo o filho menor.

Donde, contrariamente ao entendimento da recorrente, podemos concluir que estamos perante a probabilidade séria da existência do direito do requerido à licença sem retribuição prevista no nº 5 da Cláusula 91ª do ACT do Sector Bancário, que até já lhe fora concedida, mas apenas pelo período de 2 anos.

E o não exercício desse direito por parte do requerente, atenta a idade do menor e o papel essencial que os pais desempenham no seu desenvolvimento e, em especial, na menoridade justificam o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação que, necessariamente e enquanto pai, se repercutirá na sua esfera, na medida em que a personalidade e o carácter do menor se alicerça nos valores que lhe são transmitidos, o que implica uma envolvência e proximidade aos filhos e cuja ausência, muitas vezes, contribui para a existência de personalidades distorcidas e incapazes de se integrarem socialmente.

Assim, a pretendida licença sem retribuição para poder acompanhar o filho é um dos meios para evitar lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerido exercer na plenitude as suas responsabilidades parentais.

E se é certo que, cada vez mais se assiste a um menor acompanhamento dos pais no crescimento e desenvolvimento dos filhos, não se pode aceitar de ânimo leve que se trata de meros constrangimentos, normais na vida dos pais trabalhadores e afastar uma norma que, ao fim e ao cabo, permite a um progenitor que trabalha que possa assistir ao filho, como é o caso da cláusula 91ª nº 5 do ACT do Sector Bancário.

Por fim, entendemos que não assiste razão à recorrente quando refere que o acompanhamento do menor não fica de todo comprometido com o não decretamento da providência porquanto existem outras medidas de protecção da parentalidade constantes do Código do Trabalho de que o Apelado pode beneficiar até aquele perfazer pelo menos doze anos de idade, quando nem as enuncia e quando a cláusula em causa permite que se aplique aos trabalhadores com filhos menores de 6 anos, como é o caso.

Assim e porque o risco de lesão grave não se mostra acautelado por outra providência especificada, nem se provou que o prejuízo dela resultante para a recorrente excede consideravelmente o dano que com ela o recorrido pretende evitar (aliás não se vislumbra que prejuízo poderá ocorrer na medida em que se trata de uma licença sem retribuição), impõe-se afirmar que a decisão recorrida não merece censura, devendo ser julgada improcedente a apelação.

Considerando o disposto no artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da recorrente.
*

          Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
         

Lisboa, 18 de Novembro de 2015


Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Claudino Seara Paixão