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DEPOIMENTO DE PARTE
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Sumário
O disposto no art. 574º nº3 do CPC não é aplicável às declarações proferidas pela parte no âmbito do depoimento de parte, antes disciplina a postura das partes em sede de articulados, face a qualquer um dos comportamentos aí descritos. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.
I – RELATÓRIO:
AA intentou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo comum, contra BB, S.A., anteriormente designada como CC, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
a) 6.803,65 €, a título de diferenças salariais;
b) 476,93 €, pelo período de aviso prévio que não foi processado;
c) € 1.100,60 €, das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012;
d) € 1.100,60 €, a título de subsídio das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012; e
e) € 275,15 € de proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato, e a título de subsídio de férias; e
f) € 275,15 € de proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato, e a título de subsídio de Natal.
Alega que
(…)
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Foi realizada audiência de partes, não sendo possível a sua conciliação.
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A Ré contestou, alegando.
(…)
Deduz pedido reconvencional, pedindo a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de 2.000 €, a título de indemnização.
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Foi apresentado requerimento para alegada correcção de lapsos de escrita da contestação.
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O Autor respondeu à contestação, pedindo a sua absolvição do pedido reconvencional.
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Foi realizada audiência preliminar, no âmbito da qual não foi possível a conciliação das partes.
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Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.
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Não foi admitido o pedido reconvencional nem o requerimento para correcção dos lapsos de escrita.
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Foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova.
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Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
*** A sentença julgou a acção procedente por provada “condenando, consequentemente a R. a pagar ao A.:
1. A quantia de € 6.776,65 (seis mil setecentos e setenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de diferenças salariais, entre o que foi pago ao A. e o que deveria ter sido, de acordo com as actualizações de acordo com o índice de inflação oficialmente determinado quantia em que se condena a R. a pagar ao A; 2. A quantia de € 476,92, (quatrocentos e setenta e seis euros e noventa e dois cêntimos), a título da retribuição de Abril de 2012; 3. A quantia de € 1.724,27 (mil setecentos e vinte e quatro euros e vinte e sete cêntimos), a título de retribuição de férias vencidas a 1 de Janeiro de 2012 e do respectivo subsídio de férias; 4. A quantia de € 550,29 (quinhentos e cinquenta euros e vinte e nove cêntimos), a título de proporcionais de subsídio de férias e de subsídio de Natal relativos ao ano da cessação, Ascendendo tudo à quantia global de € 9.528,13 (nove mil quinhentos e vinte e oito euros e treze cêntimos.
* Absolvendo a R. quanto ao mais.
* Custas pela R.” (sic)
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Inconformada, a Ré interpôs recurso, concluindo que
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O contra-alegou, concluindo que
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O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
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II- Objecto
Nos termos do disposto nos art 635º nº 4 e 639º nº1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1º, nº 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
No presente caso, atendendo ao teor das conclusões, as questões a decidir são:
-se o Tribunal a quo errou na apreciação que fez da matéria de facto;
-em caso afirmativo, se o Autor tem direito às quantias peticionadas na p.i.
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III– Fundamentação de Facto:
I- Matéria de Facto Provada:
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
(…)
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IV– Apreciação do Recurso
I - Recurso da matéria de facto
(…)
Insurge-se ainda a Ré contra a resposta dada à matéria vertida nos pontos 10. a 13. e 19., 20., 22. e 23. da matéria de facto provada.
Argumenta que o Tribunal a quo desvirtuou o depoimento do seu legal representante, defendendo que, quando este afirma que desconhece tais factos, fá-lo, não no sentido jurídico, mas no sentido leigo, não podendo relevar-se esta declaração, devendo considerar-se que quando o mesmo diz “desconheço”, está efectivamente a dizer que não houve acordo.
(…)
12.13. (…)
É a seguinte, no essencial, a fundamentação do Tribunal a quo:
“(…) não obstante o legal representante da R. o ter negado em sede de depoimento de parte, quando confrontado com as afirmações constantes do arts. 19.º e 20.º da petição inicial, o que é certo é que confrontado com as afirmações dos arts. 26.º e 27.º da mesma petição inicial, o legal representante não as confirmou, mas alegando desconhecimento, sendo que é um facto de que a R. deva ter conhecimento, pelo que a falta de conhecimento por parte da mesma, implica confissão nos termos do disposto no art. 574.º, n.º 3 do Código de Processo Civil ; acresce ainda que, da análise dos documentos juntos pela R., constantes de fls. 99 e 100, elaborados pela testemunha, directora de recursos humanos da R.,DD, resulta que em 29 de Março, a R. já sabia que o A. só iria prestar trabalho efectivo até dia 31 de Março. Ora, se a R., em 29 de Março já estava a elaborar as contas do A. como aquele só trabalhando até ao final desse mesmo mês e se o A. já havia enviado a 28 de Fevereiro a carta em como resolvia o contrato com produção de efeitos a 28 de Abril, é porque a R. já sabia que o A. não trabalharia mais. Acresce ainda, que a referida testemunha afirmou que terá procedido à elaboração de tais contas com instruções dadas nesse sentido pelo Sr. EE.”
Este tribunal ouviu o depoimento integral de EE, representante da Ré, que prestou depoimento de parte, e, de facto, quanto à matéria que agora nos ocupa, a testemunha declarou claramente desconhecê-la.
O Tribunal a quo entendeu que a alegação pela parte, através do seu representante, do desconhecimento de um facto pessoal ou de que deva ter conhecimento, equivale a confissão, nos termos do disposto no art. 574º nº3 do CPC.
Dispõe este preceito legal, inserido no Livro III – Do processo de declaração– no Título I – Articuladose no Capítulo III, dedicado à Contestação, que “1. Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor. 2. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior. 3. Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.”
Este preceito não tem, porém, aplicação à presente situação em que foi ouvida a Ré, através do seu representante legal, em depoimento de parte, com o objectivo de obter a sua confissão (provocada).
Arvora-se tal preceito em corolário dos princípios do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e do contraditório, significando que o réu fica constituído no ónus de contestar ou de responder, o mesmo acontecendo com o autor aos articulados do réu. Não o fazendo, existem consequências que derivam do referido princípio da auto-responsabilidade das partes.
“Trata-se, portanto de prova (os factos ficam provados em consequência do silêncio do réu) e aparentemente, duma ficção (ficciona-se uma confissão inexistente, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão, de que tratam os art. 352 CC e ss.); de facto, fala-se tradicionalmente, de confissão ficta (ficta confessio) para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade dum facto alegado pela parte contrária (por todos, mas preferindo a denominação confissão presumida: Antunes Varela, Manual cit, ps. 543-545), seja mediante a pura omissão de contestação, seja mediante a não impugnação desse facto, em contestação ou outro articulado apresentado (com inobservância do ónus da…)” (sic José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2001, pág. 266-267, a propósito dos efeitos da revelia, outro efeito da ficta confessio).
A confissão, porém, como se sabe, “é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (artº 352º do C.Civ).
É um acto jurídico. Uma declaração de ciência, que emana da parte e que lhe é desfavorável. É diferente da simples admissão do facto. Antunes Varela explica que “(…) a parte não confessa, mas apenas admite determinado facto, apenas condescende em aceitá-lo como tal (…) Enquanto, porém, a confissão traduz uma declaração de ciência de sentido positivo (de reconhecimento da realidade do facto), a admissão do facto consiste num acto de vontade, de sentido neutro no plano da realidade ou da verdade do evento. A parte, ao admitir o facto, limita-se a aceitá-lo como provado (independentemente da sua convicção acerca da realidade dele), libertando a parte contrária do ónus de prová-lo ” (sic Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 538).
É certo que a confissão pode ser espontânea, nomeadamente realizada nos articulados, mas ao presente caso interessa a confissão provocada, já que o representante da Ré foi ouvido em depoimento de parte, que constitui uma das vias processuais pela qual se pode obter a confissão (cfr. art. 356º nº2 do C.Civil).
E no que respeita aos factos ora em apreço, não ocorreu qualquer confissão. Como referimos, o Tribunal ouviu as declarações de EE, legal representante da Ré, que, quanto aos mesmos, declarou desconhecê-los, remetendo para a testemunha DD tal conhecimento, enquanto Directora de Recursos Humanos da Ré. Esta postura processual não se traduz numa confissão, não tendo aplicação o disposto no art. 547º nº3 do CPC, que disciplina a postura das partes em sede de articulados, na medida em que haja acordo ou simples admissão do facto, face a qualquer um dos comportamentos aí descritos.
Tal não significa porém que os factos não resultem provados em razão da prova produzida. (…)
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II – Apreciação Jurídica.
(…)
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V – Decisão:
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por BB, S.A., mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Apelante.
Lisboa, 18-11-2015
Paula de Jesus Jorge dos Santos
José Ferreira Marques
Maria João Romba