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RESPONSABILIDADE CIVIL CONEXA COM A CRIMINAL
TRÂNSITO EM JULGADO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário
I-Embora o recurso do acórdão da 1ª instância se tenha limitado à questão penal, o certo é que a nova decisão a proferir em obediência ao decidido pelo Tribunal da Relação, se reflecte necessariamente na parte cível, na medida em que se a novel decisão concluir pela desresponsabilização criminal do arguido, designadamente, por falta de consciência da ilicitude, passa a inexistir crime que funde aquela responsabilidade civil. II-Dispõe o art. 403º, 3, C. P. Pen., que a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida. III-Acontece que a matéria civil, não impugnada, é dependente da matéria penal, pois, sem a prática do crime inexiste obrigação de indemnizar civilmente. Consequentemente, a decisão do TRL ao colocar em causa a prática do crime por parte do arguido, bule com os pressupostos da responsabilidade civil decorrente daquele. IV-Por outro lado, decorre do mencionado art. 403º, 3, que a parte do acórdão em causa relativa aos pedidos de indemnização civil não transitaram em julgado (art. 628º, C. P. Civ.) em face do recurso interposto. Assim sendo, a execução iniciada na pendência do recurso interposto pelo arguido/demandado extingue-se em face do teor do acórdão do TRL, que se traduzem na perda superveniente de exequibilidade do título executivo – art. 704º, 2 e 849º, 1, f), C. P. Civ.. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.
I-Relatório:
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No âmbito da Execução de Sentença supra id., que corre termos pela Comarca dos Açores, Ponta Delgada – Instância ... – ...ª Secção Cível e Criminal – J..., em que é exequente ...Pereira e executado António ......, com os demais sinais dos autos, foi proferido despacho, em 18-5-15, a declarar extinta a execução com fundamento na perda superveniente da exequibilidade do título executivo.
Inconformado com o teor de tal decisão interpôs o exequente o presente recurso pedindo a substituição do despacho recorrido por outro que ordene a prossecução dos ulteriores termos da execução.
Apresentou para tal as seguintes conclusões:
1—Não tendo o arguido executado interposto recurso da condenação cível e não tendo o Tribunal da Relação conhecido do seu objeto esta transitou em julgado;
2—Tendo o Tribunal da Relação declarado oficiosamente a nulidade parcial da decisão final recorrida, e apenas no que toca à omissão da consciência da ilicitude do executado quanto à prática do crime de abuso de confiança em relação à ofendida Maria G... A..., esta em nada contende com o decidido quanto à matéria cível;
3—Considerar-se extinta a execução instaurada por arrastamento da nulidade parcial que nada tem a ver com a decisão cível, confirmada, aliás, pelo novo Acórdão proferido pela 1.a instância, além de implicar uma nova execução, a perda da garantia decorrente da penhora do único bem móvel com valor do executado, implica dar a possibilidade ao arguido/ executado de vir recorrer da condenação na parte cível que não foi objeto de recurso do 1° Acórdão proferido pela 1.a instância, em clara violação da segurança, certeza e confiança jurídica e dos princípios da economia e celeridade processual.
4—Ao não entender assim, o douto despacho sentença violou, entre outros, o disposto nos arts. 704.° n.° 2 e 849.°. 1 alínea f) e 527.° n.° I e 2 e 628.° do NCPC e 82.° 3 e 84.° do CPP.
Respondeu o executado, pugnando pela improcedência do recurso, tendo para tal formulado as seguintes conclusões:
1-A pags 28 do Douto Acórdão do TRL, foi determinado o regresso dos Autos à 1ª Instância.
2-Bem como foi determinado a elaboração de novo Acórdão integral, com observância integral das formalidades legais inerentes á decisão final - art° 374 do C.P.P.
3-Não vem ali referido, a obrigatoriedade de elaboração de novo Acórdão pelo Tribunal a quo com exclusão da parte cível.
4–O I. Mandatário do exequente foi notificado, do referido Acórdão e do mesmo não recorreu. nem tão pouco requereu qualquer aclaração, pelo que o mesmo transitou.
5-Pelo que, tendo o Acórdão do Tribunal a quo, sido declarado nulo, não produz quaisquer efeitos efeitos jurídicos, muito menos poderá servir de base a uma ação executiva.
6-As "preocupações" do exequente, constantes da pag.4 das Motivações de recurso, nomeadamente o acréscimo de custos, perda de garantia que tem decorrente da penhora e o receio do recurso da condenação cível, são absolutamente irrelevantes em termos processuais.
Se não desejava correr o risco, não tivesse instaurado a ação executiva, enquanto o Acórdão do Tribunal a quo, não se encontrasse transitado.
-Diz o povo destas ilhas, que cadelas apressadas arriscam-se a ter os cachorros tortos-
7-Não merecendo qualquer reparo, o Douto despacho ora recorrido .
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
Vem o Executado requerer a extinção da ação executiva, o levantamento da penhora realizada nos autos (incidente sobre o bem imóvel), e o sancionamento da parte contrária e do seu Ilustre Mandatário no valor correspondente a 10% do valor da execução, socorrendo-se para o efeito da alegação da inexistência de título executivo face ao ora determinado nos autos principais pelo Tribunal ad quem por acórdão de 08.04.2015, mormente (i) a nulidade parcial do acórdão proferido nesta primeira instância (e que servia de base à execução), (ii) a sanação da nulidade (iii) e a prolação de nova decisão e correspondente leitura pública.
O Exequente pugnou pelo desentranhamento do requerimento por inobservância do meio processual adequado (qual seja os embargos de executado, sendo certo que já decorreu o prazo para o efeito) ou, caso assim não se entenda, pelo indeferimento do requerido porque o acórdão proferido nesta instância transitou quanto à parte cível objeto do processo.
Apreciando.
Em primeiro lugar, e quanto à tempestividade do ora requerido, esclarece-se que a questão — por natureza — não podia ter sido suscitada anteriormente, designadamente quando do prazo para a dedução dos embargos de executado, pois prende-se com um facto ocorrido posteriormente, a que correspondente, concomitantemente, um conhecimento superveniente por banda das partes (e deste Tribunal), qual seja a anulação da decisão recorrida pelo Tribunal superior, e que, somente agora, coloca em crise a exequibilidade do título. Assim sendo, inexiste razão ao requerido pelo Exequente quanto ao desentranhamento do requerimento apresentado pelo executado.
Em segundo lugar, e especificamente quanto ao requerido pelo Executado, esclarece-se que não estamos perante uma questão de inexistência de título executivo. Este título existe desde a prolação do acórdão nesta primeira instância (art. 704° n° 1 do Novo Código de Processo Civil). A questão prende-se, antes, com a exequibilidade do título executivo.
Em terceiro lugar, a questão em apreço nem sequer depende da alegação da parte pois deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal quando se aperceba que, efetivamente, o título executivo perdeu a sua exequibilidade. Ora, a este propósito, dispõe o art. 704° no 2 do NCPC que “A execução iniciada na pendência do recurso” — como sucede no caso dos autos — “extingue-se ou modifica-se com a decisão definitiva comprovada por certidão”. No caso dos autos, a certidão é dispensada face à descida dos autos principais, dos quais consta o acórdão em apreço. E decorre da dita “decisão definitiva” que o acórdão proferido nesta instância foi declarado nulo (embora por motivo alheio à matéria respeitante ao pedido de indemnização cível deduzido pelo aqui Exequente), devendo ser elaborado outro acórdão. Significa isto, pois, que o primitivo acórdão — que, ao contrário do referido pelo Exequente, não transitou em julgado — deixou de produzir efeitos jurídicos, por arrastamento, também a respeito da questão de natureza cível e que serve de base à presente execução. Esta questão será apreciada no novo acórdão a proferir (e cuja leitura já se mostra designada).
Em face do exposto, é inequívoco que, nesta parte, assiste razão ao Executado: a decisão do Tribunal ad quem importa a extinção da execução e, concomitantemente, o levantamento da penhora realizada neste âmbito (arts. 704° n° 2 e 849° n° 1 al. f) ambos do NCPC). Mais importa a condenação do Exequente nas custas do processo (salvo as custas devidas pelo executado por condenação em incidente da instância), nos termos do disposto no art. arts. 527° nºs 1 e 2 do NCPC.
Quanto à requerida condenação do Exequente e do seu Ilustre Mandatário no valor correspondente a 10% do valor da execução, por interpretação extensiva do art. 858° do NCPC, é evidente que não assiste razão ao Executado: esta norma — que se dirige ao Exequente e nunca ao seu Ilustre mandatário — assenta na imprudência da parte (na instauração e prossecução da execução) determinante de danos ao Executado. No caso, e para além de não terem sido alegados quaisquer danos em concreto, o certo é que o Exequente atuou arrimado no disposto no cit. art. 704° n° 1 do NCPC, que lhe permite instaurar a execução com base na sentença! acórdão não transitado em julgado, assumindo (ele mesmo) o risco de poder vir a obter uma decisão final (em sede recursiva) desfavorável. Não se quer dizer com isto que atuou fora dos parâmetros de normal prudência... pelo contrário: agiu a coberto de um direito processual que a Lei lhe confere. E, no caso, a causa da anulação do acórdão não se prende minimamente com qualquer questão relacionada com o pedido de indemnização pelo mesmo deduzido, pelo que não tinha qualquer “domínio do facto” processual. Assim sendo, nesta parte impõe-se o indeferimento do requerido, com custas do incidente a cargo do Executado (arts. 527° nos 1 e 2 e 539° n° 1, ambos do NCPC).
Em face do exposto:
I.
1.Declaro extinta a presente execução com fundamento na perda superveniente da exequibilidade do título executivo;
2. Determino o levantamento da penhora realizada nos autos;
3. Condeno o Exequente ...Pereira nas custas gerais do processo;
II.
4.Indefiro o pedido de condenação do Exequente e do seu Ilustre Mandatário no valor correspondente a 10% do valor da execução;
5.Condeno o Executado António ...... nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça pelo mínimo.
A Digna PGA junto deste Tribunal apôs o seu visto.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, é saber se a decisão proferida pelo TRL no âmbito do recurso da parte criminal do acórdão proferido na 1ª instância, intentado pelo arguido/demandado António ..., contende ou não com o decidido relativamente ao pedido de indemnização civil.
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Está em causa, no âmbito do presente recurso, a manutenção ou não da exequibilidade do acórdão proferido pelo tribunal recorrido que condenou o recorrido a título de indemnização cível.
Alega o recorrente que não foi interposto recurso da decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente ao pedido cível, pelo que este terá transitado em julgado, sendo que a nulidade do acórdão da decisão da 1ª instância, decretada por este Tribunal da Relação, em nada contende com a parte civil do mesmo, mantendo-se, assim, a exequibilidade daquele.
Vejamos:
O recorrente, obtida decisão condenatória favorável, na parte cível, decidiu, desde logo, instaurar execução com base naquele título – arts. 703º, 1, a) e 704º, 2, C. P. Civ.. Sucede que tal decisão temerária por parte do recorrente esbarra nas limitações impostas pelo nº 1 do cit. art. 704º, ou seja, o trânsito em julgado e o efeito atribuído ao recurso. Ora, o efeito atribuído ao recurso (suspensivo) não pode ser chamado à colação, posto que não incidiu directamente sobre o pedido de indemnização civil. Impõe-se, porém, considerar e decidir acerca do eventual trânsito em julgado do aludido acórdão, relativamente ao pedido de indemnização civil em causa.
É certo que o recurso interposto pelo arguido/demandado António ... não abarcou a decisão proferida relativamente ao pedido cível. Contudo, tal não importa que aquela tenha transitado em julgado.
Consabidamente, é deduzido no processo penal respectivo, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime – arts. 129º, C. Pen. e 71º, C. P. Pen.. Assim, uma eventual modificação da decisão proferida em 1ª instância relativamente à prática de determinado crime causador de danos de índole civilística, quer quanto à sua existência ou contornos, não pode deixar de se reflectir na parte cível da mesma.
A anterior decisão do TRL considerou que o tribunal a quoomitiu do elenco dos factos provados e não provados factos essenciais à caracterização dos crimes de burla qualificada e de falsificação, designadamente, a consciência da ilicitude da sua conduta, por parte do arguido, relativamente aos mencionados crimes, em que é ofendida Maria G...A..., requisito essencial para a geração de responsabilidade penal, pelo que decidiu que o referido acórdão era parcialmente nulo, determinando a elaboração de nova decisão.
Assim, embora o recurso do acórdão da 1ª instância se tenha limitado à questão penal, o certo é que a nova decisão a proferir em obediência ao decidido pelo Tribunal da Relação, se reflecte necessariamente na parte cível, na medida em que se a novel decisão concluir pela desresponsabilização criminal do arguido, designadamente, por falta de consciência da ilicitude, passa a inexistir crime que funde aquela responsabilidade civil.
Dispõe o art. 403º, 3, C. P. Pen., que a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.
Acontece que a matéria civil, não impugnada, é dependente da matéria penal, como se observou, pois, sem a prática do crime inexiste obrigação de indemnizar civilmente (cfr. P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª ed., pg. 1033).
Consequentemente, a decisão do TRL ao colocar em causa a prática do crime por parte do arguido, bule com os pressupostos da responsabilidade civil decorrente daquele.
Por outro lado, decorre do mencionado art. 403º, 3, que a parte do acórdão em causa relativa aos pedidos de indemnização civil não transitaram em julgado (art. 628º, C. P. Civ.) em face do recurso interposto.
Assim sendo, a execução iniciada na pendência do recurso interposto pelo arguido/demandado extingue-se em face do teor do acórdão do TRL acima aludido, pelos motivos também já mencionados, que se traduzem na perda superveniente de exequibilidade do título executivo – art. 704º, 2 e 849º, 1, f), C. P. Civ..
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Pelo exposto.
Acordam, em conferência, os juízes da ...ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando integralmente o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.