CONTRATO DE FRANQUIA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. Há contrato de franquia quando uma empresa (franquiador) concede a outra (franquiado) o direito de explorar a sua marca, razão social ou patentes mediante determinadas contrapartidas (e desde logo o direito de entrada no mercado), comprometendo-se frequentemente a fornecer-lhe a sua assistência e conhecimentos do mercado.
2. Em Portugal, o contrato de franquia (franchising) é um contrato comercial duradouro, inominado e oneroso, distinto, quer da agência quer da concessão comercial, estando a interpretação das suas cláusulas sujeita às regras do regime jurídico da concorrência e dos princípios da liberdade de forma, da boa fé, da vontade na declaração negocial, do objeto negocial e da liberdade contratual.
3. O contrato de franquia reparte entre o franquiador e o franquiado os direitos que normalmente pertenceriam apenas ao dono da empresa comercial; esta repartição de direitos conduz a uma melhor gestão do risco do investimento e a um contacto mais direto com a clientela local do comerciante; tudo decorrente dos benefícios da rede da franquia e da marca comercial disponibilizadas ao franquiado.
4. Salvo diversa estipulação, o franquiador não assume o risco do negócio do franquiado, e não garante os resultados do investimento deste, mesmo quando apresenta uma previsão dos seus resultados.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:



I- Relatório:



A ...ª Vara Cível de Lisboa julgou parcialmente procedente  ação de José  (autor, recorrente) contra P.. – Sociedade Gestora de Franchising, S.A. (ré, 2ª recorrente), e condenou a ré a pagar ao autor €25.101,58, e juros legais desde a citação.

O autor recorreu, invocando a nulidade da sentença e pedindo a sua revogação em conformidade com o por si alegado.

Também a ré recorreu, pedindo que se altere a matéria de facto apurada e se julgue a ação improcedente com a consequente absolvição do pedido.

O Tribunal recorrido sustentou a decisão quanto à invocada nulidade.

Corridos os vistos, cumpre decidir se ocorre ou não a invocada nulidade, se é de alterar a matéria de facto, e se o montante da indemnização a atribuir ao autor é o indicado por este ou se a recorrente deve ser absolvida o pedido.
 
Fundamentos.

Factos provados.

Provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo:

1. Desde pelo menos 27 de Maio de 2008, a ré é detentora dos direitos de franqueador exclusivo para todo o território de Portugal do sistema e marca “P... Tune Auto Care” desenvolvidos pela P... Tune Auto Care, Inc”, sociedade de direito dos Estados Unidos da América, que consiste num sistema de montagem e exploração de oficinas de diagnóstico e prestação de serviços de manutenção e assistência a veículos automóveis, e do consequente fornecimento de peças, acessórios, sobresselentes e outros produtos consumíveis;
2. É um sistema visualmente representado por nome, logótipos, distintivos, emblemas ou outras expressões gráficas inequivocamente identificadoras desse sistema, e constituem em conjunto a marca do proprietário do sistema, os quais gozam de protecção tanto em Portugal como no estrangeiro;
3. Após solicitação do A., por e-mail enviado pela ré ao autor em 03 de Outubro de 2007, foi enviada diversa informação, designadamente uma brochura, garantia e questionário de adesão à marca, nos termos constantes do documento de fls. 37 e 38 cujo teor se reproduz;

4. No e-mail referido consta, além do mais, o seguinte: “Informamos que a facturação anual de um Centro P..., em velocidade cruzeiro, varia entre os 450 e os 660 mil euros, dependendo da dimensão do centro e conta com uma equipa de 5 a 8 pessoas formadas segundo os nossos mais elevados padrões de qualidade, no sentido de responder às solicitações cada vez mais exigentes dos clientes. A Abertura de um centro P... implica necessidades totais de recursos financeiros que podem variar entre 200 a 300 mil euros, que deverão ser investidos na actividade ao longo dos primeiros dois anos (...);

5. Foram entregues pela ré ao autor dois documentos por aquela elaborados denominados, o primeiro, «Franchising P... – A Sua Oficina Automóvel», datado de 06 de Novembro de 2007, dirigido expressamente ao autor, e um segundo documento intitulado «A P... é...», pelos quais foi efectuada mais uma apresentação das condições do negócio, nos termos constantes dos documentos de fls. 39 a 72 e 73 a 77, os quais se dão integralmente por reproduzidos, e no último dos quais se refere além do mais que “Com um franchising P... jamais estará sozinho.” (...) “...os franchisados contam com a disponibilidade permanente dos especialistas da P... para os apoiar na gestão diária dos seus centros.”, e ainda que «Este investimento é chave na mão. A P..., para além de analisar o potencial da região de implantação do futuro centro, trata de tudo: projecto de arquitectura, construção, fornecimento de todo o equipamento técnico e de escritório, sistema de informação, apoio e formação nas áreas técnica, comercial, informática e de marketing. Um Centro P... pronto a funcionar é meio caminho andado para ter um negócio rentável»;
Foi ainda entregue pelos representantes da ré ao autor um filme promocional denominado “Com eles a satisfação é garantida... veja porquê!”, no qual se evidenciam as qualidades a que a ré se arrogava;
7. Foi solicitado ao autor, por representantes da ré, que assinasse e enviasse uma carta- declaração de confidencialidade, nos precisos termos constantes do documento de fls. 181 a 183 cujo teor se reproduz, que o autor assinou, enviou e que foi pela ré recebido;
8. Relativamente às condições financeiras para a instalação e desenvolvimento de um “Centro P...” foi fornecido pela ré ao autor um documento por aquela redigido, denominado de «Plano de Negócios: S...T...» e datado de 12 de Fevereiro de 2008, junto a fls. 184 a 196 cujo teor se dá por reproduzido, no qual se refere, entre o mais, que o plano relativo àquele mesmo centro a explorar pelo autor teria sido efectuado «com base num estudo de mercado na área geográfica de S...T..., na experiência adquirida e nos resultados numéricos dos centros existentes»;
9. O autor constituiu em 19.05.2008 a sociedade «S.., Unipessoal, Lda.», encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim, foi constituída com um capital social de vinte e cinco mil euros, integralmente realizado em dinheiro pelo sócio único – José  – aqui autor, correspondente a uma quota única, sendo que a gerência da sociedade competia ao autor;
10. Antes da celebração do contrato de franquia, foi celebrado em 27 de Maio de 2008, um contrato promessa de franquia, o qual visava a celebração desse mesmo negócio, o contrato de franchising para abertura do Centro P... de S...T..., outorgado pelo autor e por documento particular cuja cópia se encontra junta a fls. 197 a 2078, e que se dá por reproduzida;
11. Por documento particular, outorgado pela ré e a sociedade S.. Unipessoal e denominado “contrato de franquia”, celebrado em 23 de Setembro de 2008, entre o autor, na qualidade de representante legal da sociedade por si constituída para o efeito – a sociedade S.., Unipessoal, Lda. – e a ré, adquiriu o A. o direito de, em regime de franchising, montar e explorar na cidade de S... T..., na Rua das..., uma oficina de diagnóstico e prestação de serviços de manutenção e de assistência a veículos automóveis, e do correspondente fornecimento de produtos, peças, acessórios, sobresselentes e outros produtos consumíveis, funcionando de acordo com o sistema denominado “P... Tune Auto Care” e sob o uso da mesma marca (cfr. doc. de fls. 211 a 238 cujo teor se reproduz);
12. A ré apresentou-se ao autor como um grupo com larga experiência, há dez anos a operar em Portugal, bem como detentor duma rede organizada, sólida, com colaboradores competentes, responsáveis e atentos ao mercado;
13. A “S.., Unipessoal, Lda.” declarou resolver o contrato de franquia celebrado com a ré, o que fez por meio de carta registada enviada em 18 de Maio de 2011, nos termos constantes de fls. 126 a 132 cujo teor se reproduz, a qual foi recebida pela ré em 21 de Maio de 2011 – cfr. fls. 133 e 134;
14. A sociedade “S.., Unipessoal, Lda.” apresentou-se à insolvência, até por imperativo legal, tendo tal sido decretada por sentença proferida em 28.02.2012, pelo ...º Juízo do Tribunal do Comércio de ..., no proc. nº 219/12.1TYVNG.
15. No primeiro ano a facturação anual do centro P... em causa foi de 119.382,04 € (cento e dezanove mil trezentos e oitenta e dois euros e quatro cêntimos) quando no “Plano de Negócios” elaborado pela ré se previa uma facturação de 230.000,00 € (duzentos e trinta mil euros);
16. No segundo ano de execução do contrato, a facturação da representada da “S..” foi de 119.443,30 € (cento e dezanove mil quatrocentos e quarenta e três Euros e trinta cêntimos), quando no “Plano de Negócios” referido se previa uma facturação de 380.000,00 € (trezentos e oitenta mil euros);
17. No terceiro ano, a facturação da referida sociedade, dos últimos 4 meses ascendeu a €20.180,67 € (vinte mil cento e oitenta euros e sessenta e sete cêntimos) quando no “Plano de Negócios” se previa uma facturação anual de 480.000,00 € (quatrocentos e oitenta mil euros);
18. De acordo com o “Plano de Negócios” elaborado e entregue pela ré ao autor se atingiria no 4º ano do negócio o ano “cruzeiro” a facturação anual do centro de S...T... previa-se como ascendendo a 580.000,00 € (quinhentos e oitenta mil euros).
19. O autor reuniu-se com representantes da ré, em 8 de Dezembro de 2007, no âmbito da denominada “Feira do Empreendedor”, encontro no qual lhe foram prestadas mais informações quanto às condições do negócio e sempre no intuito de o convencer a contratar com a ré;
20. E nessa data ao A. foi ainda sugerido como instituição que poderia financiar o negócio o Banco Espírito Santo, também presente na mesma Feira;
21. A ré prestou ainda ao A. informação sobre qual a expectativa da obtenção de facturação, tendo apresentado ao A. o “Plano de negócio” de negócio, informações essas que convenceram o autor a aceitar com a ré a abertura de um centro de diagnóstico e de reparação ao abrigo de um contrato de franchising na cidade de S...T...;
22. A localização do referido centro na cidade de S...T... foi sugerida pela ré, dentro de um conjunto de Centros possíveis no país;
23. Foi imposta pela ré, como condição essencial para a concretização do negócio, a constituição pelo autor de uma sociedade comercial, com a qual seria celebrado o contrato de franchising do sistema e marca “P... Auto Care” o que determinou a constituição pelo A. da sociedade referida em 9.;
24. E para além da constituição da sociedade comercial aludida, o autor teve ainda que dotá-la de todos meios necessários para que o negócio fosse concluído, designadamente com uma equipa de técnicos com formação no sistema detido pela ré, tendo estes sido sugeridos pela ré;
25. A facturação média por veículo automóvel do Centro em causa era inferior aos valores referidos no aludido “Plano de Negócios”;
26. A ré não desconhecia o carácter fundamental de todas as informações prestadas pela ré para a decisão do autor em aceitar o contrato e as condições nele constante;
27. O contrato de promessa de franquia e o contrato de franquia não foi previamente objecto de negociação com o autor mas unilateralmente redigidas e determinadas pela ré;
28. A ré, desde 2010, que foi informada da actividade comercial da “S..”, nomeadamente do volume de facturação referido e da situação economicamente frágil vivida por força dessa facturação; 29. Desde meados de 2010 que o autor solicitou, insistentemente, o apoio de ré para a reversão dessa situação, tendo sido realizada, em 27 de Julho de 2010, uma reunião entre o autor e pessoas ligadas à ré, no qual aquele teve a oportunidade de explanar a estes os problemas financeiros que o centro de S...T... estava a enfrentar, designadamente os decorrentes da facturação manifestamente menor que a prevista no “Plano de Negócios”;
30. A ré em resposta referiu ao A. que iria apresentar um plano de acção bem como a possibilidade de fixação de um plano de pagamentos relativamente às dívidas da sociedade em causa à ré;
31. Em Outubro de 2010, o A., intitulando-se “Centro P... em S... T...” referiu à ré a circunstância dos preços das peças e serviços impostos pela ré serem desajustados para a realidade do mercado de S...T...;
32. E ainda a inexistência de setas orientadoras para os clientes poderem com maior facilidade aceder ao Centro, o que estava previsto desde a abertura
33. E ainda que a angariação de frotas e a formação quanto à mesma assegurada pela ré, em Outubro de 2010, ainda não ocorria;
34. O centro em causa estava situado a menos de 20 Km da cidade de Paços de..., sendo que nesta cidade ré tinha tido um centro P... próprio, que veio a encerrar;
35. A localização do centro “P...” que viria a ser explorado e em causa, seria aberto pela sociedade constituída pelo autor para o efeito, concretamente na Rua das..., em S...T..., junto ao hipermercado “Pão de Açucar”;
36. Com a constituição da sociedade comercial unipessoal, o autor suportou os seguintes custos: 460,00€, em 15.09.2008, com emolumentos devidos na Conservatória do Registo Comercial e 25.000,00€, em 20.05.2008, com a obrigação de entrada no capital social;
37. No âmbito das obrigações emergentes do contrato de franquia, o franqueado estava obrigado a fazer um investimento inicial, aí denominado de licence fee, que consistia num pagamento inicial à ré no montante fixo de 25.000€, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor à data, o que totalizou a quantia de 30.000€;
38. Tal valor foi pago à ré por meio de dois cheques emitidos pela “S..”, no valor de 15.000,00€ e 8.950,00€, e um cheque emitido pelo autor, no valor de 6.050,00€;
36. Com a constituição da sociedade comercial unipessoal, o autor suportou os seguintes custos: 460,00€, em 15.09.2008, com emolumentos devidos na Conservatória do Registo Comercial e 25.000,00€, em 20.05.2008, com a obrigação de entrada no capital social;
39. O valor de 6.050,00€ pertenciam ao autor;
40. Para fazer face às despesas decorrentes do contrato em causa, a sociedade constituída necessitou de recorrer a financiamento bancário;
41.No seguimento do qual foi celebrado, em 29.09.2008 entre a “S.., Unipessoal, Lda.” e o Banco Espírito Santo, S. A., um contrato de financiamento a médio/longo prazo, no valor de €60.000,00;
42. Por meio desde contrato, o autor constituiu garantias pessoais, assumindo a posição de avalista e assinando uma livrança pessoal para garantia autónoma exigida pelo BES e celebrada, por intermédio desta instituição bancária, com a sociedade Norgarante –Sociedade de Garantia Mútua, S. A.;
43. A sociedade representada pelo autor resolveu o contrato nos termos e pelos fundamentos constantes da carta de resolução referida;
44. Por via da declaração de insolvência da “S.., Unipessoal, Lda.”, o Banco Espírito Santo, S. A., resolveu o contrato de financiamento acima referido, sendo que em 29.05.2012, o montante em dívida ascendia a 17.828,78€;
45. Em cumprimento das obrigações decorrentes da prestação de garantia a favor do Banco BES, a sociedade Norgarante pagou a este a quantia correspondente a 75% do valor em dívida que ascendeu a 13.371,58€;
46. A Norgarante exigiu do autor e da sociedade esta mesma quantia por si paga ao referido Banco BES, acrescido de juros de mora calculados a uma taxa de 8%, que o autor se viu obrigado a assumir, tendo o mesmo pago inicialmente o valor de 3.371,58€ e já tendo pago a nível de um acordo de pagamento em prestações o valor de 8.580,00€;
47. A sociedade e o autor na qualidade de garante, nessa data manteve-se devedor ao Banco BES do valor remanescente, que ascende a 4.457,20€ acrescidos de juros de mora, encontrando-se tal valor totalmente liquidado;
48. O A. fez a título pessoal pagamentos ao Banco BES decorrente de dívidas da “S..” no valor de 7.100€;
49. O IGFSS intentou contra a “S..., Unipessoal, Lda” uma acção executiva pedindo o pagamento de contribuições e cotizações no valor de 5.527,13€, tendo sido proposta a reversão contra o A. na qualidade de gerente e devedor subsidiário;
50. A contratação com a ré foi para o autor um investimento pessoal, que passou a dedicar-se exclusivamente aquela actividade, da mesma retirando os seus únicos rendimentos;
51. E o A. viu o seu nome envolvido numa insolvência;
52. O autor viu frustrada a sua iniciativa com que contava dedicar-se até à idade da reforma e não vê qualquer futuro profissional à sua frente, uma vez que não consegue arranjar emprego em Portugal, pelo que se sentiu e sente-se frustrado, vexado e triste:
53. O sector automóvel tem sido, pela conjugação de diversos factores, um dos mais afectados pela crise económica global que, desde o ano de 2008, assola a Europa e que se repercute de forma particularmente grave em Portugal;
54. A crise económica implicou uma acentuada diminuição na procura nos serviços prestados pelos centros P... e também no centro explorado pela S.., Unipessoal, Lda., o que se repercutiu necessária e consequentemente na sua facturação;
55. A S..., Unipessoal,Lda. apresentou no decorrer do contrato uma contagem de entrada de veículos correspondente às expectativas não existindo porém, essa correspondência relativamente à facturação média por veículo, nomeadamente por falta de vendas adicionais;
56. Por comparação com a restante rede, o centro explorado pela S.., Unipessoal, Lda. facturava, em média, valores 30% a 36% inferiores.

Factos não provados.

Além das respostas restritivas ou explicativas que já resultaram da resposta que antecede (ou prejudicadas pelos factos tal como constam da resposta que antecede), inexistindo quaisquer outros factos relevantes, resultam como não provados os seguintes factos:

1. Que em 24 de Agosto de 2010, o autor enviou uma nova comunicação à ré em que mais uma vez reiterava e alertava a ré para as dificuldades financeiras com que o Centro de S...T... se estava a debater;
2. Que a ré tenha apenas organizado para o Centro em causa, em Setembro de 2010, uma acção formação na área de frotas, após insistência pelo A.;
3. Que o autor tenha auferido a quantia mensal correspondente ao salário que segundo a própria ré, ascenderia ao montante mensal de 1.464,00€ por via da sua actuação como gerente da “S..., Unipessoal, Lda.”, no período compreendido entre Setembro de 2008 a Maio de 2011;
4. Que em virtude da incapacidade financeira da sociedade para pagar todas as despesas e encargos com a sua actividade, não mais o autor conseguiu retirar da mesma qualquer quantia, seja a título de retribuição da gerência;
5. Que decorrente das dívidas referidas, o autor viu o seu bom nome manchado nos meios comerciais e bancários;
6. Que o A. tenha sido incluído da listagem de devedores de risco junto do Banco de Portugal e está presentemente impedido de recorrer a empréstimos junto de instituições de crédito;
7. Que numa acção de formação, a ré se tenha comprometido a fornecer ao autor uma base de dados das empresas a actuar no concelho de S...T... e concelhos limítrofes, que lhe permitisse explorar este mercado de uma forma mais eficaz e que essa base de dados só foi fornecida pela ré em 7 de Outubro de 2010 e apenas na sequência de muitas insistências da parte do autor.

Análise jurídica.

Considerações do Tribunal recorrido.

O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:

Atendendo aos princípios expostos, verifica-se estar em causa, nos presentes autos, um contrato de franquia celebrado, por documento particular, outorgado pela ré e a sociedade S... Unipessoal e denominado “contrato de franquia”, celebrado em 23 de Setembro de 2008, entre o autor, na qualidade de representante legal da sociedade por si constituída para o efeito – a sociedade S.., Unipessoal, Lda. – e a ré, nos termos do qual adquiriu o A. o direito de, em regime de franchising, montar e explorar na cidade de S...T..., na Rua das..., uma oficina de diagnóstico e prestação de serviços de manutenção e de assistência a veículos automóveis, e do correspondente fornecimento de produtos, peças, acessórios, sobresselentes e outros produtos consumíveis, funcionando de acordo com o sistema denominado “P... Tune Auto Care” e sob o uso da mesma marca (cfr. doc. de fls. 211 a 238 cujo teor se reproduz).


Na verdade, o que se pretende é aferir da boa fé da ré na fase pré-negocial e se a sua violação produziu o dever de indemnizar o A., pois este na fase pré-negocial era o interlocutor da ré e não a sociedade constituída, pois a sua constituição, provou-se, foi por imposição da ré como condição para a celebração do negócio.


No caso vertente, o autor resolveu o contrato nos termos e pelos fundamentos constantes da carta de resolução, na qual a “S.., Unipessoal, Lda.” declarou resolver o contrato de franquia celebrado com a ré, o que fez por meio de carta registada enviada em 18 de Maio de 2011, nos termos constantes de fls. 126 a 132 cujo teor se reproduz.

Acresce que também resultou provado que a ré, desde 2010, que foi informada da actividade comercial da “S..”, nomeadamente do volume de facturação referido e da situação economicamente frágil vivida por força dessa facturação. E desde meados de 2010 que o autor solicitou, insistentemente, o apoio de ré para a reversão dessa situação, tendo sido realizada, em 27 de Julho de 2010, uma reunião entre o autor e pessoas ligadas à ré, no qual aquele teve a oportunidade de explanar a estes os problemas financeiros que o centro de S...T... estava a enfrentar, designadamente os decorrentes da facturação manifestamente menor que a prevista no “Plano de Negócios”. A ré em resposta referiu ao A. que iria apresentar um plano de acção bem como a possibilidade de fixação de um plano de pagamentos relativamente às dívidas da sociedade em causa à ré.

Em Outubro de 2010, o A., intitulando-se “Centro P... em S...T...” referiu à ré a circunstância dos preços das peças e serviços impostos pela ré serem desajustados para a realidade do mercado de S...T.... E ainda a inexistência de setas orientadoras para os clientes poderem com maior facilidade aceder ao Centro, o que estava previsto desde a abertura, bem como a angariação de frotas e a formação quanto à mesma assegurada pela ré, em Outubro de 2010, ainda não ocorria.

Sendo ainda que o centro em causa estava situado a menos de 20 Km da cidade de Paços de..., sendo que nesta cidade ré tinha tido um centro P... próprio, que veio a encerrar.

Logo, parece-nos que face a estes factos se desfez a relação de confiança entre as partes, pelo que não nos parece ser de exigir à S... a manutenção do contrato até terminar o prazo convencionado, sabendo-se que a realização do fim contratual (sucesso no negócio) resultou prejudicado. Em razão do exposto, somos em crer que face àquela alínea b) do referido art. 30 do Dec-Lei 178/86, a resolução efectuada pela S... obedeceu a uma justa causa e daí que tenha sido fundada.

Logo, nem existe qualquer incumprimento culposo quando tal resolução tem por base a alínea b) do art. 30 do Dec-Lei 178/86 (reconhecimento de verificação de justa causa). Logo, apenas existe um juízo de licitude da resolução, pelo que a resolução do contrato por banda da Sociedade S... é em nosso entender legítima, não em razão do incumprimento do contrato por parte da ré, mas sim por verificação de justa causa para cessação do vinculo contratual (em sentido idêntico Ac. do STJ de 25/01/2011 in www.dgsi.pt/jstj ). Acresce que mesmo a entender-se de outro modo o direito à eventual indemnização não diz respeito à esfera jurídica do A. mas sim da sociedade S... Importa porém, aferir se existe efectivamente a violação por parte da ré dos ditames da boa fé, na relação pré negocial estabelecida com o A.. Pois da matéria de facto resulta que as informações prestadas ao A. aquando do negócio e as expectativas deste não lograram ser cumpridas e alcançadas, nos moldes contratualmente ajustados, impondo-se reflectir sobre esta questão essencial.


A ré prestou ainda ao A. informação sobre qual a expectativa da obtenção de facturação, tendo apresentado ao A. o “Plano de negócio” de negócio, informações essas que convenceram o autor a aceitar com a ré a abertura de um centro de diagnóstico e de reparação ao abrigo de um contrato de franchising na cidade de S...T.... Resultou provado que a localização do referido centro na cidade de S...T... foi sugerida pela ré, dentro de um conjunto de Centros possíveis no país.

Ora, em termos financeiros os resultados do Centro ficaram muito aquém do expectável, pois no primeiro ano a facturação anual do centro P... em causa foi de 119.382,04 € (cento e dezanove mil trezentos e oitenta e dois euros e quatro cêntimos) quando no “Plano de Negócios” elaborado pela ré se previa uma facturação de 230.000,00 € (duzentos e trinta mil euros). E no segundo ano de execução do contrato, a facturação da representada da “S..” foi de 119.443,30 € (cento e dezanove mil quatrocentos e quarenta e três Euros e trinta cêntimos), quando no “Plano de Negócios” referido se previa uma facturação de 380.000,00 € (trezentos e oitenta mil euros). No terceiro ano, a facturação da referida sociedade, dos últimos 4 meses ascendeu a €20.180,67 € (vinte mil cento e oitenta euros e sessenta e sete cêntimos) quando no “Plano de Negócios” se previa uma facturação anual de 480.000,00 € (quatrocentos e oitenta mil euros).

De acordo com o “Plano de Negócios” elaborado e entregue pela ré ao autor se atingiria no 4º ano do negócio o ano “cruzeiro” a facturação anual do centro de S...T... previa-se como ascendendo a 580.000,00 € (quinhentos e oitenta mil euros).

Logo, a facturação média por veículo automóvel do Centro em causa era inferior aos valores referidos no aludido “Plano de Negócios”.

Acresce que a ré não desconhecia o carácter fundamental de todas as informações prestadas pela ré para a decisão do autor em aceitar o contrato e as condições nele constante.

Dispõe o art. 227, nº 1 do Código Civil (CC) que: “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.


Com efeito, o facto de as partes estabelecerem contactos com vista a determinado negócio, obriga-as a comportarem-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética. A ilicitude nessa fase resultará, pois, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de protecção, aos deveres de informação, e aos deveres de lealdade.

Dada a importância que assumia a ré na qualidade de detentora da marca referida, competia à mesma especiais deveres de esclarecimento e informação. Pois na verdade o A. confiou que o plano de negócio circunscrito a um Centro cuja localização a ré sugeria tinha por base pressupostos correcto, e ainda que existisse sempre uma margem de erro, motivada nomeadamente pela crise financeira do sector, o plano de negócios não poderia afastar-se dos valores reais de forma tão abissal como ocorreu nos autos.

As práticas agressivas de comercialização têm sempre de ter como ponto de equilíbrio a informação correcta ou aproximada e não qualquer informação que se venha a revelar manifestamente desajustada, como ocorreu nos autos.

Na verdade a referência ao plano de negócio ocorre desde logo no contrato de franquia ( ponto 12. ), pelo que não constitui um mero indicador financeiro despiciendo, pelo que deveria ter existido maior rigor na sua elaboração. Acresce que na data da celebração do contrato já se faziam sentir as repercussões da crise económica a nível europeu, e mais ainda nos Estados Unidos da América. É certo que se provou que comparado com a restante rede P... a sociedade S... facturava cerca de 30% a 36% menos, em média, sendo que a contagem de veículos entrado correspondia ao expectável, não existiam era vendas adicionais.

Todavia, na vertente da culpa na formação do contrato não há que olvidar que o plano de negócio ainda que objecto de análise critica e não isento de erro, era uma previsão, mas a qual era essencial na decisão de contratar e a margem de erro em nosso entender não deveria ser, nessa data, na percentagem em que o foi relativamente ao Centro explorado em S...T....

Assim, entendemos que existe efectivamente a actuação de má fé da ré na fase pré-negocial, no âmbito da violação dos deveres de informação.

Quanto à indemnização, como princípio geral, estabelece-se no art. 562 do CC o dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (princípio de reposição natural), nele se dispondo que “quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.


No caso em apreço apenas estão em causa os danos sofridos pelo A. a título pessoal e não aqueles que se repercutem na esfera jurídica da sociedade “S...”, ou seja as dívidas próprias desta não podem ser consideradas, pois ainda que a sociedade tenha sido constituída por imposição da ré, a mesma tem personalidade jurídica própria. Na verdade, e caso a sociedade não tivesse sido declarada insolvente sempre o A., querendo, poderia decidir por outro negócio com o mesmo objecto, mas considerando que as repercussões da insolvência dizem respeito à sociedade não podem ser considerados esses prejuízos.

Logo, entendemos que é apenas de atender às despesas que o A. teve a nível pessoal, provando-se que relativamente ao pagamento inicial feito à ré, o A. pagou o valor de 6.050,00€ que lhe pertenciam, pois o demais foi pago através de um contrato de financiamento celebrado entre o BES e a sociedade. Acresce que relativamente a esse financiamento, a Norgarante ( que prestou garantia ao BES ) exigiu do autor e da sociedade esta mesma quantia por si paga ao referido Banco BES, acrescido de juros de mora calculados a uma taxa de 8%, que o autor se viu obrigado a assumir, tendo o mesmo pago inicialmente o valor de 3.371,58€ e já tendo pago a nível de um acordo de pagamento em prestações o valor de 8.580,00€. O A. fez ainda a título pessoal pagamentos no valor de 7.100€ ao BES.

Face aos factos entendemos que o valor indemnizatório a considerar concretamente como despesas do A. é apenas o relativo às despesas que não se repercutem na sociedade, por terem resultado de pagamentos próprios, pelo que não é de considerar o demais nomeadamente a dívida ao IGFSS, pois este não foi pago pelo A. e desconhece-se o que ocorre relativamente a esta dívida no âmbito da insolvência da S...

Donde, da soma das parcelas referidas e únicas que podem ser consideradas como valor indemnizatório ao A. resulta o valor total de 25.101,58€.

Quanto aos juros estes serão à taxa legal e desde a citação, face ao disposto no arto 805 nº 1 do CC, dada a natureza da indemnização neste caso concreto. Vejamos, em seguida, o que dizer quanto aos danos não patrimoniais, merecendo os mesmos a tutela do direito desde que revistam gravidade – art. 496, nº 1. Sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar caso a caso, de acordo coma realidade fáctica apurada.

Devendo, de qualquer modo, tal gravidade medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado.

In casu os factos dados como provados não nos permitem classificar a existência de quaisquer danos ditos morais cuja gravidade mereçam a tutela do direito, pois apenas se provou que a contratação com a ré foi para o autor um investimento pessoal, que passou a dedicar-se exclusivamente aquela actividade, da mesma retirando os seus únicos rendimentos. E o A. viu o seu nome envolvido numa insolvência. O autor viu ainda frustrada a sua iniciativa com que contava dedicar-se até à idade da reforma e não vê qualquer futuro profissional à sua frente, uma vez que não consegue arranjar emprego em Portugal, pelo que se sentiu e sente-se frustrado, vexado e triste.

Ora, da actuação directa da ré não resultam os danos cuja gravidade mereçam tutela do direito nos termos previstos no art. 496 do CC, dado que a falta de emprego não pode ser imputável à situação criada e evidenciada nos autos, mas sim e eventualmente por factores exógenos, ou seja não existe correlação directa. E nenhuma repercussão existiu ainda na situação da insolvência da sociedade, nomeadamente o nome do A. a nível bancário.

Assim, não haverá lugar a qualquer indemnização a título de danos morais.

Quanto à questão de eventuais nulidades, o Tribunal sustentou o seguinte (fls. 826):

Não se afigura que a sentença proferida enferme de nulidades, designadamente da apontada pelo recorrente A.

Na verdade, não se mostra desprovido de decisão o facto que constituía o nº 41 da BI. Como se referiu a fls. 632, os factos elencados como “não provados” são de entender como aqueles que importou referir para “além das respostas restritivas ou explicativas que já resultaram da resposta que antecede”, relativa aos factos provados; v. o ponto nº 48 dos factos provados, compaginado com a análise do doc. de fls. 570, frente a declaração bancária atinente a entregas feitas pelo sócio (fls. 634).

Conclusões do recorrente.

A  isto, opõe o Autor recorrente as seguintes conclusões:

1. Da base instrutória elaborada constava do item 41) o seguinte: “Em face das dificuldades financeiras da «S..., Unipessoal, Lda.» referidas, o autor viu‐se forçado a fazer suprimentos àquela sociedade, no montante de 7.200,00 €?”.
2. Tal matéria não consta, nem da factualidade dada como provada, nem da factualidade julgada não provada.
3. A ausência de pronúncia quanto à matéria vertida no item 41 da Base Instrutória constitui nulidade da sentença, nos termos do preceituado no artigo 615,  nº 1, d), do Código de Processo Civil, o que para todos os efeitos expressamente aqui se argui.
4. No que concerne ao não recebimento de retribuições pelo recorrente no período compreendido entre Setembro de 2008 a Maio de 2011 o Tribunal a quo para além de não atender ao depoimento da testemunha RM... não considerou o depoimento da testemunha LM..., técnico oficial de contas da sociedade «S..., Unipessoal, Lda.».
5. Contrariamente ao vertido na motivação a testemunha RA... tinha conhecimento directo deste facto, até em razão da sua relação matrimonial com o recorrente, sendo ainda certo que do depoimento prestado por testemunha, em audiência de discussão e julgamento, não se vislumbra qualquer sinal de que a mesma não tenha deposto com isenção e credibilidade, aliás nem o tribunal o diz.
6. O Meritíssimo Juiz a quo julgou incorrectamente o ponto 4 dos factos julgados não provados (correspondente ao ponto 44 da Base instrutória).
7. Assim, tendo por base o depoimento da testemunha LL..., prestado na sessão de julgamento realizada no dia 21 de Outubro de 2013, cujo depoimento se encontra registado de rotações 00:00 m a 01:05 minutos e 05 segundos, que era o Técnico Oficial de Contas da dita sociedade «S.., Unipessoal, Lda.», que tinha conhecimento pessoal dos factos, referiu inequivocamente que não obstante o recorrente ter um salário atribuído enquanto gerente o mesmo não lhe era pago, como resulta do seu depoimento a rotações de 43 minutos e 10 segundos; Bem como
8. O depoimento da testemunha RM..., prestado na audiência de discussão e julgamento, na sessão de 30 de Setembro de 2013, cujo depoimento se encontra registado de rotações 00:11 m e 50 segundos a 01:37 minutos e 25 segundos, mulher do recorrente e que, até por tal relação, tinha conhecimento directo de tal facto,
9. Impunha‐se decisão diversa sobre o aludido ponto 4º dos factos julgados não provados, devendo o mesmo ser considerado provado.
10. Alterando‐se a matéria de facto supra mencionada como propugnado e considerando a remuneração que a própria recorrida anunciou como sendo a adequada a um gestor de centro (1.464,00 €), vide documento nº 6 junto com a petição inicial, a páginas 6 do mesmo, denominado de «Plano de Negócios», deverá ao recorrente ser atribuída uma indemnização correspondente a 48.312,00 € (1.464,00 € × 33 meses), a esse título.
11. O Tribunal errou igualmente no julgamento da matéria de facto vertida no item 48 da matéria de facto dada como provada, uma vez que, como resulta, da informação e documento junto aos autos a fls. 601 a 605, pelo Banco Espírito Santo e não impugnado, o montante que o recorrente pagou à aludida instituição financeira àquele título foi de 17.400,80 € (dezassete mil, quatrocentos e oitenta cêntimos).
12. Assim, deve ser alterado o item 48 da matéria de facto dada como provada, passando a constar do mesmo o montante de 17.400,80 € (dezassete mil, quatrocentos e oitenta cêntimos).
13. Da factualidade provada nos itens 23, 9, 36 e 24, decorre que a sociedade «S...» foi criada pelo recorrente por imposição da recorrida, como condição essencial para a concretização do negócio, que foi o recorrente, à custa do seu património, que suportou os custos com a constituição da dita sociedade, e ainda que foi este que dotou essa mesma sociedade de todos meios necessários para que o negócio fosse concluído – item.
14. Ora, o recorrente com a constituição da sociedade despendeu a quantia de 460,00 € com emolumentos e 25.000,00 € com a obrigação de entrada no capital social.
15. Deste modo, os montantes dispendidos pelo recorrente com a constituição da sociedade são prejuízos que o mesmo teve a título pessoal e como tal devem ser ressarcidos.
16. Relativamente aos danos não patrimoniais, atentos os factos provados, designadamente, nos itens 50, 51 e 52, entende o recorrente que é adequado o arbitramento da quantia de 5.000,00 €, para ressarcimento dos mesmos.
17. A douta sentença recorrida violou, nomeadamente, os artigos 615, nº 1, d), do Código de Processo Civil, bem como fez errada interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 496, 562 e 566 do Código Civil.

Por seu lado, a ré, em recurso, conclui o seguinte:

A.O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, no dia 26.03.2014, nos termos da qual foi a Recorrente condenada a pagar ao Recorrido o montante de € 25.101,58 (vinte e cinco mil, cento e um euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos desde a citação, à taxa legal, até integral pagamento, com a qual, salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode a Recorrente concordar.
B. O Tribunal recorrido deu erradamente como provados os factos constantes dos números 21, 26, 36, 39 e 48 dos factos provados.
C.O facto constante do ponto 21 dos factos provados deveria ter sido dado como provado em termos diversos face à prova documental e testemunha produzidas.
D. Resulta da prova testemunhal produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha RM... (cfr. depoimento gravado no dia 30.09.2013, com início às 10:01:49 e termo às 11:39:15, entre as 00:40:07 e as 00:43:57) que o Recorrido não tinha a expectativa de obter a facturação constante do plano de negócios, nem que tenham sido exclusivamente as informações constantes do mencionado plano que o convenceram a contratar nos termos em que o fez. Com efeito,
E. Resulta da prova documental produzida que a informação constante do plano de negócios constituía uma mera projecção, conforme resulta da página 2 do documento nº 5 junto com a petição inicial, a fls. dos autos, que constitui o plano de negócios, bem como do contrato-promessa de franquia celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, junto como documento nº 6 junto com a petição inicial, a fls. dos autos.
F. Nestes termos, a resposta ao mencionado facto deverá ser alterada nos seguintes termos para “A Ré prestou ainda ao A. informação sobre qual a projecção de facturação, baseada no modelo de negócio P... Tune Auto Care, tendo apresentado ao A. o “Plano de negócio” de negócio para a abertura de um centro de diagnóstico e de reparação ao abrigo de um contrato de franchising na cidade de S...T...”.
G.O facto constante do ponto 26 dos factos provados deveria ter sido eliminado, por constituir matéria conclusiva, ou, pelo menos, ter sido dado como não provado.
H. A única testemunha inquirida sobre esta matéria – a testemunha RM... (cfr. depoimento gravado no dia 30.09.2013, com início às 10:01:49 e termo às 11:39:15, entre 00:40:07 e 00:41:01) – nada referiu relativamente ao (des)conhecimento das motivações que levaram o Recorrido a contratar com a Recorrente. Por outro lado,
I. A decisão recorrida é contraditória com o mencionado facto, na medida em que resulta da fundamentação da resposta à matéria de facto que “Por banda do A. e relativamente à forma como o negócio se processou apenas foi ouvida a esposa do autor, a qual apesar de ter frisado a importância do plano de negócio apresentado ao A. na sua decisão de contratar, não foi explícita ao ponto de tal circunstância ter sido evidenciada à ré, nem tal resulta de qualquer dos documento referidos, e acabou por aceitar que o plano seriam meras projecções, dizendo todavia que nunca imaginaram que a margem de facturação real seria de 50%. (...)”.
J.Os factos constantes dos pontos 36, 39 e 48 dos factos provados deveriam ter sido dados não provados ou como provado em termos diversos.
K.  Relativamente a esta matéria, foram inquiridas as testemunhas RM... e LM... (cfr. depoimentos gravados nos dias 30.09.2013 e 21.10.2013, respectivamente, com início às 10:01:49 e termo às 11:39:15 e com início às 9:58:04 e termo às 11:03:11).
L. A testemunha RM...(cfr. depoimento gravado no dia 30.09.2013, com início às 10:01:49 e termo às 11:39:15, entre as 00:59:28 e as 01:06:59) referiu, por diversas vezes, que a conta bancária sobre a qual os cheques emitidos pelo Recorrido foram sacados era titulada por si e pelo seu marido – o que parece resultar igualmente do teor dos cheques, nomeadamente através da indicação na face do cheque “SL”.
M. A testemunha RM... nada esclareceu relativamente à natureza da conta bancária (solidária ou conjunta), à proveniência do dinheiro ali depositado ou à comparticipação de cada um dos cônjuges, nomeadamente do Recorrido.
N. Parece inclusivamente resultar do depoimento da testemunha RM... que o dinheiro depositado na conta bancária era exclusivamente seu, tal não é a propriedade com que fala nos pagamentos que realizou (“eu tive de pagar”, ”consegui pagar”, “ainda estou a pagar”, “tinha guardado um bocado de dinheiro”, etc.).
O. Também a testemunha JC..., funcionário do Banco Espírito Santo, prestou depoimento sobre esta mesma matéria (cfr. depoimento gravado no dia 21.10.2013, com início às 12:01:04 e as 12:13:15, entre as 00:04:40 e as 00:05:03), tendo referido que “O dinheiro era trazido pela senhora dona Rosa ao Banco ou pelo senhor José..., que era um...um sócio gerente da empresa. Eram eles que estavam efectivamente a pagar. Eram eles que estavam efectivamente a pagar, senhor doutor.
P. A mesma informação foi corroborada pelo próprio Banco Espírito Santo, através da documentação junta aos autos em Novembro de 2013, a fls. 601 a 605, segundo a qual o Recorrido e a sua mulher, testemunha RM..., na qualidade de avalistas da sociedade S..., Unipessoal, Lda., procederam ao pagamento da quantia de € 17.400,80 (dezassete mil e quatrocentos euros e oitenta cêntimos).
Q.Devem, pois, os mencionados factos ser dados como não provados ou, pelo menos, ser alterada a respectiva resposta nos seguintes termos:
a) 36. “Com a constituição da sociedade comercial unipessoal, o autor suportou diversos custos em montante indeterminado”
b) 39. “O cheque no valor de 6.050,00€ foi sacado sobre uma conta bancária titulada pelo autor e pela sua mulher”
c) 48.“O A. fez a título pessoal pagamentos ao Banco BES decorrente de dívidas da “S...” em montante indeterminado”
R.   O Tribunal recorrido, face à prova documental e testemunhal produzida, deveria ter dado como provados ou, pelo menos, como parcialmente provados os factos constantes dos artigos 50 e 53 da Base Instrutória.
S. O facto constante do artigo 50 deveria ter sido dado como provado.
T.Resulta do depoimento da testemunha RM... (cfr. depoimento gravado no dia 30.09.2013, com início às 10:01:49 e termo às 11:39:15, entre as 00:40:07 e as 00:43:57) que o Recorrido estava perfeitamente ciente de que os elementos constantes do plano de negócio constituíam meras previsões (ou, dito de outra forma, projecções) e que a facturação real poderia divergir da facturação prevista.
U. Resulta, igualmente, do teor do plano de negócios, junto como documento nº 6 com a petição inicial, que “O Plano de Negócios apresentado de seguida, corresponde a projecções sobre o modelo de negócio P... Tune Auto Care, não constituindo qualquer garantia de rentabilidade esperada e/ou necessidades de financiamento projectadas.”.
V. De igual modo, resulta do contrato-promessa de franquia celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, nomeadamente do nº 6 da cláusula 7ª, sob a epígrafe “disposições gerais”, junto como documento nº 7 com a petição inicial, o reconhecimento, pelo Recorrido, de que “investigou e analisou com independência absoluta todas as cláusulas ora contratadas e prometidas contratar, suas implicações e consequências, bem como todo o enquadramento legal das obrigações que assume, quer no presente contrato promessa, quer no Contrato prometido, reconhecendo que o negócio cuja prossecução assim promete assumir comporta os riscos próprios dos negócios, e reconhece que em momento algum o PROMITENTE FRANQUEADOR EXCLUSIVO, expressa ou implicitamente, lhe tenha garantido valores, mesmo estimados ou aproximados ou os constantes do Plano de Negócio, das vendas ou dos lucros prováveis para o PROMITENTE FRANQUEADO com o negócio gerado pela exploração da concessão da franquia ora prometida, sendo o Plano de Negócio assumido inteiramente seu pelo PROMITENTE FRANQUEADO.”.
W. Ou seja, a Recorrente não só não garantiu valores, nem estimados ou aproximados, relativamente ao volume de facturação, como alertou o Recorrido para o facto dos elementos constantes daquele “Plano de Negócios” corresponderem a meras projecções!
X. Nestes termos, a resposta ao mencionado facto deveria ter sido provado, devendo, em conformidade, ser aditado aos factos provados que “A Ré aquando da entrega do documento intitulado “Plano de Negócios” aludido, alertou o Autor para o facto de os elementos constantes daquele “Plano de Negócios” corresponderem a meras projecções”.
Y. O facto constante do artigo 53 deveria ter sido dado como provado.
Z. A testemunha NR... (cfr. depoimento se encontra gravado no dia 21.10.2013, com início às 15:28:57 e termo às 16:07:35, entre as 00:13:55 e as 00:23:12) esclareceu que o Recorrido revelou dificuldade em concretizar vendas adicionais e, por outro lado, a cidade de S... T... foi uma das mais fustigadas pelo desemprego a partir de 2008, em ambos os casos, com repercussões evidentes na facturação da sociedade constituída por aquele.
AA. Ou seja, na opinião da testemunha, as causas para a reduzida facturação da sociedade não eram imputáveis à P..., mas à situação económico-financeira do País, como também à incapacidade demonstrada pelo Recorrido concretizar vendas adicionais.
BB. Também a testemunha JP... (cfr. depoimento se encontra gravado no dia 21.10.2013, com início às 14:15:04 e termo às 15:27:38, entre as 00:23:01 e as 00:28:56) confirmou que as causas da facturação reduzida deviam-se à incapacidade demonstrada pelo Recorrido em propor vendas adicionais.
CC. A testemunha esclareceu ainda que o problema, no caso específico do centro explorado pela sociedade constituída pelo Recorrido, prendia-se com a factura média por veículo, a qual era da responsabilidade daquele.
DD.  Também a testemunha CC... (cfr. depoimento se encontra gravado no dia 19.02.2014, com início às 15:23:20 e termo às 17:36:55, entre as 00:34:06 e as 00:37:47), à data dos factos, director financeiro da Recorrente, corroborou o entendimento da testemunha JP... de que uma das causas da facturação reduzida teria sido mesmo a incapacidade demonstrada pelo Recorrido.
EE.  Se dúvidas houvesse ficariam totalmente dissipadas pelo depoimento da testemunha CA... (cfr. depoimento se encontra gravado no dia 21.10.2013, com início às 11:37:54 e termo às 11:50:27, entre as 00:08:52 e as 00:10:08), arrolada pelo Recorrido, funcionária do centro explorado pela sociedade S..., cujo depoimento corroborou todos os outros prestados relativamente a esta matéria.
FF. A aludida testemunha não teve dúvidas em apontar como uma das causas para o insucesso do centro explorado pela sociedade constituída pelo Recorrido a incapacidade deste em gerir o negócio.
GG.Nestes termos, a resposta ao mencionado facto deveria ter sido provado, devendo, em conformidade, ser aditado aos factos provados que “A S..., Unipessoal, Lda. e, mais concretamente do seu sócio e gerente, aqui Autor, revelou incapacidade em seguir procedimentos e propor vendas adicionais o que determinou o volume de facturação do centro
HH. Resulta do disposto no nº 1 do artigo 227 do Código Civil que, mesmo antes da conclusão do contrato, as partes devem proceder segundo as regras da boa-fé, seja na fase negociatória – que decorre desde o início das negociações até à emissão da proposta contratual –, seja na fase decisória – que decorre da emissão da proposta contratual até à conclusão do contrato, com a sua aceitação.
II. A chamada culpa in contrahendo exige que a violação dos deveres emergentes da boa-fé conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actuação – ou omissão – de quem não os acatou ou quando tal violação retira às negociações o seu sentido substancial de busca de um consenso na formação de um contrato válido, traduzindo-se numa conduta contrária aos ditames da boa-fé negocial.
JJ. Pese embora o Tribunal recorrido não tenha fundamentado convenientemente a sua decisão – o que se deixa expressamente invocado para os devidos efeitos legais –, parece resultar que a violação dos deveres de informação resultaria – apenas e só! – da discrepância verificada entre a facturação prevista no plano de negócios e a facturação real. Porém,
KK. A matéria de facto provada – mesmo sem a reapreciação que, por via do presente recurso, se suscita – não permite concluir pela violação dos deveres de informação ou, dito de outra forma, que a actuação da Recorrente não tenha sido conforme às regras da boa-fé.
LL.  Pelo contrário, resultou da prova testemunhal produzida que o plano de negócios foi elaborado com rigor, conforme decorre dos depoimentos prestado pelas testemunhas JP..., NR... e CC... (cfr. depoimentos gravados nos dias 21.10.2013 e 19.02.2014, respectivamente, com início às 14:15:04 e termo às 15:27:38, com início às 15:28:57 e termo às 16:07:35 e com início às 15:23:20 e termo às 17:36:55), tendo a Recorrente socorrido-se
(i) da melhor informação disponível sobre o parque automóvel na área geográfica de S...T... – local onde o Recorrido viria a explorar, por intermédio da sociedade por si criada, o centro de manutenção automóvel –,
(ii) dos elementos obtidos junto do grupo Auchan – recorde-se que o centro de manutenção automóvel explorado pela sociedade constituída pelo Recorrido estava situada nas imediações do centro comercial por aquele explorado na cidade de S...T... – e
(iii) dos elementos relativos à restante rede.
MM.Ficou demonstrado que o car count (i.e., o número de carros que eram facturados) estava em linha com o previsto no plano de negócios, tal como resulta do ponto 55 dos factos provados, pelo que os elementos em que a Recorrente se baseou para a elaboração do plano de negócios não só estavam actualizados, como se revelaram correctos.
NN.   Ficou, igualmente, demonstrado que a facturação média por veículo não correspondia ao valor previsto no plano de negócios, nomeadamente por falta de vendas adicionais.
OO. A responsabilidade pela facturação média por veículo (leia-se, as vendas adicionais) era do gestor do centro/franchisado, conforme resultou do depoimento das testemunhas JP..., NR... e CC... (cfr. depoimentos gravados nos dias 21.10.2013 e 19.02.2014, respectivamente, com início às 14:15:04 e termo às 15:27:38, com início às 15:28:57 e termo às 16:07:35 e com início às 15:23:20 e termo às 17:36:55).
PP. O negócio, ainda assim, não era isento de riscos para a Recorrente, na medida em que, conforme resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas JP... e CC... (cfr. depoimentos gravados nos dias 21.10.2013 e 19.02.2014, respectivamente, com início às 14:15:04 e termo às 15:27:38 e com início às 15:23:20 e termo às 17:36:55), a sociedade constituída pelo Recorrido para explorar o centro de manutenção automóvel em S...T... ficou a dever à Recorrente uma quantia superior a € 100.000,00 (cem mil euros).
QQ. O negócio só seria rentável para a Recorrente se igualmente fosse rentável para o Recorrido, na medida em que iria receber fees sobre a facturação da sociedade.
RR. Por outro lado, não ficou minimamente demonstrado, nem sequer foi alegado pelo Recorrido, que o plano de negócio contivesse algum erro, estivesse desactualizado ou, sequer, fosse desadequado.
SS. À data da elaboração do plano de negócios – leia-se, Fevereiro de 2008 –, a Recorrente não poderia antecipar a grave crise económica e financeira cujos efeitos começaram a sentir-se em Portugal a partir do segundo semestre de 2008. Significa isto que o plano de negócios foi elaborado numa fase prévia à crise económica, enquanto o centro de S...T... começou a ser explorado já em plena crise!
Tal facto repercutiu-se, necessária e consequentemente, na facturação da sociedade constituída pelo Recorrido, tal como resultou demonstrado sob o ponto 54 dos factos provados, assim como em todos os outros centros da rede (próprios e franchisados).
UU.   Por outro lado, resultou igualmente demonstrado que, para o insucesso do centro de manutenção explorado pela sociedade constituída pelo Recorrido, concorreram outros factores, aos quais a Recorrente é completamente alheia, entre os quais a incapacidade relevada pelo Autor na gestão do centro – cuja reapreciação se requer através do presente recurso.
VV.  Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, não poderia o Tribunal recorrido concluir pela violação dos deveres de informação e, logo, pela condenação, ainda que parcial, da Recorrente. Ao fazê-lo, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 227 do Código Civil.

Não se verifica a apontada nulidade da sentença.

O Autor recorrente conclui que a sentença não se pronunciou sobre o ponto 41 da Base Instrutória, do seguinte teor:
“41. Em face das dificuldades financeiras da «S..., Unipessoal, Lda.» referidas, o autor viu- ‐se forçado a fazer suprimentos àquela sociedade, no montante de 7.200,00 €?”.

Mas no ponto 48 dos factos provados, o Tribunal considerou apurado o seguinte:
48. O A. fez a título pessoal pagamentos ao Banco BES decorrente de dívidas da “S..” no valor de 7.100€;
Este facto dá resposta àquele ponto 41 da BI, em termos restritivos. Pelo que não se verifica a apontada nulidade da sentença.

Não há alterações a fazer à matéria de facto.

O autor pronuncia-se pela modificação da matéria de facto, nos seguintes termos:
– o ponto 4 dos factos não provados deverá ser julgado provado;
– o ponto 48 dos factos provados deve ser modificado.

Naquele ponto 4, o Tribunal considerou não provado:

4. Que em virtude da incapacidade financeira da sociedade para pagar todas as despesas e encargos com a sua actividade, não mais o autor conseguiu retirar da mesma qualquer quantia, seja a título de retribuição da gerência.
O autor invoca a este respeito os depoimentos das testemunhas LL... e RM.... O Tribunal, porém, observou que,
“em relação aos pretensos salários do Autor na sociedade S..., não foi junto qualquer documento contabilístico ou outro que ateste os mesmos, não sendo suficiente a prova testemunhal que neste caso é apenas a esposa do A. [Rosa ] e não qualquer pessoa cujo conhecimento  seja direto, nomeadamente o Técnico Oficial de Contas ou pessoa encarregue da contabilidade que nada falou de concreto acerca deste ponto, dizendo apenas que talvez tenha recebido o salário mínimo nacional”
A testemunha LL... era o TOC da sociedade, e não se lembrava se o Autor alguma vez tinha recebido ordenado e deixado depois de receber (43:24); sabia que a lei obriga a fixar ordenado para efeito de descontos, mas não se lembrava se alguma vez o tinha recebido; o advogado fez- -lhe então uma pergunta sugestiva a que ele respondeu “sim”, pelo que a resposta não pode ser considerada. Face à falta de recordação da testemunha “A minha memória não vai a tanto”, e na ausência de documentação contabilística, como notou o Tribunal, este facto não pode dar-se por provado.

O ponto 48 dos factos provados é do seguinte teor:

48. O A. fez a título pessoal pagamentos ao Banco BES decorrente de dívidas da “S..” no valor de 7.100€;
O Autor contrapõe que o BES juntou a fls. 601-605 uma declaração de 2013 segundo a qual recebeu € 17.400,80, mas “para pagamento do financiamento FEC 3594/08 concedido em 29 de setembro de 2008” à S...  Mas aqui não se refere às dívidas do ponto 48, e sim ao financiamento de 29 de setembro de 2008.  A essas dívidas refere-se antes, como observa o Tribunal recorrido, a declaração do BES de 2012 junta a fls. 570, no montante de € 7.100,00 (é a diferença que estava por pagar, como resulta daquela declaração do Banco).  Foi o que se deu como provado no ponto 48, nada havendo aqui a alterar.

Por sua vez, a ré recorrente pede a alteração dos pontos 21, 26, 36, 39 e 48 dos factos provados.

Quanto ao ponto 21, alega que devia ter sido dado como provado em termos diversos. Em vez de,

21. A ré prestou ainda ao A. informação sobre qual a expectativa da obtenção de facturação, tendo apresentado ao A. o “Plano de negócio” de negócio, informações essas que convenceram o autor a aceitar com a ré a abertura de um centro de diagnóstico e de reparação ao abrigo de um contrato de franchising na cidade de S...T...;

Deveria dizer-se:

21. A Ré prestou ainda ao A. informação sobre qual a projecção de facturação, baseada no modelo de negócio P... Tune Auto Care, tendo apresentado ao A. o “Plano de negócio” de negócio para a abertura de um centro de diagnóstico e de reparação ao abrigo de um contrato de franchising na cidade de S...T....
Não se vê razão para a alteração pretendida.  Da documentação junta aos autos a fls. 39 a 77 só pode dar-se como apurado qual a expetativa da faturação do centro de diagnóstico e reparação proposto. A ré prefere chamar-lhe “projeção de facturação”;  mas dúvida não há que os elementos fornecidos criavam no destinatário uma expetativa quanto à facturação que obteriam com aquele investimento de franchising em S...T....

No ponto 26 diz-se que:

26. A ré não desconhecia o carácter fundamental de todas as informações prestadas pela ré para a decisão do autor em aceitar o contrato e as condições nele constante;
O essencial aqui não é a qualificação de “fundamental” (essa sim, é conclusiva”), mas o conhecimento da ré sobre as informações prestadas; e que delas resultou a decisão do autor: estes são facto, e como tal podem ser dados como provados, como foram. O depoimento da testemunha RM... em nada obsta a este facto; e o seu conhecimento pela Ré (como provar um estado de conhecimento subjetivo ?) basta-se com um juízo de senso comum que o Tribunal está autorizado a fazer na avaliação da prova.
A ré também defende que devem ser dados como não provados os factos 36, 39 e 48, ou pelo menos provados apenas nos termos que seguidamente se indicam.

Esses factos provados são os seguintes:

36. Com a constituição da sociedade comercial unipessoal, o autor suportou os seguintes custos: 460,00€, em 15.09.2008, com emolumentos devidos na Conservatória do Registo Comercial e 25.000,00€, em 20.05.2008, com a obrigação de entrada no capital social;
39. O valor de 6.050,00€ pertenciam ao autor;
48. O A. fez a título pessoal pagamentos ao Banco BES decorrente de dívidas da “S...” no valor de 7.100€;

A ré propõe a seguinte redação alternativa a não provado:

36. “Com a constituição da sociedade comercial unipessoal, o autor suportou diversos custos em montante indeterminado”.
39. “O cheque no valor de 6.050,00€ foi sacado sobre uma conta bancária titulada pelo autor e pela sua mulher” .
48. “O A. fez a título pessoal pagamentos ao Banco BES decorrente de dívidas da “S...” em montante indeterminado”.

Quanto aos factos 36 e 39, o Tribunal fundamentou-se nos documentos de fls. 138 e seguintes, conforme motivação da sentença a fls. 634; não há razão para pôr em dúvida que pelos menos os valores foram os que o Tribunal apurou, sendo irrelevante o facto de não se ter determinado se a conta bancária dos cônjuges era conjunta ou solidária.

E quanto ao facto 48, o Tribunal baseou-se, conforme referido, no documento de fls. 570 (declaração do BES).

Finalmente, a ré entende que devia dar-se como provado o teor dos pontos 50 e 53 da Base Instrutória. São os seguintes:

50.BI. A ré aquando da entrega do documento intitulado “Plano de Negócios” aludido alertou o Autor para o facto de os elementos constantes daquele “Plano de Negócios” corresponderem a meras projeções ?
53.BI. A S... Unipessoal Lda, e mais concretamente do seu sócio e gerente, aqui Autor, revelou incapacidade em seguir procedimentos e propor vendas adicionais, o que determinou o volume de facturação do centro ?

Não foi feita qualquer prova relativamente ao facto 50.BI.

O facto de no próprio texto da documentação fornecida se falar em projecções não significa que a ré tivesse alertado o autor para isso.  Assim, este ponto só pode ter-se por não provado, sem prejuízo do teor desses documentos.

Quanto ao ponto 53.BI, trata-se de uma afirmação conclusiva e valorativa, pelo que não podia dar-se como provada, já que não é facto.

A análise económica do direito e a teoria dos contratos.

A noção moderna de contrato foi forjada pelos jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII (Grócio, Pufendorf), em contraposição com a noção romanista dos juristas medievais. Para os jusnaturalistas modernos, contrato era agora o vínculo entre dois sujeitos de direito livres, isto é, não sujeitos às peias do feudalismo.

Só desse acordo entre sujeitos de direito livres é que podia resultar a sujeição atual a duas vontades passadas, que regulamentava os seus interesses para o futuro. Acordo que, modificando as suas relações jurídicas de então, dava ao negócio jurídico a sua legitimidade para os vincular, desde que fossem observados certos requisitos de forma e de conteúdo previstos na lei.

A análise económica do direito incidiu criticamente nas clássicas formulações da formação dos contratos, servindo-se dos instrumentos da teoria económica dos jogos: v. abaixo, nas Referências,  A.W.Katz 1990.

Nestas matérias, a teoria jurídica tradicional centrava as suas preocupações nos aspectos de igualdade das partes e do equilíbrio dos direitos de dois sujeitos abstratos, sem atender às diferenças de poder económico de uma e outra; mas a análise económica do direito centra as suas preocupações no aspecto de eficiência económica; o aspecto do equilíbrio das partes mantem-se, mas fica agora reforçado do ponto de vista da realidade económica, dos custos de transação relativos e da força negocial (poder negocial) de cada contraente.

A análise económica do direito, em matéria de formação de contratos, desloca a questão das  medidas a tomar face ao comportamento dos indivíduos para as medidas a tomar face ao funcionamento do próprio sistema de justiça que é chamado a intervir em situações de conflito.

Esta análise crítica parte das considerações da teoria microeconómica das externalidades, das economias de escala e dos bens públicos. A análise jurídica torna-se assim instrumento da análise microeconómica. Sobretudo, uma exigência da análise económica do direito é a eliminação dos regimes jurídicos economicamente ineficientes. Aqui, o dispositivo tradicional da formação dos contratos revela-se economicamente ineficiente porque ele não contém um mecanismo suficientemente dissuasor da prática de ilícitos, antes premeia a prática desses ilícitos pela parte economicamente mais forte. Torna-se então necessário restituir o equilíbrio das situações jurídicas.

Põe-se assim a questão não só de reparar a situação particular, o conflito que é levado à apreciação do tribunal, mas sobretudo a questão de corrigir o sistema de justiça que intervém em situações de conflito. Assim, a análise económica do direito não é uma qualquer teoria do direito:  é desde logo, e principalmente, uma prática crítica do direito.

Num mercado concorrencial, os interessados em contratar um serviço dispõem de alternativas contratuais. Mas o que se passa é que frequentemente estamos aqui num mercado pouco ou nada concorrencial, oligopolístico ou mesmo monopolístico, em que o cliente não tem verdadeira alternativa de escolha do fornecedor. Também há situações de informação assimétrica que põem ainda mais em questão as já de si frágeis condições de negociação dos contratos.

Esta segunda perda de eficiência do mercado resulta da informação assimétrica dos fornecedores e dos clientes: os fornecedores conhecem perfeitamente a qualidade dos bens e serviços que fornecem, mas os clientes só têm uma vaga noção disso (este fenómeno foi descrito por Akerloff, 1970, como o market for lemons, mercado dos “barretes”). Finalmente, uma terceira perda de eficiência resulta do poder negocial do fornecedor, que impõe cláusulas abusivas nos contratos padronizados.

Então o Estado, como regulador da sociedade intervém para estabelecer normas que restituam condições da igualdade negocial possível, por exemplo, entre uma seguradora e o dono de um automóvel, entre uma operadora de telecomunicações e os seus clientes, entre um banco e uma empresa que procura obter aí um financiamento. Se o fornecedor for uma grande empresa, decerto disporá de um serviço jurídico para lhe preparar determinados contratos-tipos, e incluir neles cláusulas sempre idênticas, estabelecendo a situação jurídica a seu favor: são as cláusulas contratuais gerais.

Formação dos contratos: boa fé e informação assimétrica.

Hoje, a boa fé na formação dos contratos é uma exigência legal erigida em princípio jurídico.  Mais do que uma norma, este é um princípio jurídico, e como tal um elemento basilar do edifício do direito civil. Recebido entre nós no art. 227-1 do Código Civil, que assim estabelece: “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

Na análise económica do direito, o princípio da boa fé é abordado do ponto de vista da teoria da informação assimétrica. A informação é assimétrica quando numa negociação uma das partes tem mais ou melhor informação do que a outra: isto cria um desequilíbrio de poder negocial, podendo conduzir a uma situação de falha de mercado.  (As análises dos mercados com informação assimétrica levaram à atribuição do Prémio Nobel da Economia a G. Akerlof, M. Spence e J. Stiglitz em 2001).  Na informação assimétrica, pelo menos uma das partes não dispõe de toda a informação possível sobre as circunstâncias em que está a negociar. Esta situação é particularmente crítica quando uma das partes deliberadamente esconde à outra essas circunstâncias ou quando falseia deliberada  ou mesmo fraudulentamente essa situação.  Na fraude em matéria dos seguros, a margem entre o dolo civil e o dolo criminal pode tornar-se ténue. 

G. Akerlof estudou um caso típico de informação assimétrica, a que acontece no mercado dos automóveis usados com defeitos ocultos, no artigo clássico da análise económica do direito The market for lemons: quality uncertainty  and the market mechanism, 1970, Quarterly Journal of Economics, 84:3:488-500, reproduzido em  A.W. Katz, 1998, Foundations of the economic approach to law, Oxford Univ. Press, pp. 239-244 (lemons é um termo de “calão” americano que pode traduzir-se em português por “barretes”). Akerlof estudou mercados onde os vendedores têm mais informação do que os compradores. Mostrou que os produtos de inferior qualidade tendem a expulsar do mercado os produtos de maior qualidade e que os preços destes podem ficar reduzidos em consequência.

Investimento e risco – uma análise económica do contrato de franquia.

Do ponto de vista da análise económica do direito, investir é incorrer em custos imediatos na expetativa de futuros benefícios. Vistos nesta perspetiva, os investimentos, e os contratos em que eles estão formalizados, ocorrem por toda a parte no modo de desenvolvimento capitalista.  Os investimentos envolvem três caraterísticas importantes, em maior ou menor grau: em primeiro lugar, um investimento, implicando a celebração de um contrato, é parcial ou totalmente irreversível: uma vez feito, as obrigações dele decorrentes não podem ser eliminadas sem custos adicionais; em segundo lugar, o investimento é uma ação incerta, que só no futuro se revelará benéfica ou prejudicial; em terceiro lugar, o investimento produz efeitos que se desenvolvem no tempo, e que só no decurso das operações se revelarão completamente ao investidor. (Dixit / Pindick 1993).

O investimento, com os contratos em que se desenvolve, implica assim sempre um risco. Ora, em geral, as pessoas não gostam de riscos e estão até dispostas a pagar um preço para evitá-los. A generalidade das pessoas têm aversão aos riscos, e quando se sujeitam a eles é porque têm esperança de que sujeitando-se a eles, obterão uma compensação no futuro.

Mas nem sempre os contratos são um salto no escuro: não o são quando o empresário investidor dispõe de um conhecimento razoável da sua situação e sobretudo das condições do mercado em que vai investir. Nesse caso, o investimento define-se como aquilo que na teoria dos jogos se chama uma jogada de informação completa. O franchising teve um grande sucesso a partir de meados do século passado porque proporciona a quem quer investir um melhor conhecimento das caraterísticas do mercado e melhores instrumentos de atuação – e um know-how que de outro modo o investidor não disporia sem incorrer em elevados custos.

O franquiador dispõe de conhecimentos razoáveis do mercado e tem métodos de trabalho que põe à disposição do franquiado. E assim, este investe com mais segurança, pois sabe que o risco que corre é menor.

No contrato de franquia / franquiamento (ou franqueamento: há hesitações quanto à melhor grafia), uma empresa obtem um direito exclusivo de fornecer um serviço ao público e em contrapartida aceita partilhar os seus ganhos com o franquiador que lhe forneceu o conhecimento do mercado e os métodos de trabalho que vai utilizar.

No antigo direito anglo-saxónico, franchise era um privilégio ou imunidade concedidos pelo soberano a qualquer pessoa o grupo profissional, que escapavam assim às sujeições do regime geral. Na atividade comercial, era inicialmente uma autorização concedida por um fabricante para distribuir e colocar no mercado os seus produtos. Com  tempo, esta noção foi alargada a um conjunto de estabelecimentos, marcas e patentes comerciais.

No direito comercial moderno, há contrato de franquia quando uma empresa (franquiador) concede a outra (franquiado) o direito de explorar a sua marca, razão social ou patentes, mediante determinadas contrapartidas (e desde logo o direito de entrada no mercado), comprometendo-se frequentemente  fornecer-lhe a sua assistência ou conhecimentos de mercado.

O primeiro contrato de franchise teve como protagonista a empresa americana de máquinas de costura Singer, em 1860, que, para ampliar a sua rede de distribuição começou a credenciar agentes em vários pontos do país, fornecendo-lhes as máquinas, marca, publicidade, know-how e  métodos de venda. Depois, também a General Motors em 1898 e a Coca-Cola em 1899 seguiram este exemplo. Após a II Guerra Mundial, com a necessidade de integrar no mercado os militares desmobilizados, surgiram muitas marcas que hoje estão espalhadas pelo mundo inteiro,   como a McDonalds e a Kentucky Fried Chicken. Por volta de 2005, havia nos EUA mais de um milhão de estabelecimentos em regime de franquia, que asseguravam mais de 1 milhão de empregos e 4,4% de toda a atividade no setor privado. O Brasil regulamentou em 1994 o contrato  de franquia empresarial (Lei nº 8.955, de 15 dez.1994), o que não admira pois no país há agora mais de 1.800 marcas de franquias, responsáveis por mais de 777 mil empregos; o setor cresceu 20,4% só em 2010 (v. na Wikipédia, Franquia).

Em Portugal, o contrato de franquia é um contrato comercial inominado e oneroso, distinto quer da agência, quer da concessão comercial.  A interpretação das cláusulas contratuais está sujeita às regras do regime jurídico da concorrência (Lei 18/2003, de 11.jun), bem como os princípios da liberdade de forma, da boa fé, da vontade na declaração negocial, do objeto negocial e da liberdade contratual: arts. 219, 227, 239, 280 e 405 do Código Civil – cf. Garruço 2006:40ss.

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias classificou estes contratos em: franquia de serviços, franquia de produção, franquia de distribuição – acórdão de 28.01.1986, caso Pronuptia, seguido depois no Regulamento 4087/88, da Comissão.

Há dois tipos de franquia. No primeiro, o franquiador fornece o nome da marca e também o modelo de negócio para o franquiado utilizar – é o tipo de maior sucesso e existe em negócios de
rent-a-car e de fast-food.  No segundo, não há nome de marca: o franquiador fornece apenas um modelo de negócio.

Num mundo onde os empresários estão sujeitos a custos de transação (Coase, 1937), o contrato de franquia evita para o franquiado pesados encargos com a definição do modelo de negócio, estudos de mercado e conhecimento dos clientes. O franquiador escapa também aos riscos do investimento realizado e despesas de controle de uma rede de agências instaladas bastante longe da sede da empresa e controla a concorrência em cada área de ação dos franquiados, impedindo a concorrência desleal; se o modelo de negócio que ele propõe é original e tem condições para grande expansão no mercado, ele atua como um fornecedor em regime de monopólio. Daí a expansão do primeiro tipo de franquia: ele corresponde ao sucesso do moderno modo de desenvolvimento capitalista.

O modelo da franquia reparte os direitos que normalmente pertenceriam ao dono da empresa comercial, dando alguns deles ao franquiador e outros ao franquiado. Esta repartição de direitos conduz a da uma melhor gestão do risco e a um contato mais direto com a clientela local, tudo decorrendo dos benefícios da rede  da franquia e da marca comercial. Este resultado seria mais caro de obter com uma empresa única com várias lojas abertas ao público – MacKaay 2014:237.

A análise dos custos de transação mostra que as cláusulas contratuais que nos contratos tradicionais seriam consideradas ilegítimas têm na verdade importantes implicações para a eficiência económica nos contratos de franquia – Klein 1995. Por isso, os tribunais norte- -americanos cedo passaram a adotar um critério liberal em matéria de cessação destes contratos.

No contrato norte-americano de “franchising”, o franquiado pode ser despedido sumariamente pelo franquiador, como um empregado pode ser despedido pela entidade patronal. B. Klein (1980) fez uma análise desta condição e concluiu que há uma justificação económica para isso:  os tribunais  e os advogados são caros e demoram a decidir um conflito; por outro lado, se o franquiador põe unilateralmente fim ao contrato, terá maior dificuldade em conseguir franquiados no futuro. A reputação da empresa franquiadora é muito importante nesta matéria, e ficará manchada se puser fim à franquia sem um bom motivo que será conhecido no mercado. É preciso notar que o franquiador não é um merceeiro de bairro; é uma empresa de dimensão nacional ou pelo menos regional; e qualquer perda de prestígio em matéria de seriedade comercial envolverá graves prejuízos para a continuidade do seu negócio. Aqui a consideração dos custos de transação de R. Coase (1960) ganha também um importância primordial: se o Estado conseguir criar um sistema judicial com baixos custos, as cláusulas deste tipo deixam de fazer sentido económico: num mundo com zero custos de transação, os direitos seriam facilmente negociados entre os interessados. Então, põe-se a questão da boa fé na negociação pré-contratual.

Contratos de longo termo e teoria dos reféns:

A realidade jurídico-económica dos contratos de longo termo fez alterar radicalmente o modo como as partes e os tribunais encaram a noção de contrato. A noção clássica do contrato via-o como uma relação de pessoas jurídicas abstratas, em que o fundamental era garantir a igualdade de posições;  mas a análise económica do direito tem em conta a insuficiência deste paradigma tradicional quando os contratos são estabelecidos para durações de dez ou vinte anos. Os contratos tornaram-se mais complexos e mais sujeitos a lacunas que tornarão possíveis os conflitos entre as partes contratantes; assim, os tribunais são obrigados a intervir para solucionar os problemas eventuais, sob pena de ineficiência económica do sistema. E também as partes sentem a necessidade de estabelecer processos expeditos de solucionar dúvidas e conflitos que surgirão dursnte o tempo de execução do contrato: por exemplo, a arbitragem, o recurso a um tribunal arbitral. Esta solução é muito comum nos contratos de franquia.

O funcionamento dos contratos de longo termo pode ser melhor compreendido à luz da teoria dos jogos, como uma sequência de jogadas subordinadas a uma determinada estratégia. Ambas as partes conhecem as regras do jogo, mas nenhuma delas tem um conhecimento perfeito dos meios de que a outra dispõe, e sequer da estratégia que ela escolheu. O dilema dos prisioneiros pode aqui desempenhar um papel determinante.  A confiança entre as partes é um valor a preservar, sob pena de causarem prejuízos mútuos.

É esta a teoria dos reféns: um rei medieval estabelece um tratado de paz com o inimigo, e para assegurar que ele será cumprido, tem de entregar uma das filhas como refém. Mas escolhe para o efeito a filha com menos encantos físicos, pensando naturalmente que se entregar a filha mais bonita corre o risco de ele nunca mais a devolver.  Williamson (1985:177) faz aqui um estudo sobre o modo racional de selecionar os reféns para este efeito, isto é, como selecionar um refém que seja o menos atraente possível para a outra parte.

Dnes empreendeu um estudo de caso em sistemas de franquia no direito do Reino Unido, utilizando uma abordagem  baseada em custos de transação e incidindo sobre a teoria dos reféns. A conclusão a que chegou foi que no contrato de franquia um aumento da especificidade do investimento tem caraterísticas de seleção de reféns para empresas satélites em comparação com operação independente. O aumento da especificidade do investimento tem propriedades de seleção de reféns para o franquiado (se ele não for bem sucedido, perde o investimento) mas evita cláusulas contratuais financeiras que podiam incentivar o franquiador a estabelecer cláusulas para pôr fim ao contrato – Dnes 1993:85.

A obrigação do franquiador é de meios, não é de resultados:

A questão essencial que se discutiu nestes autos foi a de saber se o franquiador assumiu a obrigação de proporcionar ao franquiado determinados resultados de faturação: 230.000 euros no primeiro ano, 380.000 euros no segundo ano,  480.000 euros no terceiro ano, 580.000 euros no quarto ano, em fase de “cruzeiro”. Eram esses os indicadores constantes do “Plano de Negócios” fornecido ao autor quando das negociações preparatórias do contrato.
Mas na realidade, o autor queixa-se de que no primeiro ano teve uma faturação de 119.382,04 euros, no segundo ano 119.443,30 euros, no terceiro 20.187,67  euros – factos provados 15, 16, 17, 18.
Como qualquer investimento, este estava sujeito ao risco comercial, e nenhum investidor em seu perfeito juízo iria supor que um grupo empresarial, mesmo  “com larga experiência, há dez anos a operar em Portugal”, e “detentor de uma rede organizada sólida, com colaboradores competentes, responsáveis e atentos ao mercado”, estaria a garantir ao seu franquiado aqueles resultados de  faturação, que não podem deixar de ser encarados como uma mera afirmação publicitária.

Tanto mais que no contrato promessa que assinou, o franquiado bem viu que estava escrito, preto no branco, o seguinte (cláusula 7ª.6, fls. 206, facto provado 10):

O PROMITENTE FRANQUEADO expressamente declara que investigou e analisou com independência absoluta todas as cláusulas ora contratadas e prometidas contratar, suas implicações e consequências, bem como todo o enquadramento legal das obrigações que assume, quer no presente contrato promessa, quer no contrato prometido, reconhecendo que o negócio cuja prossecução assim promete assumir comporta os riscos próprios dos negócios, e reconhece que em momento algum o PROMITENTE FRANQUEADOR EXCLUSIVO, expressa ou implicitamente, lhe tenha garantido valores, mesmo estimados ou aproximados ou os constantes do Plano de Negócio, das vendas ou dos lucros prováveis para o  PROMITENTE FRANQUEADO com o negócio gerado pela exploração da concessão da franquia ora prometida, sendo o Plano de Negócio assumido inteiramente como seu pelo PROMITENTE FRANQUEADO.
Isto é, o franquiador referiu resultados previsíveis de exploração, mas não lhos garantiu.  O que aconteceu foi que o investimento correu mal. Ainda teve resultados de faturação nos primeiros dois anos, que embora fracos podiam dar a esperança de alguma recuperação. Mas o terceiro ano foi de completo desastre.

A isto não podem ser alheios os factos seguintes (factos
provados):

53. O sector automóvel tem sido, pela conjugação de diversos factores, um dos mais afectados pela crise económica global que, desde o ano de 2008, assola a Europa e que se repercute de forma particularmente grave em Portugal;
54. A crise económica implicou uma acentuada diminuição na procura nos serviços prestados pelos centros P... e também no centro explorado pela S..., Unipessoal, Lda., o que se repercutiu necessária e consequentemente na sua facturação;
55. A S..., Unipessoal,Lda. apresentou no decorrer do contrato uma contagem de entrada de veículos correspondente às expectativas não existindo porém, essa correspondência relativamente à facturação média por veículo, nomeadamente por falta de vendas adicionais;
56. Por comparação com a restante rede, o centro explorado pela S..., Unipessoal, Lda. facturava, em média, valores 30% a 36% inferiores.

No mesmo sentido já decidiu o TRL no Acórdão de 2015.01.27 (Rel. Maria do Rosário Morgado), proc. 1601/11.7TVLSB.L1-7, numa situação bastante idêntica à que aqui nos ocupa, citando também a este propósito Maria de Fátima Ribeiro, 2001:71: “a obrigação de informação que recai sobre o franquiador tem limites: não se trata de uma obrigação que garanta o êxito comercial do franquiado, dado que este está sujeito, como qualquer comerciante, ao risco da sua atividade, não podendo imputar automaticamente o insucesso da sua empresa ao franquiador”.

 
E assim, não há responsabilidade civil porque não há facto ilícito.

Houve má fé do franquiador na negociação preliminar do contrato?  Não tem razão o Tribunal recorrido. O franquiador não prometeu a Lua, não garantiu aqueles resultados.  E o franquiado, não sendo investidor principiante, pois ninguém se dispõe a fazer investimentos daquela monta se não tiver absolutamente nenhuma experiência dos negócios, também não acreditaria nessa pretensa garantia. Como nenhum empresário tem certo o sucesso do seu investimento. Tudo dependia da habilidade empresarial do franquiado. E verifica-se mesmo que se nos primeiros dois anos de exploração os resultados eram fracos, no terceiro ano é que foi o descalabro completo, quando a crise do mercado automóvel se fez sentir completamente em S...T..., ou quando o franquiado já tinha afugentado os clientes para não mais os recuperar.

Decididamente, não se pode concluir aqui por má fé na fase pré-negocial. O franquiador forneceu-lhe os meios, as informações, os manuais, para ter sucesso. Até fechou Centro de Paços de... – facto 34.  Não foi devido ao franquiador que o franquiado teve os prejuízos apontados e perdeu os clientes. Se bem que tivesse havido justa causa para a cessação do vínculo contratual.

Os prejuízos do autor resultaram dos riscos próprios do negócio, não das informações prestadas pelo franquiador. Não pode imputar-se responsabilidade civil à ré.
E em conclusão improcede o recurso do autor e procede o recurso da ré em matéria de direito, que vai absolvida do pedido.

Em suma:

1.  Há contrato de franquia quando uma empresa (franquiador) concede a outra (franquiado) o direito de explorar a sua marca, razão social ou patentes mediante determinadas contarpartidas (e desde logo o direito de entrada no mercado), comprometendo-se frequentemente a fornecer-lhe a sua assistência e conhecimentos do mercado.
2. Em Portugal, o contrato de franquia (franchising) é um contrato comercial duradouro, inominado e oneroso, distinto, quer  da agência quer da concessão comercial, estando a interpretação das suas cláusulas sujeita às regras do regome jurídico da concorrência e dos princípios da liberdade de forma, da boa fé, da vontade na declaração negocial, do objeto negocial e da liberdade contratual.
3. O contrato de franquia reparte entre o franquiador e o franquiado os direitos que normalmente pertenceriam apenas ao dono da empresa comercial; esta repartição de direitos conduz a uma melhor gestão do risco do investimento e a um contacto mais direto com a clientela local do comerciante; tudo decorrente dos benefícios da rede da franquia e da marca comercial disponibilizadas ao franquiado.
4. Salvo diversa estipulação, o franquiador não assume o risco do negócio do franquiado, e não garante os resultados do investimento deste, mesmo quando apresenta uma previsão dos seus resultados.

Referências:

Para uma introdução geral à análise económica do direito pode ver-se a obra basilar de Richard Posner, 2009, Economic  Analysis of law, 748 pp., 7ª Ed. Aspen Publ., N.York. Também recente é  o livro de J. Harrison / J. Theeuwes, 2008, Law and economics. 552 pp., Norton, N. York. Igualmente útil é o livro de W.Z. Hirsch, 1999, Law and economics – an introductory analysis. 358 pp., Academic Press, London, N.York.  Aproximação recente aos direitos de raiz continental é a de E. Mackaay, 2014, Law and economics for civil law systems. 533 pp., Edward Elgar, Cheltenham UK.
Uma útil coletânea de estudos é a de Donald A. Wittman, 2003, Economic analysis of the law. Selected readings, 338 pp., Blackwell Pub., Oxford.  Enfim, um enquadramento atualizado da análise económica do direito no pensamento jurídico pós-moderno pode encontrar-se em J.E. Penner, 2002, Textbook on jurisprudence, 272 pp., 4ª ed., Oxford Univ. Press, Oxford.
Nos Estados Unidos, a análise económica do direito tornou-se dominante nas maiores faculdades de direito nos últimos 60 anos – Harvard, Yale, Stanford, Chicago. E também nos tribunais superiores.  Veio ocupar o primeiro plano na jurisprudência dos tribunais e desde logo no Supreme Court. Está agora a chegar às nossas faculdades de direito. O tema foi introduzido em Portugal pela revista Sub Judice, nº 2, Justiça e Economia: a análise económica do direito e da justiça, 1992.
2013. Krugman, P. / Wells, R.  Economics (:568-595: Uncertainty, risk, and private information). Macmillan, Worth, N.York
2014. Mackaay, E.  Law and economics for civil law systems. 533 pp., Edward Elgar, Cheltenham, UK, Northampton, Ma. USA
2007. Araújo, F.  Teoria económica do contrato.  (:998-1011: O “Franchising”).  1340 pp., Almedina, Coimbra
2006. Garruço, Elisabete.  O contrato de franquia. – Revisores e Empresas, jul.set. 2006, pp. 40-49
2005. Bolton, P. / Dewatripont.  Contract theory. MIT Press, Cambridge, MA
2005. Samuelson, P.A. / Nordhaus, W.D.  Economics.  (:204-222: Uncertainty and game theory). McGraw-Hill, N.York
2001. Ribeiro, M.Fátima.  O contrato de franquia (franchising).320 pp., Almedina, Coimbra
2001. Vasconcelos, L.M. Pestana. O contrato de franquia (franchising). 2ª ed., 256 pp., 2010, Almedina, Coimbra
2000. Stiglitz, J.E. / Driffill, J.  Economics.  (:99-114: Time and risk). Norton, N.York
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Decisão:

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso do autor, bem como a arguição da nulidade, improcedente o recurso da ré em matéria de facto, e julgamos procedente o recurso desta em matéria de direito, revogando a sentença recorrida e absolvendo a ré do pedido.
Custas pelo autor.

Processado e revisto.


Lisboa, 2015.12.01


João Ramos de Sousa
Manuel Ribeiro Marques
Pedro Brighton