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CHEQUE
ENDOSSO
VALIDADE
ORDEM DE NÃO PAGAMENTO
INSUFICIÊNCIA DO SALDO
BANCO
RESPONSABILIDADE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário
I– A validade do endosso de cheque, enquanto acto jurídico unilateral, consubstanciado numa declaração de transferência para outrem aposta no verso do documento, depende da verificação de dois requisitos: do acto material de entrega (tradição) do próprio título; da declaração de endosso, que constitui uma exigência de forma, que terá de ser escrita no cheque ou numa folha ligada a este, com aposição da assinatura do endossante (com ou sem indicação de beneficiário). II– É nulo o endosso nulo, por preterição de formalidade ad substanciam, a transmissão de cheque operada pela simples entrega do título à endossada sem que a entidade endossante tenha aposto a sua assinatura no verso do cheque. III– Não sendo titular de qualquer direito autónomo à propriedade do referido cheque e à quantia nele titulada, não pode o Banco ser responsabilizado pelo não pagamento do cheque, ainda que tenha cometido acto ilícito por ter aceite a revogação do título no prazo legal de pagamento. IV– Não resultando dos autos elementos factuais que permitam inferir que o Banco tenha contribuído, culposamente, para a não observância da forma legalmente exigida para o endosso, e não se evidenciando, igualmente, que tenha concorrido para a formação de qualquer razoável convicção da Autora no sentido de que a “falta” de endosso não seria por si invocada em juízo, o exercício do direito que lhe assiste de invocar, na acção, a invalidade do endosso não se mostra ilegítimo por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé na modalidade de venire contra factum proprium. V– Constitui ónus do portador do cheque a demonstração do efectivo prejuízo patrimonial (dano) e do nexo de causalidade entre o acto ilícito da revogação e a devolução ilegítima do título apresentado a pagamento no prazo legal. VI– Mostrando-se provado que o sacador não dispunha, na respectiva conta de depósito, de fundos suficientes para permitir o pagamento do cheque apresentado a pagamento no prazo legal, a ilicitude da actuação da instituição bancária ao recusar o pagamento do cheque, com fundamento na existência de vício de vontade, não integra causa adequada do dano alegado constituído pelo não pagamento da quantia titulada pelo cheque.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - Relatório:
Partes:
O, SA (Autora/Recorrente)
BANCO, SA (Ré/Recorrida)
Pedido: Condenação da Ré:
-no pagamento da quantia de € 27.978,50 (a título de indemnização pelos prejuízos sofridos face à devolução de cheque sem ter sido pago), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas legais supletivas em vigor para as obrigações comerciais, desde a data de citação e até ao seu efectivo e integral pagamento.
Fundamentos:
-ter fornecido à sociedade T, Lda. vários artigos pelo preço global de € 27.978,50;
-ter-lhe sido entregue por esta sociedade, para pagamento do preço dos artigos fornecidos, cheque emitido e preenchido pela E, Lda.;
-ter apresentado a pagamento, em 28-02-2011, o referido cheque, sobre a conta bancária (de que a E era titular) domiciliada em agência do banco Réu, tendo o mesmo sido devolvido, na compensação do Banco de Portugal, em 02-03-2011, sem ser pago, constando do respectivo verso o fundamento “falta vício da formação da vontade”.
Contestação:
A Ré excepcionou a falta de legitimidade da Autora quer por o cheque não lhe ter sido endossado, quer por a entrega física do mesmo que lhe foi feita pela sociedade T, Lda. não consubstanciar uma cessão ordinária de créditos. Conclui pela improcedência da acção alegando ainda que à data da apresentação do cheque a pagamento (e nos oito dias seguintes a essa apresentação) a conta sacada não possuía fundos suficientes para realizar o pagamento do respectivo montante.
Sentença:
Julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré do pedido.
Conclusões das alegações (transcrição):
1. Salvo o sempre devido respeito, que é muito, a Recorrente não se pode conformar com a douta sentença aqui sob censura.
2. Na verdade, nos termos do disposto no artigo 35º, da Lei Uniforme Sobre o Cheque, é ao Banco sacado, que paga o cheque, que compete verificar e fiscalizar a regularidade dos endossos.
3. Acontece que, o Banco sacado, ora Réu, não invocou como fundamento para o não pagamento do cheque a falta de endosso válido, nem a ilegitimidade da Autora.
4. A não ser em sede de contestação, já no âmbito dos presentes autos, o que, salvo o devido respeito viola o princípio da boa fé e configura um caso flagrante de abuso de direito, na sua modalidade de venire contra factum proprium.
5. Acresce que, ficou provado que a Autora, ora Recorrente, era a legítima portadora do cheque em causa.
6. Não só em termos materiais e substantivos, mas até cambiários, como se demonstrou.
7. Sendo que, no caso sub judice, nos encontramos face a um endosso em branco, subsumível à previsão legal constante do nº3, do artigo 17º, da Lei Uniforme Sobre o Cheque, onde se estatui que o portador pode transferir o cheque a um terceiro sem preencher o espaço em branco nem o endossar.
8. Além do mais, o cheque podia sempre ser transmitido nos termos previstos no direito comum, a título de cessão ordinária de créditos, como, aliás, o próprio Banco Réu, sustentou.
9. Donde, temos de concluir que a Autora era a legítima portadora do cheque, não só materialmente, como também formalmente.
10. Por outro lado, a responsabilidade civil extracontratual do Banco Réu não se estriba no direito cambiário, mas sim, no direito civil e no regime da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
11. Ora, in casu, os factos provados preenchem os requisitos previstos no artigo 483º, do CC.
12. Por conseguinte, atendendo aos factos provados e aos fundamentos jurídicos aduzidos, o Banco Réu devia ter sido condenado a pagar à Autora o valor dos prejuízos que a sua conduta ilícita lhe causou, e que ficaram indubitavelmente demonstrados nos presentes autos.
13. Por fim, temos de dizer que, a douta sentença, violou os artigos 35º, 1º, 2º, 3º, e 17º, da Lei Uniforme Sobre o Cheque, bem como os artigos 483º e 577º e seguintes do CC.
Nas contra alegações a Ré defende a improcedência total do recurso.
II - Apreciação do recurso.
Os factos:
O tribunal a quo fixou os seguintes factos provados:
1) A A. dedica-se ao exercício da indústria têxtil.
2) No exercício da sua actividade, a A. forneceu à sociedade T, Lda., diversos artigos, que esta recebeu, conferiu e não reclamou.
3) Para pagar parte da dívida à A., a sociedade T, Lda. entregou-lhe um cheque, com o nº 7085843158, que lhe tinha sido entregue para pagamento de débitos comerciais, pela sociedade E, Lda., que o emitiu, preencheu e assinou.
4) Este cheque foi sacado sob a conta bancária nº, de que a sociedade E, Lda., era titular.
5) A referida conta estava domiciliada na agência do R., sita no Cacém – Alto.
6) Na data de 28/02/2011, o cheque foi apresentado a pagamento.
7) O cheque foi devolvido sem ter sido pago.
8) Constando do verso do cheque, um carimbo do qual resulta que o mesmo foi devolvido na compensação do Banco de Portugal, em 02/03/2011, com fundamento em «falta vício da formação da vontade».
9) Os artigos que a A. forneceu à sociedade T, Lda., encontram-se por pagar.
10) À data da apresentação do cheque a pagamento e nos 8 dias seguintes a conta sacada não tinha provisão suficiente para suportar o pagamento do mesmo.
11) A sacadora do cheque, E, Limitada, antes da apresentação dele a pagamento, precisamente em 23/2/2011, deu ao R. ordem de que não o pagasse aquando da sua apresentação a pagamento, porque ela, a sacadora o revogava com fundamento em “falta ou vício na formação da vontade” por ter sido “negociada com o fornecedor prova forma de pagamento, nomeadamente por encontro de contas”.
Considerando o documento de fls. 89, 90 dos autos, que constitui cópia do cheque em questão (ainda que não totalmente legível), nos termos do n.º1 do artigo 662.º do CPC, adita-se à matéria de facto dada como provada a seguinte factualidade:
12) Constam do rosto do cheque n.º os seguintes elementos: após os dizeres: a) “à ordem de”: T, Lda.; b) EUROS: “27.978,50 euros”, c) local de emissão “Corroios”, d) data: “2011-02-28”;
13) Do verso do cheque, após os dizeres, “ENDOSSAR OU VISAR”, não de encontra aposta a assinatura da T, Lda.
O direito:
Questão submetida pela Apelante ao conhecimento deste tribunal: (delimitada pelo teor das conclusões do recurso e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do actual Código de Processo Civil ).
ü- Da (in)existência dos pressupostos da responsabilidade da Ré:
A Autora, invocando a jurisprudência fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2008, de 28-02, sustenta o pedido deduzido contra a Ré - pagamento de 27.978,50€ - na responsabilidade civil extracontratual desta, enquanto Banco sacado, por ter praticado acto ilícito, nos termos do artigo 32.º, da Lei Uniforme sobre Cheque, ao aceitar a ordem de revogação do cheque, recusando o pagamento do mesmo, apresentado no prazo legal.
A sentença julgou a acção improcedente tendo por subjacente a circunstância da Autora não ter demonstrado ser legítima portadora do cheque apresentado a pagamento; nesse sentido, concluiu que o Banco não havia cometido qualquer ilícito perante a Autora.
Em recurso a Autora pretende a revogação da sentença alicerçada no seguinte raciocínio:
ð- Cometendo ao Banco a verificação da regularidade do endosso e tendo o mesmo justificado o não pagamento do cheque apenas na “falta vício da formação da vontade”, age em manifesto abuso do direito (na modalidade de venire contra factum proprium) ao invocar em juízo a falta de endosso;
ð- Ter demonstrado ser legítima portadora do cheque porquanto resultou apurado que a sociedade beneficiária do mesmo (T, Lda.) lho entregou para pagamento de dívida que tinha para consigo;
ð- Estar em causa endosso em branco subsumível à previsão ínsita no artigo 17.º, n.º3, da Lei Uniforme Sobre o Cheque.
ð- Verificarem-se os pressupostos da responsabilidade civil do Banco que importam a condenação deste no pagamento de indemnização pelo não pagamento do montante do cheque apresentado a pagamento.
Como já referido, o direito de que a Autora se arroga mostra-se perspectivado sob o âmbito da responsabilização extracontratual do Banco, cuja cláusula geral se encontra estabelecida no artigo 483.º, do Código Civil, que faz depender a constituição da obrigação de indemnizar da existência de conduta do agente que represente: a violação de um dever jurídico (violação do direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios), que lhe seja censurável e que tenha provocado dano.
A questão colocada no recurso situa-se ao nível da averiguação das consequências resultantes da ilicitude da conduta do Banco por não pagamento do cheque apresentado pela Autora, porquanto a sentença recorrida lhe negou o ressarcimento pelo prejuízo decorrente desse não pagamento, por entender que a mesma não era titular do direito.
Na perspectiva do tribunal a quo plasmada na sentença recorrida, o Banco não pode ser responsabilizado, perante a Autora, pelo não pagamento do cheque por esta não ser portadora ou apresentante formalmente legitimada por endosso daquele título.
A questão colocada neste âmbito pressupõe a abordagem dos seguintes aspectos: qualidade por que a Autora detinha o cheque; existência de dano e do nexo de causalidade entre este e o comportamento do Banco e dos deveres que lhe estão adstritos enquanto instituição financeira sacada.
1.Qualidade por que a Autora detinha o cheque:
Defende a Apelante ser legítima portadora do cheque justificada na entrega que lhe foi feita pela T, Lda. como forma de pagamento do preço de fornecimentos, alicerçando-se na factualidade provada em 2 e 3 (No exercício da sua actividade, a A. forneceu à sociedade T, Lda., diversos artigos, que esta recebeu, conferiu e não reclamou. Para pagar parte da dívida à A., a sociedade T, Lda. entregou-lhe um cheque, com o nº , que lhe tinha sido entregue para pagamento de débitos comerciais, pela sociedade E, Lda., que o emitiu, preencheu e assinou.).
Se não oferece dúvida que a Autora conseguiu demonstrar a titularidade do seu direito (crédito referente ao pagamento do preço de artigos fornecidos) perante a sociedade T, Lda., não pode deixar de se ter em linha de conta que esta demonstração sai fora do domínio da relação cambial, dizendo respeito à relação subjacente à entrega do cheque.
Propondo-se a presente acção em responsabilizar o Banco por acto ilícito – por ter aceite o pedido de revogação do cheque levada a cabo pela sacadora no decurso do prazo legal de pagamento-, a obrigação de indemnizar assenta, necessariamente, no pressuposto da qualidade da Autora enquanto sujeito cambiário.
Com efeito, a natureza especial e imperativa do comando ínsito no artigo 32.º, da LUCH, ao proibir que os cheques sejam revogados enquanto decorrer o prazo legal de apresentação a pagamento visa, para além da credibilização do cheque enquanto meio de pagamento, salvaguardar a legitimidade dos direitos do portador (tutela de confiança e protecção do portador do título).
Em termos funcionais, o cheque constitui um meio de pagamento porquanto integra uma ordem de pagamento dada por certa entidade (sacador) a um banco (sacado) para que pague (à pessoa nele indicada ou a terceiro) a quantia nele inscrita e em função do montante que o titular da conta nela dispõe.
Sob o ponto de vista jurídico e enquanto documento necessário para exercer um direito – o direito mencionado no próprio documento , que é literal, autónomo e abstracto -, o cheque constitui um título de crédito (cambiário) sujeito aos requisitos consignados no artigo 1.º, da Lei Uniforme sobre Cheques (LUCH).
Como título cambiário o cheque pode ser transmitido a pessoa diferente da que nele consta como beneficiário, acto que a lei qualifica como endosso (cfr. artigo 14.º da LUCH), por efeito do qual se procede à transmissão de todos os direitos que o beneficiário tem sobre o cheque – cfr. artigo 17.º, da LUCH.
Por força do que dispõe o artigo 16.º, da LUCH, o endosso constitui uma declaração unilateral e acessória exarada no cheque (por parte do endossante) que pode ou não indicar o beneficiário e pela qual aquele transfere a outrem (o endossado) os direitos emergentes do título. Não indicando beneficiário, o endosso consiste simplesmente na assinatura do endossante (endosso em branco), escrita no verso do cheque ou na folha anexa - cfr. artigo 16.º, da LUCH .
Trata-se, por isso, de um acto jurídico unilateral que se consubstancia numa declaração de transferência para outrem aposta no verso do documento. A validade do endosso depende, nessa medida, de dois requisitos: do acto material de entrega (tradição) do próprio título; da declaração de endosso, que constitui uma exigência de forma: tem de ser escrito no cheque ou numa folha ligada a este com aposição da assinatura do endossante (com ou sem indicação de beneficiário). Caso contenha apenas a assinatura do endossante (endosso em branco), a validade do mesmo depende de ser escrito no verso do cheque ou na folha anexa.
Na situação sob apreciação estamos perante um cheque nominativo (passado à sociedade T, Lda.), apresentado a pagamento pela Autora no prazo (de 8 dias) previsto no artigo 29.º, da LUCH .
Do que é possível descortinar do documento junto ao processo (fotocópia do cheque que não se mostra legível em todos os seus elementos), não se encontra aposta no verso qualquer assinatura por parte da T, Lda. , que, como acima referido, constituiria um requisito formal da transmissão do título (endosso) e, como tal, condição de validade do acto (formalidade ad substantiam) – artigo 220.º, do Código Civil. Consequentemente, a entrega do cheque à Autora pela T, Lda., não pode, por si só, assumir relevância enquanto forma de transmissão do título, pelo que não foi aquela validamente investida na qualidade de sujeito da relação cambiário, não sendo, por isso, legítima portadora do cheque.
Verificando-se a invalidade da transmissão do título à Autora, não lhe podendo ser atribuída a qualidade de portadora legítima do título, carece a mesma de qualquer direito autónomo à propriedade do referido cheque e à quantia nele titulada, pelo que a conduta do Banco não constitui a violação de um direito que lhe pertença, justificativo da indemnização peticionada.
Importa ainda salientar que na situação não se mostra possível afirmar que ocorra o alegado venire contra factum proprium, por parte do banco Recorrido, porquanto o seu comportamento - não proceder ao pagamento do cheque, acedendo à revogação levada a cabo pelo sacador, tendo invocado em juízo a inexistência de endosso válido – não configura uma actuação manifestamente abusiva,pois que estando em causa uma situação de inobservância da forma legal, a caracterização do factum proprium redundaria, necessariamente, em conduta do Banco que tivesse concorrido, censuravelmente, para a celebração do acto inválido e criado na parte (no caso, a Autora enquanto “portadora” do cheque) a convicção de que não invocaria, mais tarde, tal invalidade.
Nestas situações de falta de requisito legal para a celebração do acto (transmissão do cheque), que constitui, aliás, questão a ser oficiosamente cognoscível pelo tribunal, o abuso do direito consistirá, pois, na invocação de uma invalidade formal que se provocou ou para a qual se contribuiu de forma relevante e censurável.
O circunstancialismo fáctico apurado não permite inferir que o Banco, de algum modo, tenha contribuído (sobretudo, culposamente), para a não observância da forma legalmente exigida para o endosso, sendo que, igualmente não se evidencia que haja concorrido para a formação de qualquer razoável convicção no sentido de que a “falta” de endosso não seria por si invocada.
Assim sendo, o exercício do direito que lhe assiste de invocar a invalidade do endosso não se mostra ilegítimo, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé.
2.Nexo de causalidade entre a conduta do Banco e o dano sofrido:
Ainda que assim não se entendesse, a acção sempre seria de improceder porquanto consideramos que a Autora não demonstrou, como se lhe impunha em termos de ónus de prova, quer o dano, quer o nexo de causalidade entre o acto ilícito da revogação e o não pagamento do cheque, pressupostos necessários à responsabilização do Banco nos termos peticionados.
Partilhamos da corrente jurisprudencial que defende que constitui ónus do portador do cheque a demonstração do efectivo prejuízo patrimonial (dano) e do nexo de causalidade entre o acto ilícito da revogação e a devolução ilegítima do cheque apresentado a pagamento no prazo legal, rejeitando-se, assim, que a ilicitude do comportamento do Banco tenha como consequência automática e directa um prejuízo para o portador correspondente ao montante inscrito no título.
Na verdade, sempre que se encontre demonstrado que (como na situação dos autos – cfr. n.º10 da matéria provada) o sacador não disponha, na respectiva conta de depósito, de fundos suficientes para permitir o pagamento do cheque, a prática pela instituição bancária do acto ilícito (tipificado n artigo 32.º, da LUCH) destruindo o direito cambiário do portador mostra-se contemporânea de outra circunstância que, em termos de juízo de prognose, permite prever que o não pagamento do cheque sempre ocorreria (em virtude da falta de provisão), independentemente da conduta do Banco se revelar ilícita; nesse sentido, a ilicitude da actuação da Ré não poderá ter-se como causa adequada do dano alegado pela Autora.
Não tendo o sacador do cheque provisão na sua conta bancária, o Banco encontra-se desobrigado de descontar o cheque pelo que não é detectável qualquer prejuízo económico a determinar pela diferença entre a situação em que ficou o portador em consequência do facto ilícito (inviabilização do direito cartular) e aquela em que o mesmo portador se encontraria se o mesmo facto ilícito não tivesse ocorrido (art.562º C. Civil). Como corolário lógico, resultará, então, que apenas quando na conta sacada existam fundos que permitam ao banco descontar o título a ilegítima execução de uma ordem de revogação é susceptível de constituir a causa do dano para efeito de preenchimento do pressuposto da obrigação de indemnizar.
Assim sendo, ao apurar-se no processo que ao tempo da devolução do cheque em causa a respectiva conta não possuía provisão, não se encontra demonstrado o dano que, como já realçado, constituía ónus da Autora.
Improcedem, assim, na sua totalidade, as conclusões do recurso.
III - Decisão:
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.