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ACIDENTE DE TRABALHO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
Sumário
I– O sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho que se traduziu na amputação de quatro dedos pela descida do braço da grua sobre a zona onde, infortunada e simultaneamente, apoiou a sua mão esquerda, com o propósito de evitar a sua queda no solo, dado ter tropeçado e se desequilibrado, quando se encontrava no seu local e tempo de trabalho. II– Existe violação injustificada das condições de trabalho determinadas pelo empregador quando o trabalhador infringe, de forma dolosa ou gravemente negligente, ordens expressas e concretas relativas à segurança da utilização do equipamento onde sofreu o acidente de trabalho, sem motivo que juridicamente a explique, devendo tal violação ser a causa única e exclusiva da verificação do referido sinistro de trabalho. III– Existe negligência grosseira quando o trabalhador sinistrado assumiu uma conduta despropositada, irresponsável, arriscada em alto grau, fortemente imprudente, que foi causa única e exclusiva do acidente de trabalho que o mesmo sofreu. IV– Tendo o acidente de trabalho se verificado nas circunstâncias descritas em I, não se pode afirmar que houve da parte do sinistrado violação injustificada das condições de trabalho ou negligência grosseira. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Parcial
ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I–RELATÓRIO:
AA, casado, contribuinte fiscal n.º (…) residente na (…) veio instaurar, em 29/12/2014, a presente ação declarativa de condenação emergente de acidente de trabalho com processo especial contra BB, SA(1.ª Ré),pessoa coletiva com o n.º (…),com sede no (…) e CC, Lda (2.ª Ré), pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), pedindo, em síntese, o seguinte:
«Nestes termos e nos mais de direito, e sempre com o mui suprimento de V. Exa., deve a presente ação ser julgada provada por procedente, em consequência, condenar-se a 1.ª Ré ao seguinte:
a)Reconhecer como de trabalho o acidente de que foi vítima o Autor no passado dia 24/6/2013;
b)Acidente incluído na apólice de acidente de trabalho celebrado entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré, identificada supra;
c)E como tal, reconhecer a incapacidade permanente global de 14,52% atribuída ao Autor;
d)Proceder ao pagamento da pensão devida ao Autor, correspondente ao capital de remição de uma pensão anual no valor de 1.084,50 €;
e)Proceder à sua remição da pensão (artigo 56.º, n.º1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril).
Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica aqui se coloca, em alternativa, deve condenar solidariamente a 1.ª Ré e 2.ª Ré no pedido formulado supra e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese académica aqui se coloca, em alternativa, deve V. Exa. condenar a 2.ª Ré, no seguinte:
a)Reconhecer como de trabalho o acidente de que foi vítima o Autor no passado dia 24/6/2013;
b)E como tal, reconhecer a incapacidade permanente global de 14,52% atribuída ao Autor;
c)Proceder ao pagamento da pensão devida ao Autor, correspondente ao capital de remição de uma pensão anual no valor de 1.084,50 €;
d) Proceder à sua remição da pensão (artigo 56.º, n.º1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril).»
*
Para tanto, o Autor alegou, em síntese, que trabalhou para a 2.ª Ré, na categoria de motorista de pesados e que previamente a ir de férias, no dia 24 de Junho de 2013, foi vítima de acidente de trabalho do qual resultou a amputação traumática dos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º dedos da mão esquerda, quando estava a auxiliar o colega nos trabalhos de carregamento de uma cisterna de óleo alimentar e, ao tropeçar, numa tentativa de se equilibrar, colocou a mão esquerda na zona de descida do braço da grua (zona de encosto do braço da sapata de apoio/estabilizador) para se apoiar e assim evitar a queda, altura em que o braço da grua encostou ao respetivo apoio, amputando-lhe os quatro dedos da mão esquerda por esmagamento.
*
Citada a Ré BB, SA. (fls. 159 e 160), esta apresentou a sua contestação (fls. 195 e seguintes), sustentando, em síntese, que na dinâmica do sinistro, o Autor sabia, por ter mais experiência a manobrar a máquina do que aquele, que não poderia estar, como ninguém poderia, na área de trabalho da máquina por razões elementares de segurança, proibição referida, aliás, no próprio manual de instruções daquela que se encontrava guardado na máquina em questão podendo ser consultado a qualquer momento.
De toda a forma, tendo o Autor tropeçado no asfalto, tinha outros locais mais baixos para se segurar, como é instintivo em quem cai, pelo que não é de todo crível que o sucedido tenha ocorrido como aquele descreveu, até porque, se tropeçou, deveria inclinar-se para a frente ou para trás (normalmente para a frente) e, por força dessa inclinação, deixaria de conseguir alcançar locais que só alcançaria se estivesse perpendicular ao chão (portanto direito na vertical) como é o caso do local, de pequena dimensão, onde foi colocar a mão.
Por isso, o Autor não tinha qualquer razão que justificasse a sua presença no local onde ficou com os dedos amputados, especialmente sendo conhecedor das regras de segurança básicas de operação da máquina em causa.
O Autor é, por isso, o único responsável pela sua atitude temerária e insensata, causando o acidente, por violar as elementares regras de segurança.
Pediu ainda a intervenção acessória da 2.ª Ré, para exercício do direito de regresso contra esta, por entender que caso alguma responsabilidade possa vir a ser imputada à seguradora, a 2.ª Ré não ofereceu formação adequada ao trabalhador com vista a transmitir-lhe as regras de segurança a observar no exercício das suas funções.
Pediu, em consequência, a absolvição do pedido e o chamamento da 2.ª Ré à demanda para o caso – eventual – de exercício de direito de regresso.
Juntou documentos.
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Citada a Ré CC,LDA (fls. 158 e 161), esta apresentou a sua contestação (fls. 162 e seguintes), sustentando, em síntese, que o Autor teve necessidade de ir gozar as férias já vencidas porquanto foi condenado em pena acessória de inibição de condução por três meses e deveria ter entregue o seu título de condução no tribunal até ao dia 20/06/2013.
Por tal motivo, a 2.ª Ré contratou em 13 de Junho de 2013 outro motorista para substituir o Autor no seu período de férias, havendo um período de 2 semanas de acumulação de funções entre motoristas e havendo comunicado ao Autor que poderia entrar imediatamente no gozo das suas férias.
Em 24 de Junho de 2013, quando ocorreu o acidente, era convicção da 2.ª Ré que o Autor já se encontrava no gozo das suas férias há mais de uma semana.
Quanto ao sinistro propriamente dito, sustentou que o Autor não devia ter feito a tarefa que desencadeou o sinistro, posto que a mesma não lhe tinha sido pedida ou ordenada pela 2.ª Ré, pois era da exclusiva competência do motorista substituto e não de qualquer auxiliar, revelando grosseira e indesculpável imprudência a iniciativa do Autor de tentar retirar os ganchos das correntes que prendiam a cisterna, quando o veículo e a grua do mesmo se mostravam em funcionamento.
Sustentou ainda que a 2.ª Ré que sempre cumpriu as normas de segurança e higiene no trabalho, e que, em qualquer dos casos, nenhuma das circunstâncias atinente às regras de segurança pode ser considerada como causalidade adequada do acidente de trabalho a que o Autor, por sua livre iniciativa, se expôs.
Por fim, defendeu que a responsabilidade, a ser assacada, haverá de ser tão só contra a 1.ª Ré, para quem, afinal, transferiu a responsabilidade emergente de qualquer acidente de trabalho.
Juntou documentos.
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Depois de serem ouvidos o Autor e a 2.ª Ré, foi proferido, a fls. 356 e seguintes, despacho saneador que considerou consumido o chamamento da 2.ª Ré à demanda, pelo facto de ter sido demandada a título principal, mantendo a utilidade para efeitos de eventual exercício de direito de regresso.
Nesse mesmo despacho saneador foi considerada válida e regular a correspondente instância, tendo ainda se procedido à fixação da matéria de facto assente e à elaboração da base instrutória (23 artigos), se admitido os requerimentos probatórios da Autora e das Rés apresentados no final dos seus articulados, (fls. 148, 168 e 208) e se designado as datas para a realização da Audiência Final [[1]].
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Procedeu-se ao julgamento com observância de todas as formalidades legais, como resulta da respectiva acta, não tendo a prova aí produzida sido objeto de registo áudio (fls. 440 a 448 e 486 a 488).
A matéria de facto foi decidida por despacho proferido a fls. 489 a 492 e em 4/06/2015, que suscitou reparos da parte da 2.ª Ré (fls. 496 a 502), que, contudo, não mereceram o acolhimento do tribunal da 1.ª instância, conforme ressalta do despacho de fls. 503 a 505, prolatado em 12/6/2015.
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Foi então proferida a fls. 509 521 e com data de 10/07/2015, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Face às razões de facto e de direito indicadas supra mencionadas:
Julgo a ação totalmente procedente e, em consequência, condeno a 1.ª Ré no pedido formulado de:
a) Reconhecer como de trabalho o acidente de que foi vitima o Autor no dia 24-06-2013;
b) Reconhecer a incapacidade permanente global de 14,52% atribuída ao Autor;
c) Proceder ao pagamento da pensão anual devida ao Autor, de €1.084,50, acrescido de juros de mora sobre o capital de remição, à taxa legal de 4%, desde o dia seguinte à data da alta até ao efetivo pagamento (artigo 135.º do Código do Processo do Trabalho e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril).
*
Face às razões de facto e de direito indicadas supra mencionadas:
Julgo ainda a ação de regresso da 1.ª Ré sobre a 2.ª Ré improcedente e, em consequência, absolvo a 2.ª Ré do pedido.
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Proceda ao cálculo do capital de remição.
Valor da ação: €12.763,48 (artigo 120º do Código do Processo do Trabalho).
Custas a cargo da 1.ª Ré, vencida que fica na causa.
Registe e Notifique.»
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A Ré BB, S.A., inconformada com tal sentença, veio, a fls. 529 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 554 dos autos, como de Apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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A Apelante apresentou, a fls. 530 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
M) Não se acompanha, por conseguinte, o Tribunal a quo quando este entende que o sinistro se deve a um acontecimento póstumo ao círculo de perigo da máquina pois foi nesta que aquele ocorreu enquanto a mesma operava e por culpa grave do A.
N) O Tribunal a quo julgou corretamente os factos que considerou provados, contudo não extraiu dos mesmos as necessárias conclusões nem aplicou corretamente o direito ao caso sub judice pelas razões supra expostas, pelo que violou o disposto no art.º 14º n.ºs 1 al. a) e b), 2 e 3 da Lei n.º 98/2009 de 04/09 quando não descaracterizou o acidente e condenou a Apelante a indemnizar o Apelado.
Termos em que, por provado, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença recorrida, absolvendo-se a Apelante do pedido e assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
Os Apelados Autor e 2.ª Ré não apresentaram contra-alegações de recurso, dentro do prazo legal, apesar de notificados para o efeito.
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O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 1102 a 1104), não tendo as partes se pronunciado dentro do prazo legal de 10 dias acerca de tal parecer, apesar de notificadas para o efeito.
*
Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
II– OS FACTOS:
O tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
«IV–A)FACTOS NARRADOS E PROVADOS COM INTERESSE PARA A CAUSA:
(…)
***
IV–B) FACTOS NÃO PROVADOS COM INTERESSE PARA A CAUSA (…)
*
III–OS FACTOS E O DIREITO:
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*
A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS:
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação (na sua fase conciliatória - cf. artigo 26.º, números 2 e 3 e 99.º do Código do Processo do Trabalho de 1999) ter dado entrada em tribunal em 11/10/2013, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013 e Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, face à data em que se verificou o acidente de trabalho - 24/06/2013 - terem todos ocorrido na vigência das normas constantes do Código do Trabalho de 2009 - que teve início de vigência em 17/02/2009 - relativas aos acidentes de trabalho (artigos 281.º e seguintes) e da legislação especial que veio a encontrar a luz do direito com a Lei n.º 98/2009, de 4/09 e que, segundo os seus artigos 185.º, 186.º e 187.º, revogou o regime anterior (Lei n.º 100/97, de 13/9 e Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4) e está em vigor desde 1/01/2010 e para eventos infortunísticos de carácter laboral ocorridos após essa data (também o novo regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, vertido na Lei n.º 102/2009, de 10/09, produz efeitos desde 1/10/2009 - cf. artigo 121.º).
B–DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
A Recorrente não impugnou a Decisão sobre a Matéria de Facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, os recorridos requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.
C–OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES DE DIREITO
Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas pela recorrente, verificamos que o que é questionado pela mesma é a circunstância do tribunal da 1.ª instância não ter considerado existir violação das regras da segurança por parte do sinistrado, bem como de não ter encarado como juridicamente descaracterizado o acidente que vitimou aquele por entender que o mesmo não foi devido a negligência grosseira do trabalhador.
Julgamos despiciendo analisar as questões que a montante da problemática em análise habitualmente se colocam, em face do acordo existente entre as partes no que toca à existência de uma relação de trabalho subordinada e remunerada entre a vítima do acidente dos autos e a sua empregadora (CC, LDA.), achando-se a responsabilidade infortunística laboral desta última transferida para a Companhia de Seguros aqui demandada.
D–REGIME LEGAL APLICÁVEL
Convirá chamar à boca de cena o estatuído nos artigos 8.º e 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4/9 (NLAT), que reza(va)m o seguinte à data do sinistro dos autos:
Artigo 8.º Conceito
1- É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2- Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
Artigo 14.º Descaracterização do acidente:
1-O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2-Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3-Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
O quadro legal acima transcrito – convindo realçar também a presunção contida no número 1 do artigo 10.º desse mesmo o diploma legal (reconhecimento da lesão a seguir a um acidente, verificado no tempo e local de trabalho) –, quando devidamente conjugado com a matéria de facto dada como assente, permite concluir, sem margem para dúvidas, pela ocorrência de um evento imprevisto e agressivo, verificado no local e tempo de trabalho do Autor e suscetível de produzir, diretamente, lesão corporal que implicou sequelas permanentes para a mesma (cf., quanto aos diversos elementos que integram o conceito de acidente de trabalho, Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Regime Jurídico Anotado, 2.ª Edição, Fevereiro de 2000, Almedina, páginas 34 e seguintes e, em anotação ao artigo 6.º da Lei n.º 100/97, de 13/9).
É manifesto que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho que se traduziu na amputação de quatro dedos pela descida do braço da grua sobre a zona onde, infortunada e simultaneamente, apoiou a sua mão esquerda, com o propósito de evitar a sua queda no solo, dado ter tropeçado e se desequilibrado, quando se encontrava no seu local e tempo de trabalho (os Pontos de Facto n.ºs 3), 8), 9), 10), 12) e 15) demonstram claramente que o sinistro ocorreu em tais circunstâncias de tempo, modo e lugar, sendo irrelevante, para o efeito, a convicção da entidade empregadora descrita no Ponto 11), que espelha, tão-somente, uma deficiente organização interna e um mau funcionamento administrativo da mesma).
E-ACIDENTE DE TRABALHO - DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE:
Tal chegada a esse primeiro porto não se confunde com a viagem seguinte, destinada exatamente a averiguar se o processo causal que levou às lesões sofridas pelo sinistrado pode ser assacado ao mesmo, em termos de responsabilidade pela sua verificação, a título de dolo (violação das regras de segurança sem causa justificativa) ou de negligência (grosseira).
Nesta segunda fase da análise jurídica do pleito dos autos e tendo como pano de fundo a dinâmica concreta do acidente e as circunstâncias particulares em que ocorreu, importa assim fazer um novo juízo estribado nos pressupostos e parâmetros previstos no artigo 14.º da NLAT (no que para aqui especificamente importa, naqueles contidos na segunda parte da alínea a) e alínea b) desta disposição legal).[[2]]
Tal apreciação jurídica radica-se nas seguintes conclusões de recurso da Ré Seguradora:
«A) O A., ora Apelado, sabia, por ter não só experiência a manobrar a máquina como também formação, que não poderia estar, como ninguém poderia, na área de trabalho da máquina por razões elementares de segurança, proibição, essa, aliás referida no próprio manual da máquina que se encontrava guardado nesta, podendo ser objeto de consulta a qualquer momento e que o Apelado conhecia.
B) O Apelado sabia que não tinha qualquer razão que justificasse a sua presença no local em questão, nem a colocação da mão onde amputou os dedos, especialmente sendo conhecedor das regras de segurança básicas de operação da máquina em causa.
C) Quando o Apelado se deslocou junto à parte lateral direita do semirreboque com o intuito de retirar os ganchos das correntes utilizadas na elevação da cisterna através da grua do camião, tropeçou e, numa tentativa de se equilibrar, colocou a mão esquerda na zona de descida do braço da grua (zona de encosto do braço da sapata de apoio/estabilizador) para se apoiar e assim evitar a queda, tendo sido nesse momento que o braço da grua encostou ao respetivo apoio, ocorrendo a amputação.
D) Diz o Tribunal a quo que: “Se é certo que o Autor não se deveria ter aproximado da grua em manobra – e pretendendo ou achando por bem fazê-lo, deveria avisar o colega manobrador -, a inobservância desse dever conhecido do A. coloca a sua conduta como infracional e negligente.”
E) Se o Apelado não tivesse ido para o local em questão, violando a norma de segurança que lhe vedada o acesso àquela área, o acidente não se teria dado;
F) O Apelado esteve a retirar correntes que estariam acumuladas por baixo da carga em suspensão expondo-se ao perigo durante essa tarefa proibida no decurso da operação e depois, para se equilibrar, colocou a mão numa junta da máquina quando esta se fechava e que foi por isso que ficou com os dedos amputados;
G) Toda a conduta do Apelado constituiu uma infração às regras de elementares de segurança sobejamente conhecidas pelo mesmo;
H)Aplicando ao caso vertente os critérios legais e jurisprudenciais para a descaracterização de um acidente de trabalho, cumpre concluir estar-se perante um ato voluntário do Apelado em manifesta violação das regras de segurança impostas pela sua entidade patronal e pelas regras de utilização da máquina em questão,
I) Ato, esse, inútil para o trabalho e para a sua entidade patronal (o que justificaria a responsabilidade pelo risco desta, até porque, como refere o Meritíssimo Juiz a quo, o trabalhador já teria concluído a primeira – e também proibida – operação de remoção das correntes estando a afastar-se) e contrário às ordens dadas, pois não só não podia estar no local em questão como também já não devia estar sequer ao trabalho por estar em gozo de férias;
J) E, para cúmulo, revelando uma absoluta temeridade e violação das mais elementares regras de cuidado e de prudência ao colocar a própria mão no espaço interior de duas peças que se fechavam uma sobre a outra – coisa que não tinha que fazer em circunstância alguma, como aliás bem sabia.
K) Se o entrar na área de operação da máquina e o colocar os braços debaixo de carga em suspensão durante a operação são violações dolosas de regras de segurança, o colocar os dedos entre peças que se estão a fechar uma sobre a outra consubstancia ainda dolo eventual (pois ele sabia que não podia lá meter a mão e fê-lo julgando, talvez, que a retiraria a tempo);
L) Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se discute, estar-se-á perante uma situação de negligência grosseira, porque resultante de culpa grave, gerando, em qualquer dos casos o mesmo resultado: descaracterização do acidente de trabalho.
M) Não se acompanha, por conseguinte, o Tribunal a quo quando este entende que o sinistro se deve a um acontecimento póstumo ao círculo de perigo da máquina pois foi nesta que aquele ocorreu enquanto a mesma operava e por culpa grave do A.
N) O Tribunal a quo julgou corretamente os factos que considerou provados, contudo não extraiu dos mesmos as necessárias conclusões nem aplicou corretamente o direito ao caso sub judice pelas razões supra expostas, pelo que violou o disposto no art.º 14º n.ºs 1 al. a) e b), 2 e 3 da Lei n.º 98/2009 de 04/09 quando não descaracterizou o acidente e condenou a Apelante a indemnizar o Apelado.»
F-VIOLAÇÃO INJUSTIFICADA DAS REGRAS DE SEGURANÇA PELO SINISTRADO:
Começaremos por alertar para o facto desta causa de exclusão da reparação dos acidentes de trabalho constituir, em nosso entender, aquela que, em termos de interpretação jurídica e correta integração no restante quadro legal descaracterizador, levanta mais perplexidades e questões, ao nível da nossa doutrina e jurisprudência.
Diremos mesmo que uma compreensão e aplicação da mesma, quando isoladas das demais situações descaracterizadoras e respetiva densificação legal e apenas escudadas no teor literal do seu texto, retira, quando olhado no seu conjunto, coerência ao art.º 14.º - a que ainda é possível, impõe-se realçar, essencialmente por força do «divórcio litigioso», em termos legislativos, entre tal fundamento descaracterizador e os seus antecedentes históricos e da inerente perversão do seu conteúdo, sentido e alcance -, bem como consente que se deixe entrar facilmente pela janela o que se pretendeu, original e logicamente, manter do lado de fora da porta de tal edifício normativo.[[3]]
As razões históricas deste primeiro fundamento - verdadeiramente descaracterizador - que são invocadas pelo Professor Júlio Gomes [[4]] (que aqui seguimos de perto) prendem-se, segundo ele, com a circunstância de, após a “descaracterização” do acidente de trabalho radicado numa atitude dolosa ou grosseiramente negligente do trabalhador sinistrado [[5]] e por força do impacto neste domínio da «evolução da noção de risco profissional para a de risco de autoridade», em que a responsabilidade infortunística laboral do empregador era justificada pela autoridade exercida sobre aquele, se ter aditado uma outra causa de exclusão da tutela dos acidentes de trabalho que se verificava quando o trabalhador se subtraísse à referida autoridade, numa atitude de desafio à mesma, de rebelião para com a entidade patronal, através da desobediência imediata a uma sua ordem [[6]], cenário particular esse que acabou por degenerar [[7]], por «gradualmente confundir-se, entre nós, com a violação das regras ou condições de segurança, quer as estabelecidas pelo empregador, quer aquelas outras resultantes da lei».
Tal pano de fundo histórico explica, aparentemente, que, até 31/12/1999, só a violação injustificada, num primeiro momento, das ordens expressas do empregador e, depois, num segundo momento, das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, fossem suscetíveis de descaracterizar o acidente [[8]], esclarecendo ainda a razão da ausência de uma definição de causa justificativa como a que veio a surgir no n.º 1 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04, que se funda, em nosso entender, no alargamento às regras legais dessa violação, sem causa justificativa, das condições de segurança.
Verifica-se então o aditamento ao art.º 7.º, número 1, alínea a) da NLAT (e que se manteve no texto atual), quando em confronto com a Base VI, número 1, alínea a), da seguinte frase: «…ou previstas pela lei», tendo o legislador introduzido igualmente a noção de causa justificativa (n.º 1 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04), que foi transposta depois para o n.º 2 do art.º 14.º.
Logo, se antes, só existia violação, para efeitos de exclusão da reparação do acidente, relativamente às condições de segurança estabelecidas pelo empregador - quer através de ordem direta dada pelo mesmo ou pelo seu representante, quer em regulamento interno[9] -, agora, também provoca tal exclusão, a violação das condições de segurança determinadas pela lei [[10]].
Importa fazer notar que esta causa de exclusão da reparação tem de ser perspetivada enquanto processo global e dinâmico, tudo sem prejuízo da apreciação individualizada a cada um dos elementos que compõem a figura em questão.
A violação depende, em primeiro lugar, da existência de condições de segurança determinadas pelo empregador (e da sua inerente prova em tribunal [[11]]) ou pelo legislador e, por outro, terá de referir-se a ordens ou normas referentes às efetivas condições de segurança reclamadas para o modo, local e tempo da prestação de trabalho concretamente desenvolvida pelo sinistrado e não quaisquer outras, quer nada tenham a ver com a segurança, saúde e higiene no ambiente de trabalho, quer não se mostrem adequadas a prevenir os riscos derivados efetivamente da atividade desenvolvida.[[12]]
As instruções e determinações da entidade patronal relativamente a tais condições não têm de ser dadas por escrito, podendo sê-lo por forma verbal ou por outros meios de comunicação, conforme sustenta o Acórdão de 29/10/2013, proc.º n.º 402/07.1TTCLD.L1.S1, relator: Mário Belo Morgado, em www.dgsi.pt, citando o Aresto do mesmo tribunal de 03/06/09, proc.º n.º 1321/05.1TBAGH.S1, relator: Bravo Serra, publicado no mesmo local e Carlos Alegre, obra citada, pág. 61, quando refere que «as condições de segurança sejam, apenas, estabelecidas, pela entidade patronal (em regulamento de empresa, ordem de serviço ou outra forma de transmissão).» (sublinhado nosso).
A lei parecia exigir, até à modificação introduzida no tipo legal em análise, uma ordem expressa e concreta ao trabalhador e não a um mero aviso genérico e abstrato, mas temos sérias dúvidas quanto à manutenção de tal imposição, pelo menos, no que toca às condições de segurança previstas pela lei, face à definição de causa justificativa constante hoje do n.º 2 do art.º 14.º e antes do n.º 1 do art.º 8.º da regulamentação da LAT.
Temos para nós que o pano de fundo de índole jurídica, que, restringido às quatro paredes do estabelecimento do empregador e à direção e orientação últimas deste último, presidia anteriormente à matéria da definição e violação das condições de segurança, para efeitos da descaracterização do acidente de trabalho, alargou-se e modificou-se substancial e qualitativamente com essas alterações legislativas, bastando pensar no conhecimento das regras estradais que, sendo pressuposto da concessão da licença de habilitação por parte do Estado, não depende do empregador mas de terceiros (escolas de condução) e do próprio trabalhador, assim acontecendo também quanto a este último, quando do posterior cumprimento daquelas atinentes à circulação rodoviária (quer sejam relativas somente aos motoristas profissionais, quer se traduzam nas que obrigam o cidadão comum).
A noção de causa justificativa [[13]] emerge como uma válvula de segurança ou escape para o novo quadro jurídico criado, que, contudo, convirá não esquecer, tem de ser integrado e contrabalançado pela promoção de boas condições de trabalho, que passam, nomeadamente, pela conciliação do mesmo com a vida pessoal e familiar do trabalhador e pela adaptação daquele à pessoa, bem como - por força, designadamente, na nossa integração no espaço da união europeia - pelo reforço da prevenção, informação e formação contínuas - nomeadamente, nas áreas da segurança, saúde e higiene no trabalho -, que os empregadores estão obrigados a dar aos seus trabalhadores, em termos gerais e de acordo com os art.ºs 127.º, n.ºs 1, al. c), d), g), h) e i), 2 e 3, 106.º a 109.º, 130.º a 134.º e 281.º e 282.º do Código do Trabalho e, em moldes específicos, segundo, designadamente, os art.ºs 177.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09 e 4.º, alínea i), 5.º a 7.º, 9.º, 10.º, 15.º, 17.º, 18.º a 23.º da Lei n.º 102/2009, de 10/09.[[14]]
Importa conjugar e conciliar, nessa medida, a 2.ª parte da alínea a) do n.º 1 e o n.º 2 do art.º 14.º com as múltiplas e complexas obrigações que recaem, a esse nível, sobre a entidade patronal [[15]], podendo o seu incumprimento ou satisfação insuficiente ou deficiente, obstar à descaracterização do sinistro, não obstante a violação das condições de segurança pelo trabalhador acidentado[[16]], por recondução ao n.º 2 do art.º 14.º, quebra do nexo causal reclamado entre tal violação e o evento infortunístico ou mesmo, em última análise, impossibilidade de imputação subjetiva aquele.
Defendemos assim que, pelo menos tendencialmente[[17]], no seio dos estabelecimentos dos empregadores ou de outros locais de trabalho fixos, em que os trabalhadores desenvolvam a sua atividade em permanência (pelo menos relativa), a violação das regras de segurança pressupõem ainda a necessidade de ordens expressas, relativas à observância de regras ou condições de segurança.[[18]]
A este respeito, importa finalmente invocar o Professor Júlio Gomes, obra referida, pág. 217, Nota 488, quando afirma, citando-se a si próprio: «configure-se uma situação em que o empregador, por uma circular ou um aviso no local de trabalho, informa das regras de segurança e, por exemplo, estabelece qual o equipamento de proteção que deve ser utilizado, mas, na prática, desinteressa-se de garantir e zelar pelo cumprimento de tais normas, generalizando-se na empresa a prestação de trabalho, aceite pelo empregador ou sus representantes, sem o referido equipamento de segurança».[[19]]
A culpa para efeitos da dita violação das condições de segurança, por ação ou omissão, sem causa justificativa tem de ser aferida em concreto e não em abstrato.
Existem, ao nível da culpa, divergências doutrinárias que constituem, em nosso entender, a pedra de toque do instituto em análise, existindo uma primeira corrente, que, como Pedro Romano Martinez, “Acidentes de Trabalho”, Edição de autor, Lisboa, 1996, págs. 90 e 91, sustenta que qualquer grau de culpa por parte do sinistrado pode radicar esta causa descaracterizadora - «Como segunda situação prevê-se a hipótese de o acidente provir de ato ou omissão do trabalhador que, sem causa justificativa, viole condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal (Base VI, n.º 1, a) da Lei n.º 2127). Neste caso, o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão a culpa grave do trabalhador; a exigência de culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos pra que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta da causa justificativa, porque está em causa a violação de condições de segurança específicas daquela empresa; por isso basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.» [[20]]
Por seu turno, o Dr. Carlos Alegre, obra citada, pág. 61:
«b) O acidente que provier de seu (da vítima) ato ou omissão, se ela (vítima) tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, em que possa atribuir-se ao sinistrado uma espécie de culpa qualificada. Resulta desta circunstância que o acidente que provier de ato ou omissão da vítima, só não dá direito a reparação, se se verificarem, cumulativamente, as seguintes condições: 1.ª Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, exigindo-se aqui, a intencionalidade ou dolo, na prática ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os atos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco; (…)»
Também João Nuno Calvão da Silva, estudo citado, pág. 940 e Nota 108, sustenta que «a nosso ver, só a culpa qualificada do trabalhador na violação das condições de segurança poderá interromper o nexo causal e afastar ou diminuir a responsabilidade do empregador. Divergimos, pois, de Pedro Romano Martinez…».
Finalmente, Júlio Gomes, obra citada, págs. 209 e seguintes, desenvolve uma extensa, diversificada e poderosa argumentação no sentido desta segunda interpretação do regime legal em análise, afirmando, respetivamente, a págs. 231 e 232 e 240, o seguinte: «Quanto a nós, o trabalhador que não cumpre regras de segurança poderá ser, obviamente, sancionado disciplinarmente - e no limite, despedido - mas a privação da reparação por acidentes de trabalho é uma consequência desproporcionada, a não ser para comportamentos dolosos ou com um grau de negligência muito elevado que sejam, eles próprios, a causa do acidente, de tal modo que verdadeiramente se quebre o nexo etiológico entre o trabalho e o acidente. (…) Parece-nos, com efeito, que, tanto pelas razões históricas já atrás aduzidas, como para garantir a coerência do sistema face às consequências extremamente severas da descaracterização - com a exclusão de todas as prestações, ressalvando-se apenas o dever de prestar primeiros socorros e pedir auxílio - não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave, ao que acresce que outras “justificações” poderão ser relevantes. Terá, por conseguinte de verificar-se, também aqui, uma culpa grave do trabalhador, tão grave que justifique a sua exclusão, mesmo que ele esteja a trabalhar, a executar a sua prestação, do âmbito de tutela dos acidentes de trabalho. Essa culpa deverá ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão, a eventual passividade do empregador perante condutas similares no passado (...) e, simplesmente, fatores fisiológicos e ambientais, como o cansaço, o calor ou o ruído existentes no local do trabalho».
Para além do enquadramento histórico que antes deixámos sintetizado, afigura-se-nos existir no art.º 14.º da atual Lei dos Acidentes de Trabalho, assim como nos anteriores art.ºs 7.º da NLAT e Base XVI das LAT, uma gradação ou hierarquia decrescente na culpa reclamada - senão mesmo na ilicitude subjacente a cada uma delas - para o preenchimento de cada uma das causas de descaracterização aí elencadas [[21]], o que nos leva a sustentar que os ato ou omissão aí previstos não podem ser intencionais nos mesmos termos do primeiro segmento da regra, antes analisado, sob pena do «acidente dolosamente provocado» consumir as situações de violação propositada das regras de segurança.
Nessa medida, tal dolo, a existir, parece referir-se unicamente à consciência e vontade do trabalhador de, por ação ou omissão [[22]]/[[23]],violar as mencionadas condições de segurança, mas sem significar que aquele, com tal atuação, visasse também sofrer o acidente de trabalho que tal comportamento acabou por desencadear (não deseja o resultado), o que acontecerá já num quadro de uma eventual negligência, a existir.[[24]]
Também se nos afigura, como parece referir o Dr. Carlos Alegre, que o comportamento do sinistrado, encarado na sua totalidade ou globalidade, não pode cair no cenário de aplicação da alínea b) do número 1 do art.º 14.º (negligência grosseira/culpa qualificada), situando-se, portanto, a segunda parte da alínea a) em apreço a “meio caminho” (perdoe-se-nos a expressão nada jurídica) do dolo da 1.ª parte e a negligência grosseira da alínea b), sob pena de admitirmos que o legislador pretendeu regular, pelo menos parcialmente, as mesmas realidades em alíneas diferentes.
Pensamos, de qualquer maneira, que o legislador estabeleceu, no art.º 14.º da atual Lei [[25]], como patamar mínimo inultrapassável da culpa do trabalhador, a considerar para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho, a negligência muito grave ou grosseira da sua atuação ou omissão, subscrevendo-se, nessa medida, a segunda tese exposta e quedando-nos muito próximos da posição sustentada pelo Professor Júlio Gomes [[26]].
A perspetiva sustentada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/09/2009, no sentido da violação das condições de segurança por parte do sinistrado traduzir-se, desde logo, num acentuado grau de negligência, acaba por vir, de algum maneira, ao encontro da interpretação que perfilhamos e que reclama da parte do sinistrado uma conduta gravemente culposa para efeitos de descaracterização do sinistro, mas diverge dela a partir do momento em que não diferencia tal imputação subjetiva da infração propriamente dita das condições de segurança, presumindo ou dando por adquirido que qualquer violação das correspondentes regras internas ou legais por parte dos trabalhadores é, no mínimo, feita com tal grau de culpa (embora possa ser levada a cabo com dolo), só não se verificando o afastamento da exclusão de reparação legalmente prevista se a conduta do sinistrado for justificada ou se não se mostrarem preenchidos os demais elementos típicos exigidos pelo legislador.
Discordamos de tal leitura do regime jurídico em análise, não só pelas razões anteriormente indicadas, como pela circunstância do desrespeito ou desobediência das normas de segurança e saúde no trabalho poderem ter na sua génese motivos objetivos e subjetivos muito diferentes, bem como assumir formas muito díspares de concretização, com níveis de ilicitude e gravidade assaz diversos, que, salvo melhor opinião, não podem ser todos metidos no mesmo saco (perdoe-se-nos a expressão popular) e encarados simplesmente como descaracterizadores do sinistro laboral, sem passarem prévia e devidamente pelo crivo da culpa (cfr., ainda, o que se dirá mais à frente acerca da causa justificativa).
Logo, as condutas que se achem norteadas por uma culpa levíssima ou leve - utilizando aqui a destrinça anteriormente feita pela doutrina obrigacionista [[27]], em função da maneira como agiria o cidadão comum, em idênticas condições e circunstâncias -, mesmo que não colham a sua concretização numa razão socialmente plausível e aceitável, não darão lugar à “descaracterização” do acidente.[[28]]
A disposição legal em análise demanda a existência de um nexo de causalidade entre a violação injustificada das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, princípio sempre presente nos diversos regimes de acidentes de trabalho que, no plano nacional e desde 1942, se tem vindo a suceder.
O Dr. Cruz de Carvalho, obra citada, págs. 50 e 51, a esse propósito, no quadro da LAT, diz o seguinte:
«Também não basta a prova de violação por parte do sinistrado, de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, e sem causa justificativa. Necessário se torna também demonstrar a existência da relação de causalidade entre o ato ou omissão violador das condições de segurança e o acidente, de modo a poder-se dizer que este foi devido àquele ato ou omissão - é o que resulta da expressão legal “o acidente que…provier de…”».
Por seu turno, o Dr. Carlos Alegre, obra e local citados, afirma, quanto à NLAT, o seguinte:
«4.ª Deve verificar-se, também, que o acidente seja consequência necessária do ato ou omissão do sinistrado».
Finalmente, Júlio Gomes, obra citada, pág. 216, sustenta, no que respeita à atual legislação, o seguinte:
«A esse respeito importa considerar, desde logo, que a violação das condições de segurança tem que ser causal do acidente para que se verifique a descaracterização do mesmo. Como a nossa lei refere, o acidente tem que provir de ato ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança. E, como a nossa jurisprudência reiteradamente tem afirmado, com toda a justeza, bem pode suceder que, mesmo que as condições de segurança fossem respeitadas pelo trabalhador, o acidente, com as suas consequências danosas, produzir-se-ia na mesma ou produzir-se-ia com grande probabilidade. Se nos é permitido a imagem, de que serviria ao trabalhador usar um capacete de proteção se lhe caiu em cima um bloco de pedra de algumas toneladas?».
Afigura-se-nos útil chamar à colação, quanto ao nexo de causalidade e à sua integração na análise dinâmica do acidente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/09/2007, proc.º n.º 07S1700, relatora: Maria Laura Leonardo, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
I-A descaracterização do acidente, no caso do art.º 7.º, nº 1, al. a), in fine, da LAT exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima; que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa; que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
II-Para se verificar se existe um nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o acidente (de que resultaram as suas lesões e incapacidade) no contexto desta hipótese legal, deve recorrer-se à formulação positiva da causalidade, ou seja, o facto só deve considerar-se causa (adequada) do dano que constitua uma consequência normal, típica, provável, dele.
III-A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao proc.º factual que, em concreto, conduziu a este.
IV-Não pode afirmar-se o nexo de causalidade adequada entre o facto de o sinistrado se fazer transportar no balde de uma máquina manobrada por um colega e o acidente, se a matéria de facto demonstra que o embate do balde com o autor no solo derivou de ter o balde baixado de forma brusca.
V-Estabelecida a relação de causa-efeito entre aquele abaixamento brusco do “balde” e o acidente, mas não estando demonstrado que tal abaixamento haja sido causado pelo facto de o trabalhador se fazer transportar (sentado) no balde, não pode concluir-se que o acidente foi uma causa normal ou típica daquele comportamento do trabalhador e afastada fica a possibilidade de o acidente poder ser descaracterizado com fundamento na segunda parte, da alínea a) do n.º 1 do art.º 7.º da LAT.
Sendo manifesta a exigência de nexo causal adequado entre o ato ou omissão violador das condições de segurança e o sinistro, nem toda a jurisprudência que encontrámos entende que tal relação de causa/efeito tem de ser exclusiva, como é o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2005, proc.º n.º 05S677, relator: Fernandes Cadilha, em www.dgsi.pt[[29]], indo no sentido da exclusividade de tal nexo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/10/2005, proc.º n.º 1832/05, relator: Fernandes da Silva, em www.dgsi.pt[[30]].
O primeiro Aresto referenciado conclui pela necessidade da violação sem justificação constituir a única causa do acidente, por comparação com a alínea b) - Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado - com recurso ao argumento da maioria de razão, mas, poder-se-á afirmar, em rigor e com um mínimo de segurança, que a lei reclama tal «exclusividade»?
Entre a admissão de uma concorrência de causas ou de culpas, por parte da entidade empregadora, companheiros de trabalho do sinistrado ou mesmo terceiros - ou seja, uma outra situação que, em paralelo com a dita violação das condições de segurança, está igualmente na génese do sinistro [[31]] - e a tese contrária, no quadro da qual se exige a exclusividade causal entre a referida violação e o acidente de trabalho, propendemos para esta última, em nome da coerência do regime legal contido no art.º 14.º e atendendo aos antecedentes históricos da norma, à circunstância de nos acharmos perante uma situação excludente da reparação dos danos causados por acidente de trabalho, desde que inexista causa justificativa, nos moldes antes mencionados, à culpa qualificada como limite mínimo, em termos de imputação subjetiva, e ao demais que se deixou acima exposto.
Logo, a exigência de tal nexo causal exclusivo [[32]], implica que a convergência de outras causas para o acidente afaste a descaracterização do mesmo por violação das condições de trabalho.[[33]]
L-LITÍGIO DOS AUTOS:
Chegados aqui, importa dizer que dos factos dados como assentes nos autos [[34]] e dos documentos que os complementam, não ressaltam, desde logo, os seguintes requisitos ou elementos tipificadores da figura jurídica “descaracterizadora” do acidente de trabalho que se mostra prevista na segunda parte da al. a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4/9:
a) Inexistência de condições de segurança fixadas pela entidade empregadora e direcionadas expressa e claramente à utilização da grua lateral, sendo sintomático da ausência dessas condições mínimas de segurança os factos descritos nos Pontos 23) a 25) (inexistência de sinalização luminosa ou acústica no referido equipamento, nem formação regular e atualizada sobre segurança e trabalho e sobre o funcionamento específico de tal grua, não se reconduzindo esta última à mera disponibilização ou colocação no equipamento perigoso do respetivo manual de funcionamento) [[35]];
b) Inexistência de ordens expressas e concretas dadas - quer ao sinistrado, quer ao outro trabalhador, que manobrava esse equipamento, e por este aquele transmitidas -, pelos gerentes da Ré ou pelos superiores hierárquicos do Autor e responsáveis diretos pela forma como os trabalhos da grua se processavam, no sentido de não serem realizadas as tarefas que o Apelado estava a executar ou de não se colocar na zona onde veio a tropeçar e a sofrer o sinistro dos autos;
c) Se bem que tenha ficado demonstrado que «O Autor sabia, pela sua experiência a manobrar a máquina, que não poderia estar, como ninguém poderia, na área de trabalho da máquina por razões de segurança» (Ponto 22)], o que poderia levar-nos a questionar a conduta do trabalhador sinistrado na altura do sinistro aqui em julgamento, importa atentar nos demais factos que enquadram e descrevem o acidente de trabalho em análise e que apontam claramente no sentido da manobra de colocação da cisterna sobre o semirreboque já se achar concluída, pois só assim se explica que o Autor se tivesse deslocado junto à parte lateral direita do semirreboque com o intuito de retirar os ganchos das correntes utilizadas na elevação da cisterna através da grua do camião (Ponto 19)] e de que o braço da grua estivesse a descer e, na altura em que o Autor tropeçou e colocou a mão, num ato automático ou reflexo, na base de apoio daquele, aí tivesse assentado (ponto 20)].
Logo, não existia já o perigo da cisterna, por estar ainda elevada no ar, poder cair sobre o demandante nem este se colocou, deliberada ou negligentemente, na esfera da ação do braço da grua na sua descida, mas antes tal aconteceu devido a um tropeção, que o projetou na sua direção e o fez, infortunadamente e com o intuito de se segurar, colocar ali a mão, não se podendo afirmar, nessa medida e com a certeza perseguida pela Apelante, de que o recorrido se achava indevidamente posicionado na área de trabalho da máquina.
d) Importa ainda realçar, no que concerne à caracterização do perfil pessoal e profissional do Autor, que ficou igualmente assente que o mesmo já trabalhava para a 2.ª Ré, como motorista profissional, há cerca de 10 anos e tinha 58 anos à data do acidente de trabalho dos autos (Ponto 1)] e era quem normalmente executava os trabalhos de carga e descarga de mercadoria e/ou cisternas (Ponto 5)], possuindo experiência e tendo cuidado na execução do seu trabalho, em particular na utilização e manobra da grua lateral do semirreboque (Ponto 6)] e desde a sua admissão, nunca tinha sido vítima de acidente rodoviário ou de trabalho (Ponto 7)], o que nos traça um retrato de um trabalhador que não era temerário ou descuidado no cumprimento das suas funções profissionais mas antes assisado, prudente, cauteloso e com um historial imaculado nessa matéria até à data do sinistro;
e) Ainda que se não encare a conduta do Autor como isenta de reparos, por se entender que o mesmo só para ali se deveria ter deslocado após a imobilização da grua, seguro é que tal deslocação não foi injustificada – no sentido de gratuita, impensada, temerária – mas teve um propósito de cariz laboral – soltar os ganchos de suporte da corrente da cisterna – e foi levada a cabo nas condições e circunstâncias enunciadas nas duas alíneas anteriores, tendo o acidente acontecido na sequência de ato inconsciente e involuntário do Autor que foi o de tropeçar e da sua reação mecânica, física, instintiva, de procurar evitar a queda iminente no solo, apoiando-se no que lhe estava mais à mão e que, infelizmente, era precisamente a base de descanso do braço da grua [[36]];
f) Logo, verifica-se a inexistência, de qualquer forma, com esse enquadramento subjetivo e objetivo, de dolo (ainda que meramente eventual) ou sequer de culpa qualificada ou muito grave do sinistrado na verificação do sinistro dos autos;
g) Inexistência de nexo causal adequado e exclusivo entre o comportamento conhecido do sinistrado e que ficou demonstrado na ação e a ocorrência do acidente de trabalho, não apenas porque a grua não estava a ser operada pelo Apelado mas pelo seu colega, que, segundo o Ponto 21) não conseguia ver o Autor junto da zona onde o braço da sapata/estabilizador estava a ser recolhido [[37]],desconhecendo-se se o mesmo sabia que o sinistrado se havia deslocado à parte lateral do semirreboque, na referida ocasião e se, ainda assim, havia prosseguido com a manobra de descida do dito braço, como, fundamentalmente, ter sido um evento inesperado e incontrolável por parte do Apelado que esteve na origem do acidente (tropeção e ato de se segurar a algo que impedisse a sua queda).
A Apelante afirma que se o Autor não estivesse na zona “proibida” de funcionamento da grua, o facto de ter tropeçado não teria para ele as consequências médico-legais reconhecidas na ação, mas o raciocínio inverso também é verdadeiro, ou seja, sem o dito tropeção e apenas pela simples circunstância de ali se achar, em espaço interdito, o trabalhador não se teria visto envolvido no sinistro de trabalho dos autos ou, ainda que tal desequilíbrio involuntário acontecesse, o tivesse sido noutro local da dita área ou se processado em moldes diversos dos efetivamente ocorridos, com o tombo do recorrente num sentido distinto do verificado ou com a colocação da mão esquerda noutro espaço do semirreboque, que não o da sapata, não estaríamos agora a discutir a sua descaracterização.
Afigura-se-nos importante, no que toca à problemática em análise (nexo causal), chamar ainda à colação o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/09/2007, processo n.º 07S1700, relatora: Maria Laura Leonardo, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
I- A descaracterização do acidente, no caso do art.º 7.º, n.º 1, al. a), in fine, da LAT exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima; que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa; que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
II- Para se verificar se existe um nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o acidente (de que resultaram as suas lesões e incapacidade) no contexto desta hipótese legal, deve recorrer-se à formulação positiva da causalidade, ou seja, o facto só deve considerar-se causa (adequada) do dano que constitua uma consequência normal, típica, provável, dele.
III- A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu a este.
IV- Não pode afirmar-se o nexo de causalidade adequada entre o facto de o sinistrado se fazer transportar no balde de uma máquina manobrada por um colega e o acidente, se a matéria de facto demonstra que o embate do balde com o autor no solo derivou de ter o balde baixado de forma brusca.
V-Estabelecida a relação de causa-efeito entre aquele abaixamento brusco do “balde” e o acidente, mas não estando demonstrado que tal abaixamento haja sido causado pelo facto de o trabalhador se fazer transportar (sentado) no balde, não pode concluir-se que o acidente foi uma causa normal ou típica daquele comportamento do trabalhador e afastada fica a possibilidade de o acidente poder ser descaracterizado com fundamento na segunda parte, da alínea a) do n.º 1 do art.º 7.º da LAT.
M–DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE – NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA:
Entrando agora na apreciação deste segundo fundamento para a descaracterização do acidente de trabalho que se mostra previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 14.º (negligência grosseira do sinistrado como causa exclusiva do acidente), dir-se-á que o art.º 2.º, ponto 2.º, segunda parte, da Lei n.º 1942, consagrava já, nas palavras de Veiga Rodrigues, uma situação próxima da atual negligência grosseira.
Já na Base VI da Lei n.º 2127 se aludia a «falta grave e indesculpável da vítima», explicitando, por seu turno, o art.º 13.º do Decreto n.º 360/71, que não se considerava «falta grave e indesculpável da vítima do acidente o ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».
A Lei n.º 100/97, no seu art.º 7.º, fala já de «negligência grosseira», que é clarificada, em termos de conceito, pelo número 2 do art.º 8.º da Decreto-Lei n.º 143/99: «Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão», definição que é mantida no número 3 do art.º 14.º da atual Lei.
A noção de «negligência grosseira» tem vindo a ser apurado pela nossa doutrina e jurisprudência a partir das diversas expressões e definições legais, dando-se aqui, a mero título de exemplo, as seguintes:
- Veiga de Oliveira, citado por Cruz de Carvalho e no quadro da Lei n.º 1942, por referência à doutrina francesa (Sachet) e ao conceito de «culpa indesculpável»: «…um ato ou omissão voluntários, injustificado pelo exercício da profissão ou das ordens recebidas que constitua um perigo grave conhecido pela vítima. Todavia, distingue entre voluntariedade do ato ou omissão e a intencionalidade do mesmo».
- Cruz de Carvalho, obra citada, págs. 51 e 52, no âmbito da LAT:
«Para aplicação da alínea b) do número 1 é preciso que haja um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil, indesculpável, mas voluntária embora não intencional…».
- Carlos Alegre, obra citada, pág. 63, no seio da NLAT:
«Ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e contras. Há, todavia, uma espécie de comportamento que, em termos laborais, deve ser considerado muito diverso da negligência ou da imprudência, embora, em muitos casos possa resultar de um misto de ambas. É a imperícia ou o erro profissional. O legislador do art.º 7.º teve, também, o cuidado de distinguir a negligência quanto à intensidade da vontade ou gravidade, no pressuposto de que a doutrina costuma estabelecer três graus: lata, leve e levíssima. A negligência lata ou grave confina com o dolo e parece ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira: é grosseira, porque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bonus pater-famílias.»
Do confronto entre estas três posições, é possível concluir que para os três autores citados, a negligência grosseira vive paredes-meias com o dolo (eventual) [[38]] e deve ser reconduzida à negligência lata ou grave da doutrina clássica no sentido que lhe é atribuído, por exemplo, pelo Dr. Manuel Domingues de Andrade, obra citada, págs. 341 e 342, possuindo uma dimensão de censura ético-jurídica muito forte, por ser socialmente inaceitável e sem justificação plausível para um cidadão comum e normalmente previdente e prudente colocado na posição (concreta) do sinistrado.[[39]]
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/6/2010, proc.º n.º 579/09.1YFLSB, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt, no seu sumário, define a negligência grosseira e enuncia as suas principais características:
«I–A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objetivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente).
II–A negligência também pode assumir diferentes graus, em função da ilicitude e da culpa: será levíssima quando o agente tiver omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excecionalmente diligente teria observado; será leve quando o parâmetro atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente e será grave quando a omissão corresponder àquela em que só uma pessoa especialmente descuidada e incauta teria também incorrido.
III–Correspondendo a “negligência grosseira” à “culpa grave”, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum.
IV–A “negligência grosseira” deve ser apreciada em concreto – conferindo as condições do próprio sinistrado – e não com referência a um padrão abstrato de conduta.
V–A exclusão da responsabilidade decorrente da descaracterização do acidente, prevista no art.º 7.º, n.º 1 da LAT, a par de um comportamento do agente altamente reprovável, exige que o acidente tenha resultado, em exclusivo, desse comportamento.
VI–Como a descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito reclamado pelo autor, compete ao réu a prova da materialidade integradora dessa descaracterização, na dupla vertente mencionada em V (…)» [[40]]
Tal negligência grosseira, apesar de existir, só não afastará o direito à reparação caso se verifiquem uma das três exceções ou ressalvas contidas na parte final da norma: «…que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».
Cruz de Carvalho, obra citada, págs.52 e 53, afirma o seguinte:
«E compreende-se tal posição do legislador, pois que, se a imprevidência do trabalhador está indissoluvelmente integrada na própria essência da prestação de trabalho, sempre e previsivelmente inerente à ocorrência dos acidentes dessa natureza que nele venham a registar-se, parece de ponderar a sua particular incidência naqueles casos», podendo consultar-se, a este respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/02/2006, proc.º n.º 0516323, relatora: Fernanda Soares, em www.dgsi.pt (funções habituais há 15 anos) [[41]].
O nexo de causalidade tem de ser exclusivo, isto é, o acidente deve ter apenas na sua raiz e como sua base a negligência grosseira do trabalhador sinistrado, não consentindo, para efeitos de descaracterização do sinistro em questão, concorrência de causas ou culpas («…tal não acontecerá no caso de concorrência de culpa da entidade patronal ou do seu representante (veja: Base XVII), ou quando seja possível concluir que mesmo sem tal comportamento, o acidente sempre se verificaria» - Cruz de Carvalho, obra citada, págs. 51 e 52) e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/2007, proc.º n.º 06S3956, relator: Sousa Grandão[[42]] e de 14/04/2010, proc.º n.º 35/05.7TBSRQ.L1.S1, relator: Pinto Hespanhol [[43]], ambos em www.dgsi.pt[[44]].
A apreciação da existência de uma situação de «negligência grosseira» é feita em concreto, em termos casuísticos, com referência ao caso particular em presença e não em função de um tipo abstrato de comportamento, conforme defende o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/01/2007, proc.º n.º 664/04.6TTVFR.C1, relator: Fernandes da Silva, em www.dgsi.pt (Sumário):
«I– Dispõe a LAT (art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13/09) que não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, como tal se considerando o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
II– O preenchimento casuístico dessa noção aberta há-de fazer-se necessariamente ante a análise e avaliação do caso concreto e das suas reais circunstâncias, não deixando todavia de sobrar para o intérprete uma margem de intangível subjetividade no que concerne à ponderação-limite do que seja, em cada caso, a fronteira entre o espírito de bem cumprir, com eficácia e competência, abnegação ou heroísmo, e os excessos imponderados, de clara temeridade, por inexistência ou deficiente cálculo do risco, medianamente reconhecido, em abstrato, como desaconselhado à luz dos mais elementares princípios de prudência e devida previsibilidade.
III– Devendo entender-se por “temerário” um comportamento perigoso, arriscado, imprudente, audacioso, arrojado, que não tem fundamento, à conduta acolhida na figura da “negligência grosseira” corresponderá uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares.
IV– E a exclusão da cobertura/reparação infortunística será a solução certa uma vez provado que o sinistro é consequência exclusiva de um ato ou omissão temerários, em alto e relevante grau, por parte do sinistrado, injustificado pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos e costumes da profissão.» (cf., ainda, Cruz de Carvalho, obra citada, pág. 53, Carlos Alegre, obra citada, pág. 187, Nota 3 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9/01/2008, proc.º n.º 07S3419, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt, bem como o Parecer da Procuradoria-geral da República publicado no D.R. de 24/12/1987, n.º 295, II Série, págs. 14657, indicado e analisado por Júlio Gomes, obra citada, págs. 244 e 245, Nota 543).[[45]]
N- SITUAÇÃO DOS AUTOS:
Fazendo o cruzamento dos factos com a interpretação da alínea b) do número 1 do artigo 14.º da Lei atual dos Acidentes de Trabalho e fazendo apelo ao que já se disse anteriormente, em sede da não verificação no caso em análise dos requisitos e elementos típicos da outra causa de exclusão da reparação dos danos (violação injustificada das condições de segurança), afigura-se-nos possível transpor para aqui uma parte da argumentação aí desenvolvida, de maneira a concluirmos que não só ficou demonstrada que a causa do sinistro dos autos teve na sua origem um ato involuntário e reflexo do Autor (tropeção e busca intuitiva de reequilíbrio) [[46]], como, ainda que se queira valorar negativamente o posicionamento do mesmo na zona de operações da grua, não lhe é possível ainda assim imputar a verificação do acidente de trabalho dos autos, em termos de falta grave, indesculpável, leviana, fortemente censurável, bem como em sede de causalidade exclusiva, pois para tal contribuiu não apenas o referido tropeção como ainda o seu colega e manobrador do aludido equipamento, que o terá feito em circunstâncias que ficaram, em parte, por apurar[[47]].
Sendo assim, mostrando-se afastada esta causa de exclusão da reparação do sinistro dos autos, tem este recurso de Apelação da BB, S.A. de ser julgado improcedente na sua totalidade, com a confirmação da sentença recorrida.
IV– DECISÃO:
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de Apelação interposto por BB, S.A., confirmando-se, nessa medida, a sentença recorrida.
*
Custas a cargo da BB, S.A. – artigo 527.º, número 1, do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 02 de dezembro de 2015
José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Eduardo Azevedo
[1]O Autor veio, a fls. 368 e 369, aditar o seu requerimento probatório, que, não obstante a oposição da 2.ª Ré (fls. 371 a 375), veio a ser admitido por despacho judicial de fls. 376.
A Ré CC, LDA veio apresentar o requerimento probatório de fls. 394 a 397, que foi admitido por despacho judicial de fls. 398, no que toca ao aditamento de uma nova testemunha, dado o restante teor de tal rol já constar do anterior requerimento probatório, que havia já sido deferido pelo tribunal da 1.ª instância. [2]As diversas situações previstas no artigo 14.º da NLAT – com exceção da atuação dolosa do sinistrado constante da 1.ª parte da alínea a) do seu número 1 – não retiram a natureza de acidente de trabalho ao sinistro mas, tão-somente, exoneram as potenciais entidades responsáveis de o reparar – neste sentido José Augusto Cruz de Carvalho, «Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», Legislação Anotada, 2.ª Edição Atualizada, Petrony, 1983, páginas 47 e 48, citando Cunha Gonçalves, “Responsabilidade Civil pelos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Coimbra Editora, 1939, página 183 e Carlos Alegre, obra citada, página 59. [3]Não podemos deixar, no que respeita a esta complexa problemática, de fazer uma menção especial ao estudo do Professor Júlio Gomes, “O Acidente de Trabalho – o acidente in itinere e a sua descaracterização”, Coimbra Editora, Outubro de 2013. [4]Cfr. obra citada, págs. 209 e seguintes. [5]Segundo tal autor, a aceitação da negligência em tal contexto coexistia com «uma consciência clara de que não era qualquer negligência que podia afastar a reparação dos danos resultantes de um acidente de trabalho». [6]O corpo do art.º 2.º e o n.º 2 da Lei n.º 1.942 estipulavam o seguinte: «Não é acidente de trabalho, embora caiba em alguns dos números do art.º anterior: (…) 2.º O que provier de ato ou omissão da vítima contra ordens expressas, e logo propositadamente infringidas, das pessoas a quem estiver profissionalmente subordinada, ou de ato seu em que se diminuam as condições de segurança do trabalho estabelecido pela entidade patronal ou exigidas pela natureza particular do trabalho».
A. Veiga Rodrigues, em «Acidentes de Trabalho - Anotações à Lei n.º 1942», Coimbra Editora, 1951 (Lei n.º 1942, de 27/07/1936), acerca da segunda parte de tal disposição, afirma, na pág. 30, o seguinte: «Na segunda parte do n.º 2, refere-se a lei a atos da vítima pelos quais diminua as condições de segurança do trabalho. Alude-se manifestamente às imprudências e temeridades inúteis, indesculpáveis, mas voluntárias, embora não intencionais que constituem a «falta indesculpável» do direito francês.»
Logo, essa segunda parte da regra do n.º 2 constitui o “antepassado legal” da atual atuação com negligência grosseira, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 14.º, não se confundindo, nessa medida, com a segunda parte da al. a), aqui em estudo. [7]Expressão que é da nossa autoria e não do Prof. Júlio Gomes. [8]Não se achando incluídas, por essa via, as normas legais correspondentes, tudo se passando no recato do ordenamento jurídico interno que emana e vigora entre muros das fábricas e outros estabelecimentos dos empregadores. [9]Cfr., a este respeito e no regime laboral em vigor, os art.ºs 97.º e 99.º do Código do Trabalho de 2009. [10]Refira-se, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/98, proc.º n.º 206/98 (inédito), cujo Sumário foi publicado na Atualização n.º 56, de 01/07/98 a 30/10/98, do Prontuário do Direito de Trabalho, edição do Centro de Estudos Judiciários, pág. 21: «III - A violação pelo sinistrado de regras de segurança estabelecidas em diploma legal não se enquadra nessa alínea - alínea a) da Base VI da LAT - cabendo, antes, na previsão da alínea b) dessa Base.
IV-Esta al. b), ao exigir que a falta seja, além de grave, indesculpável, tem por finalidade acentuar o elevado grau de responsabilidade e censurabilidade do comportamento objetivador dessa falta, pelo que o ato praticado deve revelar uma negligência grosseira».
Também no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2012, proc.º n.º 54/03.8TBPSR.E1, relator: Gonçalves Rocha, em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário parcial:
«I– Nos termos da alínea a) do n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2127, não dá direito a reparação o acidente provocado por conduta intencional e deliberada do sinistrado e que desta forma pratica não só o ato determinante do acidente mas também deseja ou se conforma com todas as suas consequências (1.ª parte) e o acidente que provier de ato ou omissão do sinistrado que importe, sem causa justificativa, violação das regras de segurança estabelecidas pelo empregador (2.ª parte).
II– No entanto, a violação de regras de segurança resultantes da lei ou regulamentos relativos a trabalhos industriais, só será apta a descaracterizar o acidente quando seja enquadrável na alínea b), impondo-se assim que a violação destas normas de segurança assuma a natureza dum comportamento temerário do sinistrado, inútil para o trabalho, indesculpável e reprovado pelo mais elementar sentido de prudência. (…)» [11]«3. Carece de fundamento legal a descaracterização do acidente ao abrigo da 2.ª parte da alínea a) do n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, já que não se apurou a existência de regras de segurança estabelecidas pela ré empregadora.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/4/2010, proc.º n.º 35/05.7TBSRQ.L1.S1, relator: Pinto Hespanhol, em www.dgsi.pt (Sumário). [12]Não se pode falar em violação das ordens do empregador relativas às condições de segurança quando o empregador mandou colocar o capacete de proteção ao trabalhador e este vem a morrer de uma queda em altura, para o qual o dito equipamento não constituía o meio de prevenção adequado.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/4/2005, proc.º n.º 9978/2004-8, relator: Ferreira Marques, em www.dgsi.pt, afirma o seguinte (Sumário): «As medidas de segurança a adotar por parte da entidade patronal devem ser tomadas não apenas em função da simplicidade ou complexidade do trabalho, mas fundamentalmente em função dos perigos que podem advir da realização do trabalho, seja ele simples ou complexo.»
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2007, proc.º n.º 07S053, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt. (Sumário parcial):
«II- A previsão legal constante da referida norma não pretende abarcar todas e quaisquer condições de segurança – onde quer que elas venham previstas e independentemente dos seus destinatários –, antes se reporta às condições de segurança ligadas com a própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua atividade laboral.»
Por seu turno, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1/7/2009, proc.º n.º 823/06.7TTAVR.C1.S1, relator: Mário Pereira, em www.dgsi.pt (decisão tirada por maioria) refere, nos Pontos VIII e IX do seu Sumário o seguinte:
«VIII - As condições de segurança a que alude o referido preceito são as normas ou instruções que visam acautelar ou prevenir a segurança dos trabalhadores, visando eliminar ou diminuir os riscos ou perigos para a sua saúde, vida ou integridade física.
IX– Tendo a entidade empregadora dado instruções ao sinistrado para a descarga das paletes de abobadilhas ser feita, diretamente, do camião para o solo e, só posteriormente, as abobadilhas serem transportadas para a placa (do imóvel em construção), consoante o «andamento dos trabalhos», o que o sinistrado conhecia, não é possível concluir, sem mais, que tais instruções se destinassem, por via direta ou indireta, a acautelar ou proteger a segurança dos trabalhadores intervenientes na operação de descarga das abobadilhas do camião (podiam, por exemplo, tais instruções destinarem-se à organização e planificação da obra de construção que a empregadora levava a cabo).» - Cfr., no sentido defendido no texto, ainda o Acórdão do de 14/1/2009, proc.º n.º 08S2055, relator: Vasques Dinis (Pontos II e III do Sumário) e Júlio Gomes, obra citada, pág. 217, nota 486. [13]Cruz de Carvalho, obra citada, pág. 50, defendia, no âmbito da LAT: «Assim, não estão ali compreendidos não só os atos involuntários, como até os cometidos com violação daquelas condições de segurança, por espírito de abnegação e sentimento de caridade ou impulso meramente instintivo ou altruísta de salvar outrem, ou com o intuito de beneficiar o patrão, ou ainda os devidos a imprudência ou imprevidência resultante do longo hábito ou contacto diário com o perigo».
Acerca deste outro requisito, continua Carlos Alegre, obra e local citado (NLAT): «2.ª Que a violação das condições de segurança sejam sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do ato ou omissão; a causa justificativa ou explicativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à atividade laboral: pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta.»
Diremos, na sequência do que já antes deixámos refletido, que a posição assumida pelo primeiro autor é compreensível face ao carácter aberto do conceito indeterminado “sem causa justificativa”, que vigorava no quadro da LAT mas, apesar de absolutamente pertinente, razoável e justo, já não parece fácil de sustentar, como faz Carlos Alegre, no seio da NLAT, perante o teor do então n.º 1 do art.º 8.º do Decreto-Lei 143/99, de 30/04, que não acolhe muitas das situações indicadas pelos dois autores transcritos.
Júlio Gomes, obra citada, págs. 234 e 235, a este respeito, reclama o seguinte: «Pensamos ser, com todo o respeito, incompreensível, interpretar a lei como se a única causa justificativa da violação das condições de segurança fosse, exclusivamente, o desconhecimento, sem culpa, das regras de segurança ou a impossibilidade ou dificuldade em apreender o seu conteúdo. Concorrendo com a violação culposa de regras de segurança pelo sinistrado podem existir uma multiplicidade de fatores, ligados à gestão e organização, à supervisão do trabalho, à falta de formação ou de informação, às condições de trabalho (a monotonia ou o stress, a fadiga, uma deficiente ergonomia, para mencionar apenas alguns exemplos), que podem ter contribuído causalmente e/ou ter que ser ponderados quando se afere da gravidade da culpa do trabalhador.»
Afigura-se-nos como absolutamente pertinente a questão suscitada por este autor, que, contudo, será facilmente ultrapassável, se não olharmos o n.º 2 do art.º 14.º como uma norma que pretende circunscrever às hipóteses ali previstas a existência de causa justificativa, ou seja, se a não qualificarmos como uma regra fechada e taxativa, mas antes como uma disposição que, salvaguardando outras situações “caracterizadoras” (perdoe-se-nos a expressão) do acidente como de trabalho, reflete a necessidade que o legislador teve em referenciar expressamente aqueles casos. [14]Cfr., a este respeito, João Nuno Calvão da Silva, “Segurança e saúde no trabalho - a responsabilidade civil do empregador por atos próprios em caso de acidente de trabalho», texto publicado na obra coletiva “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita”, Volume II, 2009, Coimbra Editora, págs. 908 e seguintes, por referência, designadamente, à Diretiva 89/391/CEE e a uma obrigação genérica de segurança e ao dever de vigilância como dimensão essencial de tal obrigação, que, para o autor, é uma obrigação de resultado.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/11/2013, Proc.º n.º 481/09.7TTVRL-A.P1, relator: Eduardo Petersen Silva, em www.dgsi.pt, se bem que no âmbito da responsabilidade agravada da entidade patronal, sustenta o seguinte (Sumário parcial):
«I-Ainda que uma moto-roçadora seja de venda livre, é uma máquina objetivamente perigosa, apta a causar ofensa grave no corpo humano, que obriga o empregador a dar formação adequada aos trabalhadores sobre a distância de segurança, referenciada pelo fabricante, a observar em relação a outros trabalhadores, e que obriga o empregador a organizar os trabalhos em campo de modo a que tal distância seja observada.»
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2012, proc.º n.º 335/07.1TTLRS.L1.S1, relator: Pinto Hespanhol, em www.dgsi.pt, ainda que também no âmbito da culpa da entidade empregadora (atual art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09), afirma o seguinte, em parte do seu Sumário:
«1. Provando-se a falta de um plano de segurança para a fase de execução da obra em curso e a omissão do dever de informar e esclarecer os trabalhadores, incluindo o sinistrado, sobre os comportamentos a adotar e as regras de segurança a observar na execução dos trabalhos que desenvolviam, impõe-se concluir que a entidade empregadora violou o disposto nos art.ºs 273.º, n.º 2, alíneas a), b), n) e o), do Código do Trabalho de 2003, 5.º, n.ºs
4,e 22.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, e 8.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro.
2.Porém, não se extraindo dos factos provados qualquer vinculação causal entre a falta, no plano de segurança, da análise de riscos para os trabalhos em curso, a falta de informação e formação do sinistrado, e a queda que o vitimou, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilização da empregadora, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.» - Cfr., ainda, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/6/2005, proc.º 119/05, relator: Serra Leitão, em www.dgsi.pt (Ponto III do Sumário), do Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/2006, Rec.º 3228/05-4, relator: Sousa Peixoto, em CJ/S.T.J., 2006, Tomo I, pág. 247 e também em “Acidentes de Trabalho – Jurisprudência 2000-2007”, Edição da Coletânea de Jurisprudência, pág. 134, de 29/11/2006, proc.º n.º 06S1543, relator: Vasques Dinis, do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/6/2007, Rec.º 30/07, relator: José Feteira, em CJ, 2007, Tomo III, pág. 157 e “Acidentes de Trabalho – Jurisprudência 2000-2007”, Edição da Coletânea de Jurisprudência, pág. 153 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/9/2012, relatora: Isabel Tapadinhas, referido por Júlio Gomes, obra citada, págs. 138 e 139, Nota 313. [15]Para aqueles que contraponham a tal afirmação os deveres correspondentes do trabalhador – conforme resultam, aliás, entre outras normas, das alíneas e) e j) do art.º 128.º e do n.º 7 do art.º 281.º do Código do Trabalho –, configurando-o como um “devedor de segurança”, remete-se para o que o Professor Júlio Gomes contrapõe, a esse propósito, a fls. 248 a 251, invocando, para o efeito e igualmente a Diretiva 89/391/CEE.
Abílio Neto, em «Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», Anotado, 1.ª Edição, Fevereiro de 2011, EDIFORUM, Lisboa, pág. 40, Nota 3, afirma que «nos termos do n.º 3 do art.º 17.º da Lei n.º 102/2009, de 10/9, que define o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, “as obrigações do trabalhador no domínio da segurança e saúde nos locais de trabalho não excluem as obrigações gerais do empregador, tal como se encontram definidas no art.º 15.º” daquela mesma Lei».
Veja-se, a esse respeito, o procedimento cautelar de proteção da segurança, higiene e saúde no trabalho regulado nos art.ºs 44.º a 46.º, 32.º e 33.º do Código do Processo do Trabalho.
A posição expressa no texto não significa, naturalmente que, como bem afirma Albino Mendes Batista, em “Acidentes de trabalho: contexto social, processo e cultura dos tribunais”, texto publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, n.ºs 79/80/81, 2008, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, págs. 135 a 156, se subscreva «o discurso que impute toda a responsabilidade em matéria de segurança e saúde no trabalho aos empregadores e às empresas. A segurança e saúde no trabalho exigem um esforço concertado dos governos, dos empregadores, dos trabalhadores e da comunidade em geral». (pág. 137) [16]Júlio Gomes, obra citada, pág. 222, nota 502, reproduz um excerto do Relatório de Elsa Marina Roda Dias Oliveira, intitulado “Da “Descaracterização” dos Acidentes de Trabalho”, pág. 34, que vai nesse preciso sentido. [17]O calcanhar de Aquiles da generalização de tal tese radica-se, como já vimos, na impossibilidade do empregador determinar em toda a sua extensão, com referência a trabalhadores de serviço externo, as condições de segurança a que os mesmos estão vinculados e de controlar, a cada momento, o seu efetivo cumprimento. [18]Cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/6/2009, proc.º n.º 1321/05.1TBAGH.S1, relator: Bravo Serra, em www.dgsi.pt (Sumário parcial): «VII – Não configura a existência de ordens ou instruções proibitivas do acesso dos trabalhadores à zona da «cabeça» da máquina quando esta se encontrava em funcionamento, e a que o sinistrado desobedeceu ao ir apor a «cola» junto dos roletes da zona da cabeça, mas tão só informação dos perigos desse acesso, se apenas ficou apurado que não era habitual os trabalhadores da empregadora colocarem «cola» ou efetuarem qualquer trabalho de manutenção da máquina na zona da «cabeça» do tapete com o equipamento a funcionar, tendo já a empregadora informado os seus trabalhadores, incluindo o autor, do perigo de trabalharem naquela zona e para ali não trabalharem com a máquina em funcionamento, e que os trabalhadores são informados das tarefas que têm de desempenhar, como devem desempenhá-las e dos cuidados que devem ter no desempenho.
VIII–Não se tendo provado a existência de ordens ou instruções expressas da empregadora a que o sinistrado desobedeceu, não cobra aplicação o que se consagra na alínea a) do n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e no n.º1 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que aquela regulamentou.» - cfr. também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2008, proc.º n.º 1893/08 - 4.ª Secção, relator: Sousa Grandão, em Sumários da Secção Social do ano de 2008, publicados no sítio do Supremo Tribunal de Justiça (Ponto IV do Sumário). [19]Cfr., também, Nota 499, a págs. 221, do mesmo estudo e autor, que transcreve um excerto da obra de Milena Silva Rouxinol, A obrigação de Segurança e Saúde do Empregador, Coimbra Editora, 2008, págs. 197 e 198, relativamente a essa mesma problemática: «Imagine-se, v. g., que um trabalhador a quem foi dirigida a ordem de uso de um equipamento de proteção, o qual lhe foi entregue, não a cumpre, vindo a sofrer danos, decorrentes da exposição a substâncias nocivas, verificando-se, todavia, que o empregador não adotou medida alguma que lhe permitisse certificar-se do acatamento da instrução dada. Entendemos que a hipótese descrita configura um caso de concurso relevante, nos termos do art.º 570.º do Código Civil de culpa do lesado».
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1/10/2008, Rec.º n.º 1040/08-4.ª, relator: Vasques Dinis, em Sumários do ano de 2008, publicados no sítio do Supremo Tribunal de Justiça, refere o seguinte: «V - A lei impõe ao empregador deveres relativos à identificação dos riscos previsíveis nos proc.ºs de trabalho, medidas para a sua anulação e minimização, e, tratando-se de trabalhos de engenharia civil, a efetuar por uma só empresa, a nomeação de um “diretor da obra”, com a função de controlar a correta aplicação dos métodos de trabalho.» - em sentido aparentemente contrário, o Acórdão do STJ de 19/10/2005, proc.º n.º 05S1918, relator: Pinto Hespanhol, em www.dgsi.pt (Ponto IV do Sumário). [20]Cfr., no mesmo sentido dos textos reproduzidos, José Andrade Mesquita, “Acidentes de Trabalho”, texto publicado na obra coletiva “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita”, Volume II, 2009, Coimbra Editora, págs. 169 a 195, com especial relevo para as págs. 189 e 190 e, aparentemente, Sérgio da Silva Almeida, estudo citado, pág. 183.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/9/2009, proc.º n.º 323/04.0TTVCT.S1, relator: Sousa Peixoto, em www.dgsi.pt, afirma o seguinte no primeiro Ponto do seu Sumário: «1. A violação, sem causa justificativa, por parte do sinistrado, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei constitui um fundamento autónomo da descaracterização do acidente de trabalho, independentemente da intensidade da culpa com que o sinistrado tenha atuado.» [21]Júlio Gomes, obra citada, págs. 226 e 227, acerca da circunstância desta causa de exclusão da reparação se encontrar na mesma alínea do acidente dolosamente provocado pelo sinistrado, afirma o seguinte: «Este elemento sistemático é importante, porque ilustra bem que estas situações de violação das condições de segurança contempladas pela lei são aquelas suficientemente graves para terem sido quase “equiparadas” ao dolo» [22]Pode-se estar obrigado a uma conduta que, propositadamente, se omite. [23]Em sentido oposto e entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/09/2009, proc.º n.º 323/04.0TTVCT.S1, relator: Sousa Peixoto, de 17/5/2007, proc.º n.º 07S053, relator: Sousa Grandão, de 3/6/2009, proc.º n.º 1321/05.1TBAGH.S1, relator: Bravo Serra, de 28/11/2012, proc.º n.º 181/07.2TUFIG.C1.S1, relator: Pinto Hespanhol e de 29/10/2013, proc.º n.º 402/07.1TTCLD.L1.S1, relator: Mário Belo Morgado, bem como os do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/4/2005, proc.º n.º 9978/2004-8, relator: Ferreira Marques, e de 16/5/2007, proc.º n.º 2221/2007-4, relatora: Maria João Romba, todos em www.dgsi.pt. [24]Cfr. o que diz, no quadro da Lei n.º 1942, o Dr. Veiga Rodrigues, obra citada, pág.29, acerca da consciência do ato voluntário que se pratica, sem que o agente se aperceba e deseje as suas consequências.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/6/2005, proc.º n.º 1740/04, relator: Paiva Gonçalves, em CJ/S.T.J., Ano XII, 2004, Tomo II, pág. 285, no ponto II do seu Sumário afirma o seguinte: «Mas, não se provando que o sinistrado tivesse intencionalmente violado, por omissão, as regras de segurança, designadamente a não utilização do cinto de segurança, nem que o sinistro, queda de uma altura de 6 metros, foi consequência necessária da falta de utilização do cinto de segurança, não se mostra o acidente descaracterizado».
Já o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/4/2005, proc.º n.º 9978/2004-8, relator: Ferreira Marques, em www.dgsi.pt, refere que a violação das condições de segurança impõe uma «atuação voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa da vítima» (sublinhados nossos). [25]À imagem do que já fazia no quadro dos dois anteriores diplomas referidos (LAT e NLAT). [26]Este autor, obra citada, págs. 232 e 233, Nota 521, acerca da solução do “tudo ou nada” do regime descaracterizador do art.º 14.º, «parecia pressupor que eram extremamente excecionais os casos em que a culpa da vítima era tão grave que se justificava a exclusão, e não a mera redução, das prestações». [27] Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, “Teoria Geral das Obrigações”, 2.ª Edição, Almedina, 1963, págs.340 e seguintes: «…culpa lata é a negligência grosseira, escandalosa, intolerável…, aquela em que só cai um homem extraordinariamente desleixado; culpa leve é a negligência em que não incorreria um bonus pater famílias, culpa levíssima é a negligência em que só não versaria um homem extraordinariamente zeloso (um diligentissimus pater familias), correspondendo aqueles pecadilhos que podem excluir a santidade mas não a virtude». [28]Cfr., neste sentido, a seguinte jurisprudência dos nossos tribunais superiores, muito embora a mesma seja minoritária:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/6/2004, proc.º n.º 1740/04, relator: Paiva Gonçalves em C.J./S.T.J., 2004, Tomo II, pág. 285 (Sumário parcial): «II – Mas, não se provando que o sinistrado tivesse intencionalmente violado, por omissão, as regras de segurança, designadamente, a não utilização do cinto de segurança, nem que o sinistro, queda de uma altura de 6 metros, foi consequência necessária da falta de utilização do cinto de segurança, não se mostra o acidente descaracterizado». (cfr., também, do mesmo Juiz-Conselheiro, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/6/2005 referido na Nota de Rodapé 60).
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/04/2006, proc.º n.º 43/06, relator: António Martins em C.J., 2006, Tomo II, pág. 56 e Jurisprudência Acidentes de Trabalho, págs. 120 a 123 refere o seguinte no seu Sumário: «I - Tendo havido uma violação de regras de segurança pelo trabalhador, é necessário, para haver descaracterização dum acidente de trabalho, que tal violação tenha sido consciente. II – Assim, se uma máquina, onde se deu um acidente, não foi desligada por mero esquecimento, tal comportamento do trabalhador não é suficiente para conduzir à não reparação desse sinistro».
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/05/2007, proc.º n.º 105/04.9TTAVR.C1, relator: Serra Leitão, em www.dgsi.pt, refere o seguinte em parte do seu Sumário: «II – De acordo com o disposto no art.º 7.º, n.º 1, al. a), da LAT, não dá direito à reparação o acidente que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de um seu ato ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou pela lei.
III– Não resultando a demonstração de que o sinistrado tenha, de forma intencional e dolosa, infringido quaisquer normas de segurança, afastada fica a possibilidade de descaracterização do acidente.»
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/6/2004, Rec.º n.º 1893/08-4.ª, relator: Sousa Grandão, Sumários, Dezembro/2008, no sítio do Supremo Tribunal de Justiça (Sumário parcial): «I – A descaracterização do acidente de trabalho, co m esteio na al. a), do n.º 1 do art.º 7.º, da LAT exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: que se evidencie uma conduta do sinistrado, por ação ou por omissão, suportada por uma vontade dolosa ou intencional na sua adoção; que existam condições de segurança, impostas por lei ou pelo empregador, e que as mesmas tenham sido desprezadas pelo acidentado, sem causa justificativa.
II– Da previsão normativa em análise mostram-se excluídas as chamadas culpas “leves”, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimentos ou outras atitudes que se prendem com os atos involuntários, resultantes, ou não, da habituação ao risco.
III– Não pode afirmar-se o preenchimento desta hipótese de descaracterização se os autos não fornecem o menor elemento que habilite a afirmar a natureza volitiva – e, consequentemente, o seu grau – da omissão do sinistrado em colocar guarda-corpos na plataforma de trabalho de que veio a cair.
IV– Uma vez que a obrigação de colocação de guarda -corpos – no âmbito genérico das regras de segurança a implementar – recaía sobre o empregador, o sinistrado só poderia ser responsabilizado pela sobredita omissão se provado estivesse que tal colocação integrava uma das tarefas a seu cargo ou, pelo menos, que recebera ordens do empregador nesse sentido.»
-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/2/2010, Proc.º n.º 747/04.2TTCBR.C1.S1, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt (Sumário parcial):
«I– A descaracterização do acidente de trabalho, nos termos previstos no art.º 7.º, al. a), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, exige a verificação cumulativa das seguintes condições: que se evidencie uma conduta do sinistrado, por ação ou omissão, suportada por uma vontade dolosa ou intencional na sua adoção; que existam condições de segurança, impostas por lei ou pelo empregador, e que as mesmas tenham sido desprezadas pelo acidentado sem causa justificativa.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/12/2012, proc.º n.º 686/10.8TTLRS.L1-4, relator: Jerónimo Freitas, em www.dgsi.pt e também no E-book “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. Introdução”, de Julho de 2013, Coleção Formação Inicial, Jurisdição de Trabalho e Empresa, CEJ, págs. 89 e 90, no sítio do Centro de Estudos Judiciários (Sumário parcial):
«I.A causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1, a conjugar com o n.º 2, do art.º 14.º, da Lei n.º 98/2009, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) que se trate de uma conduta do acidentado, seja ela por ação, seja por omissão; (ii) que essa conduta seja representativa de uma vontade do mesmo iluminada pela intencionalidade ou dolo na adoção dela; (iii) que inexistam causas justificativas, do ponto de vista do acidentado, para a violação das condições de segurança; (iv) que existam, impostas legalmente ou por estabelecimento da entidade empregadora, condições de segurança que foram postergadas pela conduta do acidentado”.
II.Sendo um dos requisitos exigidos, a voluntariamente na violação das regras de segurança, quer legais quer estabelecidas pela entidade patronal, ficam excluídos da descaracterização os atos ou omissões que resultem as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os atos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco.» [29] «I - Constatando-se que o acidente de trabalho se ficou a dever, não apenas à imprevidência das vítimas, mas também à atuação de um outro trabalhador e de um terceiro, não poderá considerar-se verificada a descaracterização do acidente com o fundamento previsto no art.º 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que exige que ele seja imputável exclusivamente à negligência grosseira do sinistrado;
II-No condicionalismo referido na anterior proposição, pode, todavia, considerar-se descaracterizado o acidente, com fundamento no art.º 7.º, n.º 1, alínea a), da mesma Lei, desde que tal acidente provenha de um ato do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança que tenham sido estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, não se exigindo aqui o requisito da exclusividade da imputação da ocorrência ao sinistrado.
III- (…)»
João Nuno Calvão da Silva, obra citada, págs. 939 e 940 vai no mesmo sentido ao afirmar o seguinte: «Na verdade, parece-nos de admitir o concurso da culpa da vítima com a culpa ou risco da entidade patronal, salvo quando o acidente provenha única e exclusivamente do dolo ou falta de zelo indesculpável do trabalhador. Dito de outro modo, sempre que o acidente laboral ocorra em virtude da culpa/risco do empregador e de facto culposo (grave) do trabalhador, deve o juiz ponderar as culpas (ou o risco, no caso do empregador) de ambas as partes na situação concreta, nos termos do art.º 570.º do Código Civil, a fim de reduzir ou excluir o montante indemnizatório. Visa-se, assim, sancionar a culpa qualificada do trabalhador, pois não seria conforme aos imperativos da boa fé que quem culposamente (culpa grave!) provoca o dano, exija depois a sua reparação por inteiro. Por outro lado, a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas legalmente ou pela entidade patronal (art.º 7.º, n.º1, al. a), parte final, da LAT) pode também excluir o direito à reparação do trabalhador, nos termos do art.º 570.º». [30]«I – Nos casos a que se dirige a previsão da al. a) do n.º 1, do art.º 7.º da LAT, não dá direito a reparação o acidente que provier de ato ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei; nos casos a que se dirige a previsão da al. b) do citado preceito, não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
II– Como regra, a descaracterização do acidente, com perda do direito à reparação, há-de provir exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado: havendo concorrência de culpas (causal do acidente), fica necessariamente afastada a descaracterização.
III– Por igualdade de razões, não pode deixar de concluir-se que, para o funcionamento eficaz da previsão da al. a), o ato ou omissão do sinistrado, de que provem o acidente, que importe a tal violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, só relevará sendo causa única do acidente.» [31]Aí se podendo ainda sustentar a essencialidade da referida violação, em termos da mesma ser determinante ou decisiva para a eclosão do resultado, ou não lhe dar qualquer primazia em termos de causalidade, bastando a sua existência, em cumulação com as outras condutas ou razões despoletadoras do evento infortunístico laboral. [32]Júlio Gomes, obra citada, pág. 221, Nota 499, em comentário ao excerto aí publicado, que é da autoria de Milena Silva Rouxinol, afirma o seguinte: «A nossa única divergência é que, em vez de aplicar o art.º 570.º do Código Civil entenderíamos que a culpa do empregador implicaria a quebra do nexo de “causalidade” entre a conduta do trabalhador e o acidente, pelo menos no sentido de que a conduta do trabalhador já não seria a causa exclusiva do acidente.» (sublinhado nosso) [33]Aparentemente contra, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 1/6/2010, proc.º n.º 48/08.7TCFUN.L1-7, relator: Luís Espirito Santo, em www.dgsi.pt (ponto IV do Sumário). [34]Os factos provados e não provados com relevância para esta matéria são os seguintes:
«1)O Autor nasceu em 27-05-1955 e foi admitido a trabalhar para a 2.ª Ré em 01-06-2003, por contrato de trabalho, para exercer as funções inerente à categoria profissional de motorista de pesados.
3)O local de trabalho do Autor era nas instalações da DD, S.A., sita na (…);
5)Normalmente era o Autor que executava os trabalhos de carga e descarga de mercadoria e/ou cisternas.
6)O Autor tinha experiência e cuidado na execução do seu trabalho, em particular na utilização e manobra da grua lateral do semirreboque.
7)Desde a admissão em 1), nunca tinha sido vítima de acidente rodoviário ou de trabalho.
8)O Autor foi arguido no âmbito do processo sumaríssimo que, com o n.º (…), correu termos pelo Tribunal Judicial de S. Roque do Pico e no qual, viria a ser condenado:
a)Na pena de multa de 70 dias, à razão diária de € 6,00, perfazendo um montante global de € 420,00, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1 do Código Penal.
b)Na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 3 meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
c)Foi concedido ao arguido, ora Autor, o prazo de 10 dias para proceder à entrega das cartas e licenças de condução de que fosse titular, na Secretaria do Tribunal ou em qualquer Posto Policial, pelo que o Autor deveria entregar essas cartas e licenças até ao dia 20/06/2013.
9)Em 13 de Junho de 2013, a 2.ª Ré celebrou com o motorista de pesados, Sr. EE, um contrato de trabalho a termo incerto com a seguinte motivação: “CLAUSULA 5.ª (Duração, Vigência e Motivação) Este contrato é celebrado a termo incerto, nos termos da alínea a) do número 2 do art.º da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro que aprovou o novo Código de Trabalho, iniciando-se a 13 de Junho de 2013 e durará pelo tempo necessário á Substituição do trabalhador AA, que irá entrar no gozo das suas férias vencidas e ainda não gozadas, logo após um período de acumulação de funções com o motorista de pesados que o irá substituir, para o que se prevê não ser necessário mais de duas semanas.”
10)O Autor ia iniciar o seu período de férias a 25 de Junho de 2013.
11)Em 24 de Junho de 2013 era convicção da 2.ª Ré que o Autor já se encontrava no gozo das suas férias.
12)Em 24-06-2013, cerca das 16:30hrs., o Autor foi interveniente em sinistro no seu local de trabalho que resultou na amputação traumática dos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º dedos da mão esquerda.
13)Tal situação determinou-lhe uma incapacidade permanente parcial de 14,52%.
14)No momento aludido em 12), o Autor estava a auxiliar o colega nos trabalhos de carregamento de uma cisterna de óleo alimentar vazia para o semirreboque com grua HAMMAR, modelo 195HF, para outro local, onde se encontrava o cavalete, no qual seria depositada a referida cisterna.
15)Tais trabalhos estavam a ser executados junto ao portão dois da fábrica de conservas da DD, S.A., na zona de cargas e descargas.
16)A manobra consistia em elevar a cisterna de óleo alimentar para o semirreboque através da grua lateral HAMMAR.
17)A manobra estava a ser executada por EE.
18) EE encontrava-se por detrás do veículo a manobrar a grua através de comando remoto por cabo.
19)Quando o Autor se deslocou junto à parte lateral direita do semirreboque com o intuito de retirar os ganchos das correntes utilizadas na elevação da cisterna através da grua do camião, tropeçou e, numa tentativa de se equilibrar, colocou a mão esquerda na zona de descida do braço da grua (zona de encosto do braço da sapata de apoio/estabilizador) para se apoiar e assim evitar a queda.
20)Foi nesse momento que o braço da grua encostou ao respetivo apoio, ocorrendo a amputação aludida em 12).
21)Na execução dessa manobra de recolha do braço da grua (sapata), não conseguia ver o Autor junto da zona onde o braço da sapata/estabilizador estava a ser recolhido.
22)O Autor sabia, pela sua experiência a manobrar a máquina, que não poderia estar, como ninguém poderia, na área de trabalho da máquina por razões de segurança.
23)O Autor beneficiou de formação profissional aquando a sua contratação, embora após a mesma, este e o seu colega de serviço, enquanto estiveram ao serviço da 2.ª Ré, não frequentaram qualquer ação de formação profissional ou de segurança e saúde no trabalho.
24)O Autor e EE, com a ressalva aludida em 23), não beneficiaram de formação para a operação das gruas do side-loader da HAMMAR 195 HF.
25)O equipamento de elevação de contentores, genericamente designado por grua, à data do acidente, não dispunha de sinalização acústica, nem luminosa intermitente, que entrasse em funcionamento durante a operação da grua.
26)Após o evento mencionado em 12), o Autor foi de imediato transportado para o Centro de Saúde da Madalena e dali transferido para o Hospital da Horta, onde permaneceu aproximadamente 3 semanas.
IV– B) FACTOS NÃO PROVADOS COM INTERESSE PARA A CAUSA i) Celebrado o contrato mencionado em 9), a 2.ª Ré comunicou, reiteradamente ao Autor, que poderia entrar imediatamente no gozo das suas férias. ii) Que a convicção da 2.ª Ré sobre o gozo das férias aludidas em 11) era que estas decorriam há mais de uma semana. iii) Era o Autor quem manobrava a máquina encontrando-se junto ao lado direito do veículo porque a grua sai pelo lado esquerdo. iv) O asfalto onde tropeçou é liso e livre de obstáculos. v) Tinha, no momento aludido em 19), outros locais mais adequados para colocar a mão e amparar a queda. vi) A 2.ª Ré, só após a ocorrência do acidente, colocou no veículo onde se deu o sinistro, as fichas de segurança no trabalho de identificação de perigos e avaliação de riscos.» [35] Como já se deixou escrito, em termos de fundamentação, no Acórdão de 17/10/2012, Processo n.º 204/07.5TTLRS.L1, em que foi também relator o mesmo relator do presente Aresto e que se acha publicado em www.dgsi.pt:
«Ora, porque a atividade humana contém, em proporções variáveis, uma dose de risco para a integridade física e/ou vida de quem a desenvolve ou para terceiros (assim como relativamente a bens materiais do beneficiário da atividade, dos prestadores da dita atividade ou de outras pessoas singulares ou coletivas) e, exatamente, para evitar até onde é possível a ocorrência de eventos ou condutas causadores de tais prejuízos de natureza pessoal e patrimonial, procura-se, técnica e legalmente, regular aquela, nas suas inúmeras variantes e modalidades, produtivas ou não.
É neste quadro geral que surgem as múltiplas regras e procedimentos de carácter profissional, destinados a prescrever, em moldes comuns e genéricos e, depois, especificamente para cada sector ou área, determinadas maneiras de interagir com as situações de perigo que podem surgir, quer seja na montagem, desmontagem e manuseamento de ferramentas, máquinas ou outros mecanismos, quer no trabalho, atentas as circunstâncias particulares em que ocorre, atendendo, nomeadamente, à sua agressividade ou risco inerentes (quer em altura como em profundidade, em terra, no ar ou no mar, etc.), quer na deslocação de pessoas, materiais ou veículos, quer noutras que seria despiciendo enumerar aqui em toda a sua extensão e pormenor (cf., a título de exemplo, a Lei n.º 102/209, de 10/02, já acima referida e não invocável no caso dos autos, ao contrário do que acontece com os diplomas que a mesma veio revogar, nos termos do seu artigo 120.º: Decretos-Lei n.ºs 411/91, de 14/11, 26/94, de 1/02 e 29/2002, de 14/02 e Portaria n.º 1179/95, de 26/09, convindo ainda realçar o determinado pelo Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro).» [36]A Ré Seguradora procura imputar subjetivamente ao Autor, de uma forma incompreensível e mesmo desumana, o ato de tropeçar e de colocar, reflexamente, na precisa zona de apoio/sapata do braço da grua a sua mão esquerda, assim amputando quatro dedos da mesma, alegado que o poderia ter feito de forma totalmente diversa e sem as nefastas consequências que se acham demonstradas nos autos.
A recorrente parece exigir do trabalhador em queda uma capacidade e rapidez de reação e raciocínio que serão mais próprias dos super-heróis americanos ou dos James Bond’s britânicos e menos dos homens comuns como o Autor, colocados em situações de stress e que se esgotam em poucos segundos. Todavia e se, por acaso, julgarmos um recurso de um sinistro de trabalho em que sejam vítimas algumas dessas personagens, certamente que a nossa perspetiva da dinâmica do acidente será outra…
Conforme já se disse no quadro do antes referido Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 17/10/2012 (ainda que o tivesse sido acerca da descaracterização do acidente por negligência grosseira e relativamente a um acidente mortal causado por uma queda de um empilhador):
«Resta-nos, finalmente, analisar a tentativa de abandono, por parte do sinistrado, do aludido empilhador, quando este, na sequência da curva que estava a fazer, começou a tombar sobre um dos seus lados, para dizer que tal reação nunca poderia ser qualificada como grave e indesculpavelmente descuidada, injustificada, altamente censurável, dado configurar antes, na sua essência, uma resposta instantânea, automática, reflexiva, de emergência, quase irracional, porque ditada pelo instinto de sobrevivência da vítima, sendo, nessa medida, absolutamente compreensível e humana.
Era inexigível ao sinistrado que, num espaço de alguns segundos e numa situação de desequilíbrio e acompanhamento forçado do movimento do dito equipamento, que se traduzia num perigo iminente para a sua integridade física, ponderasse as diversas alternativas de fuga à mesma que se lhe apresentavam - deixar-se ficar dentro da estrutura ou saltar para fora do dito equipamento por qualquer um dos lados possíveis - e medisse todas as vertentes e consequências que delas derivavam, por forma a escolher a que envolvesse menos risco para si e lhe desse mais garantias de sucesso, numa racionalização e julgamento objetivos das circunstâncias e condicionantes envolventes, bem como do próprio dinamismo do sinistro, que, em rigor, só têm lugar nos filmes e romances de ficção.» [37]Este Ponto de Facto possui uma deficiente redação, pois não faz referência expressa ao colega do Autor e manobrador da grua EE, mas retira-se do seu texto, com a certeza e o rigor necessários, que é a esse trabalhador que tal Ponto se refere de forma tácita ou implícita. [38]José Andrade Mesquita, estudo citado, a págs.190, afirma que no caso da negligência grosseira da NLAT, conforme se mostra definida no n.º 1 do art.º 8.º da correspondente regulamentação, «abrangem-se atos muito próximos do dolo eventual, mas em que o trabalhador acabou por não acreditar na produção do resultado que, todavia, era altamente previsível, tornando o comportamento reprovável à luz de um elementar sentido de prudência». [39]Logo, a mera distração ou imprevidência não cabe no conceito de negligência grosseira - Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 6/6/2005, proc.º 119/05, relator: Serra Leitão, em www.dgsi.pt (Ponto II do Sumário), assim como também não caiem aí as condutas irrefletidas e precipitadas derivadas, designadamente, «da habituação ao perigo do trabalho executado ou da rotina de procedimentos bem sucedidos, que induzem à confiança na experiência profissional», segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2008, Rec.º n.º 935/08-4.ª, relator: Sousa Grandão, em Sumários, Outubro de 2008, no sítio do Supremo Tribunal de Justiça (Pontos III e IV do Sumário). [40]Ver, sobre noção e enquadramento jurídico da negligência grosseira, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2010, proc.º n.º 747/04.2TTCBR.C1.S1, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt, de 22/10/2008, Recurso n.º 935/08-4, relator: Sousa Grandão, em Sumários do Supremo Tribunal de Justiça, Outubro/2008, de 21/05/2008, Rec.º n.º 715/08-4, relator: Sousa Peixoto, em Sumários do Supremo Tribunal de Justiça, Maio/2008, de 10/10/2007, proc.º n.º 07S2446, relator: Bravo Serra, em www.dgsi.pt, de 18/04/2007, proc.º n.º 07S052, relator: Sousa Peixoto, em www.dgsi.pt, de 2/02/2006, proc.º n.º 05S3479, relator: Sousa Peixoto, em www.dgsi.pt, de 28/03/2007, proc.º n.º 06S3956, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt (ver nota seguinte acerca deste Aresto) [41]«I- Entende-se por negligência grosseira – suscetível de descaracterizar um acidente de trabalho – o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão – art.º 8.º, n.º 2 do D.L. 143/99, de 30/4.
II- Não incorre em negligência grosseira a trabalhadora que executa há 15 anos a colocação de terminais na ponta de fios de cablagem e que, inadvertidamente, acionou o pedal de ignição de uma máquina de cravar, tendo sido atingida no dedo indicador da mão esquerda pela prensa da referida máquina, uma vez que foi a repetição automática de tarefas e procedimentos que “traiu” a sinistrada, dando origem ao acidente.» - cfr., também, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 03/12/2007, em C.J., Tomo V, pág. 230 e Jurisprudência Acidentes de Trabalho, págs. 165 a 170 e do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2008, Rec.º n.º 935/08-4.ª, relator: Sousa Grandão, em Sumários, Outubro/2008, no sítio do Supremo Tribunal de Justiça (Pontos III e IV do Sumário). [42]Faz uma análise da negligência grosseira em termos de requisitos e depois das vertentes do nexo causal, a merecer atenção, possuindo o seguinte Sumário, na parte que para aqui releva:
«I– O fundamento de descaracterização de acidente de trabalho previsto no art.º 7.º, n.º 1, al. b) da LAT contém dois requisitos de verificação cumulativa: a negligência grosseira do sinistrado e a sua exclusividade causal para a produção do acidente.
II– Como esse fundamento consubstancia uma única exceção, estando os dois pressupostos que o integram indissociavelmente conexionados entre si, também a sua apreciação em juízo integra uma única questão para os efeitos previstos nos arts. 660.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. d) do CPC.
III– Colocando-se em recurso a questão de saber se o fundamento de descaracterização previsto no art.º 7.º, n.º 1, al. b) da LAT se acha verificado, o tribunal ad quem pode apreciar, sem constrangimentos, os respetivos pressupostos (bem como as eventuais causas do acidente, provenham elas da própria vítima, do seu empregador ou de terceiros), sendo indiferente que o recorrente só questione o requisito da exclusividade causal, tendo por adquirida a negligência grosseira do sinistrado que as instâncias afirmaram.
IV– A problemática do nexo causal comporta duas vertentes: a vertente naturalística, que consiste em saber se o facto, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem a um dano; a vertente jurídica, que consiste em apurar se o facto concreto pode ser havido em abstrato como causa idónea do dano nos termos do art.º 563.º do CC (que abarca a concausalidade e a causalidade indireta).
V– Verificando-se o acidente quando o sinistrado é colhido por um veículo pesado ao atravessar a autoestrada em que seguia em veículo da sua empregadora, depois de esta parar para ele ir procurar o seu boné, a omissão na matéria de facto de qualquer alusão à conduta do motorista do pesado impossibilita a afirmação de que ele concorreu, ou não, para o acidente e, também, que se qualifique a conduta do sinistrado, ainda que grave, como “temerária em alto e relevante grau”.
VI– Releva também como causa indireta do dano a conduta da empregadora ao parar o veículo em que o sinistrado seguia na berma da autoestrada, não ignorando a gratuitidade da paragem e o perigo que ela potenciava. (…)» [43]«4. Mesmo que se qualifique como grosseiramente negligente a conduta do sinistrado, que subiu para o balde da mini pá carregadora, para se fazer transportar, o evento não resultou exclusivamente dessa negligência, já que para a produção do mesmo concorreu em algum grau a ação do operador daquele equipamento, que o pôs em movimento, quando o sinistrado tentava alcançar a pega mecânica exterior à cabina do operador, pelo que não se configura a descaracterização do acidente de trabalho, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º mencionado.» [44]Neste mesmo sentido da quebra do nexo causal exclusivo, por força da concorrência de culpas de outros trabalhadores ou terceiros, cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/9/2004, proc.º n.º 92/2004-4, relatora: Paula Sá Fernandes, do Supremo Tribunal de Justiça de 13/4/2005, proc.º n.º 05S677, relator: Fernandes Cadilha, do Tribunal da Relação do Porto, de 27/6/2005, proc.º n.º 0542819, relator: Ferreira Costa, todos em www.dgsi.pt e do Supremo Tribunal de Justiça de 22/01/2008, proc.º n.º 2275/08-4.ª, relator: Bravo Serra, em Sumários, Outubro de 2008, publicados no sítio do Supremo Tribunal de Justiça. [45]Cfr., a título exemplificativo, os seguintes Arestos de descaracterização com fundamento em negligência grosseira:
1)Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/4/2003, proc.º n.º 0310611, relator: Sousa Peixoto, em www.dgsi.pt (esmagamento por um pá de uma máquina - brincadeira do próprio sinistrado)
2)Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça de 22/11/2007, proc.º n.º 2097/07-4, relator: Mário Pereira, em CJSTJ, Tomo III, pág. 299 e “Jurisprudência Acidentes de Trabalho”, págs. 182 a 184 (queda de cimo do balde de uma grua, quando o sinistrado pretendia reelevar um cabo telefónico)
3)Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/3/2009, proc.º n.º 09S0227, relator: Pinto Hespanhol, em www.dgsi.pt (esmagamento pela caixa basculante da viatura - não colocação de cavaletes de segurança)
4)Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/02/2012, relator: Eduardo Petersen Silva, referido e comentado por Júlio Gomes, obra citada, pág. 240, Nota 535 (queda de um escadote, com apoios desnivelados e onde o sinistrado se coloca de costas para o mesmo, para proceder a trabalhos de limpeza)
5)Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/3/2012, proc.º n.º 2606/09.3TTLSB.L1-4, relatora: Paula Sá Fernandes, em E-book “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. Introdução”, de Julho de 2013, Coleção Formação Inicial, Jurisdição de Trabalho e Empresa, CEJ, págs. 89 e 90, no sítio do Centro de Estudos Judiciários (motor de elevador de automóveis - mudança de correias - acionamento do botão de arranque)
6)Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27/2/2014, Proc.º n.º 125/11.7TTSTR.L1.E1, relatora: Paula do Paço, em www.dgsi.pt (trabalho com uma rebarbadora, segurando-a apenas com um mão e mantendo a parte anterior entre as pernas, enquanto cortava um tubo)
No sentido da não descaracterização, no mesmo quadro da negligência grosseira, indica-se o seguinte:
a) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4/3/2004, proc.º n.º 4315/03, relator: Serra Leitão, em C.J., 2004, Tomo II, pág. 52 e “Jurisprudência Acidentes de Trabalho”, págs. 64 e 65 (entalamento numa máquina de moldar madeira - intenção de a desencravar).
b) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/3/2007, proc.º n.º 6279/06, relatora: Albertina Pereira, em C.J., Tomo II, pág. 225 e “Jurisprudência Acidentes de Trabalho”, págs.146 a 148 (cabo elétrico com energia, tombado no solo, por força de um desabamento de terras - manuseamento do cabo pelo sinistrado).
c) Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2008, Rec.º n.º 935/08 - 4.ª, relator: Sousa Grandão, em Sumários, ano de 2008, publicados no sítio do Supremo Tribunal de Justiça (manobrador de máquina - reparação com a mesma em funcionamento - pés entalados nas correntes em movimento), podendo ver-se ainda o Acórdão do mesmo tribunal superior, de 24/2/2010, proc.º n.º 747/04.2TTCBR.C1.S1, relator: Sousa Grandão, em www.dgsi.pt, acerca de situação similar, com uma máquina, com que o sinistrado laborou sem acionar o mecanismo de segurança principal daquela.
d) Acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2012, proc.º n.º 1087/07.0TTVFR.P1.S1, relator: António Leones Dantas, em www.dgsi.pt (queda de um escadote em mau estado de conservação e que era do conhecimento do sinistrado, que se desequilibrou por causa não apurada), sendo este Aresto comentado por Júlio Gomes, obra citada, págs. 240 e 241 e 247, Notas 535 e 546, que aí faz o confronto com o identificado sob a alínea 7), na Nota de Rodapé anterior.
Será interessante chamar a atenção nesta sede para os Arestos do Tribunal da Relação do Porto de 10/2/2003, proc.º n.º 0212338, relator: Cipriano Silva e do Supremo Tribunal de Justiça de 16/6/2004, proc.º n.º 03S3401, relator: Vítor Mesquita, ambos publicados em www.dgsi.pt, que, tendo decidido o mesmo litígio - deslocação do sinistrado para uma oficina onde existia uma prensa e uma máscara, que aquele não usou na substituição do rolamento da roda de um veículo, tendo sido atingido por uma limalha no seu olho esquerdo -, decidiram em sentidos opostos, vindo a 2.ª instância a descaracterizar, com fundamento em negligência grosseira, o referido sinistro, ao passo que o Supremo Tribunal de Justiça o qualificou como acidente de trabalho reparável. [46]Não será despiciendo recordar aqui o que a nossa jurisprudência tem sustentado acerca do simples gesto reflexo, instantâneo e da não descaracterização do acidente por força do mesmo, podendo citar-se a esse respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18/3/1975, em Acórdãos Doutrinais, n.º 162, página 875, onde se afirma que não envolve culpa grave e indesculpável a saída imediata e instintiva, na iminência de desastre, do condutor que perde a direção do autopesado, circulando em pavimento húmido, à saída duma curva, junto a um muro (citado por Cruz de Carvalho, obra citada, página 67), bem como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6/03/2006, JTRP00038923, em www.dgsi.pt., relativamente a um gesto automático de apanhar uma garrafa de água que lhe caiu no chão do carro quando o conduzia numa autoestrada, sem esquecer finalmente o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 17/10/2012, processo n.º 204/07.5TTLRS.L1, publicado em www.dgsi.pt (queda de um empilhador - tentativa de fuga do sinistrado), que antes já foi referenciado. [47]Cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/4/2012, Proc.º n.º 663/06.3TTSTB.E1, relator: Correia Pinto, em C.J., Tomo II, 2012, (Sumários).