OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
VALOR DA CAUSA
RECUSA DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário

- Os embargos de executado/oposição à execução configuram-se e exercem o papel de uma acção declarativa enxertada no processo de execução. Segue-se que a petição de embargos equivale a uma petição inicial para a acção declarativa
- Tal significa que, em princípio, se lhe há-de aplicar o disposto no art.º 552.º do CPC, devidamente adaptado, pelo que deve conter a indicação do valor da causa, nos termos da alínea f) do n.º 1 daquele preceito.
- Contudo, não pode deixar de se ponderar que a oposição à execução constitui também uma acção declarativa ligada instrumental e funcionalmente à acção executiva em que se enxerta.
- Assim, tendo a oposição um valor próprio, correspondente à sua utilidade económica, ela coincide com o valor da execução.
- Assim sendo, não tendo sido indicado o valor no requerimento de oposição à execução, não fazendo sentido aplicar a cominação prevista no art.º 305.º n.º3, muito menos, por maioria de razão, será de aplicar o motivo de recusa da petição constante do art.º 558.º e) do CPC.
(Sumário elaborado pela Relatora

Texto Parcial

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:


      I-RELATÓRIO:


M... e D... pretenderam deduzir oposição à execução que lhes moveu S..., S.A, todos melhor identificados nos autos.

Assim, com tal finalidade, os Executados submeteram, via Citius, a respectiva peça processual, em 24 de Junho de 2014.

Porém, em 17 de Abril de 2015 foi enviada para o Mandatário dos Executados, subscrita pelo oficial de justiça, a notificação com o seguinte teor:

“Assunto: Recusa do Reqto Inicial – falta de indicação do valor.
Fica deste modo V.Ex.ª notificado, da recusa do requerimento inicial, face à não indicação do valor – art.º 558.º, alínea e) do CPC.”
Inconformado com o teor desta notificação, os Executados reclamaram para o Juiz, requerendo que a reclamação seja decidida no sentido do recebimento da peça processual, seguindo o processo os seus termos, devendo ser indicado o valor de € 12.080,28, para efeitos de valor dos embargos.

A reclamação foi julgada improcedente, pelo Tribunal a quo, transcrevendo-se o despacho proferido, para melhor esclarecimento:

“Os executados deduziram embargos sem que na respectiva petição tenham indicado o valor da acção.
A secretaria recusou a petição ao abrigo do art.558.º e) do CPC por não ter sido indicado o valor.
Os executados vêm reclamar do acto, invocando que tal normativo legal não teve em conta a reforma do citius o próprio sistema devia recusar a peça, o “campo”
para indicação do valor está preenchido com “0”, o que está errado e devia ser aplicado o art.305.º n.º3.
Os argumentos esgrimidos pelos executados, com o devido respeito, não têm a virtualidade de afastar a aplicação ao caso da norma em que a recusa se fundou.
O certo é que a norma, que não é nova, se manteve no CPC em vigor quando o legislador não podia desconhecer que impôs – salvas contadas excepções – a obrigatoriedade de tramitação electrónica, sendo que o sistema informático não se pode sobrepor às normas legais e no formulário que acompanha a petição não se vislumbra qualquer campo destinado ao valor da causa.
Relativamente à aplicação do art.303.º n.º3 do CPC, como expressamente resulta da norma, o convite aí previsto é justamente para os casos em que, não obstante não conter a indicação do valor, a peça foi recebida (e não recusada pela secretaria), pelo que não há analogia de situação que permita a sua aplicação ao caso. Percebe-se, aliás, porque razão a lei contempla tal convite antes de sancionar a omissão: a parte já não está em condições de beneficiar do previsto no art.560.º - apresentação de outra petição que se tem por entrada na data da primeira – beneficio traçado para as situações de recusa.
Assim, a recusa da secretaria mostra-se fundamentada e alicerçada em norma legal que a impõe, donde a reclamação se mostra infundada e por isso improcedente.
Notifique.”

Inconformados com este despacho, os Executados interpuseram o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1.O despacho recorrido fez uma errada aplicação do artigo 558º .
2.De facto, um ano após a entrega da peça, e depois de a mesma ter sido recebida, autuada, ser-lhe atribuído um número de entrada, ter sido criado um apenso, e numerado e capeado um novo processo 4287/14.3YYLSB-A, segundo o Tribunal recorrido ainda se poderia aplicar o artigo 558.
3.O tribunal pode basear-se num elemento literal, em completa e total desencontro com a realidade do Citius e a prática judicial actual.
4.O Art.º558º do Código de Processo Civil deve ser interpretado tendo em conta a época em que foi escrito.
5.Em bom rigor nos dias de hoje, não se pode verificar uma verdadeira recusa pela secretaria, já que as peças processuais não são recebidas pela secretaria judicial, mas por um programa informático, salvo o caso de ser a parte a apresentar uma oposição.
6.De facto, a ratio legis da figura da recusa pela secretaria pressupõe-se como sendo o primeiro dos actos e não, surgindo após 12 meses após a aceitação pelo programa informático, a atribuição de n.º, autuação de um processo de embargo e apensação ao processo principal.
7.O Tribunal fez uma interpretação descontextualizada do artigo 558, sacrificando, sem qualquer necessidade, sem qualquer equilíbrio, e sem qualquer benefício para a boa aplicação da Justiça o direito de defesa dos embargantes.
8.De facto, como é possível um ano após recepção da peça pelo Citius, que de facto recebeu a mesma e após a criação de um apenso com o nº 4287/14.3YYLSB-A, recusar a peça!
9.Como tutelar os direitos e as expectativas dos embargantes.
10.Eventual houve um lapso do Tribunal, que pensou poder o embargante entregar nova peça….. daí a referência ao artigo Art.º 560º do CPC .
11.Ora, parece-nos ser de melhor Justiça aplicar o 305 nº3 do CPC e possibilitar à parte a indicação do valor correcto, como aliás os embargantes ex motu proprio fizeram.
12.Sem conceder, há quem entenda que na ausência de indicação do valor dos embargos, tal só pode significar que o valor destes tem necessariamente de ser o mesmo do processo executivo, pelo que não poderiam apenas com base nesta omissão ser os embargos recusados.
13.Remetemos para jurisprudência acima referida.
 
Termos em que deve atender-se aos fundamentos expostos e, consequentemente, alterar-se a decisão recorrida nos termos apresentados, devendo ser os embargos recebidos e alterado o seu valor para o valor da execução, conforme em tempo os embargantes requereram.

Não foram apresentadas contra alegações.

Cumpre apreciar e decidir:

II-OS FACTOS:

A factualidade com relevo para a decisão é a que consta do relatório.

III-O DIREITO:

Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a única questão que importa conhecer consiste em saber se a oposição à execução apresentada pelos Apelantes, deve se recusada pela secretaria, ao abrigo do disposto no art.º 558.º e) do CPC, por omitir a indicação do valor da causa.
Com efeito estabelece o art.º 558.º do CPC[1] sob a epígrafe “recusa da petição pela secretaria”:

A secretaria recusa o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando ocorrer algum dos seguintes factos:
(…)

e) Omita a indicação do valor da causa; “
A Jurisprudência tem debatido a questão de saber como qualificar o requerimento inicial de oposição à execução: como uma petição inicial ou como uma contestação?
E esta questão repercute-se designadamente na resposta a dar a outras questões designadamente aquela que ora nos ocupa que é da cominação aplicável para a falta de indicação do valor da causa.

Tem sido entendido, não obstante as sucessivas reformas processuais, designadamente aquela que foi introduzida pelo D.L. n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro, no âmbito do Código de Processo Civil anterior ao vigente, podendo aplicar-se tal doutrina no âmbito de vigência do actual código, que os embargos de executado/ oposição à execução configuram-se e exercem o papel de uma acção declarativa enxertada no processo de execução[2]. Segue-se que a petição de embargos equivale a uma petição inicial para a acção declarativa[3]. Tal significa que, em princípio se lhe há-de aplicar o disposto no art.º 552.º do CPC, devidamente adaptado, pelo que deve conter a indicação do valor da causa, nos termos da alínea f) do n.º 1 daquele preceito[4].

Contudo, não pode deixar de se ponderar que a oposição à execução constitui também uma acção declarativa ligada instrumental e funcionalmente à acção executiva em que se enxerta[5]. “ Na sua dinâmica, é uma fase eventual da acção executiva, garantindo ao executado a defesa contra a pretensão do exequente; a oposição corresponde ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão. A oposição tem um valor próprio, correspondente à sua utilidade económica, mas esta coincide com o valor da execução. Ou, se não a abranger na totalidade, com o valor da parte a que a oposição se refere. Pode ser igual ou inferior, mas não superior ao valor da execução”.[6]

Perante estas características, parece ser desajustado aplicar à falta de indicação do valor no requerimento de oposição a cominação prevista no art.º 305.º n.º3 do CPC[7] segundo o qual “ quando a petição inicial não contenha a indicação do valor e, apesar disso, haja sido recebida, deve o autor ser convidado, logo que a falta seja notada e sob cominação de a instância se extinguir, a declarar valor; (…)”

Com efeito, esta norma, assim como a constante do art.º 558.º estão pensadas para as situações típicas de petição inicial que constitui efectivamente o início de um processo e por isso a indicação do valor da causa é fundamental para determinar quer o tribunal competente, quer o valor da taxa de justiça. Porém, essas razões já não existem no caso da oposição à execução, pois o valor desta coincide com o valor da execução. Assim sendo, não fazendo sentido aplicar a cominação prevista no art.º 305.º n.º3, muito menos, por maioria de razão, seria de aplicar o motivo de recusa da petição constante do art.º 558.º e) do CPC.

Por conseguinte, no caso em apreço, faz mais sentido aplicar o disposto no art.º 307.º do CPC[8] segundo o qual “se a parte que deduzir qualquer incidente não indicar o respectivo valor, entende-se que aceita o valor dado à causa.” Ou seja, não tendo sido indicado outro valor, tem de entender-se que o valor da oposição é o da execução respectiva.

Não deveria, pois, a oposição à execução ter sido rejeitada pela secretaria pelo motivo invocado. Não é aceitável a interpretação literal da lei, sob pena de a mesma conduzir a soluções desajustadas e por isso, injustas.

Não faz sentido que um utente da justiça entregue no Tribunal, por via electrónica, a oposição a uma execução contra si instaurada e que, dez meses depois, receba uma notificação da secretaria a dizer que afinal a sua oposição nem sequer podia ser recebida no Tribunal porque não continha a indicação do valor da causa, sendo certo que o valor da causa é conhecido do Tribunal, pois corresponde ao valor da execução. E também não existem quais quer dúvidas sobre o Tribunal competente para apreciar a oposição à execução. Então qual o sentido, qual a utilidade da decisão de não receber a oposição à execução? Dez meses seria o tempo que, em condições normais, seria expectável que esse mesmo utente da justiça visse a sua pretensão decidida e não, pelo contrário, paralisada por um formalismo inútil.

Procedem inteiramente as conclusões dos Apelantes.

           
            IV-DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em revogar decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que receba a oposição dos ora Apelantes, considerando-se o valor da oposição o da execução correspondente.
Sem custas.


Lisboa, 3 de Dezembro de 2015


Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal

[1]Corresponde com texto equivalente ao art.º 474.º do Código de processo Civil de 1961
[2]José Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 2.º, Coimbra Editora, p.48
[3]Idem.
[4]Correspondente ao art.º 467.º n.º1 f) da versão anterior do Código de Processo Civil
[5]Vide a este respeito a comunicação feita pela Juíza Desembargadora Deolinda Varão , na acção de formação sobre o Novo regime da Acção executiva, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários em 27-11-2009, no Auditório da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, no Porto.
[6]Miguel Teixeira de Sousa, A acção executiva singular, p. 180.
[7]Corresponde ao art.º 314.º n.º3 do Código anterior.
[8]Correspondente ao art.º 316.º da versão anterior do CPC.