PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM APÓS DESPACHO
INDEFERIMENTO LIMINAR NA PROVIDÊNCIA DE SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO
INDEFERIMENTO LIMINAR
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
REMUNERAÇÃO
PERICULUM IN MORA
Sumário

I– Face a tal potencial cumulação de procedimentos cautelares, o juiz do segundo processo – o que temos agora entre mãos – deveria, antes de mais e à cautela, proferir despacho com vista a averiguar do estado dos autos de suspensão de despedimento (v.g., do trânsito em julgado ou não do despacho de indeferimento liminar ali prolatado), podendo indeferir por tal motivo formal e face à informação negativa prestada, o requerimento inicial deste procedimento cautelar comum ou, em alternativa, suspender a correspondente “instância”, em jeito de questão prejudicial, até se lograr uma decisão definitiva quanto à adequação ou não daquele meio processual cautelar nominado para julgar o pedido de providência em causa (e idêntico em ambos os processos).
II– Sendo irrecorrível o Aresto proferido no âmbito do recurso de Apelação interposto do despacho de indeferimento liminar prolatado nos autos de suspensão de despedimento, tal significa que essa decisão deste tribunal da 2.ª instância é definitiva e define o procedimento cautelar de suspensão de despedimento como o meio adjetivamente adequado e próprio para discutir e decidir, ainda que em termos meramente perfunctórios, o litígio dos autos.
III– Sendo assim, este procedimento cautelar comum nunca deveria ter sido instaurado nem poderia ser liminarmente admitido, por carecer de um dos requisitos legalmente exigidos para a sua legítima propositura (ser o único meio cautelar legalmente previsto para a suspensão do alegado despedimento da trabalhadora).
IV– Não se pode equiparar a remuneração do trabalhador, que se traduz na contrapartida do trabalho prestado ao empregador, a um qualquer crédito proveniente de um contrato civil ou comercial, o que quer dizer que na aferição de qualquer lesão à mesma, importa, por um lado, ser bastante rigoroso e tolerante na sua avaliação, mesmo que em termos meramente cautelares, pois estão em causa direitos constitucionais básicos, de índole patrimonial, social, familiar, pessoal e moral, que, no seu conjunto, se reconduzem, em última análise, à dignidade da pessoa humana, nas diversas vertentes consideradas na Constituição da República Portuguesa, não se podendo ter, por outro lado e consequentemente, uma perspetiva economicista, miserabilista ou muito restrita do fundamento e âmbito de aplicação das providências cautelares, em casos como o dos autos, em que estão em causa, as necessidades básicas de subsistência da Requerente (alimentação, vestuário, calçado, habitação, saúde, etc.).
V– O sucessivo e drástico encerramento de portas que os dois despachos de indeferimento liminar proferidos primeiramente nos autos de suspensão de despedimento e depois neste procedimento cautelar comum significam, juridicamente e na prática para a Requerente, retira-lhe qualquer possibilidade de obter, em tempo útil e eficaz, uma decisão cautelar que logre impedir os danos de cariz patrimonial e não patrimonial, derivados do despedimento de que alegadamente terá sido alvo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

ACORDAM OS JUIZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:



I – RELATÓRIO:



AA, casada, com o NIF (…) e residente no (…), Lisboa, intentou, em 27/08/2015, o presente procedimento cautelar comum contra BB, Pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), Lisboa.

Pede, em síntese e a final, que seja:
«Nestes termos e nos mais de direitos, deve ser decretada a suspensão do despedimento da requerente, com as legais consequências».
*

A Requerente, para fundar tais pretensões, alega o seguinte:
«I – Dos Factos.

1.º- A requerente foi admitida para trabalhar sob a autoridade e direção da Requerida na sua sede, no dia 2 de Fevereiro de 2015 (Doc. 1);
2.º- Sempre exerceu as funções de Diretora Geral sob direção do Diretor da zona Europa-Mediterrânea, nos termos do número 2 da Cláusula Primeira do Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado, assinado entre Requerente e Requerida.    
3.º- Não tinha um horário de trabalho definido, tendo ficado a requerida com a faculdade unilateral de estabelecer o Período Normal de Trabalho (PNT), consoante os momentos que melhor lhe aprouvesse.
4.º- Auferia a retribuição mensal de € 2860,00 acrescida de um subsídio de refeição de € 7,25 por cada dia de trabalho prestado, sendo que quanto a este último seria pago conforme a requerida entendesse em cada momento.
5.º- No dia 10 de Julho de 2015, por se ter sentido mal, teve a ora requerente de se ausentar para sua casa, tendo deixado no seu gabinete, o seu computador portátil, o telemóvel fornecido pela empresa, e inclusivamente as chaves da garagem da sua residência.
6.º- No dia 13 de Julho de 2015, deslocou-se a ora requerente ao consultório do Prof. Dr. CC para aferir da sua condição de saúde.
7.º- Nesse mesmo dia, foi-lhe passado certificado de incapacidade temporária para o trabalho, com validade entre o dia 13 de Julho de 2015 e o dia 24 de Julho de 2015 - Cfr. Doc.2 que junto se anexa.
8.º- No dia 15 de Julho de 2015, a fim de entregar a baixa-médica no seu local de trabalho e ir buscar o computador portátil para ver se conseguia laborar em casa, diga-se a muito custo, a ora requerente desloca-se ao local de trabalho para proceder à entrega da mesma.
9.º- A receção da baixa-médica foi recusada, pela funcionária no local, de seu nome DD.
10.º- Tendo em conta essa recusa, a ora requerente, a muito custo dirigiu-se à 34.ª Esquadra da 2.ª Divisão do Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, onde apresentou competente queixa - Cfr. Doc. 3 que junto se anexa.
11.º- Por carta registada, enviou a ora Requerente a 20 de Julho de 2015 a baixa-médica para a sua entidade patronal, já que aquela se recusou a recebê-la - Cfr. Doc. 4 que junto se anexa.
12.º- Por que o seu estado de saúde se mantinha num quadro negativo, foi a ora requerente obrigada a prolongar a baixa-médica, tendo o período sigo prorrogado, fixando-se agora entre o dia 25 de Julho de 2015 e o dia 5 de Agosto de 2015 - Cfr. Doc. 5 que junto se anexa.
13.º- Sem que nada o fizesse prever, no dia 6 de Agosto de 2015, a ora requerente apresenta-se ao serviço, tendo a sua entrada sido recusada.
14.º- Espantada e atónita com toda a situação, até porque se encontravam mais pessoas no átrio de entrada, pediu mais explicações sobre o que se passava.
15.º- A funcionária que no momento se encontrava no local, a Sra. EE, proferiu que iria falar com o Diretor da zona Europa Mediterrânea a fim de ter mais explicações para dar, pedindo à ora requerente que esperasse na rua. Na rua!
16.º- Para além de toda a deselegância e má educação com foi tratada, por ter sido impedida de trabalhar, teve a ora requerente de se manter na rua à espera que houvesse uma resposta.
17.º- Deslocou-se no dia seguinte, 7 de Agosto de 2015, onde mais uma vez foi barrada a sua entrada no local de trabalho pela mesma funcionária, continuando esta a dizer que a ora requerente já não trabalhava naquela empresa.
18.º- No presente caso estamos a lidar com uma profissional que tinha como funções a de Diretora Geral, contratada para exercer as funções previstas no número dois da cláusula primeira do Contrato de Trabalho.
19.º- Não só cumpriu tudo o que lhe foi pedido, como aliás ultrapassou todas as expectativas que existiam face à débil situação económico - financeira por que passava a empresa - Cfr. Doc. 6 a 9.
20.º- A 11 de Agosto de 2015, a ora requerente propõe procedimento cautelar de suspensão de despedimento, tendo este o n.º de processo 22191/15.6T8LSB – Cfr. Doc. 10.
21.º- A 12 de Agosto de 2015 é notificada da data da audiência final, tendo sido designado o dia 26.08.2015 pelas 10h00 para a realização da mesma – Cfr. Doc. 11.
22.º- A 25 de Agosto de 2015 é notificada do conteúdo da sentença que indefere liminarmente a PC nominada, obrigando a ora requerente a recorrer ao procedimento comum – Cfr. Doc. 12.

II– Do Direito.

23.º- Pelos factos supra expendidos, vê-se a ora requerente na contingência de propor novo procedimento cautelar, nos termos gerais do artigo 32.º do Código do Processo de Trabalho e do artigo 362.º do Código de Processo Civil, dado que sobre o anterior pendeu decisão de indeferimento.

24.º- Nos termos do número 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil, a proposição de uma providência cautelar não especificada, depende da concorrência dos seguintes requisitos: 1) existência de um direito ameaçado; 2) o fundado receio de que a lesão a esse direito continue até à competente decisão de mérito da causa principal; 3) que ao caso não convenha nenhuma das providências especiais; 4) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora que se verifique, assegurando desse modo a efetividade do direito ameaçado; 5) o prejuízo constante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.

25.º- Segundo o artigo 32.º do Código do Processo de Trabalho e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.5.1985: BTE, 2.ª Série, n.ºs 5-6/88, pág. 991, para se requerer no âmbito do direito laboral um procedimento cautelar comum, é necessário que: 1) se verifique a existência de uma lesão contínua, grave e irreparável a um direito; 2) haja o receio de lesão grave e de difícil reparação.
26.º- Toda esta situação é desencadeada porque o dano que a ora requerente sofre é contínuo e irreparável, pois desde que foi despedida não aufere qualquer quantia monetária, não podia contribuir para a economia de sua casa.
27.º- Como corolário disso tudo, a proposição de ação principal contende com o carácter urgente da situação vivida pela ora requerente, já que o facto de ter sido verbalmente despedida para além de atentar contra a sua situação patrimonial, atenta também contra o seu bom nome e honra.
28.º- O facto de ter sido despedida não termina com a violação ao direito que é seu em trabalhar no local de trabalho contratualizada, pois enquanto não houver decisão de mérito sobre o mesmo, a violação mostra-se contínua e perigosa para a ora requerente, atentando atualmente contra a sua capacidade de trabalhar e no futuro, quanto à sua capacidade para conseguir um novo emprego.
29.º- A acrescentar a isso, vem a ora requerente a ser despedida sem sequer ter sido notificada pela entidade empregadora, violando assim o disposto no número 3 do artigo 114.º do Código de Trabalho.
30.º- Mas não bastando tal facto, o despedimento realizado não foi precedido de qualquer procedimento disciplinar, nem sequer tendo sido alegados razões para o despedimento da ora requerente, nomeadamente a justa causa do mesmo.
31.º- Violando assim a ora requerida os artigos 353.º, 368.º e 371.º todos do Código do Trabalho.
32.º- Nem sequer tendo sido colocada à disposição da ora requerente a compensação a que teria direito por via do artigo 372.º ex vi número 3 do artigo 366.º ambos do Código do Trabalho.
33.º- Consequentemente, o despedimento da ora requerente é ilícito nos termos conjugados da alínea c) do artigo 381.º, 382.º e 384.º, todos do Código do Trabalho.                
34.º- Todo este comportamento praticado pela ora requerida nada mais é do que uma grosseira violação dos deveres do empregador, especificadamente o vertido na al. a) do número 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho.» 
*

Foi proferido, a fls. 53 e com data de 31/8/2015, o seguinte despacho:

«Compulsados os autos dos mesmos resulta que estamos perante uma providência cautelar sob a forma de processo comum, conforme ao disposto no art.º 32.º e 33.º do CPT.
No entanto, atentos os requisitos legais deste tipo de procedimento o requerimento inicial deverá conter factos que consubstanciem o «periculum in mora». Para o efeito não basta alegar genericamente o "risco" sofrido pela requerente por se encontrar sem retribuição mas deverá antes ser concretizada a factualidade que justifica esse mesmo «periculum in mora». Face ao exposto, convida-se a requerente a, em dez dias, vir a concretizar os elementos fácticos que traduzam essa situação.
Notifique.»
*

Tendo tal despacho sido notificado à Requerente (fls. 54), veio a mesma apresentar o Requerimento de fls. 55 a 58, com o seguinte teor:

«1- O periculum in mora, como bem refere o tribunal, é um dos requisitos dos procedimentos cautelares, previsto no número 1 do artigo 361-° do Código do Processo Civil.
2- Tal requisito traduz-se no prejuízo que pode advir para o requerente em consequência da demora na tutela definitiva do seu direito. Ou seja, refere-se ao perigo no retardamento da tutela jurisdicional.
3- São dois os elementos que constituem o periculum in mora: a demora e o dano que decorre dessa demora.
4- Quanto à demora, esta tem que ver com o facto de a ora requerente poder ver a sua situação agravada de forma efetiva dadas as delongas normais dum pleito judicial.
5- Quanto ao dano que decorre dessa demora, a providência é proposta porque existe um dano a um direito, in caso, o de receber a prestação salarial a que a ora requerente tem direito, que para além de contínuo é irreparável ou de difícil reparação.
6- A gravidade do dano é bem patente na situação vivida pela ora requerente, que pelo facto de não receber qualquer salário, vê as suas condições de viva descambarem, para além de ter um agregado familiar numeroso, e a falta de pagamento do salário contribui para um agravamento do seu nível de vida.
7- Já a reparação do dano numa ação judicial comum, mostra-se incomportável dado o tempo que medeia entre o início e o fim desses processos, mostrando-se o procedimento cautelar como único meio de acautelar o direito e de estancar os danos sofridos pela ora requerente.
8- O conceito de "lesão grave e irreparável ou de difícil reparação" deve segundo a jurisprudência portuguesa ser enformado por dois critérios: subjetivo, no sentido de saber se o requerido pode ou não suportar economicamente uma eventual reparação do direito que assiste à requerente; objetivo, no sentido do tipo de lesão que o direito violado causa ao requerente - Cfr. Acórdão do TRP de 22.11.2011, proc. 1408 / 11.1TJPRT.P1
9- Ademais, o prejuízo causado pela violação do direito da ora requerente em receber a sua compensação salarial, em virtude de um despedimento ilegal, causa também danos morais a esta, dada a forma e todo o processo que levou a esse facto.
10- Para que o recurso à tutela cautelar se considere justificado é necessário que o periculum in mora seja atual e iminente.
11- Ou seja, no caso em que o evento danoso se já verificou, mas os seus efeitos se prolonguem no tempo, agravando-se cada vez mais, a cada dia que passa, a situação da ora requerente - Cfr. Acórdão do TRP de 03.05.1993, proc. 9230922 e Acórdão do TRL de 13.11.2012, proc. 24718/11.3T2SNT-B.L1-7.
12- Aliás, nunca a ora requerente se conformou com a situação que desde 6 de Agosto de 2015 vem vivendo, tentando por todos os meios possíveis e legais que a legalidade seja corrigida e reposta.
13- Por fim, e como já foi supra referido, o dano causado à ora requerente é totalmente imputável à ora requerida, já que toda a situação é desencadeada pelo despedimento ilegal que a primeira sofreu, ou seja, ocorre por ação do requerido.
14- Conclui-se por isso que o periculum in mora é justificado por um dano patrimonial e moral contínuo e que se receia que venha a continuar fruto de um despedimento ilegal realizado pela ora requerida no dia 6 de Agosto de 2015, e que só pelo deferimento do presente procedimento cautelar pode ser ultrapassado, na certeza que, a proposição de urna ação comum, acarretaria pela sua morosidade, danos incalculáveis à ora requerente.»
*

Veio então a ser proferido o despacho de indeferimento liminar de fls. 60 a 62, com data de 08/09/2015, que decidiu o seguinte:

“FLS.1-59: Nos termos do disposto no artigo 362.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 32.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho: «1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.».[[1]]

Com efeito, estando em causa um direito de que alguém se arrogue titular, nos termos do disposto nos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete-lhe alegar e provar:

a) A provável titularidade do direito de que se arroga titular (fumus bonni iuris);
b) O justo receio de perda de garantia patrimonial, senda esta constituída pelo património global do devedor (periculum in mora).

No caso em apreço, a Requerente invoca factos tendentes a demonstrar a provável ilicitude do despedimento e, por conseguinte, o eventual direito a perceber o valor das retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão definitiva que o venha a declarar, assim como o eventual direito a ser reintegrada no mesmo posto de trabalho sem prejuízo da categoria profissional e antiguidade ou, se assim optar, ao valor da indemnização de antiguidade.

Com vista a demonstrar o justo receio de perda da garantia patrimonial ou o periculum in mora a Requerente alega que o seu dano é contínuo e irreparável porquanto deixou de auferir retribuição desde que foi despedida; que o despedimento verbal atentou contra o seu bom nome e honra; e ainda, que tal igualmente atenta contra a sua capacidade de trabalhar e, no futuro, de conseguir um novo emprego.

Esta alegação, porém, não é suscetível de consubstanciar o periculum in mora, requisito de que depende, como dito, a procedência do procedimento cautelar comum instaurado.

Afirmar que o despedimento verbal atentou contra o bom nome e a honra ou que atenta contra a capacidade de trabalhar e, no futuro, de conseguir um novo emprego é manifestamente conclusivo.

Para além disso, os danos patrimoniais e não patrimoniais consequentes de um eventual despedimento ilícito são sempre suscetíveis de serem patrimonialmente ressarcidos, desde que alegados e comprovados na respetiva ação judicial.

Afirmar, por outro lado, que o dano se traduz no facto de deixar de auferir o valor da retribuição desde que foi despedida constitui facto já verificado suscetível de reparação no âmbito da ação principal posto que uma das consequências da eventual ilicitude do despedimento consiste, justamente, no pagamento do valor das retribuições deixadas de perceber desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que o declarar.

Donde, não se vislumbra, por todo o exposto, que a Requerente receie, objetivamente, a perda de garantia patrimonial porquanto não alegou factos objetivos tendentes a demonstrar o periculum in mora e, portanto, o perigo na cobrança do crédito de que possa ser titular.

Termos em que o procedimento cautelar está votado ao insucesso, impondo-se o seu indeferimento liminar.
*

Nos termos do disposto no artigo 304.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, à ação cautelar deve ser atribuído o valor a que alude o artigo 12º, n.º 1, alínea e), do Regulamento das Custas Processuais.

Por força do que dispõe o artigo 539.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, as custas devem ficar a cargo da Requerente, sendo o valor da taxa de justiça comprovadamente paga na ação cautelar atendido na ação principal.

Pelo exposto, o Tribunal decide:

1. Indeferir liminarmente o procedimento cautelar instaurado por «AA».
2. Condenar «AA» a pagar as custas processuais.
3. Fixar ao procedimento cautelar o valor de € 2.000,00.
DN: registo em livro autónomo, notificação e baixa.”
*

A Requerente, inconformada com tal decisão, veio, a fls. 66 e seguintes e em 14/09/2015, interpor recurso da mesma.

O juiz do processo admitiu, a fls. 80, o recurso interposto, como de apelação, tendo determinado a sua subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão.

A Apelante apresentou alegações de recurso (fls. 68 e seguintes), onde formulou as seguintes conclusões:
(…)

Temos em que e nos demais em Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e por via dele, ser revogada a sentença recorrida, e em consequência dar-se provimento ao procedimento cautelar comum intentado pela ora recorrente.

Fazendo-se assim, a tão habitual e necessária JUSTIÇA!».
*

A Requerida, igualmente citada para apresentar contra-alegações (fls. 81 e 83), veio fazê-lo dentro do prazo legal, nos moldes constantes de fls. 84 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)

Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, com as consequências legais daí decorrentes.

Assim decidindo, V. Ex.ªs farão, como sempre, inteira JUSTIÇA!»
*

O relator do presente recurso – e que é também relator da Apelação interposta do despacho de indeferimento liminar prolatado no quadro dos autos de procedimento cautelar nominado de suspensão de despedimento, com o n.º 22191/15.6T8LSB, sendo o coletivo que decide este recurso o mesmo que julga aquele outro -, no despacho liminar que proferiu nestes autos, convidou as partes a se pronunciarem acerca da admissibilidade legal da tramitação em simultâneo de dois procedimentos cautelares deduzidos pela mesma trabalhadora contra a mesma entidade empregadora e que visam o mesmo “despedimento”, segundo a alegação da requerente desenvolvida em ambos os processos, bem como a respeito da solução jurídica que deveria ser dada a tal cumulação, no caso de ser juridicamente inadmissível.              
*

O ilustre magistrado do Ministério Público, a fls. 118 e 119 dos autos, proferiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso de Apelação, tendo a Requerente e a Requerida sido notificadas para se pronunciarem sobre o seu teor, dentro do prazo de 10 dias, o que só a segunda veio a fazer, a fls. 122 a 125, tendo pugnado pela manutenção do despacho recorrido.
*

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre decidir.

II– OS FACTOS.

Os factos a considerar encontram-se descritos no Relatório do presente Acórdão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na parte que releva. 

III– O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

A– REGIME PROCESSUAL APLICÁVEL.

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância do presente procedimento cautelar comum ter dado entrada em tribunal em 27/08/2015, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013 e Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.  

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado pontualmente à colação em função da factualidade alegada.

B– OBJETO DO RECURSO.

Vem a Apelante atacar o despacho recorrido numa perspetiva material, pois entende que os argumentos de índole substantiva que fundam o aludido despacho de indeferimento liminar não colhem, dado os factos alegados integrarem suficientemente os requisitos reclamados pelo legislador para o deferimento da providência cautelar de suspensão do despedimento de que a requerente foi alvo por parte da requerida, no quadro do presente procedimento cautelar comum e que são os do “fumus bonis iuris” e do “periculum in mora”.

Afigura-se-nos, contudo, que devem ser igualmente suscitadas nos autos questões, de ordem adjectiva ou formal, que seriam ou serão impeditivas do prosseguimento do presente procedimento cautelar comum e que foram já suscitadas, como questão prévia, no despacho liminar prolatado pelo relator desta Apelação, tendo, para o efeito, sido oportunamente ouvidos o Ministério Público assim como as partes acerca da mesma.        

C- ORDEM DE CONHECIMENTO DAS QUESTÕES.

Afigura-se-nos que a nossa análise deve incidir primeira e obrigatoriamente sobre o objeto do presente recurso de Apelação e sobre a problemática substantiva sobre a qual se fundou o despacho de indeferimento liminar, passando depois a ocupar-se com essas questões de índole processual, que, se se acharem juridicamente verificadas poderão alterar e afetar definitivamente a decisão final a adotar neste Acórdão.  

C1– REGIME PROCESSUAL APLICÁVEL.

Ora, afigura-se-nos útil chamar à colação o regime processual aplicável e que consta dos artigos 32.º do Código do Processo do Trabalho e 362.º e 368.º do Novo Código do Processo Civil, na parte que para aqui releva:

SECÇÃO I.
Procedimento cautelar comum.

Artigo 32.º
Procedimento.

1– Aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum, com as seguintes especialidades:

a) Recebido o requerimento inicial, é designado dia para a audiência final;
b) Sempre que seja admissível oposição do requerido, esta é apresentada até ao início da audiência;
c) A decisão é sucintamente fundamentada e ditada para a ata.
2- Nos casos de admissibilidade de oposição, as partes são advertidas para comparecer pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, fazer-se representar por mandatário com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir, na audiência, na qual se procederá à tentativa de conciliação.
3- Sempre que as partes se fizerem representar nos termos do número anterior, o mandatário deve informar-se previamente sobre os termos em que o mandante aceita a conciliação.
4- A falta de comparência de qualquer das partes ou dos seus mandatários não é motivo de adiamento.

Artigo 362.º
Âmbito das providências cautelares não especificadas.

1- Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2- O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3- Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.
4- Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.

Artigo 368.º
Deferimento e substituição da providência.

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2- A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
3- A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.
4- A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

A interpretação conjugada do regime acima reproduzido permite-nos corroborar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4/11/2009, processo n.º 2471-09.0TTLSB.L1-4, em que foi relatora a Juíza-Desembargadora Isabel Tapadinhas, publicado em www.dgsi.pt (Sumário), quando afirma o seguinte (ainda que cingido aos elementos de natureza substantiva ou material):

“I– A solicitação de medidas cautelares não especificadas depende essencialmente da verificação de dois requisitos, nos termos dos arts. 381.º e 387.º do Cód. Proc. Civil:

a) Aparência ou verosimilhança de um direito do requerente carecido de tutela (fumus boni iuris);
b) Verificação de situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada (periculum in mora). (…)”

António Abrantes dos Santos Geraldes, em “Temas da Reforma do Processo Civil - 5. Procedimento Cautelar Comum”, III Volume, 4.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, Janeiro de 2010, página 99, afirma a este respeito e de uma forma mais abrangente, o seguinte:

“Partindo do modo como vem regulada a matéria, o decretamento de providências não especificadas está dependente da conjugação dos seguintes requisitos:

a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b) Fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito:
c) Adequação da providência a situação de lesão iminente;
d) Não existência de providência específica que acautele aquela situação de perigo.” [[2]]

D– FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO.

Diremos no que toca à fundamentação que consta do despacho de indeferimento liminar impugnado que, sem prejuízo da insuficiência da matéria factual alegada pela trabalhadora (a justificar um segundo despacho de aperfeiçoamento), discordamos de alguns dos argumentos arregimentados pelo tribunal recorrido para o indeferimento liminar em questão[[3]] pois, não somente, parecem mostrar-se articulados os factos necessários ao preenchimento do primeiro requisito ali referenciado - aparência, verosimilhança ou probabilidade séria da existência do direito invocado e que, na perspetiva do Requerente, carece de tutela jurídica –, face à alegação e prova escrita da celebração de um contrato de trabalho entre o Apelante e a Apelada e à cessação do respetivo vínculo jurídico-laboral por uma via que não se reconduz a qualquer uma das modalidades lícitas elencadas no artigo 340.º do C.T./2009, como no que ao segundo requisito respeita – Verificação de situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada – [[4]], não se nos afigura certo e seguro que a perda continuada do rendimento pessoal e familiar derivado do salário que a Apelante deixou de perceber em virtude do referido despedimento (para mais, num tempo de grave crise financeira, económica e social, caracterizada por uma elevada taxa de desemprego e índices acentuados de emigração forçada)  não se possa considerar como suficientemente integrador do mesmo.

Convirá talvez e antes de mais, recordar a existência do procedimento cautelar de suspensão de despedimento que, sendo um meio processual específico do Direito do Trabalho, se basta, para o decretamento da respetiva providência cautelar, com a prova sumária do vínculo laboral e com a ilicitude do despedimento (presumindo o legislador laboral a partir de tal quadro mínimo factual e jurídico a existência do “periculum in mora”), baseando-se, para o efeito e certamente, na natureza continuada dos efeitos jurídicos, económicos, sociais e pessoais de uma cessação ilegal da relação de trabalho e no cariz quase alimentício, para a esmagadora maioria dos trabalhadores assalariados, que possui a retribuição periodicamente recebida – normalmente, com uma cadência mensal – como contrapartida da prestação ao empregador da sua atividade manual e intelectual.

Como bem afirma António Monteiro Fernandes em “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2006, paginas 436 e seguintes, ainda que a propósito do regime constante do Código do Trabalho de 2003, “desde logo, o salário não é a mesma coisa para o trabalhador e para a entidade patronal: aquele tende a encará-lo como meio de subsistência e a estabelecer uma correlação entre a penosidade do trabalho e o grau de satisfação (ou insatisfação) das suas necessidades pessoais e familiares…Ou seja: entre os padrões de avaliação do trabalhador (necessidades próprias) e da entidade patronal (produtividade) não há coincidência, nem mesmo tendencial. Para um, o salário é algo como um crédito alimentar; para o outro, é o preço de um fator produtivo. A negociação coletiva sobre a matéria salarial encontra aqui uma parte das razões da sua dificuldade, por vezes insuperável em termos pacíficos: o critério de uma das partes é basicamente social – o da outra é sobretudo económico. (…)

A destinação do salário à satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador constitui uma outra perspetiva a que o legislador atribui particular saliência. Pode dizer-se que é essa a conceção subjacente a todo o regime jurídico da retribuição no Código do Trabalho. Desde logo, o critério legal para a determinação qualitativa da retribuição é largamente tributário dela: ele assenta na ideia de regularidade do seu recebimento pelo trabalhador, ou seja, parte da existência de expectativas deste quanto ao grau de satisfação de necessidades correntes que os rendimentos do trabalho lhe asseguram.

Na perspetiva de se correlacionar o salário com as necessidades do trabalhador situa-se o regime da remuneração mínima garantida, cuja primeira versão constou do DL 217/74, de 27/5, e que hoje integra o art.º 266.º Código do Trabalho.

Esse regime tem raiz constitucional: o art.º 59.º/2 a) CRP vincula o Estado a estabelecer e atualizar o salário mínimo nacional, atendo em conta, entre outros fatores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida...». A verdade porém é que, não obstante a aparência criada (nomeadamente por diversas passagens dos preâmbulos dos diplomas que sobre o assunto foram surgindo, ao longo dos anos), não pode dizer-se que existe um autêntico salário mínimo nacional. O sentido normativo desta noção (como, de resto, ressalta do teor do preceito constitucional) engloba uma conotação de suficiência que, para ser correspondida, implicaria a correlação com um mínimo de subsistência familiar previamente determinado. Haveria, em suma, que fixar um quantitativo mínimo bastante para cobrir as necessidades tidas por essenciais dum agregado familiar com certa dimensão, face ao nível atingido pelo custo de vida. Não é, seguramente, esse o conteúdo da garantia existente: a lei fixa um quantitativo que (suficiente ou não) se tem por irredutível, obstando a que níveis remuneratórios inferiores sejam consignados na negociação coletiva ou nos contratos individuais.

E, ainda assim, o anterior regime, constante do DL 69-A/87, previa desvios para menos, relativamente a certas atividades (serviço doméstico, trabalho artesanal) ou em função de determinadas características dos trabalhadores (menores, praticantes, aprendizes, estagiários, ou com capacidade de trabalho reduzida) – que, no entanto, com o CT, deixam de ser aplicáveis.

Sublinhe-se, por outro lado, que, quanto aos critérios a adotar na definição da remuneração mínima garantida, o CT se aproxima, mais do que a lei anterior, dos desígnios constitucionais relativos ao salário mínimo: devem ser objeto de ponderação "as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida e a evolução da produtividade" (art.º 266.º/2).

Todavia, as expressões mais significativas do nexo estabelecido entre a retribuição e as necessidades do trabalhador consistem num conjunto de normas legais que oferece uma especial tutela da integridade dos valores que compõem o salário. Essa tutela aponta mesmo para a limitação dos efeitos normais que a atividade jurídica do trabalhador teria sobre tal parte (essencial) do seu património.

Assim, vigora a regra da inadmissibilidade da compensação integral da retribuição em dívida com créditos da entidade patronal sobre o trabalhador (art.º 270.º): a compensação, quando admitida (n.º 2 do mesmo art.º), não pode exceder, em regra, um sexto do salário.

Por outro lado, os créditos salariais são parcialmente impenhoráveis (em dois terços do seu montante: art.º 823.º/1 CPC) e também parcialmente insuscetíveis de cessão (art.º 271.º), aliás em medida idêntica.

Além disso, a retribuição do trabalho beneficia de importantes privilégios creditórios (art.º 377.º CT), não apenas sobre os bens móveis do empregador mas também sobre os imóveis em que preste o seu trabalho. Os créditos dos trabalhadores são colocados em primeiro lugar tanto num caso como no outro. Deste modo, a situação dos créditos remuneratórios e indemnizatórios, anteriormente bastante débil, resultou consideravelmente reforçada.

De qualquer modo, é patente que as disposições referidas assentam numa conceção não puramente «retributivas do salário – antes sublinhando a inerência deste último à satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador”. (não será despiciendo referir também, a este propósito, como aliás faz o autor citado, o Fundo de Garantia Salarial, instituído pelo Decreto-Lei n.º 212/99, de 15/06 e depois revogado pelo Código do Trabalho de 2003 – artigos 380.º e 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07 –, achando-se hoje previsto no artigo 336.º do Código do Trabalho de 2009 e nessas disposições da Regulamentação do anterior Código, bem como ainda o regime constante dos artigos 25.º a 31.º da Lei n.º 105/2009, de 14/09, como, por exemplo, a suspensão da execução fiscal ou da sentença de despejo).

Dir-se-á que nos movemos no âmbito do procedimento cautelar comum, com exigências formais e materiais distintas e mais acentuadas do que a da providência cautelar da suspensão do despedimento, mas nesta matéria do «periculum in mora» limitar-nos-emos a reproduzir a parte relevante do Sumário do Acórdão proferido em 29/02/2012, no âmbito da Apelação n.º 3013/11.3TTLSB.L1 e também de uns autos de procedimento cautelar comum, em que estava em causa a redução considerável das chamadas «despesas de deslocação» e em que também foi relator o juiz desembargador deste recurso:

«II– Não se pode equiparar a remuneração do trabalhador, que se traduz na contrapartida do trabalho prestado ao empregador, a um qualquer crédito proveniente de um contrato civil ou comercial, o que quer dizer que na aferição de qualquer lesão à mesma, importa, por um lado, ser bastante rigoroso na sua avaliação e tolerância, mesmo que em termos meramente cautelares, pois estão em causa direitos constitucionais básicos, de índole patrimonial, social, familiar, pessoal e moral, que, no seu conjunto, se reconduzem, em última análise, à dignidade da pessoa humana, nas diversas vertentes consideradas na Constituição da República Portuguesa, não se podendo ter, por outro lado e consequentemente, uma perspetiva miserabilista ou muito restrita do fundamento e âmbito de aplicação das providências cautelares, em casos como o dos autos, em que estão em causa, ainda que parcialmente, as necessidades básicas de subsistência do Requerente (alimentação, vestuário, calçado, habitação, saúde, etc.).

III– A situação de incumprimento parcial por parte do Requerente gerará consequências que não são somente de cariz patrimonial (sendo estas, já por si, graves, por poderem implicar o vencimento imediato dos débitos em causa, com a sua exigibilidade imediata – capital, juros e outras prestações acessórias – e a penhora e venda executiva de bens do Apelante), pois não só existirão necessariamente reflexos ao nível da estabilidade emocional e psicológica do recorrente, como ainda afetará inevitavelmente a sua vida familiar e social, podendo “manchar” finalmente o seu bom nome e reputação na praça bancária, caso o mesmo não consiga liquidar todos os seus empréstimos, cartão de crédito e saldos negativos nas contas bancárias (ou, por exemplo, seja por ele emitido um cheque sem provisão).

IV– Muito desses danos são sérios, graves e, no período que a ação laboral, destinada a debater em definitivo a questão da legitimidade ou ilegalidade da redução das denominadas “despesas de deslocação”, irá presumivelmente demorar até ao trânsito em julgado da decisão aí proferida, alguns deles poderão ser irreparáveis ou de difícil recuperação, pelo menos em toda a sua extensão.»

António dos Santos Abrantes Geraldes [[5]] refere, aliás, como áreas possíveis de beneficiar, no quadro do direito laboral, de providências cautelares não especificadas, “situações em que se pretenda a suspensão da aplicação de sanção disciplinar ou evitar a aplicação de sanção disciplinar de suspensão fora do quadro sancionatório típico, designadamente com suspensão do pagamento dos salários» e «Falta de pagamento de retribuições que coloque o trabalhador em graves dificuldades da sua subsistência e respetivo agregado familiar»”[[6]].

Ora, tendo como pano de fundo a doutrina e jurisprudência referidas, afigura-se-nos que está longe de ser evidente que a alegação (ainda que facticamente insuficiente) feita pela recorrente no Requerimento Inicial do presente Procedimento Cautelar Comum não era suscetível de configurar, de maneira alguma, uma situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada, por forma a permitir o juízo de manifesta improcedência constante do despacho de indeferimento liminar recorrido.

Também não nos deixa de impressionar o sucessivo e drástico encerramento de portas que os dois despachos de indeferimento liminar proferidos primeiramente nos autos de suspensão de despedimento e depois neste procedimento cautelar comum significam, juridicamente e na prática para a Requerente, retirando-lhe qualquer possibilidade de obter, em tempo útil e eficaz, uma decisão cautelar que logre impedir os danos de cariz patrimonial e não patrimonial derivados do despedimento ilícito de que alegadamente terá sido alvo.    
              
Tudo isto para se concluir pela precipitação, irrazoabilidade, senão mesmo insensibilidade, revelada pelo despacho de indeferimento liminar aqui impugnado e, consequentemente, pela procedência do presente recurso de Apelação no que toca ao fundamento nele invocado, não fossem os óbices de cariz formal que iremos, de seguida, analisar e que não permitem a sua final e efetiva consideração. 

E– PROCEDIMENTOS CAUTELARES DEDUZIDOS – MEIO PROCESSUAL PRÓPRIO.

Importa recordar a origem dos presentes autos de procedimento cautelar comum e que vão buscar o seu fundamento no despacho de indeferimento liminar que foi igualmente proferido no quadro do procedimento cautelar nominado de suspensão de despedimento, com o número de processo n.º 22191/15.6T8LSB [[7]] e que, tendo sido objeto de impugnação judicial, foi distribuído ao mesmo relator e coletivo do presente Aresto.

Esse recurso interposto pela ali (como aqui) Requerente em tais autos de suspensão de despedimento foi admitido a fls. 86 como de Apelação, tendo sido determinada a sua subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Tal recurso de Apelação, pela simples circunstância de ter sido interposto, obstou ao trânsito em julgado do despacho judicial recorrido mas o efeito suspensivo que, para além do efeito meramente devolutivo, também lhe foi atribuído, ao abrigo do disposto nos artigos 83.º, número 3 e 647.º, número 3, alínea c) do NCPC, que corresponde ao número 3 do artigo 692.º do anterior CPC, implica que tal despacho de indeferimento liminar não produza os normais efeitos jurídicos derivados do seu teor, alcance e sentido, mantendo-se assim inalterada a situação que se acha na génese da sua proferição [[8]].

Logo, a possibilidade de a Requerente – e ali e aqui Apelante – poder lançar mão do procedimento cautelar da suspensão de despedimento com vista a alcançar a paralisação temporária do despedimento de que, segundo ela, terá sido objeto, manteve-se totalmente em aberto, sendo perfeitamente expectável (como, aliás, veio efetivamente a acontecer) que o tribunal da 2.ª instância desse provimento à dita Apelação e revogando aquele despacho de indeferimento liminar, ordenasse que o procedimento cautelar nominado fosse admitido e prosseguisse a sua normal tramitação, com a subsequente resposta da requerida e entidade empregadora e realização da Audiência Final, com a produção de prova que esse entendesse por conveniente e proferição da sentença final.

Ora, sendo este o cenário adjetivo que se deparava à trabalhadora e tendo em atenção que um dos requisitos da instauração do presente procedimento cautelar comum era o de «Não existência de providência específica que acautele aquela situação de perigo», não estavam reunidos os pressupostos e circunstâncias que consentiam à requerente a instauração destes autos, pois ainda não era certo e seguro que o procedimento cautelar de suspensão de despedimento se encontrava judicial e definitivamente qualificado como meio processual inidóneo para alcançar a pretendida suspensão do despedimento [[9]].

Face a tal potencial cumulação de procedimentos cautelares, o juiz do segundo – o que temos agora entre mãos – deveria, antes de mais e à cautela, proferir despacho com vista a averiguar do estado dos autos de suspensão de despedimento (v.g., do trânsito em julgado ou não do despacho de indeferimento liminar ali prolatado), podendo indeferir por tal motivo formal e face à informação negativa prestada, o requerimento inicial deste procedimento cautelar comum ou, em alternativa, suspender a correspondente “instância”, em jeito de questão prejudicial, até se lograr uma decisão definitiva quanto à adequação ou não daquele meio processual cautelar nominado para julgar o pedido de providência em causa (e idêntico em ambos os processos).                                 

F – JULGAMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA NESSE PROCEDIMENTO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO.

Não tendo a demandante se abstido de instaurar os presentes autos de procedimento cautelar comum nem o tribunal da 1.ª instância cuidado de averiguar, prévia e prudentemente, do estado dos autos de suspensão de despedimento, importa olhar para o Acórdão prolatado em 16/12/2015 por este Tribunal da Relação de Lisboa, que conheceu a seguinte decisão final:

«Por todo o exposto, nos termos dos artigos 40.º e 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso de apelação interposto por AA, revogando-se, nessa medida e nos moldes antes ordenados, o despacho de indeferimento liminar recorrido e determinando-se, em sua substituição, que seja dado normal andamento aos presentes autos, com a marcação da Audiência Final e notificação da Requerida para apresentar a sua Oposição, nos termos legais. 
Custas a cargo da Apelada - artigo 527.º, número 1, do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.» [[10]]  

Ora, conforme resulta manifestamente de tal Aresto, este mesmo coletivo de Juízes-Desembargadores entendeu, ao contrário do que fez o Tribunal do Trabalho de Lisboa, que o procedimento cautelar nominado de suspensão de despedimento regulado nos artigos 386.º do Código do Trabalho e 34.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho constitui o meio processual próprio para conhecer da pretensão formulada igualmente nestes autos no sentido da suspensão do despedimento de que a Requerente teria sido alvo por parte da Requerida.

Sendo tal Aresto deste tribunal da 2.ª instância irrecorrível – cfr. artigos 32.º, 40.º, 79.º do Código de Processo de Trabalho e 370.º, 376.º, 559.º e 629.º, números 1 e 3, alínea c) do NCPC, tendo o tribunal recorrido fixado, sem oposição das partes, o valor da ação em 2,000,00 Euros, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea e) e Tabela I-B, 1 do RCP -, tal significa que tal decisão deste tribunal da 2.ª instância é definitiva e define o procedimento cautelar de suspensão de despedimento como o meio adjetivamente adequado e próprio para discutir e decidir, ainda que em termos meramente perfunctórios, o litígio dos autos.

Sendo assim, este procedimento cautelar comum não tem, como popularmente se usa dizer, “pernas para andar”, dado existir uma providência específica (melhor dizendo, um procedimento cautelar específico) onde deve ser julgada a pretensão da aqui Requerente.

O que se deixou acima sustentado, torna praticamente inútil a apreciação que fizemos da fundamentação do despacho de indeferimento liminar recorrido, pois independentemente da procedência ou improcedência do recurso da Requerente, seguro é que nunca o presente procedimento cautelar comum poderia ser tramitado e deferido, por ser legalmente inadmissível.

Logo, ainda que por fundamento diverso, de cariz formal, este procedimento cautelar comum nunca deveria ter sido instaurado nem poderia ser liminarmente admitido, por carecer do requisito em questão (ser o único meio cautelar legalmente previsto para a suspensão do alegado despedimento da trabalhadora).                        
G– CONCLUSÃO.

Face ao que se deixou antes referido, julga-se improcedente o presente recurso de Apelação e, nessa medida, confirma-se o despacho de indeferimento liminar impugnado, muito embora fazendo-o com fundamentos jurídicos distintos dos invocados em tal decisão.

IV – DECISÃO
                  
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, decide-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por AA, confirmando-se, nessa medida e ainda que por fundamento diverso, de natureza formal, o despacho de indeferimento liminar impugnado.            
*

Custas a cargo da Requerente – artigos 539.º e 527.º do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de dezembro de 2015 
    
José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Eduardo Azevedo

[1]«Nosso negrito e sublinhado.» - NOTA DE RODAPÉ DO DESPACHO LIMINAR TRANSCRITO.
[2]A doutrina divide-se quanto à possibilidade do prestador da atividade profissional que se considerava ligado ao beneficiário da mesma por força de um contrato de trabalho e que, no seu entender, foi ilicitamente despedido, poder propor um procedimento cautelar comum para obter a suspensão provisória de tal forma de cessação ilegal, quando não lhe é admissível fazê-lo por via do procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
CLÁUDIA MADALENO, em “Procedimento cautelar comum na jurisdição laboral e providências cautelares previstas no Código do Processo Civil aplicáveis ao processo laboral», texto publicado a páginas 81 a 130 da obra coletiva “Estudos do Instituto de Direito do Trabalho”, Volume IV, Ciclo de Conferência sobre Processo do Trabalho, Março de 2012, Almedina, com especial incidência para as páginas 114 e 115, parece admitir a apreciação em sede do procedimento cautelar comum de situações de despedimento que não sejam manifestas.
PAULO SOUSA PINHEIRO, em “Curso Breve de Direito Processual do Trabalho”, 2.ª Edição Revista e Atualizada, junho de 2014, Coimbra Editora, a páginas 90 a 92, Nota 180 e 102 a 116 tem opinião contrária, por entender, tanto quanto nos parece resultar do seu texto, que todos os despedimentos podem ser objeto da providência cautelar de suspensão de despedimento, afigurando-se-nos também ir nesse mesmo sentido ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, em «Suspensão de despedimento e outros procedimentos cautelares no processo do trabalho – novo regime – Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro», Almedina, Fevereiro de 2010, páginas 20 e seguintes.
A nossa posição, em conformidade aliás com o que já defendemos no quadro do recurso de Apelação n.º 22191/15.6T8LSB.L1, vai no sentido da possibilidade de discussão e decisão no âmbito do procedimento cautelar comum de cenários de despedimento ilícito que não caibam, por motivos vários, dentro das fronteiras da providência cautelar nominada da suspensão de despedimento, assim se garantindo a esses trabalhadores que entendem ter prestado serviço subordinado a um terceiro e terem sido ilegalmente despedidos pelo mesmo, a faculdade de obterem uma decisão judicial no sentido da suspensão de tal cessação ou de, pelo menos, da manutenção do recebimento da sua retribuição até à decisão final e definitiva do litígio na ação principal.                     
[3]Que aqui reproduzimos, por razões de comodidade, na parte que releva:
«No caso em apreço, a Requerente invoca factos tendentes a demonstrar a provável ilicitude do despedimento e, por conseguinte, o eventual direito a perceber o valor das retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão definitiva que o venha a declarar, assim como o eventual direito a ser reintegrada no mesmo posto de trabalho sem prejuízo da categoria profissional e antiguidade ou, se assim optar, ao valor da indemnização de antiguidade.
Com vista a demonstrar o justo receio de perda da garantia patrimonial ou o periculum in mora a Requerente alega que o seu dano é contínuo e irreparável porquanto deixou de auferir retribuição desde que foi despedida; que o despedimento verbal atentou contra o seu bom nome e honra; e ainda, que tal igualmente atenta contra a sua capacidade de trabalhar e, no futuro, de conseguir um novo emprego.
Esta alegação, porém, não é suscetível de consubstanciar o periculum in mora, requisito de que depende, como dito, a procedência do procedimento cautelar comum instaurado.
Afirmar que o despedimento verbal atentou contra o bom nome e a honra ou que atenta contra a capacidade de trabalhar e, no futuro, de conseguir um novo emprego é manifestamente conclusivo.
Para além disso, os danos patrimoniais e não patrimoniais consequentes de um eventual despedimento ilícito são sempre suscetíveis de serem patrimonialmente ressarcidos, desde que alegados e comprovados na respetiva ação judicial.
Afirmar, por outro lado, que o dano se traduz no facto de deixar de auferir o valor da retribuição desde que foi despedida constitui facto já verificado suscetível de reparação no âmbito da ação principal posto que uma das consequências da eventual ilicitude do despedimento consiste, justamente, no pagamento do valor das retribuições deixadas de perceber desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que o declarar.
Donde, não se vislumbra, por todo o exposto, que a Requerente receie, objetivamente, a perda de garantia patrimonial porquanto não alegou factos objetivos tendentes a demonstrar o periculum in mora e, portanto, o perigo na cobrança do crédito de que possa ser titular. (…)».
[4]Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil - 5. Procedimento Cautelar Comum”, III Volume, 4.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, Janeiro de 2010, páginas 100 e seguintes, acerca do segundo requisito comum às providências cautelares inominadas.
[5]Na sua obra «Suspensão de despedimento e outros procedimentos cautelares no processo do trabalho – novo regime – Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro», Almedina, Fevereiro de 2010, páginas 112 a 114.
[6]Cfr., também, CLÁUDIA MADALENO, obra citada, páginas 116 e seguintes e PAULO SOUSA PINHEIRO, obra citada, páginas 97 e 98.
[7]E que, por força do recurso de Apelação interposto para esta Tribunal da Relação de Lisboa, recebeu, neste tribunal da 2.ª instância, o número 22191/15.6T8LSB.L1.
Importa referir que todos os factos e dados que forem aqui referidos acerca de tal procedimento cautelar de suspensão de despedimento, que tem como partes os aqui litigantes, em posição processual igual, são para aqui carreados ao abrigo do n.º 2 do artigo 412.º do NCPC, afigurando-se-nos desnecessário, por constituir um ato inútil, atenta a identidade existente em ambas as ações entre demandantes, demandados e respetivos mandatários judiciais, determinar a junção de quaisquer peças processuais do procedimento cautelar nominado a este processo, por serem do integral conhecimento de Apelante e Apelada.        
[8]Cfr., a respeito do efeito suspensivo da decisão, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, páginas 171 e seguintes. 
[9]A questão suscitada no texto do Acórdão poderia assumir contornos diversos se a Requerente se tivesse conformado com o referido despacho de indeferimento liminar, não o impugnando por via recursória e assim o deixando transitar em julgado, virando-se depois e de imediato para o procedimento cautelar comum, nada obstando e impedindo o juiz deste segundo processo de encarar tal procedimento como adjetivamente inapropriado, por entender que seria o da suspensão de despedimento o formal e materialmente adequado, o que já não seria admissível caso tivessem sido esgotados sem sucesso todos os patamares admissíveis de impugnação judicial no âmbito dos primeiros autos instaurados.      
[10]Tendo sido lavrado o seguinte Sumário pelo relator desse Aresto (que aqui se transcreve por dar uma ideia das problemáticas essenciais que foram abordadas em tal Acórdão):
 «I- Tendo sido prolatados dois despachos liminares, de sentido oposto, a saber, um de normal recebimento do Requerimento Inicial da demandante, com a esperada designação da data para a realização da Audiência Final e a determinação da citação e notificação da Requerida, assim como da notificação da Requerente e outro, posterior, de indeferimento da Petição Inicial, por impossibilidade legal da trabalhadora lançar mão desse meio processual e ainda, no que toca à ação principal, por erro na forma do processo, constata-se que o juiz do processo nunca poderia ter prolatado este segundo despacho dado a fase processual para o fazer já se encontrar esgotada (como o próprio nome do despacho indica, trata-se, manifestamente, da fase inicial da ação ou procedimento, em que, fora das situações excecionais de citação prévia urgente, o juiz a quem os autos foram distribuídos - ou o seu substituto, em turno e durante as férias judiciais ou noutro impedimento do mesmo - contacta pela primeira vez com o pleito em concreto).
II- Não se tendo formado caso julgado formal, estamos perante a prática de uma nulidade processual secundária (artigos 195.º e 199.º do NCPC) que, por não ter sido devida e oportunamente invocada pela parte prejudicada, se veio a sanar pelo decurso do prazo de 10 dias que se acha legalmente previsto para o efeito.
III- A postura processual contraditória e apressada, que procura aliás radicar-se em fundamentos de natureza substantiva, dado o despacho em causa sustentar também a sua posição na interpretação jurídica que faz dos artigos 386.º e 387.º do Código do Trabalho de 2009, é suficientemente reveladora de uma atitude propositada de desrespeito do princípio do contraditório 8art.º 3.º do NCPC) e que, por via do despacho impugnado, permite a este Tribunal da Relação de Lisboa reconhecê-la e declará-la aqui e agora, o que implica a anulação do despacho de indeferimento liminar recorrido, nos termos dos artigos 195.º e 199.º do NCPC, por dela depender em absoluto.
IV- Caso se dê razão à recorrente no que concerne ao fundo da Apelação, tem tal julgamento e decisão de se sobrepor aos efeitos jurídicos da dita nulidade processual secundária, por já não fazer qualquer sentido e não possuir qualquer utilidade, o determinar-se ao tribunal da 1.ª instância que dê oportuno cumprimento ao referido princípio do contraditório, para então e depois vir a decidir em sentido idêntico ao expresso em tal despacho (art.ºs 6.º e 547.º do NCPC).
V- O regime constante dos artigos 34.º a 40.º do atual Código do Processo do Trabalho, para além de dissolver as dúvidas que existiam quanto à possibilidade do trabalhador poder lançar mão da providência cautelar da suspensão do despedimento quanto confrontado com situações de despedimento fundado em razões objetivas, veio reafirmar a faculdade que aquele tem de instaurar o procedimento cautelar respetivo quando é alvo de um despedimento não formal, podendo, para o efeito, indicar a prova que entender por conveniente.
VI- Ao passo que o artigo 35.º do Código do Processo do Trabalho, na sua redação anterior, só consentia a prova documental no caso de despedimento radicado num processo disciplinar ou procedimental instaurado pelo empregador contra ou relativamente aquele, atualmente e mesmo nesses casos de resolução promovida pelo empregador com base num procedimento formal, o empregado afetado por essa cessação pode vir indicar outros meios de prova que não unicamente os de índole documental.                     
VII- Nos termos da interpretação jurídica feita pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/03, que não foi afetada pelas recentes alterações do Código do Processo do Trabalho, o âmbito de aplicação da medida cautelar regulada nos artigos 34.º e seguintes do Código do Processo do Trabalho abrange situações de cessação do contrato de trabalho que, embora não classificadas assim pelo empregador, se traduzem, manifestamente ou, pelo menos, com um forte grau de certeza jurídica, ainda que em termos meramente perfunctórios, num despedimento ilícito do trabalhador.»