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ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
JUROS DE MORA
Sumário
1. Em pedido de indemnização civil decorrente da prática de crime de abuso de confiança à segurança social, o valor do dano causado pelos demandados coincide com o valor da prestação em falta e os juros de mora devidos terão que ser coincidentes com os que resultam da mora pelo não pagamento da prestação nos respectivos prazos. 2. O não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos gera a obrigação de pagamento de juros de mora, sendo a respectiva taxa igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e aplicada da mesma forma (cfr. os nºs 1 e 2 do D.L. 411/91 de 17.10) e por força do disposto no art. 44º, nºs 1 e 3 da Lei Geral Tributária, a taxa de juro aplicável é a prevista no D.L. 73/99 de 16.03, uma vez que havendo lei especial, a lei geral tem de ter-se por derrogada nesses casos. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório:
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular e nº 599/13.1TDLSB que corre termos na Secção Criminal (J11) da Inst. Local de Lisboa, Comarca de Lisboa, foram os arguidos,
L.
e
AB, Lda., condenados pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 105º nº 1, e 107º nº 1 do RGIT e a arguida sociedade ainda pelos arts. 7º nº 1, 12º nº 2 e 15º também do RGIT, nas penas de: o arguido L., 120 dias de multa, à razão diária de 6,00 €; a arguida AB, Ldª, em 150 dias de multa à razão diária de 7,00 €,
e ainda, na procedência parcial do pedido de indemnização civil, foram aqueles dois arguidos condenados a pagarem solidariamente ao demandante civil Instituto da Segurança Social, a quantia de 10.926,99 € acrescida de juros de mora nos termos dos arts. 804º nº 1 e 806º nº1, ambos do Cód. Civil, vencidos a partir do momento em que a prestação deveria ter sido paga, nos termos do art. 805º nºs 1 b) e 3 do Cód. Civil.
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Sem se conformar com a decisão, o demandante civil Instituto da Segurança Social interpôs recurso pedindo que seja proferida nova sentença que condene os arguidos e demandados L. e AB., Lda., no pagamento da quantia de 10.926,99 € acrescida de juros de mora vencidos e vincendos calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a Segurança Social, constante do art. 3º nº 1 do D.L. 73/99 de 16 de Março, até integral e efectivo pagamento.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1-O direito da indemnização reconhecido por este Tribunal não tem como causa a violação de crédito do I.S.S.l.P. sobre contribuições devidas pelas entidades patronais relativas aos vencimentos pagos aos trabalhadores e/ou membros da gerência, antes tem como causa de pedir o facto ilícito gerador do dano – o crime praticado. 2-Assim, entende-se que o regime geral previsto nos artigos 805º e 806º do CC é aplicável para o cálculo dos juros moratórios. 3-Diz o segundo dos preceitos que na obrigação pecuniária a indemnização moratória corresponde aos juros contados a partir do dia da constituição em mora. 4-O regime indemnizatório do não cumprimento/mora de uma obrigação pecuniária a considerar actualmente, encontra-se definido especialmente no art. 16º, nº 1 e 2 do DL 411/91 de 17/10 de que decorre obrigação de pagamento de juros de mora pelo não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos “por cada mês de calendário ou fracção” (nº 1) e, 5-quanto à taxa de juros de mora, remissão expressa para a legislação tributária (a taxa de juros de mora é igual à
estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e é aplicada da mesma forma” – nº 2). 6-Trata-se de lei especial que, de acordo com princípio geral do Direito, revoga Lei Geral e assim terá de ser aplicada. 7-Perante as duas previsões legais a equacionar quanto a taxa de juros (a que consubstancia a regra geral e a prevista no DL nº 73/99, aplicável às dividas ao Estado por força do disposto no art. 16º do DL nº 411/91, se impõe, por força de tal princípio, optar pelo que decorre da remissão feita neste preceito definidor do regime indemnizatório especial aplicável quando, 8-como é o caso, esteja em causa obrigação pecuniária decorrente da violação ilícita do direito das instituições de Segurança Social receberem, nos prazos fixados por Lei, os montantes das contribuições devidas pelos trabalhadores e deduzidas nos seus salários pela entidade empregadora. 9-No que concerne a taxa de juro moratório a considerar, perante a remissão feita pela norma que define tal regime indemnizatório especial aplicável a casos como o dos autos, ou seja, pelo já citado nº 2 do art. 16º do DL 411/91, haverá que considerar “in casu”, por força do determinado pelo art. 44º nº 1 e 3 da Lei Geral Tributária a lei geral para as dívidas ao Estado e outras Entidades Públicas, lei esta que é o DL nº 73/99, de 19/03, diploma segundo o qual a taxa de juros de mora por dívidas ao Estado e outras entidades Públicas é de 1% ao mês, 10-se o pagamento se fizer dentro do mês do calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente. (art. 3º nº 1). 11-São estes os juros de mora decorrentes da aplicação de tal taxa os aplicáveis e não os decorrentes da aplicação
da taxa, distinta, de juros de mora aplicável por força da regra geral considerada na douta decisão recorrida, em tal conformidade cumpre dar razão ao recorrente, julgando procedente o recurso.
Não houve contra-alegações.
Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta, afirmando concordar com os fundamentos do recurso, emitiu Parecer no sentido da respectiva procedência.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Fundamentação.
A sentença recorrida decidiu desta forma o pedido de indemnização civil:
A segurança social, deduziu contra a arguida e sociedade arguida pedido de indemnização civil pedindo a condenação destes no pagamento da quantia global €5.352,64, resultante dos descontos de contribuições nos salários efectivamente pagos aos trabalhadores e sócios gerentes, acrescidos dos respectivos encargos legais calculados nos termos do art. 3º, nº 1 do DL 73/99, de 16 de Março acrescida de juros à taxa legal vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. Ante a matéria dada como provada a quantia em causa não é deste valor mas de 10.926,66 euros claudicando parcialmente nessa medida o pedido cível nesta parte. Nos termos do art.º 129 do Cód. Penal a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Tendo presente a realidade factual acima traçada o tribunal entende que o pedido de indemnização cível deverá ser parcialmente procedente uma vez que os juros não deverão ser contabilizados nos termos daquele diploma mas nos termos dos arts. 804° 1 e 806° 1, ambos do Cód. Civil, os quais se vencem a partir do momento em que a prestação deveria ter sido paga, nos termos do art. 805º 1 b) e 3 do Código Civil, pois que se trata de obrigação que provém de facto ilícito e o crédito é líquido (conforme no Ac da RL in proc. nº 2020/08.8TAVFX.L1-3 de 17-05-2013, consultável in www.dgsi.pt onde se decidiu que:
“I- A responsabilidade civil decorrente da prática de crime tributário é regulada pela lei civil, em sede de responsabilidade por factos ilícitos - artigos 483º e 498º do Código Civil e 129º do Código Penal -, respondendo pelos danos causados os agentes do crime. II- A indemnização peticionada em processo penal não se destina a liquidar uma obrigação tributária, sendo antes fixada segundo critérios da lei civil, apesar de os factos geradores da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podem naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes. III- Por conseguinte, sobre a indemnização a apurar incidem juros moratórios, nos termos gerais (artigo 806º, 1 e 2 do Código Civil) e não, conforme peticionado, de acordo com o artigo 3º, nº 1 do DL 73/99 de 16.3 -, não havendo ainda lugar à aplicação dos encargos adicionais próprios dos incumprimentos tributários, por serem inaplicáveis às indemnizações fixadas de acordo com a lei civil.”
Tendo presente a realidade factual acima traçada o tribunal entende que o pedido de indemnização cível deverá ser parcialmente procedente devendo a pessoa colectiva ser condenada no pagamento à demandante da quantia de €10.926,99 acrescida de juros de mora nos termos dos arts. 804º 1 e 806º 1, ambos do Cód. Civil, os quais se vencem a partir do momento em que a prestação deveria ter sido paga, nos termos do art. 805º 1 b) e 3 do Código Civil (taxa de juro civil).
Apreciando:
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Em questão está o cálculo dos juros de mora a fixar em pedido de indemnização civil decorrente da prática de crime de abuso de confiança à segurança social.
A partir da entrada em vigor do Cód. Penal de 1982 ficou definitivamente assente que a indemnização por danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil (cfr. o art. 128º, a que corresponde actualmente o art.129º do Cód. Penal).
Em face desta formulação legal, ficou expressa e inequivocamente consagrado que toda a indemnização atribuída no âmbito de processo penal tem a natureza de indemnização civil de perdas e danos, pelo que, sempre que exista responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal, haverá que lançar mão do disposto nos arts. 483º ss e 562º ss, ambos do Cód. Civil, para averiguar da presença dos pressupostos em que assenta a obrigação de indemnizar e balizar os critérios de fixação do quantum indemnizatório.
Assim, em processo criminal tem o demandante civil que alegar e provar os factos em que se traduzem os pressupostos de que depende a aplicação do art. 483º do Cód. Civil: prática de um acto ilícito, culpa do lesante, existência de danos indemnizáveis e nexo de causalidade adequada entre aquele e estes.
Diga-se, desde logo, que o facto ilícito gerador de responsabilidade civil extracontratual é, no caso, a própria existência do crime, consubstanciado na presença dos elementos que integram a estrutura típica do crime de abuso de confiança contra a segurança social. Ora da matéria de facto provada decorre claramente o cometimento de tal crime por parte do recorrente, crime que tem natureza dolosa. Por outro lado, não se suscita qualquer dúvida quanto ao facto de, em consequência da omissão, ilícita e culposa, de não entregar as quantias descontadas nos salários dos trabalhadores à Segurança Social, esta ficou privada dessas quantias que lhe eram destinadas, assim sofrendo um dano de natureza patrimonial – com efeito, a partir do momento em que a entidade patronal desconta nos salários dos seus trabalhadores os valores das contribuições legalmente devidas, tais valores passam a pertencer à Segurança Social, embora só posteriormente esta possa exigi-los. E a não entrega desses valores no prazo legalmente fixado, além de constituir o facto ilícito típico, causa necessariamente um dano à Segurança Social que dá causa à obrigação de indemnizar.
Assim, o valor do dano causado será coincidente com o valor da prestação em falta – aliás, os factos em análise têm natureza criminal porque o Legislador entendeu que a violação dessa obrigação legal era de tal modo grave, e equiparada à violação do dever de pagar impostos, que “merecia” ser criminalizada, uma vez que estava em causa a defesa dos interesses públicos subjacentes à legislação reguladora da Segurança Social (a qual tem apoio constitucional nos termos do nº 2 do art. 63º da Constituição da República Portuguesa: “incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social”).
E ao valor da prestação em falta acrescem juros de mora (arts. 804º 1 e 806º 1, ambos do Cód. Civil), os quais se vencem a partir do momento em que a prestação deveria ter sido paga, nos termos do art. 805º 1 b) e 3 do Código que se tem vindo a citar, pois que se trata de obrigação que provém de facto ilícito e o crédito é líquido.
Contudo, tal não determina que a taxa de juro pela mora seja equivalente à taxa legal civil. É que o não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos gera a obrigação de pagamento de juros de mora, sendo a respectiva taxa igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e aplicada da mesma forma (cfr. os nºs 1 e 2 do D.L. 411/91 de 17.10). Por sua vez,por força do disposto no art. 44º, nºs 1 e 3 da Lei Geral Tributária, a taxa de juro aplicável é a prevista no D.L. 73/99 de 16.03.
Sendo o valor do dano causado pelos demandados, como já dissemos, coincidente com o valor da prestação em falta, os juros de mora devidos terão que ser coincidentes com os que resultam da mora pelo não pagamento da prestação nos respectivos prazos, ou seja, os juros de mora devidos terão que ser calculados nos termos previstos no D.L. 73/99 de 16.03, que por força das remissões a que aludimos é aplicável para o não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos.
De facto, havendo lei especial para determinados casos, a lei geral tem que ter-se por derrogada nesses casos.
Decisão.
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, reconhecendo que os recorrentes são responsáveis pelo pagamento, ao demandante, de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a Segurança Social, constante do art. 3º nº 1 do D.L. 73/99 de 16 de Março, até integral e efectivo pagamento.
Sem custas.