Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
USUCAPIÃO
PRIVAÇÃO DE USO
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário
1. Se os proprietários do prédio serviente deram autorização expressa à constituição de um caminho de passagem sobre o seu prédio a favor do prédio dominante, não está em causa um acto de mera tolerância 2. Iniciando-se a posse de boa fé, de forma pacífica e pública, começa, desde logo, a contar-se o prazo de usucapião. 3. A posse de boa fé convola-se em posse de má fé a partir do momento em que os possuidores tomam consciência de estar a lesar o direito de outrém, o que se é irrelevante se, entretanto, já tiver decorrido todo o prazo de usucapião. 4. Para que uma abertura com cerca de 60 cm de altura, 50 cm de largura e parapeito (desconhecendo-se a altura a que está do solo) seja considerada uma fresta irregular, e não uma janela, é necessário que resulte provado que a mesma não permite a devassa do prédio vizinho. 5. A sanção pecuniária compulsória não é a consequência do inadimplemento, antes visando forçar o devedor a cumprir, mas só se justifica se o devedor se recusa a cumprir, se o direito do credor já foi violado; o seu fim específico é o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua negligência, constrangendo-o a obedecer à decisão condenatória. 6. A ilegítima privação de um bem é susceptível de, por si só, constituir o lesante responsável na obrigação de indemnizar o lesado, sem prova de outros factos. 7. O CC fixa o início da contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização por responsabilidade civil extra-contratual no momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito. 8. Considerando a lei irrelevante a extensão dos danos não há fundamento legal nem material para se aguardar pela cessação do facto lesivo para começar contagem do prazo de prescrição. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.
RELATÓRIO:
J. C. ,e esposa, N., A., e esposa, M., intentaram contra António , e esposa, Maria , acção declarativa comum, pedindo que:
a) se declare a nulidade da escritura de justificação exarada a 3.10.2013 no Cartório Notarial da Notária C...C...S...;
b) se julgue procedente a impugnação dos factos justificados pelos RR. naquela escritura, declarando-se não serem os RR. detentores de qualquer direito de servidão de passagem e de vistas que impendem sobre o prédio dos AA.;
c) se condenem os RR. a repor e a restituir aos AA. a faixa de terreno da largura de 1,50m, que abusivamente ocuparam para além do limite do seu terreno;
d) ou subsidiariamente caso assim não se entenda, a facultarem aos AA. o acesso à servidão de passagem que abusivamente fecharam;
e) se condene os RR. a indemnizarem os AA. na quantia de €35.000, pelos prejuízos, desvalorização, custos e fruição por parte dos RR. do lote dos AA.
A fundamentar o peticionado, alegaram, em síntese:
Em 3.10.2013 foi lavrada no Cartório Notarial da Notária C... S..., em Lisboa, uma escritura de justificação de servidão de vistas e de servidão de passagem do prédio urbano, composto de r/c, com garagem e logradouro, destinado a habitação, sito na Av. Fábrica ..., nº..., C..., V..., Seixal, pertencente aos RR.
Na referida escritura foi declarado que os RR., desde 22.1.1976, têm vindo a gozar da utilidade de passagem por uma faixa de terreno do lote vizinho (nº .../2) dos AA., com 2,5m de largura, revestida a mosaico antiderrapante, pela qual acedem à garagem edificada nas traseiras do seu lote nº .../1, e pelo menos desde Julho de 1979, de utilidade de vistas através de janela aberta na parede do edifício construído que deita sobre o referido lote vizinho, com 60 cm de altura e 50 cm de largura e parapeito, o que vêm fazendo sem interrupção, como coisa própria, sem oposição de quem quer que fosse, e na convicção de não lesarem direito de outrém.
As referidas declarações não correspondem à verdade.
Desde 1996 que o lote .../2 pertence aos AA., por sucessão hereditária, e desde tal data que os AA. têm tentado vender o seu lote, sem sucesso, atenta a recusa dos RR. em retirarem do terreno dos AA. todos os seus bens que aí se encontrem, a procederem ao encerramento dos acessos, pedonais e motorizados, que existiam por mera questão de comodidade, deixando de os usar, e a fechar o vão envidraçado que se localiza no alçado lateral.
Os RR. trancaram o portão de acesso à passagem que reclamam na escritura supra referida, impedindo o acesso dos AA. à sua propriedade, situação que foi por estes comprovada em Março de 2009, verificando, em Setembro do mesmo ano, que os RR. tinham implantado, sem sua autorização, uma vedação em rede metálica aplicada em cima de muro de alvenaria com cerca de 1m de altura edificada no terreno dos AA.
Com os seus comportamentos, os RR. têm vindo a causar prejuízos aos AA. - perda de oportunidades de venda do seu lote, desvalorização do seu prédio, custos inerentes à elaboração de projectos de especialidade para construção de moradia no seu lote, cujo desenvolvimento se encontra parado em virtude da contenda, e impossibilidade de fruição do prédio – que devem indemnizar em valor não inferior a € 35.000.
Regularmente citados, os RR. contestaram, por excepção (invocando a ilegitimidade activa e passiva, a nulidade da PI por contradição entre a causa de pedir e o pedido, e a prescrição do direito indemnizatório), por impugnação, e deduziram reconvenção, alegando, no essencial, a factualidade constante da escritura de justificação.
Terminam pedindo que se julguem procedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade e ineptidão da PI, e se absolvam dos RR. da instância, ou, caso assim não se entenda, se julgue procedente a excepção peremptória de prescrição, e se absolvam os RR. do pedido, devendo, em todo o caso, a acção ser julgada improcedente, e a reconvenção procedente, condenando-se os reconvindos:
a) a reconhecerem o direito de propriedade dos reconvintes sobre o prédio urbano descrito na CRP da Amora sob o nº ... e inscrito na matriz sob o art. ...;
b) a reconhecerem que por usucapião os reconvintes adquiriram a servidão de passagem registada sob a Ap. 3, de 2013/11/04 a favor do seu prédio, que consiste em passagem, de pé e carro, por uma faixa de terreno de 2,5m de largura e de 10,5m de cumprimento, revestida a mosaico antiderrapante, para acesso à garagem edificada nas traseiras do prédio dominante (propriedade dos RR.);
c) a reconhecerem que por usucapião os reconvintes adquiriram a servidão de vistas já registada sob a Ap. 4, de 2013/11/04 a favor do seu prédio, que consiste em utilidade de vistas através da janela aberta na parede do edifício do prédio dominante (propriedade dos RR.), com 60 cm de altura, 50 cm de largura e parapeito;
d) a reconhecerem que o seu prédio se acha onerado com as referidas servidões de passagem e de vistas;
e) a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam, dificultem ou prejudiquem o livre exercício dos direitos de servidão referidos, assim como não privarem a sua utilização por parte dos reconvintes ou por quem quer que seja;
f) a reconhecerem como válida e eficaz a escritura de justificação de servidão de passagem e de servidão de vistas outorgada a 3.10.2013, mantendo-se os registos prediais operados com base na dita escritura;
g) a reconhecerem que a faixa de terreno existente no alçado lateral da moradia dos reconvintes, contígua ao prédio dos reconvindos, faz parte integrante do prédio dominante, sendo propriedade dos RR.;
h) no pagamento da quantia de €250,00, a título de sanção pecuniária compulsória por cada vez que os reconvindos violem as citadas obrigações.
Os AA. replicaram impugnando a matéria reconvencional, propugnando pela sua improcedência, bem como das excepções deduzidas.
Requereram, ainda, a ampliação do pedido, pedindo, a final, que:
a) se reconheçam os AA. como donos e legítimos possuidores do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. ..., por o terem adquirido por usucapião, e b) se ordene imediatamente o cancelamento dos registos efectuados em benefício dos RR. (Ap. 3 e 4 de 14/11/2013) e que oneram o prédio dos AA.
Os RR. sustentaram a rejeição liminar da ampliação do pedido.
Célia e Maria deduziram incidente de intervenção principal espontânea, para intervir ao lado dos AA.
Foi proferido despacho que admitiu a reconvenção e a intervenção principal espontânea de C...S... e M...H...R..., indeferiu a ampliação do pedido, saneou o processo,julgando sanadas as ilegitimidades invocadas, inverificada a ineptidão da PI, e relegou para final a apreciação da invocada excepção de prescrição, e fixou o objecto do litígio e os temas da prova.
Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo, oportunamente, sido proferida sentença que:
1. Julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) condenou os réus a restituírem aos autores a faixa de terreno existente no alçado lateral da moradia deles, contígua ao prédio dos autores, com a largura de 1,50 metros, por deste prédio fazer parte;
b) condenou os réus a pagarem aos autores a quantia de mil euros a título de indemnização pela privação do uso do prédio dos autores;
c) absolveu os réus dos demais pedidos formulados;
2. Julgou a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência;
a) condenou os autores a reconhecerem o direito de propriedade dos réus sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da A... sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3742, da dita freguesia;
b) condenou os autores a reconhecerem que por usucapião os réus adquiriram a servidão de passagem já registada sob AP. 3, de 2013/11/04 a favor do seu prédio (descrito sob o n.º .../Corroios), que consiste em passagem, de pé e carro, por uma faixa de terreno de 2,5 metros de largura e de 10,5 metros de cumprimento, revestida a mosaico antiderrapante, para acesso à garagem edificada nas traseiras do prédio dos réus;
c) condenou os autores a reconhecerem que por usucapião os réus adquiriram a servidão de vistas já registada sob AP. 4, de 2013/11/04 a favor do seu prédio (descrito sob o n.º .../Corroios), que consiste em, utilidade de vistas através de janela aberta na parede do edifício do réus, com 60 cm de altura, 50 cm de largura e parapeito;
d) condenou os autores a reconhecerem que o seu prédio (descrito sob o n.º .../Corroios) se acha onerado com as referidas servidões de passagem e de vistas;
e) condenou os autores a absterem-se da prática de quaisquer que actos impeçam, dificultem ou prejudiquem o livre exercício dos direitos de servidão referidos, assim como não privarem a sua utilização por parte dos réus ou por quem quer que seja;
f) condenou os autores a reconhecerem como válida e eficaz a escritura de justificação de servidão de passagem e de servidão de vistas outorgada a 03-10-2103;
g) absolveu os autores dos demais pedidos formulados.
Não se conformado com a decisão, dela apelaram os AA., tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões que se reproduzem:
1–O tribunal “a quo” não levou a efeito uma correcta apreciação da matéria de facto, mais concretamente a prova testemunhal, o que consequentemente originou uma decisão final indevida;
2–Os factos alegados na escritura de justificação notarial não se mostraram provados;
3–As testemunhas prestaram depoimentos contraditórios com a realidade, facto reconhecido pelo Tribunal a quo;
4–As testemunhas declarantes na escritura de justificação notarial prestaram depoimentos diversos em sede de audiência de julgamento;
5–Não foi efectuada a necessária inspecção ao local para aferição da localização e dimensões da “janela” que deu origem à constituição de servidão de vistas;
6–Pelo que deveria o Tribunal a quo ter considerado a não existência de servidão de vistas tal como o peticionado pelos Autores e declarado nula a referida escritura;
7–Foi igualmente efectuada uma errada aplicação do Direito nomeadamente:
8–Não se verificaram os requisitos (caracteres) da posse para efeitos de aquisição de servidão de passagem por usucapião;
9–A posse não foi titulada;
10–A posse não foi de boa fé;
11–A posse não foi pacífica, mas sim violenta;
12–Só dá lugar à contagem do prazo para usucapião quando a violência cessar;
13–Não se encontram preenchidos os requisitos para constituição de servidão de vistas;
14–Não se verificam os requisitos para qualificação do conceito de janela;
15–A abertura existente na fachada lateral do prédio do Réus é uma mera abertura de tolerância ou fresta irregular;
16–Não sendo apta a fazer constituir através dela uma servidão de vistas inclusive por usucapião;
17–Os autores têm direito a uma indemnização por parte dos réus pela privação do uso do seu lote de terreno;
18–Indemnização esta que deverá ser aferida desde 2009 – ano de início da privação acesso e uso, pelos Autores, do seu lote de terreno;
19–Privação esta que integra um facto continuado e que ainda não cessou;
20–O prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o dano cessou, o que ainda não aconteceu;
21–Assim, proporcionalmente ao valor indemnizatório reconhecido pela sentença ora recorrida, se cifra no montante de 5.363,10€ referente ao período de 2009 até à data da sentença.
Terminam pedindo que se revogue a sentença recorrida em conformidade com as alegações.
Os RR. contra-alegou propugnando pela rejeição liminar do recurso dos AA., ou caso assim não se entenda, a sua improcedência, e apresentaram recurso subordinado, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
…
VIII–Já quanto ao recurso subordinado, ao invés do que foi decidido na sentença recorrida, a faixa de terreno existente no alçado lateral da moradia dos Réus faz parte integrante do seu
lote estando dentro da área do mesmo e que o muro delimita, sendo, por conseguinte, propriedade dos Reconvintes.
IX–Pelo que, face ao que antecede, deverão os Réus ser reconhecidos como legítimos possuidores e proprietários plenos da faixa de terreno em questão.
X–No que concerne à indemnização arbitrada pelo Tribunal «a quo» por privação do uso do prédio, mostram os Réus o seu inconformismo, porquanto, a mera privação, só por si, não é ressarcível, para além do que, como já se referiu, os Autores não formularam qualquer pedido quanto ao reconhecimento do seu direito de propriedade.
XI–Acresce ainda que, os Autores não provaram a existência de qualquer dano concreto e efectivo, tendo antes ficado demonstrado que os mesmos não usam o seu terreno, nem do mesmo retiram ou aproveitam quaisquer utilidades.
XII–Não se mostram assim reunidos, no caso sub judice, os pressupostos da responsabilidade civil integrantes do direito de indemnizar, por inexistência do uso e pela falta de verificação de qualquer dano.
XIII–Finalmente impõe-se perante a condenação dos Recorridos subordinados e as cautelas que devem revestir a situação vertente, em nome da soberania e prestígio do Tribunal «a quo» e ainda por respeito à sentença recorrida, fixar-se a sanção pecuniária compulsória peticionada de 250,00 euros por cada vez que os Autores violem as obrigações que lhes foram determinadas nos presentes autos.
XIV–Assim, ao decidir da forma como o fez, o Meritíssimo Juiz «a quo» violou, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 342º, n.º 1, 483º, 498º, n.º 1, 562º, 829º-A, 1305º e 1311º, n.º 1 do Código Civil.
Terminam pedindo que a sentença recorrida seja substituída por outra que absolva os Réus de todos pedidos formulados pelos Autores, revogando-se, por via disso, a condenação constante do ponto 1, alíneas a) e b) do dispositivo da decisão impugnada, devendo ainda ser julgada totalmente procedente, por provada a reconvenção, e, consequentemente, os Recorridos subordinados condenados nos pedidos formulados sob as suas alíneas g) e h), mantendo-se no demais o decidido na 1ª Instância.
Os AA. não contra-alegaram à matéria do recurso subordinado.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
RECURSO PRINCIPAL:
a)impugnação da matéria de facto;
b)não verificação dos requisitos da posse para efeitos de constituição da servidão de passagem por usucapião;
c)não verificação dos requisitos da posse para efeitos de constituição da servidão de vistas por usucapião;
d)montante da indemnização fixada pela privação de uso do terreno.
RECURSO SUBORDINADO:
a)propriedade da faixa de terreno existente no alçado lateral da moradia;
b)indemnização fixada pela privação de uso do terreno;
c)procedência do pedido de condenação dos AA./reconvindos na sanção pecuniária compulsória peticionada.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 03 de Outubro de 2013 no Cartório Notarial da Notária C...C...S..., em Lisboa, no livro de notas para escrituras diversas nº ... - J, a fls. ... a ..., os réus outorgaram uma escritura de justificação de servidão de vistas e de servidão de passagem, na qual constam, entre outras, as seguintes declarações: “Que, por escritura de compra e venda lavrada em vinte e oito de Dezembro de mil novecentos e setenta, (…) compraram à Sociedade A, Lda.”, juntamente com Joaquim , e mulher, C., (…), na proporção de metade para cada casal (…) um prédio rústico localizado no Rossio da..., à data freguesia..., concelho do..., composto por terreno para construção urbana, com a área de quinhentos e vinte metros quadrados, a confrontar, do norte com lote n.º .., do nascente com lote n.º …, ambos propriedade da referida sociedade, do sul com Rua ... e do poente com caminho público, ao tempo inscrito na matriz sob parte dos artigos rústicos números 155, 156 e 157, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o número …, (…). Que, por escritura lavrada em vinte e dois de Dezembro de mil novecentos e setenta e seis, (…) os dois referidos casais de (…), procederam a uma divisão de coisa comum daquele terreno para construção urbana, (…) ficando a pertencer:
a) aos ora justificantes, António e mulher, Maria , um terreno para construção urbana, designado por lote n.º .../1, com a área de duzentos e sessenta metros quadrados, a confrontar, do norte com lote n.º ..., do sul com o referido Joaquim (actual lote n.º .../2), do nascente com lote n.º... e do poente com caminho público;
b) ao indicado Joaquim e mulher,um terreno para construção urbana, designado por lote n.º (…), com a área de duzentos e sessenta metros quadrados, a confrontar, do norte com o ora justificante marido, António (actual lote n.º), do sul com Rua ... 16, do nascente com lote n.º … e do poente com caminho público. Que mais ficou consignado na mesma escritura que estes dois prédios eram distintos e independentes, separados por um muro e estacas de cimento, (…) a) Que a aludida descrição número dezanove mil quinhentos e sessenta, (…) continuou, assim, a ser propriedade de Joaquim , e mulher, o, agora correspondente ao lote n.º .../2, tendo sido: 1.desanexada a área do novo lote n.º .../1 (…);
2. Actualizada a mesma descrição (…) passando o prédio, em virtude do destaque, a ter uma área de duzentos e sessenta metros quadrados, o lote a designar-se por lote n.º .../2 , a confrontar, do norte com A...M...M..., o ora justificante marido, mantendo-se as demais confrontações,(...);
3. inscrito o mesmo lote a favor dos referidos Joaquim e mulher, C (…); b) Que, ainda na sequência da outorga da mesma escritura de divisão de coisa comum, se procedeu 1. à abertura de uma nova descrição , a número vinte e seis mil cento e noventa e quatro, (…) correspondente ao novo lote n.º .../1; 2. à inscrição da mesma descrição a favor de António e mulher, Maria , os ora justificantes,(…). Que, antes ainda da data da outorga daquela mesma escritura de divisão de coisa comum, no dia 22 de Dezembro de 1976, os então proprietários do lote .../2, Joaquim e mulher, Carolina , autorizaram verbal e gratuitamente os justificantes e ora Reconvintes, António e sua mulher Maria , em Maio de 1976, a:
I) constituir uma servidão de passagem, a incidir sobre o lote sua propriedade, o referido lote n.º .../2, em benefício do indicado lote n.º .../1, propriedade dos justificantes e ora Reconvintes, para que os mesmos pudessem ter acesso à garagem que iam edificar nas traseiras desse seu mesmo lote n.º .../1, passagem essa que daria acesso ao seu referido lote n.º .../1, quer a pé, quer de carro, uma vez que o projecto contemplava uma casa a edificar que não deixaria uma faixa lateral à extrema do lote n.º .../1 com largura suficiente para permitir a passagem de carro até à garagem, projectada, por essa mesma razão, para ser edificada por detrás da moradia.
II) abrir uma janela no edifício que iam construir no seu lote n.º .../1 e na parede que deitaria para o lote n.º .../2. Que a construção foi efectuada contemplando essa passagem, que se concretizou num corredor com a largura de 2,5 metros, e o comprimento de 10,5 metros, revestida a mosaico antiderrapante, à vista de quem passa na rua e sem qualquer oposição dos referidos Joaquim e sua mulher , que a isso os autorizaram. (…) Que no decurso da mesma construção passou a existir uma janela, com 60 cm de altura, 50 cm de largura e parapeito, janela que deita para o lote vizinho, o n.º .../2, onde os Reconvintes e quem à mesma se dirija podem apoiar-se e desfrutar comodamente das vistas que proporciona, olhando, quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo, a qual permite, portanto, quer a entrada de luz na respectiva divisão, quer a devassa sobre o prédio vizinho, o indicado lote n.º .../2, sem que, contudo, os referidos Joaquim e sua mulher , a isso se opusessem (…) Que os ora justificantes, António e mulher, Maria , têm vindo a gozar:
I) desde, pelo menos, o referido mês de Maio de mil novecentos e setenta e seis, data do início dos trabalhos de construção, e, portanto, há mais de trinta e sete anos, da utilidade de passagem por uma faixa de terreno do lote vizinho, o n.º .../2, com as dimensões de dois vírgula cinco metros de largura e de dez vírgula cinco metros de comprimento, revestida a mosaico antiderrapante, através da qual acedem à garagem edificada nas traseiras do seu lote, o n.º .../1, passagem essa revelada por sinais visíveis e permanentes, à vista de quem passa na rua, que eles ora justificantes percorrem diariamente, a pé e de carro, eles e todos quantos se deslocam ao edifício;
II) desde, pelo menos, o referido mês de Julho de mil novecentos e setenta e nove, data da conclusão da obra, e, portanto, há mais de trinta e quatro anos, da utilidade de vistas, através de janela aberta na parede do edifício construído no seu lote n.º .../1, que deita para o lote vizinho, o n.º .../2, visível da rua, com sessenta centímetros de altura, cinquenta centímetros de largura e parapeito, onde os ora justificantes e quem à mesma se dirija se apoiam diariamente e desfrutam comodamente as vistas que a mesma proporciona, olhando, quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo, e que também abrem diariamente para permitir melhor entrada da luz e arejamento, utilidades que usufruíram sem interrupção, como coisa própria, tendo adquirido e mantido a sua posse sem a menor oposição de quem quer que fosse e com conhecimento de toda a gente, agindo sempre por forma correspondente ao exercício daqueles direitos reais de gozo, na convicção de não lesarem o direito de outrem, tendo, por isso, uma posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé, que dura há mais de vinte anos, pelo que :
I) a partir, pelo menos, do mês de Maio do ano de mil novecentos e noventa e seis, decorridos que foram vinte anos desde a data de início da posse, adquiriram aquele direito real de gozo de servidão de passagem, a favor do prédio que constitui sua propriedade e imposto sobre o prédio vizinho, por usucapião;
II) a partir, pelo menos, do mês de Julho do ano de mil novecentos e noventa e nove, decorridos que foram vinte anos desde a data de início da posse, adquiriram aquele direito real de gozo de servidão de vistas, a favor do prédio que constitui sua propriedade e imposto sobre o prédio vizinho, por usucapião, não tendo, todavia, dado o modo de aquisição, documentos suficientes que lhes permitam fazer prova dos seus indicados direitos” cf. certidão do teor integral da escritura junta a fls. 45 a 61, cujo teor de dá integralmente reproduzido (artigos 4º, 5º, 6º, 7º, todos da petição inicial e 33º, 34º, 36º, 40º, 42º, 44º, 46º, todos da contestação).
2. No livro nº ... da Conservatória do Registo Predial do Seixal, sob o nº..., a quota de ½ do lote .../2 está registada, desde 22 de Outubro de 1996, a favor de J. Ferreira e Lucília , Maria . C. e Maria ; a quota de ½ do lote .../2 está registada, desde 05 de Novembro de 1996, a favor de António (autor) e de J. C. da (autor); as servidões objecto daquela escritura estão registadas desde 14 de Novembro de 2013 (artigos 29º, 30º, 116º e 117º, todos da contestação).
3. No livro nº... da Conservatória do Registo Predial do Seixal, sob o nº ..., o lote .../1 encontra-se registado a favor dos réus desde 05 de Janeiro de 1977; as servidões objecto daquela escritura estão registadas desde 14 de Novembro de 2013 (artigos 113º e 114º da contestação).
4. No dia 28 de Dezembro de 1970, os réus e Joaquim e mulher Carolina compraram à Sociedade Agrícola de Nisa, Lda., na proporção de metade para cada casal, o terreno para construção urbana com a área de 520 metros quadrados, a confrontar de norte com o lote nº..., do nascente com o lote nº.., do sul com Rua ... e do poente com caminho público, ao tempo inscrito sob parte dos artigos rústicos números 155, 156 e 157, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o número ... (artigos 11º da petição inicial e118º da contestação).
5. Em 1976, o prédio foi materialmente dividido em dois lotes, com um comprimento de 25 metros e uma largura de 10 metros e meio cada, através de um muro e estacas de cimento (artigo 120º da contestação).
6.Em 1976, Joaquim e C. autorizaram verbalmente e gratuitamente os réus:
a) a constituir um caminho de passagem sobre o lote dos primeiros, em benefício do lote dos segundos, para que pudessem ter acesso, como pretendessem, à garagem que iam edificar nas traseiras deste, visto que o projecto da casa não deixava faixa lateral à extrema do lote dos segundos para permitir a passagem (artigo e 133º da contestação).
b) a abrir uma janela na casa que iam construir que deitaria para o lote dos primeiros (artigo 134º da contestação).
7. Em 1976 foi concedida licença camarária de construção aos réus e foi iniciada a construção do edifício e da garagem do lote dos réus (artigos 19º da petição inicial e 136º e 137º da contestação).
8. Em 1976, foi feito um caminho com a largura de 2,5 metros e o comprimento de 10,5 metros, no lote de Joaquim e mulher C., sem oposição destes, em direcção ao lote dos réus (artigo 135º da contestação).
9. No dia 22 de Dezembro de 1976, os réus e Joaquim e C. outorgaram escritura de divisão de coisa comum daquele prédio, tendo ficado a pertencer: a) aos réus, um terreno para construção urbana designado por lote .../1, com a área de 260 metros quadrados, a confrontar de norte com o lote ..., do sul com o Joaquim, do nascente com o lote nº... e do poente com caminho público; b) a Joaquim e C., um terreno para construção urbana designado por lote .../2, com a área de 260 metros quadrados, a confrontar de norte com o réu, do sul com Rua ... 16, do nascente com o lote... e do poente com caminho público (artigos 12º, 13º e 14º da petição inicial e 121º a 123º da contestação).
10. Em consequência, o lote .../1 deu origem à descrição predial nº ... e o lote .../2, após desanexação do primeiro, manteve-se na descrição predial nº... (artigos 125º a 131º da contestação).
11. Desde o início da construção da casa, os réus passaram a usar aquele caminho para transportar materiais necessários à execução da obra (artigo 138º da contestação).
12. Em 1976, foi construída na casa do lote .../1 uma abertura com cerca de 60 cm de altura, 50 cm de largura e parapeito, que deita para o lote .../2, a qual permite a entrada de luz na respectiva divisão e a quem nela se apoie olhar em frente, para os lados, para cima e para baixo, devassando o lote .../2 (artigos 139º e 140º, ambos da contestação).
13. Em 1979 foi concluída a construção da casa e da garagem do lote .../1 (artigo 143º da contestação).
14. Em 1981 foi emitida licença de habitação para o lote .../1 (artigo 144º da contestação).
15. Em 1989 faleceu Joaquim tendo-lhe sucedido como herdeira C. (artigo 146º da contestação) e em 1994 faleceu C. (artigo 149º da contestação).
16. Desde pelo menos 1976, data do início da construção da casa e da garagem no lote .../1, os réus têm gozado diariamente a pé, e desde pelo menos 1984 têm passado diariamente a pé e de carro, à vista de toda a gente, sem oposição de alguém até 12 de Março de 2003, na convicção de que não lesam direito de outrem, por uma faixa de terreno no lote .../2, com as dimensões de 2,5 metros de largura e de 10,5 metros de comprimento, actualmente revestida a mosaico antiderrapante, pela qual acedem à garagem edificada nas traseiras (artigo 157º e 159º da contestação).
17. Desde pelo menos 1979, data da conclusão da obra, os réus têm gozado diariamente, à vista de toda a gente, sem oposição de alguém até 12 de Março de 2003, na convicção de que não lesam direito de outrem, da utilidade de entrada de ar e de vistas através da abertura aberta na parede do edifício construído no lote .../1, que deita para o lote vizinho .../2, visível da rua, com 60 cm de altura, 50 cm de largura e parapeito (artigo 158º da contestação).
18. Sem o caminho referido em 17. os réus não teriam outra forma de aceder da via pública à garagem, pois não existe outro acesso directo (artigos 167º e 168º da contestação).
19. No dia 12 de Março de 2003, os autores J...C...C...R... e A... M...F... enviaram carta ao réu a solicitar-lhe, por terem promitente comprador do lote .../2, à retirada de todos os bens do referido lote e encerramento dos acessos quer pedonais quer motorizados que tem utilizado no terreno de que somos proprietários e (…) logo que o projecto de construção esteja aprovado deverá proceder ao fecho do vão envidraçado que se localiza no alçado lateral da sua construção (artigo 36º, 37º, 38º, 43º, 44º e 45º da petição inicial).
20. O alçado frontal da casa dos réus ocupava e ocupa toda a largura do terreno até às estremas do lote .../1 (artigo 21º da petição inicial).
21. O caminho de acesso à garagem tem no início um portão que os réus desde 2009 fecham e impedem o acesso dos réus ao lote .../2 (artigos 58º e 59º, ambos da petição inicial).
22. No dia 31 de Janeiro de 2008, os autores e Joaquim celebraram contrato-promessa de compra e venda do lote .../2 pelo valor de 42.500 euros (artigo 52º da petição inicial).
23. No dia 13 de Fevereiro de 2008, o autor enviou carta ao réu informando que irá propor processo e que nessa acção vai pedir indemnização pelos danos patrimoniais causados pela desmobilização de potenciais compradores (artigo 53º da petição inicial).
24. No dia 14 de Março de 2009, Joaquim assinou declaração na qual refere que por o proprietário do lote .../1 continuar a ocupar o lote .../2, impedindo o acesso a este lote do autor e do próprio, vai ser devolvido o valor do sinal prestado de 8.500 euros (artigos 62º a 64º da petição inicial).
25. Em 2009, os réus construíram um muro e por cima uma vedação a cerca de um metro, um metro e meio, da empena lateral da casa do lote .../1 que deita para o lote.../2, tomando para si a faixa de terreno delimitada entre a empena e o muro, com cerca de 14 metros de comprimento (artigos 67º e 68º, ambos da petição inicial).
26. Essa faixa de terreno faz parte da área do lote .../2 (artigos 67º e 69º, ambos da petição inicial).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
APELAÇÃO DOS AA.
1. Começam os AA./apelantes por se insurgir quanto à incorrecta “apreciação da matéria de facto” feita pelo tribunal a quo, como resulta da conclusão 1ª.
Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, dispõe o art. 640º, nº 1 do mesmo diploma legal que cabe ao recorrente que impugne a matéria de facto especificar obrigatoriamente e sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a)), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos (al. b)), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre tais questões de facto (al. c)).
Aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), e sintetizar nas conclusões.
Eventuais deficiências existentes no recurso da matéria de facto são insanáveis pela via do aperfeiçoamento, apenas reservado aos recursos da matéria de direito ([1]) e no que se refere às conclusões (arts. 639º e 640º do CPC).
No que toca aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se funde em prova gravada, deve atender-se ao concretamente disposto nos nº 2 do referido art. 640º, de acordo com o qual “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Analisadas as conclusões de recurso (1ª a 6ª) verifica-se que os apelantes não respeitaram o ónus de concretização que a lei lhes impõe, não tendo especificado nas conclusões, pelo menos, quais os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados [2].
É certo que nas alegações os especificam (factos 6, 12 e 17), mas não menos certo é que não especificam a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre tais pontos de facto.
Por outro lado, fundamentando a sua pretensão em erro na apreciação dos depoimentos das testemunhas (apenas em parte individualizadas), não indicaram as passagens da gravação em que se funda o recurso, limitando-se a fazer alusão a algumas frases, incompletas, do respectivo depoimento.
Não cumpriram, pois, os apelantes os ónus impostos pelo art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC, o que importa rejeição do recurso no que à impugnação da matéria de facto respeita.
Uma última palavra quanto ao teor da conclusão 5ª.
Em sede de requerimentos probatórios, requereram ambas as partes a inspecção ao local.
Na audiência de julgamento do dia 11.03.2015, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho: “o signatário encontra-se suficientemente esclarecido relativamente ao objecto da acção e à configuração do local objecto da escritura que os AA. colocam em crise, em consequência do que não vê qualquer utilidade na realização da inspecção judicial ao local, que assim se indefere”, o qual foi de imediato notificado às partes (fls. 420).
Os AA. não se insurgiram contra tal despacho, o que apenas parecem fazer na presente apelação [3].
Em causa está uma decisão interlocutória de rejeição de meio de prova, que deveria ter sido impugnada, imediatamente, no prazo de 15 dias (arts. 644º, nº 2, al. d) e 638º, nº 1 do CPC).
Não tendo sido impugnada no referido prazo, transitou em julgado.
2. Do mérito.
2.1. Sustentam os apelantes que não se verificam os requisitos da posse para efeitos de aquisição de servidão de passagem por usucapião, porquanto a posse dos RR. não é titulada, nem de boa fé, nem pacífica, sendo que só há lugar à contagem do prazo para usucapião quando a violência cessar.
Na sentença recorrida escreveu-se, sobre esta questão: “… O quadro fáctico antes descrito permite dizer que os réus exerceram a posse das utilidades facultadas pelo caminho aberto sobre o prédio contíguo (lote .../2) …: Desde 1976, altura em que fizeram o caminho com 2,5 metros de largura e o comprimento de 10,5 metros no lote .../2 em direcção ao lote .../1, os réus passaram a usá-lo para transportar materiais necessários à execução da obra de construção da moradia e garagem e após diariamente a pé e desde 1984 a pé e de carro; …, verificando-se por isso, respectivamente desde 1976 … o corpus da posse correspondente ao direito às servidões de passagem …. Também desde 1976 …, os autores têm a convicção de que exercem o direito a gozar das utilidades proporcionadas por aquele caminho (passagem a pé posteriormente de carro) de acesso à garagem do seu lote …, por expressamente autorizados pelos então proprietários do prédio vizinho ao seu, J...R... e C...R..., e onde aquele caminho foi implantado …, verificando-se o animus da posse. Essa posse foi titulada, porquanto o seu exercício decorreu de um modo legítimo de aquisição, a saber, da autorização expressa dos proprietários do prédio vizinho – artigo 1259º do Código Civil; foi de boa fé, porque presumida e porque não foi iniciada com violência, ou seja, através de coacção física ou moral, provando-se mesmo nunca ter havido oposição alguma até 2003 (e não se provando terem então os réus proibido os então proprietários de fazer uso concomitante das utilidades do caminho através da colocação de portão cuja chave não forneceram, facto ocorrido apenas desde 2009) – artigos 1260º e 1261º, ambos do Código Civil; e foi pública, … porque o uso do caminho foi feito à luz do dia, à frente de todos, podendo dessa forma ser conhecida pelos proprietários contíguos – artigo 1262º do Código Civil. Da autorização concedida ou do início da posse não foi feito registo predial a favor dos réus (senão em 14 de Novembro de 2013), pelo que a usucapião … da servidão de passagem em causa apenas poderia ter lugar quinze anos após o início da posse – artigo 1296º do Código Civil. E, como a posse necessária … à servidão de passagem se iniciou em 1976 e se manteve ininterruptamente, temos que … e em 1991 se completaram os prazos de quinze anos necessários à constituição por usucapião do direito às servidões de vistas e de passagem respectivamente. Mesmo que se considerasse que a servidão de passagem de carro se iniciou apenas em 1984, tínhamos decorrido integralmente o prazo de quinze anos em 1999. …”.
Vejamos.
A servidão predial é o encargo imposto num prédio (serviente) em proveito exclusivo de outro prédio (dominante) pertencente a dono diferente (art. 1543º do CC), podendo ser objecto da servidão quaisquer utilidades susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante (art. 1544º do CC).
Podem constituir-se, entre outras formas, por usucapião (art. 1547º, nº 1 do CC), ou seja, pela posse do direito, mantida por certo lapso de tempo (art. 1287º do CC).
Dispõe o art. 1296º do CC que “não havendo registo do título nem da mera posse [4], a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé”.
Como elucidam Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, 2ª ed. rev. e act., reimpressão, Vol. III, págs. 76 e 77, “embora o preceito refira apenas a falta de registo do título, é evidente que se aplica também à falta do próprio título, pois é aqui que se estabelece, para efeito de usucapião, o regime mais desfavorável ao possuidor”.
Estatui, por seu turno, o art. 1297º do mesmo diploma que “se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública”.
Em anotação a este artigo, escrevem os mencionados autores, na obra referida, a fls. 77 e 78, que “enquanto que a falta de registo, do título ou da boa fé apenas conduz ao agravamento dos prazos, a violência ou a tomada de posse ocultamente impede a usucapião. A razão lógica desta diferença está “na necessidade de aproximar o mais possível a posse ad usucapionem de um estado de facto que tenha a aparência do direito, e tal não acontece numa posse viciada (De Marino, ob. cit., art. 1163º)”.
Entendeu o tribunal recorrido que a posse dos RR. é titulada, contra o que se insurgem os apelantes, sustentando que sendo o título putativo (aquele que apenas existe na convicção do possuidor), desconhecido da ordem jurídica, não se está perante um modo legítimo de adquirir o direito, pelo que a posse não é titulada.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 1259º do CC, “diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico”.
Em anotação ao mencionado preceito, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, 2ª ed. rev. e act., reimpressão, Vol. III, pág. 18, que “a primeira parte do nº 1 dá de posse titulada o conceito que se formulava no art. 518º do Código velho. Para que a posse seja havida como tal, é necessário que se funde (que tenha a sua causa) em qualquer modo legítimo de adquirir o direito sobre a coisa (justa causa traditionis), independentemente do direito do transmitente (aquisição a non domino), isto é, que se funde num negócio abstractamente idóneo para a transferência da propriedade ou de um direito real de fruição (…)”.
No caso, a posse não é putativa, porquanto resultou de uma autorização expressa dos então proprietários do prédio serviente.
De facto, resultou da factualidade provada que, em 28.12.1970, os RR. e Joaquim Ribeiro e mulher compraram, na proporção de metade para cada um, o terreno para construção urbana com a área de 520 m2; em 1976, dividiram-no materialmente em 2 lotes iguais; no mesmo ano, o Joaquim Ribeiro e mulher autorizaram verbal e gratuitamente os RR. a constituir um caminho de passagem sobre o lote daqueles, em benefício do lote destes, para que pudessem ter acesso, como pretendessem, à garagem que iam edificar nas traseiras do seu lote, visto que o projecto da casa não deixava faixa lateral à extrema do lote para permitir a passagem; e no mesmo ano foi feito um caminho com a largura de 2,5m e o comprimento de 10,5m, no lote do Joaquim Ribeiro e mulher, sem a sua oposição, em direcção ao lote dos RR., que desde o início da construção da casa (nesse ano), o passaram a usar.
Afigura-se-nos, contudo, que não se está perante uma posse titulada, no sentido em que vem sendo entendida.
Subjacente à posse não existiu qualquer negócio jurídico, mas uma autorização dos então proprietários do prédio serviente para que os donos do prédio dominante constituíssem um caminho de passagem através do seu prédio, não se opondo, depois, à sua utilização por estes.
A autorização dada apenas releva para que se considere a posse de boa fé.
Sempre se dirá, porém, que sufragando o entendimento do tribunal recorrido (que a posse dos RR. é titulada), ou não (concluindo-se, como se concluiu, não ser a posse titulada), a conclusão é a mesma, porquanto, atenta a factualidade provada, a posse dos RR. é de boa fé e pacífica, ao contrário do que defendem os apelantes.
De facto, sustentam os apelantes que a posse dos RR. é de má fé, porquanto a posse de boa fé se convola em posse de má fé a partir do momento em que o possuidor tome consciência de que está a lesar o direito de outrém (art. 1270º, nºs 1 e 2 do CC), bem sabendo os RR. que estavam a lesar os interesses dos AA.
Por outro lado, sustentam que a posse dos RR. é violenta, ainda não tendo deixado de o ser, porque continuam a não permitir o acesso dos AA. ao seu próprio lote de terreno, não se encontrando, pois, a correr sequer, os prazos de contagem para a usucapião.
Nos termos do disposto no art. 1260º do CC,
“1- A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrém.
2- A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.
3– A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada”.
Enquanto o nº 2 deste preceito estabelece presunções (ilidíveis mediante prova em contrário – art. 350º do CC ), o nº 3 estabelece “um imperativo que funciona como uma espécie de sanção em relação à posse adquirida por violência” [5].
Por seu turno, dispõe o art. 1261º do mesmo diploma que,
“1 - A posse pacífica é a que foi adquirida sem violência. 2 - Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 255º”.
Como explicam Antunes Varela e Pires de Lima, na ob. cit., pág. 22, “o momento da aquisição da posse é, normalmente, o da apreensão da coisa”.
Atenta a factualidade provada, resulta inquestionável, que a posse dos RR., à data da aquisição, foi de boa fé e pacífica, porquanto foi “adquirida”, iniciada, sem violência, antes com a autorização dos donos do prédio serviente.
Não tendo a posse dos RR. sido obtida, constituída, com violência, nenhum sentido faz, fazerem os apelantes apelo ao disposto no art. 1297º do CC.
A posse iniciou-se de boa fé e pacífica, pelo que começaram desde logo a contar-se os prazos de usucapião.
Mesmo que não titulada, porque foi de boa fé, o prazo de usucapião é de 15 anos.
Sustentam os apelantes que a posse dos RR. é de má fé, porquanto a posse de boa fé se convolou em posse de má fé a partir do momento em que os possuidores tomaram consciência de que estavam a lesar o direito de outrém, bem sabendo que estavam a lesar os interesses dos AA.
Da factualidade provada resulta que, tal convolação apenas poderia ter ocorrido em 12.3.2003, quando os AA. endereçaram aos RR. a carta a que se alude no ponto 19. da fundamentação de facto, no fundo dando-lhes conta de que se opunham à existência do acesso que vinham utilizando sobre o seu prédio.
Até esse momento, ignoravam os RR. que lesavam os interesses dos AA. e que estes não corroboravam a autorização que lhes tinha sido dada pelos anteriores proprietários.
Ora, tendo a posse sido de boa fé até essa data, como já supra referido, em 2003 haviam já adquirido por usucapião a servidão de passagem referida por terem decorrido mais de 15 anos desde o momento de aquisição da posse, quer em relação à passagem a pé (utilizada desde 1976), quer de carro (desde 1984).
Nenhuma censura nos merece, pois, a sentença recorrida, improcedendo a apelação, nesta matéria.
2.2. Sustentam os apelantes que não se encontram preenchidos os requisitos para constituição de servidão de vistas, porquanto, embora a abertura em questão possa eventualmente permitir aos RR. avistar o prédio dos AA., se este for mais alto, o certo é que a sua estrutura não é vocacionada para o desfrute da utilidade das vistas, “pois encontra-se situada por cima da sanita”, estando em causa uma “fresta irregular”, insusceptível de justificar a constituição do direito de servidão de vistas.
Salvo melhor opinião, a fundamentação dos apelantes não tem em atenção a factualidade provada, mas assenta, ao que tudo indica, na intencionada alteração da factualidade provada, que soçobrou.
Dispõe o nº 1 do art. 1360º do CC que “o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio”.
Por seu lado, estatui o art. 1362º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “servidão de vistas” que,
“1– A existência de janelas, …, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.
2– Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no nº 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão dessas obras”.
De acordo com o disposto no art. 1363º, as frestas, seteiras ou óculos de luz não se consideram abrangidas pelas referidas restrições, podendo o vizinho levantar, a todo o tempo, a sua casa, ainda que vede tais aberturas (nº 1), devendo, contudo, estas situarem-se a, pelo menos, 1,80cm de altura do solo ou sobrado, e não ter mais de 15cm numa das suas dimensões (nº 2).
A abertura em discussão nos autos excede, em qualquer das suas dimensões, os referidos 15 cm (ignorando-se a que altura se situa do solo [6]).
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, na ob. cit., págs. 222 e 223, “a distinção entre as janelas, dum lado, e as frestas, seteiras ou óculos de luz e ar (…), do outro, foi sempre objecto de dúvidas e controvérsias; e não é fácil, de facto, sem aceitar critérios arbitrários, estabelecer as fronteiras de umas e outras. … O Código novo, inspirando-se na razão justificativa da restrição relativa às janelas, designou como caracteres próprios das frestas, seteiras ou óculos de luz e ar o facto de elas estarem situadas a um metro e oitenta centímetros de altura, pelo menos, a contar do solo ou do sobrado, e não terem, numa das suas dimensões, mais de 15 centímetros. … Toda a abertura que não obedeça, quer pelas suas dimensões, quer pela respectiva localização, aos requisitos indicados neste preceito, não pode ser qualificada como abertura de tolerância (fresta, seteira ou óculo para luz), devendo considerar-se sujeita, por conseguinte, ao regime que o nº 1 do artigo 1360º estabelece para as janelas (…)”.
Mas ainda que se pudesse considerar que estava em causa uma fresta irregular, como sustentam os apelantes, o que é um facto é que, para ser considerada como tal e não como uma janela, era necessário que tivesse resultado provado que a mesma não permitia a devassa do prédio vizinho, o que não sucede.
Como resulta da matéria de facto provada “em 1976, foi construída na casa do lote .../1 uma abertura com cerca de 60 cm de altura, 50 cm de largura e parapeito, que deita para o lote .../2, a qual permite a entrada de luz na respectiva divisão e a quem nela se apoie olhar em frente, para os lados, para cima e para baixo, devassando o lote .../2” (itálico nosso).
Nenhum fundamento (factual e jurídico) tem, pois, a pretensão de que em causa está uma fresta irregular a não permitir a constituição da referida servidão de vistas.
Os acórdãos do STJ referidos pelos apelantes nas suas alegações, vão, precisamente, no sentido ora sustentado.
Assim, sumariou-se no referido Ac. do STJ de 1.4.2008, P. 07A3114, rel. Cons. João Camilo, in www.dgsi.pt, que,
“I– As aberturas situadas na parede exterior de um edifício que deitem directamente para o imóvel contíguo e alheio, podem permitir a constituição de uma servidão de vistas, se tiverem as características previstas no art. 1362º, em confronto com o disposto no art. 1363º, ambos do Cód. Civil, para serem classificadas como janelas..
II– A diferença entre janelas e frestas está, além de nas suas dimensões, na finalidade de umas e outras.
III– Assim, as janelas além de terem maiores dimensões, devem, em princípio, permitir através delas, a projecção da parte superior do corpo humano e ser dotadas de parapeito onde as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se para descansar, conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para desfrutar as vistas, olhando quer em frente, quer para os lados, ou para cima e para baixo.
IV– Por seu lado, as frestas sendo de menores dimensões, e situando-se a altura superior a 1,80 metros do sobrado e do solo do prédio vizinho, não são servidas de parapeito e não permitem a projecção através dela do corpo humano sobre o prédio vizinho.
V– A existência de aberturas que não respeitando os limites previstos para as frestas no art. 1363º, nº 2 do Cód. Civil, mas que não permitem a referida projecção das pessoas sobre o prédio vizinho, apenas permitindo a entrada de ar e luz, pode levar à constituição de uma servidão predial, mas não de servidão de vistas impeditiva de o proprietário do prédio vizinho levantar construção que tape aquelas aberturas.
VI– Uma abertura situada numa casa de banho do rés-do-chão de uma moradia, com 79 cms de comprimento, de 36,5 cms de altura, localizada a 1,72 metros do sobrado da referida casa-de-banho e a 1,75 metros de altura do solo do prédio vizinho, munida de um sistema de fecho que apenas permite abrir na vertical e em um terço da sua dimensão, não é apta a fazer constituir através dela uma servidão de vistas” (sublinhados nossos).
Os apelantes limitaram-se a transcrever a última conclusão, desenquadrada, pois, do que a antecedia, e sem permitir alcançar o sentido correcto que resulta de todo o sumário.
No que ao Ac. do STJ de 26.6.2008, P. 08B1716, rel. Cons. Salvador da Costa, in www.dgsi.ptrespeita, os apelantes limitam-se a transcrever um parágrafo do texto, desenquadrado do restante escrito, resultando claro do respectivo sumário que a posição sufragada é a que aqui se segue:
“1. A diferença específica entre as frestas e as janelas envolve, além do seu tamanho em largura e altura, a função de umas e outras.
2. As frestas regulares são janelas muito estreitas, que permitirem a entrada de luz ou a claridade; e as janelas propriamente ditas, de maiores dimensões,visam essencialmente permitir a visão pelas pessoas de dentro para fora sobre os prédios vizinhos.
3. As aberturas inseridas nas paredes dos prédios que excedem a dimensão em largura e altura previstas na lei, mas estão situadas abaixo da altura a contar do solo a que a lei se reporta, são qualificáveis de frestas irregulares, sem a função de desfrute de vistas, insusceptíveis de constituir o substrato de aquisição do direito de servidão de vistas, inclusive por usucapião” (sublinhados nosso).
Improcede, pois, na totalidade a apelação dos AA.
RECURSO SUBORDINADO DOS RR.
1. Insurgem-se os RR./apelantes contra a sentença recorrida na parte em que os condenou a restituírem aos AA. a faixa de terreno existente no alçado lateral da moradia deles, contígua ao prédio dos autores, com a largura de 1,50 m, por deste prédio fazer parte, invocando vários argumentos a fundamentar decisão contrária que passaremos a analisar.
a) Alegam que o tribunal recorrido não decidiu em consonância com a prova produzida, tendo-se referido à faixa de terreno existente no alçado principal da moradia dos AA., quando o que está em causa é a faixa de terreno existente no alçado lateral da moradia dos RR.
Na sentença recorrida estabeleceu-se como um dos objectos do litígio “(5) saber se os réus são proprietários da faixa de terreno existente no alçado lateral da moradia” (fls. 423).
Na fundamentação de mérito, ao apreciar esta questão, escreveu-se: “5. A faixa de terreno no alçado principal da moradia dos autores integra o prédio dos autores? Resultou provado que em 2009, os réus construíram um muro e por cima uma vedação a cerca de um metro, um metro e meio, da empena lateral da casa do lote .../1 que deita para o lote .../2, tomando para si a faixa de terreno delimitada entre a empena e o muro, com cerca de 14 metros de comprimento e que essa faixa de terreno faz parte da área do lote .../2, prédio dos autores, não se tendo provado que antes fizesse parte da área do lote .../1. Pelo que tal faixa de terreno integra o prédio dos autores e os réus devem-na restituir – artigo 1311º, nº1 do Código Civil” (sublinhados nossos).
São manifestos os erros de escrita constantes do mencionado título, como se constata do objecto do litígio inicialmente concretizado e transcrito no parágrafo anterior, bem como da análise que, logo de seguida, o tribunal recorrido fez da questão.
A correcção de manifesto lapso de escrita deveria ser feita na instância própria, e em momento oportuno, o que os RR. não requereram.
Em todo o caso, os alegados lapsos de escrita não inquinaram a decisão, nem inquinam a percepção do decidido.
b) Alegam que a faixa de terreno em causa não tem, nem de perto, nem de longe, a largura de 1,50m, referida pelos AA. e impugnada pelos RR., que é propriedade dos RR. que sempre a usaram e fruíram, ininterruptamente ao longo de mais de 20 anos, conforme resulta do ponto 9. da fundamentação de facto e da escritura aí referida, bem como da carta referida no ponto 19., não sendo verdade o que consta do ponto 25., sendo que a vedação de rede metálica sobre o muro sempre lá existiu, tendo apenas sido substituída aquando do melhoramento do muro (por volta de 2009), cuja configuração inicial nunca foi alterada.
Importa começar por sublinhar que os RR./apelantes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, pelo que é perante a factualidade tida por provada que este tribunal de recurso tem de apreciar a questão.
E resultou provado que:
“25. Em 2009, os réus construíram um muro e por cima uma vedação a cerca de um metro, um metro e meio, da empena lateral da casa do lote .../1 que deita para o lote .../2, tomando para si a faixa de terreno delimitada entre a empena e o muro, com cerca de 14 metros de comprimento (artigos 67º e 68º, ambos da petição inicial)”.
26. Essa faixa de terreno faz parte da área do lote .../2 (artigos 67º e 69º, ambos da petição inicial)”.
O que resulta provado é que os RR. construíram o muro, com uma vedação por cima, em 2009, e que esse muro fica a cerca de 1 m / 1,50m da empena lateral da casa dos RR. que deita para o terreno dos AA., tomando para si essa faixa de terreno, delimitada entre a empena e o muro, que faz parte do lote dos AA.
Perante esta factualidade a conclusão tirada pelo tribunal recorrido é evidente.
Sempre se dirá, ainda, que resultou não provado que: “a vedação sobre o muro sempre existiu”, e “os réus sempre fizeram uso da faixa referida no facto provado 25”, pelo que nenhum sentido tem afirmarem os RR. tais factos como se tivessem logrado prová-los.
E o constante dos pontos 9. e 19., bem como da escritura de divisão de coisa comum, não põem em causa, nem são contraditórios, como a factualidade acabada de referir.
A escritura a que se reporta o ponto 9. da fundamentação de facto faz, efectivamente, referência a um muro de separação: “… Que estes prédios, ora distintos e independentes, são separados por um muro, e estacas de cimento” (fls. 65 dos autos).
Nada consta, porém, da factualidade provada no sentido de que o muro referido no ponto 25. da fundamentação de facto é o muro referido naquela escritura (impossibilitando tal conclusão a redacção do referido ponto 25.), sendo certo que os elementos constantes dos autos (pareceres da CM com referência ao projecto, ao alvará de licença de construção e alvará de licença de utilização) e a factualidade tida por provada no ponto 20., também apontam em sentido contrário.
Quanto à carta a que se refere o ponto 19. da fundamentação de facto, dela não se pode retirar o sentido pretendido pelos RR.
c) Por último, alegam que os AA. não fizeram prova do seu direito de propriedade, e, muito menos, a prova de quaisquer actos de posse por si exercida sobre a referida faixa, pelo que o tribunal deveria ter decidido incluir a faixa em causa no prédio dos RR.
Não impugnada a factualidade provada, a prova da propriedade da faixa em causa resulta demonstrada face teor dos pontos 4., 9., 10., 2. e 26., pelo que o tribunal recorrido só poderia ter decidido como decidiu, nenhuma razão assistindo aos RR.
Improcede, pois, nesta parte, a apelação subordinada.
2. Insurgem-se, também, os RR. contra a sentença recorrida na parte em que absolveu os AA. do pedido de condenação no pagamento da quantia de €250,00, a título de sanção pecuniária compulsória por cada vez que os reconvindos violem “as citadas obrigações”.
O tribunal recorrido julgou improcedente o referido pedido, “por não ter resultado sequer provado que alguma vez” os AA. tenham violado aqueles direitos.
Sustentam os RR. que a aplicação da sanção pecuniária compulsória não se prende com a violação consumada de direitos, antes tendo natureza preventiva, coercitiva, funcionando como consequência ou inerência do cumprimento daqueles.
Dispõe o art. 829º-A do CC que,
“1 – Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”.
O referido dispositivo legal foi introduzido pelo DL. 262/83, de 16.06, em cujo preâmbulo se justificou tal opção legislativa nos seguintes termos: “Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no art. 829º-A. Inspira-se a do nº 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem todavia menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se contudo atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que podia ser discutível face às garantias constitucionais. A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. …”. João Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª ed., pág. 355, escreve que “a sanção pecuniária compulsória é a condenação pecuniária decretada pelo juiz para constranger e determinar o devedor recalcitrante a cumprir a obrigação. É, pois, um meio de constrangimento judicial que exerce pressão sobre a vontade lassa do devedor, apto para triunfar da sua resistência e para determiná-lo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob a ameaça ou compulsão de uma adequada sanção pecuniária, distinta e independente da indemnização, susceptível de acarretar-lhe elevados prejuízos”. E mais à frente, a págs. 374 e 375, escreve que “pela técnica coercitiva se procura reforçar praticamente o direito do credor ao cumprimento da prestação infungível que lhe é devida, estimulando o seu cumprimento e prevenindo do seu incumprimento, e evitar que tenha de resignar-se à indemnização do dano resultante do incumprimento. … Fazendo seguir a condenação no cumprimento de prestação infungível de medida coercitiva eficaz, a sentença de condenação desempenha não só a função de tutela repressiva da violação já ocorrida como também a função de tutela destinada a impedir ulterior violação. Função de prevenção do ilícito que é da maior importância nas obrigações periódicas ou continuadas em que o juiz ordena que a violação não seja repetida in futurum, ou, noutros termos, condena no cumprimento da obrigação, no futuro” (sublinhados nossos).
Se é certo que a sanção pecuniária compulsória não é a consequência do inadimplemento, antes visando forçar o devedor a cumprir, não menos certo é que a mesma só se justifica se o devedor se recusa a cumprir, se o direito do credor já foi violado [7].
O seu fim específico é o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua negligência, constrangendo-o a obedecer à decisão condenatória.
Tal como referiu o tribunal recorrido, da factualidade provada não resulta que os AA. tenham alguma vez violado os direitos dos RR., ora, reconhecidos, não sendo, pois, caso de condenar na sanção pecuniária compulsória peticionada.
Improcede, também nesta parte, a apelação subordinada.
DO ALEGADO DANO DE PRIVAÇÃO DE USO.
Na PI alegaram os AA. que “têm vindo a ser prejudicados com os comportamentos e atitudes dos RR. (125º), perderam diversas oportunidades de venda do seu lote (126º), têm visto a sua propriedade onerada com uma servidão de passagem, com uma área total de cerca de 25 m2, implicando uma diminuição do seu valor por m2 (127º e 128º), têm-se visto privados de a usufruir, pela obstrução à entrada na sua propriedade (129º), e concluíram que os RR. os devem indemnizar “pela desvalorização do seu lote, pela fruição por parte dos Réus da passagem que reclamam, pelos prejuízos que já tiveram pela perda de potenciais compradores, pelos custos inerentes à elaboração dos projectos de especialidades para a construção de uma moradia no lote .../2 e cujo desenvolvimento se encontra estagnado em virtude da presente contenda e pela impossibilidade de fruição da sua propriedade”, pedindo, a tal título, a condenação dos RR. a pagarem-lhe uma indemnização nunca inferior a € 35.000.
Os RR., na contestação invocaram a prescrição do direito a indemnização dos AA., por, à data da instauração da acção, já terem decorrido mais de 3 anos desde a data em que os AA. adquiriram o lote em questão.
No saneador foi relegada a apreciação da excepção para a sentença, na qual se decidiu não terem os AA. direito a qualquer indemnização pela desvalorização do lote, a fruição pelos réus da passagem que reclamam, os custos inerentes à elaboração dos projectos de especialidades para a construção de uma moradia no lote .../2, por tais factos decorrerem do uso e da existência das servidões reconhecidas; pela perda de potenciais compradores, por não ser devida, ou por já ter prescrito; “ quanto ao facto de os autores terem deixado de gozar o seu prédio (lote .../2) porque os réus desde 2009 fecham o portão que lhe dá acesso, o que configura acto lesivo do seu direito de propriedade ilícito e culposo – artigos 483º, nº1 e 487º, nºs. 1 e 2 do Código Civil, provocando esse dano de privação do uso que não teriam não fosse essa lesão – artigo 562º do Código Civil – e que quanto a nós se trata de um dano patrimonial (considerando que um dos poderes do proprietário é o poder material de usar a coisa – artigo 1305º do Código Civil), temos que, primeiro, tal facto lesivo é continuado no tempo (a lesão repete-se no tempo, não se limitando a 2009, antes se repetindo sempre que os réus fizeram uso do portão e o fecharam evitando repetidamente que os autores por ele acedessem à sua propriedade) devendo entender-se que se encontra prescrito o direito à indemnização pelo período da privação do uso entre 2009 até final de 2012 – artigo 498º, nº1 do Código Civil, e tendo que se computar apenas o período decorrido desde princípios de 2013 até à entrada da acção em Novembro de 2013, e, segundo, que essa indemnização deve ser fixada em dinheiro (por a reconstituição natural ser impossível – artigo 566º, nº1 do Código Civil), com base na equidade – artigo 566º, nº3 do Código Civil – e temperada com o facto de também os autores não terem, quando o podiam ter feito (e daí a omissão também ser culposa), lançado mão imediata da tutela judicial, por exemplo, de procedimento cautelar de restituição provisória da posse, apenas intentando acção em Novembro de 2013, contribuindo por isso também para o agravamento dos danos, o que deve ser tomado em consideração – artigo 570º, nº1 do Código Civil. Assim ponderado o período de tempo de privação do uso do prédio rústico – onze meses, a não prova do uso concreto que os autores lhe davam antes de dele ficarem privados e também o facto de não terem imediatamente reagido judicialmente a tal esbulho, entendemos equitativa e justa a indemnização de mil euros pela privação do uso”.
Insurgem-se os AA./apelantes contra o decidido, sustentando que o direito a serem ressarcidos pela privação do uso do seu prédio por força da conduta dos RR., deve ser aferida desde 2009 – ano do início da privação de acesso e uso, pelos AA., do seu lote de terreno -, privação que integra um facto continuado que ainda não cessou, só começando a correr o prazo de prescrição a partir do momento em que o dano cesse, o que ainda não aconteceu (conclusões 17 a 20).
Assim, tendo em conta o valor indemnizatório reconhecido na sentença recorrida, deve, proporcionalmente, fixar-se o montante indemnizatório em € 5.363,10, referente ao período até à data da sentença (conclusão 21).
Por seu turno, insurgem-se os RR./apelantes contra o decidido, porquanto defendem que só há ressarcimento do dano de privação de uso se os lesados fizerem prova do dano concreto e efectivo que decorreu da privação, o que os AA. não fizeram.
Importa, pois, começar pelo recurso dos RR., por a apreciação da questão por estes colocada ser antecedente lógico da apreciação da questão pelos AA. suscitada.
E, desde logo se dirá, que não sufragamos a posição defendida pelos RR.
Dispõe o art. 562º do CC que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Por seu turno, o art. 563º do mesmo diploma legal estatui que “a obrigação de indemnização só existe em relação a danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
A indemnização é fixada em dinheiro quando não seja possível a reconstituição natural, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – art. 566º do CC.
Resultou provado nos autos que, desde pelo menos 1976, que os RR. têm gozado diariamente a pé, e desde pelo menos 1984 têm passado diariamente a pé e de carro, por uma faixa de terreno no lote .../2, com as dimensões de 2,5 m de largura e de 10,5 m de comprimento, actualmente revestida a mosaico antiderrapante, pela qual acedem à garagem edificada nas traseiras da sua casa.
E mais resultou provado que o referido caminho de acesso tem no início um portão que os RR., desde 2009, fecham e impedem o acesso dos AA. ao lote .../2.
Não obstante o reconhecimento da servidão de passagem em causa, aos RR. não é lícito coarctar o direito de propriedade dos AA. sobre o terreno onerado com a servidão, e, menos ainda, impossibilitá-los de ter acesso ao seu terreno.
O que é um facto é que resultou provado que os RR. fecham o portão que está no início do caminho (da serventia) e, dessa forma, impedem o acesso dos AA. ao seu lote.
A questão da indemnização dos danos emergentes da privação do uso de bem, tem sido objecto de estudos doutrinais (entre os quais o de Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano da Privação do Uso) e tem merecido decisões jurisprudenciais diferentes.
Para uns, a ilegítima privação de um bem é susceptível de, por si só, constituir o lesante responsável na obrigação de indemnizar o lesado, sem prova de outros factos [8], para outros, a indemnização apenas pode ser atribuída quando se comprove a existência de prejuízos concretos [9].
Perfilhamos a 1ª orientação referida, tal como foi sufragada na sentença recorrida.
Este entendimento assenta, fundamentalmente, na essência do próprio direito de propriedade do titular do bem (terreno) cujo acesso lhe é vedado - “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem” (art. 1305º do CC).
Ainda que tal impossibilidade de gozo se reporte, apenas, à disponibilidade do terreno, sempre existe um dano, que se reconduz, precisamente, ao facto de deixar de ter essa mesma disponibilidade.
Se não fosse a conduta dos RR., os AA. teriam acesso ao seu lote de terreno, para o que entendessem ou fosse necessário, nomeadamente mostrá-lo a eventuais compradores.
Improcede, pois, nesta parte, a apelação dos RR.
No que à apelação dos AA. respeita, apenas em parte merece a mesma provimento.
O prazo de prescrição do direito à indemnização por responsabilidade civil extra-contratual é de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, nos termos do art. 498º, nº 1 do CC.
O código fixa o início da contagem do prazo no momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito.
Como escreve Abílio Neto, no CC Anotado, 13ª ed., pág. 544, “o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e dessa prática ou omissão resultaram para si danos”.
Nada alegaram os AA., nem resultou demonstrado, que só em data posterior a 2009 tomaram conhecimento dos factos ilícitos praticados pelos RR.
Sustentam os AA. que estando em causa um acto continuado que ainda não cessou, o prazo de prescrição ainda não se iniciou, mas sem razão.
É certo que o acto ilícito tanto se pode traduzir na prática de um simples acto, numa só conduta violadora realizada em dado momento temporal (infracção instantânea), como pode traduzir-se numa série de actos susceptíveis de configurar uma infracção de natureza continuada ou permanente na qual o processo de violação do direito de outrem se mantém pela conduta persistente do infractor (infracção continuada).
Contudo, tal não significa, como sustentam os apelantes, que só cessando a conduta infractora se inicia o prazo de prescrição do direito a indemnização.
Desde logo, a lei não distingue entre infracções instantâneas ou continuadas, nem tal situação tem enquadramento no disposto no art. 318º do CC.
Por outro lado, o que se verifica na infracção continuada, como é o caso, é que em cada dia que passa, os RR. impedem o acesso dos AA. ao seu lote de terreno, causando um novo dano, após o qual estes tomam conhecimento da sua existência.
Em cada dia que fecham o portão, um novo dano terá ocorrido, tratando-se de facto continuado ou renovado.
Assim sendo, o prazo de prescrição só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos, renovando-se com a persistência da ocupação e a negação do acesso aos AA. por parte dos RR.
Como se escreveu no Ac. de 16.6.2011, P. 3448/07.6TVLSB.L1-6, rel. Desemb. Márcia Portela, in www.dgsi.pt, “Na intenção de aproximar, quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificaram, a lei tornou o início do prazo prescricional independente daquele, atendendo à possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, cujo montante exacto será nesse caso definido no momento posterior da execução da sentença, quando não seja possível determinar logo a extensão exacta do dano. Os direitos do lesado ficam suficientemente salvaguardados com a possibilidade de formulação de pedido genérico (artigos 569.º CC e 471.º, n.º 1, alínea b), CPC) e de o juiz arbitrar uma indemnização provisória, dentro dos limites dos danos já provados à data da sentença (artigo 565.º CC) (cfr. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. II, pg. 299). Considerando a lei irrelevante a extensão dos danos não há fundamento legal nem material para se aguardar pela cessação do facto lesivo para começar a contagem do prazo de prescrição.
Por outro lado, há que considerar que a lei prevê a possibilidade de consideração de novos danos que venham a ocorrer, enquanto não tiver decorrido o prazo da prescrição ordinária, como resulta do segmento da parte final do artigo 498º, nº 1, CC («sem prejuízo da prescrição ordinária»)” [10].
Este foi também o entendimento do tribunal recorrido (“tal facto lesivo é continuado no tempo (a lesão repete-se no tempo, não se limitando a 2009, antes se repetindo sempre que os réus fizeram uso do portão e o fecharam evitando repetidamente que os autores por ele acedessem à sua propriedade)”), nenhuma censura nos merecendo, pois, não assistindo razão aos AA., nesta parte.
O que se verifica, porém, é que o tribunal recorrido não aquilatou, correctamente, do limite temporal de prescrição.
De facto, escreveu-se na sentença recorrida: “devendo entender-se que se encontra prescrito o direito à indemnização pelo período da privação do uso entre 2009 até final de 2012 – artigo 498º, nº1 do Código Civil, e tendo que se computar apenas o período decorrido desde princípios de 2013 até à entrada da acção em Novembro de 2013”.
Tendo em conta que a presente acção foi proposta em 13.11.2013 e que a prescrição se interrompeu no mesmo dia, 13.11.2013 - art. 323º nº 1 do CC (cfr. fls. 97 a 99), temos de concluir que o direito de indemnização que os AA. pretendem fazer valer prescreveu relativamente aos danos causados pela impossibilidade de acesso ao seu terreno até ao dia 12.11.2010, mantendo-se incólume relativamente ao período que decorreu desde tal data, pelo que o período de privação a ponderar na fixação da indemnização não é, apenas, dos referidos 11 meses, mas 36 meses, assistindo, em parte, razão aos apelantes quanto ao período a ponderar.
Assim sendo, tem, necessariamente, de ser alterada a indemnização fixada em termos de equidade, afigurando-se-nos equilibrado, e proporcional, fixá-la no montante de € 3.000,00.
Procede, pois, em parte, a apelação dos AA.
DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar:
a) parcialmente procedente a apelação dos AA., alterando-se a sentença recorrida na parte em que condenou os RR. a pagarem aos AA. indemnização pela privação do uso do seu prédio, cujo montante, ora, se fixa em € 3.000 (três mil euros), mantendo-se o demais decidido;
b) improcedente o recurso subordinado, mantendo-se a sentença recorrida sem prejuízo do decidido em a).
Custas da acção e da apelação dos AA. por estes e RR. na proporção do respectivo decaimento.
Custas do recurso subordinado pelos RR.
*
*
*
Lisboa, 2016.01.26
(Cristina Coelho)
(Roque Nogueira)
(Maria do Rosário Morgado)
[1]Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC”, 2013, pág. 128. [2]Com interesse, cfr. sobre a questão o Ac. do STJ de 19.02.2015, P. 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. Cons. Tomé Gomes, in www.dgsi.pt. [3]Embora sem, verdadeiramente, porem em causa o seu teor. [4]O que ocorre no caso sub judice, como referiu o tribunal recorrido. [5]Ver Antunes Varela e Pires de Lima, na ob. cit., pág. 22. Também Oliveira Ascensão, em Direitos Reais, pág. 280, escreve que “Este (referindo ao art. 1260º) traz uma mera presunção de boa fé, uma vez que a posse titulada se presume de boa fé, e a não titulada de má fé (nº 2). Compreensivelmente, pois a solidez objectiva da situação indicia a boa fé; já o tratamento favorável que desta deriva não quadra normalmente à situação subjectiva de quem, sem título, possui. A esta presunção se sobrepõe uma outra, inilidível, de carácter claramente punitivo: a posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo que seja titulada (nº 3)”. [6]Sendo aos AA. que incumbia fazer prova deste facto, uma vez que sustentam que a abertura em questão é uma fresta e não uma janela, como sustentaram os RR. [7]Com interesse, veja-se o autor e ob. cit., a propósito da “sanção pecuniária compulsória e direitos reais”, pág. 470 e ss. [8]Posição defendida por Abrantes Geraldes na ob. cit., e, entre muitos outros, pelos Acs. da RL de 4.12.2006, P. 6340/2006-7, rel. Desemb. Roque Nogueira, da RP de 04.06.07, P. 0750727, rel. Desemb. Marques Pereira, da RP de 13.01.2011, P. 4661/08.4TBVFR.P1, rel. Desemb. Teles de Menezes, do STJ de 28.09.2011, P. 2511/07.8 TACSC.L2.S1, rel. Cons. Oliveira Mendes, do STJ de 8.5.2013, P. 3036/04.9TBVLG.P1.S1, rel. Cons. Maria dos Prazeres Beleza, todos in www. dgsi.pt, acórdãos estes que, contemplando embora a privação do uso de veículos automóveis, contêm princípio orientador que vale para quaisquer categorias de bens, na medida em que está em causa a privação da possibilidade de aproveitamento das respectivas utilidades. [9]Entre muitos outros, cfr. os Acs. do STJ de 19.11.2009, Proc. 31/04.1TVLSD.S1, rel. Cons. Helder Roque, de 16.3.2011, P. 3922/07.2TBVCT.G1.S1, rel. Cons. Moreira Alves, de 10.01.2012, P. 189/04.OTBMAI.P1.S1, rel. Cons. Nuno Caneira, e de 3.10.2013, P. 1261/07.0TBOLH.E1.S1, rel. Cons. Fernando Bento, todos em www.dgsi.pt. [10]Neste sentido, cfr., também, o Ac. do STJ de 18.4.2002, P. 02B950, rel. Cons. Araújo Barros, e da Ac. da RL de 2.07.2009, P. 387/08-6, rel. Desemb. Gilberto Jorge, ambos in www.dgsi.pt.