CITIUS
FORMULÁRIO
FALTA DE INDICAÇÃO DE TESTEMUNHAS
Sumário

Tendo sido propósito do legislador com a implementação do projecto de desmaterialização, eliminação e simplificação dos autos processuais, agilizar e simplificar a justiça e, consequentemente, aproximar esta dos cidadãos, com salvaguarda dos respectivos direitos, não é de rejeitar o rol testemunhas que não foi inserido no campo do formulário respectivo, mas apenas no ficheiro anexo onde consta o conteúdo material da peça em questão (contestação).
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I- RELATÓRIO:



AA, instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum contra BB. Uni., pedindo seja declarada lícita a rescisão do contrato por si operada e a ré condenada a pagar-lhe a indemnização e demais créditos que reclama.

A ré, citada, apresentou contestação, via CITIUS, sem, contudo, indicar, no campo do formulário respectivo, os nomes e as moradas das suas testemunhas. O que fez no ficheiro, em sede de contestação.

Foi proferido despacho saneador onde, entre o mais, se não consideraram os nomes das testemunhas não inseridas nos respectivos campos dos formulários disponibilizados (plataforma CITIUS) para apresentação das peças processuais pelos mandatários, nos termos da Portaria 280/2013, de 26 de Agosto. Conheceu-se em parte do pedido, tendo-se julgado parcialmente procedente a causa e condenado a ré em parte dos montantes peticionados pela autora.

Inconformada com aquele despacho dele recorre a ré, concluindoas suas alegações de recurso, em suma, do seguinte modo:

-A ora recorrente utilizou o sistema CITIUS, tendo a sua contestação sido aceite, sem que o dito sistema tivesse emitido qualquer aviso no sentido de que deveria preencher o formulário referente às testemunhas.
-Não houve omissão de qualquer formalidade essencial durante todo o processo.
-Ao não se admitir as testemunhas da ré está-se a denegar justiça e a privilegiar a burocracia, o aspecto formal em detrimento da simplificação de processos.
-Mais diz que a que autora não foi admitida como consultora, mas sim como gestor de clientes.

A autora respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

II- OBJECTO DO RECURSO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
As questões a apreciar no âmbito do presente recurso, consistem em aquilatar se a) deve ser considerado o rol de testemunhas da ré; e b) se a categoria da autora é a de “gestor de clientes”.

III- FUNDAMENTAÇÃO.

1. Matéria de facto
A constante do relatório

2.  O Direito.
a) Da admissão das testemunhas indicadas pela ré.

Como é sabido, o projecto de desmaterialização, eliminação e simplificação dos actos e processos na justiça que tem vindo a ser implementado no nosso país há alguns anos, pretendeu, entre o mais, através do recurso às tecnologias de informação e comunicação, melhorar as relações entre o sistema judicial e os cidadãos e empresas, com vista à simplificação dos actos e redução dos custos. Tal projecto tem assumido carácter evolutivo e faseado, do tipo “pequenos passos”, não estando ainda implementado nos Tribunais da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça. Através de legislação vária, tem-se vindo a concretizar, paulatinamente, uma nova maneira de configurar e tramitar actos e processos judiciais, importando destacar, no âmbito regulamentar, a Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, complementada e alterada pelas Portarias 457/2008, de 20 de Junho, 1538/2008, de 30 de Setembro, 195-A/2010, de 8 de Abril e 471/2010, de 8 de Julho.

Assim, com a Portaria 114/2008 regularam-se vários aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais na primeira instância, designadamente, a apresentação das peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados, comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário, designação do agente de execução que efectua a citação, distribuição electrónica de processos, notificação por transmissão electrónica de dados, prática de actos pelos magistrados e funcionários judiciais e consulta de processos. 
Através da Portaria 457/2008, viria a estender-se aos magistrados do Ministério Público a regra de os actos processuais deverem ser praticados através do sistema informático CITIUS, passando, assim, todo o fluxo processual a ser integralmente coberto por aplicações informáticas, tendo-se ainda determinado a aplicação da mesma regulamentação à apresentação do requerimento executivo.

Mediante a Portaria 1538/2008, passou a existir um fluxo electrónico de nos tribunais judiciais de 1.ª instância para os processos de família e laborais, tendo-se passado a prever, nomeadamente, a existência de notificações exclusivamente electrónicas de processos, dispensando-se o envio em papel, por correio e, no que concerne aos recursos, que a existência de processo físico apenas passa a conter as peças e documentos relevantes para a decisão material da causa para o tribunal superior.

Por via da Portaria 195-A/2010, de 8 de Abril, a tramitação dos processos nos tribunais de execução de penas passou a ser efectuada em termos electrónicos.

E, por força da Portaria 471/2010, de 8 de Julho, esclareceram-se alguns aspectos do previsto nos anteriores diplomas, como sejam, competir ao juiz definir o que entende dever ser impresso, o âmbito de aplicação do novo módulo CITIUS de entrega de peças processuais pelo Ministério Público, e algumas questões no âmbito da distribuição automática de processos.

Do breve excurso efectuado pelos diplomas citados, pode verificar-se o propósito do legislador, em ir gradualmente alargando e aprofundando o processo de desmaterialização dos actos e processos judiciais no âmbito do universo judiciário, numa lógica de agilização e simplificação da justiça e consequentemente de proximidade desta aos cidadãos.

Na linha do que tem vindo a ser implementado, e no que se refere, concretamente, à apresentação a juízo de actos processuais, dispõe o art.º 144.º do actual Código de Processo Civil (CPC):

“1- Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respectiva expedição.
2- A parte que pratique o acto processual nos termos do número anterior deve apresentar por transmissão electrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respectivos originais. “
(…)”

Estipulando-se no art.º 132.º, do mesmo diploma, no referente à tramitação electrónica de processos que:

 “1- A tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados, das secretarias judiciais e dos agentes de execução ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
2- A tramitação electrónica dos processos deve garantir a respectiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade.
(…)”

A tramitação electrónica de processos, de acordo com o prescrito nos referidos normativos do CPC, mostra-se actualmente regulada na Portaria 280/2013, de 26 de Agosto.

Aí se prescreve, para o que ora releva, que a “apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados por mandatários judiciais é efectuada através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, no endereço electrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes” (art.º 5.º, n.º 1).
E que “a apresentação de peças processuais é efectuada através do preenchimento de formulários disponibilizados no endereço electrónico referido no artigo anterior, aos quais se anexam: ficheiros com a restante informação legalmente exigida, conteúdo material da peça processual e demais informação que o mandatário considere relevante e que não se enquadre em nenhum campo dos formulários; os documentos que devem acompanhar a peça processual, sendo que os formulários e os ficheiros anexos referidos fazem parte, para todos os efeitos, da peça processual (art.º 6.º, n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 2).

Para além de que, nos termos do art.º 7.º, “quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respectivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos (n.º1).
Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários do conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos” (n.º 2) (itálico e negrito da nossa responsabilidade).

Perante o teor das referidas normas, a questão em apreço consiste, pois, em saber se deve ser desconsiderado o rol de testemunhas apresentado pela ré em virtude do mesmo constar apenas no ficheiro anexo (contestação), e não no campo do formulário respectivo, como decorre dos supra citados artigos 6.º e 7.º da Portaria 280/2013.

Ora, analisando os campos do formulário em causa, verifica-se que o mesmo tem campos de preenchimento obrigatório (cujo não preenchimento implica o não recebimento da peça em causa pelo sistema) e outros que o não são (não sendo de preenchimento obrigatório o campo destinado à indicação das testemunhas). Para além de que nos campos do formulário existentes, não estão previstos todos os meios de prova.

Deste modo, muito embora tal campo do formulário exista e deva ser preenchido, nos termos dos citados preceitos, a observância de tal obrigação destina-se, sobretudo, a facilitar o trabalho da secretaria que, por força da introdução dos dados respeitantes à identificação das testemunhas, a efectuar pelas partes, através dos seus mandatários, fica dispensada de o fazer, beneficiando, assim, dessa indicação para efeitos de consulta e de ulteriores notificações.

Nos termos do referido art.º 5.º da mesma Portaria 280/2013, a apresentação da peça processual em causa, apenas ficará completa com a inclusão no ficheiro anexo do seu conteúdo material, demais informação não integrante do campo do formulário respectivo e documentos anexos.

Isto é, a apresentação da contestação, à luz das novas regras, é integrada por esse conjunto de elementos e deve ser processada electronicamente. Mas, enquanto articulado que é, à luz do regime adjectivo, não pode a mesma deixar de observar determinada estrutura e de ter um certo conteúdo, devendo nela também constar a indicação do rol de testemunhas - art.º 147.º do CPC e art.º 63.º do Código de Processo do Trabalho (CPT).

Desta feita, muito embora o referido normativo prescreva que em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que este se não mostrem preenchidos, não pode interpretar-se tal preceito no sentido de que o acto em causa (contestação), enquanto peça unitária e sujeita aos formalismos processuais referidos, possa, pura e simplesmente, ser desconsiderado, quando ocorra simples omissão do preenchimento do campo do formulário referente às testemunhas.

Em tal situação, não somente se não está perante verdadeira desconformidade ou distonia entre os elementos constantes num e noutro local da peça em causa, mas antes perante a pura omissão de preenchimento do campo do formulário, de carácter não essencial, uma vez que a peça em causa, como se viu, não deixa de ser recebida pelo sistema, não fazendo qualquer sentido fazer prevalecer essa omissão (total ausência de dados) quando a informação relativa às testemunhas, embora não inserida no local electrónico próprio para o efeito, consta do processo (ficheiro anexo) em termos electrónicos e é perfeitamente acessível à parte contrária e aos demais utilizadores.

A interpretação acolhida na decisão, de não considerar as testemunhas apenas indicadas em sede de contestação, para além de atribuir consequências preclusivas a uma mera irregularidade, sem consequências em termos de sistema, desvirtua, por completo, o desiderato do legislador que foi o de tornar célere e eficaz o sistema de justiça, numa lógica de proximidade e de respeito pelos direitos processuais das partes, traduzindo-se, ainda, numa violação do direito de defesa da ré e do princípio do contraditório, que norteiam, como é patente, o actual processo civil (art.º 3.º n.º 3 do CPC), configurando-se também como solução excessiva e desproporcionada, à luz das regras do processo equitativo decorrentes do art.º 20.º n.º 4 da Constituição, que, como tal, sempre seria de rejeitar.
Procede, pois, a presente questão.

b) Da categoria da autora (gestor de clientes).

Insurge-se a ré com o facto de na decisão recorrida a autora constar como consultora, quando a mesma foi admitida como gestora de clientes.
Relativamente a esta questão, não somente a categoria profissional da autora não faz parte dos pedidos por esta formulados, como no contrato de trabalho celebrado entre as partes (fls. 22 a 26), a autora surge como tendo sido admitida para desempenhar funções ao abrigo dessa categoria, não se compreendendo, de todo, a posição manifestada pela ré. Termos em que improcede esta questão.

IV– DECISÃO.

Em face do exposto, concede-se parcial provimento ao recurso da ré e, como tal, revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita o rol de testemunhas indicado pela ré em sede do ficheiro anexo (contestação), dando-se a normal sequência aos autos.
Mantém-se, no mais, o decidido.

Custas pela ré e pela autora, na proporção.



Lisboa,27.01.2016



Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro