I – A arguição de nulidade por parte do apelado que nos termos da 1ª parte do nº 2 do art 684º-A CPC permite o alargamento do objecto do recurso, não tem que ser feita constar das conclusões das contra alegações, bastando que esteja presente «nas respectivas alegações».
II – A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido na execução com base no estabelecimento de um prazo tão curto como o constante no art 839º/3 al c) CPC (30 dias), destina-se a evitar situações em que o comprador do bem na execução, e que viu essa venda anulada, proceda a negócios com terceiros que o tenham como objecto, máxime realizando a respectiva venda, e que obstaculizem à restituição do bem ao executado.
III – Em situações como as dos autos, em que o trânsito da decisão de anulação da venda executiva vem a ser obtido cerca de 12 anos depois, e em que, nesse lapso de tempo, o comprador dos bens na execução já os vendeu a terceiros, que os registaram em seu nome, o pedido da restituição desses bens na execução não teria qualquer utilidade, por isso não podendo a sua não existência obstar à procedência da acção de reivindicação.
IV – Com o disposto no art 589º/1 CPC, como já sucedia no âmbito do art 487º do aCPC, exige-se que no requerimento de segunda perícia a parte que a requer justifique «fundadamente» as razões da sua discordância relativamente aos resultados da primeira. Quer dizer - proceda a uma indicação lógica, coerente e consistente das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente, levando tais razões a concluir que aquele relatório padece de inexactidões e/ou de deficiências que poderão vir a ser supridas ou suprimidas com a nova perícia, sempre no âmbito do objecto da primeira.
V- Constitui jurisprudência corrente a que tende a considerar como situações justificativas do indeferimento de uma segunda perícia, apenas, as que, na prática, se reconduzam ao não cumprimento pela parte que a requeira, do «ónus argumentativo» introduzido pelo trecho final do nº 1 do artigo 589º do CPC.
VI – O cumprimento do ónus de fundamentação do objecto do recurso sobre a matéria de facto não exige que o impugnante da mesma faça constar das conclusões das alegações a especificação dos «concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», bastando que essa especificação se faça no corpo das alegações. Já o cumprimento do ónus de delimitação do objecto do recurso, que advirá da especificação dos «concretos pontos de facto que (o recorrente) considera incorrectamente julgados e da especificação da «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», tem que resultar das conclusões do recurso, atenta a função de delimitação do objecto do recurso que lhes cabe..
VII – A doutrina dominante entende que o negócio a partir do qual se deve contar o período de três anos referido no nº 2 do art 291º CC é o primeiro, isto é, aquele cuja validade afecta consequencialmente a posição jurídica do terceiro.
VIII - Há autores – vg Oliveira Ascensão, José Alberto Gonzalez- que entendem que para que o terceiro alcance protecção por via do 291º do CC, é necessário, à partida, que o registo em nome do “dante causa” do adquirente de boa fé seja anterior à data da celebração do negócio.
IX – Outros há - vg Carvalho Fernandes, Menezes Cordeiro - para quem a não exigência do registo prévio a favor do “dante causa” para que o terceiro possa beneficiar da tutela do art 291º, ao contrário do que ocorre no art 17º CRP, é mesmo o elemento que permite delimitar o campo de aplicação de cada um desses artigos.
X - A maioria da doutrina entende que o nº 2 do art 17º CRP não tem de ser compatibilizado com o art 291º CC, porquanto o nº 2 do art 17º do CRP diz apenas respeito às invalidades registais e o art 291º CC às invalidades substantivas.
XI – O art 291º/3 define a boa fé em termos éticos - a referência à culpa implica a presença de deveres de diligência e de cuidado que levam as pessoas, sobretudo perante bens registáveis, a um mínimo de precauções para não incorrer nas consequências de um negócio viciado.
XII – Os 3º, 4º e 5º RR. na acção não adoptaram um comportamento exigível ao comprador médio, em termos de cuidado, prudência e diligência, na averiguação da situação jurídica dos prédios, não podendo, por isso, dizer-se que desconheciam, quando compraram os prédios aos 1º e 2º RR., que se encontrava pendente de apreciação, pedido de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal.
XIII – Não estando de boa fé não merecem protecção, seja por via do disposto no art 291ºCC, seja por via do disposto no art 17º/2 CRP.
25) Os autores estão impedidos de entrar nos prédios, desde, pelo menos, meados de Maio de 1996.
27) Os autores deixaram de retirar proventos da utilização dos prédios e de amortizar, ao Fundo de Turismo, o capital mutuado e respectivos juros.
28) Provado o que consta das respostas aos nº 55 a 58.
31) À data mencionada em M), os prédios já se encontravam na situação descrita supra em 7) a 21 ).
33) À data mencionada em M), os dois primeiros réus eram pessoas experientes na compra de bens em processos de execução fiscal.
34) À data mencionada em M), os dois primeiros réus dedicavam-se, já, há vários anos, à actividade de compra de propriedades para revenda.
39) Os dois primeiros réus compraram os prédios para revenda - provado
40) À data mencionada em M), os dois primeiros réus desconheciam a existência de qualquer irregularidade ocorrida no processo de execução fiscal, relacionada com a venda dos prédios - provado
41) À data em que foi efectuado, na Conservatória do Registo Predial, o respectivo registo de aquisição, por compra em processo de execução fiscal, os dois primeiros réus desconheciam a existência de qualquer irregularidade ocorrida no processo de execução fiscal, relacionada com a venda dos prédios.
45) A utilidade turística atribuída ao empreendimento em causa caducou em 27.03.95.
46) Provado o que consta da resposta ao n° 45.
47) Provado o que consta da resposta ao n° 45.
48) À data mencionada em P), os terceiro e quarto réus desconheciam a existência de qualquer acção judicial de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal.
49) À data mencionada em S), o quinto réu desconhecia a existência de qualquer acção judicial de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal.
51) Os autores entraram em incumprimento para com o Fundo de Turismo e por isso foi-lhes movido o processo de execução fiscal supra identificado
52) À data referida em P) e S) os prédios em causa encontravam-se em situação de ruína e invadidos de mato.
53) E as edificações que neles existiam não tinham condições de habitabilidade, nem para serem exploradas, lucrativamente, para qualquer outro fim.
55) À data mencionada em P) e S), o prédio descrito sob o número 613 tratavase de um terreno com a área total 35.871 m2 (trinta e cinco mil oitocentos e setenta e um metros quadrados), composto por pinhal, vinha, oliveiras, árvores de fruto, horta, pastagem, mato, terreno estéril e cultura arvense, no qual se encontrava em construção um edifício com destino a balneário, campo de squash e estrebaria para alojar 9 (nove) cavalos.
56) O prédio descrito sob o número 165 tratava-se de uma casa abarracada para habitação com a área de 51,87 m2.
57) E o prédio descrito sob o número 166 tratava-se de uma casa de habitação, com a área de 180 m2 (cento e oitenta metros quadrados).
58) E o prédio descrito sob o número 167 tratava-se de uma casa de rés-dochão, para adega, estábulos, pocilgas e armazéns, com a área de 130 m2 (cento e trinta metros quadrados).
59) À data mencionada em P) e S), as casas acima referidas foram entregues aos terceiro, quarto e quinto réus em situação de completo abandono,
60) Em ruína e invadidas por mato
63) O edifício declarado em construção, mencionado em 55, nunca foi concluído
64) Nem chegou a ser executada a respectiva cobertura, nem o respectivo pavimento
65) E só apresentava, como apresenta ainda, as respectivas paredes exteriores, sem quaisquer acabamentos.
66) Após a data referida em P) e S), os terceiro, quarto e quinto réus procederam à construção de um novo edifício de habitação com a área coberta de 60,93 m2 (sessenta metros e noventa e três centímetros quadrados), aproveitando parcialmente uma anterior construção que no local existia.
67) E, contiguamente, procederam à construção de um novo edifício, para armazém, com a área coberta de cerca de 100 m2 (cem metros quadrados).
68) O edifício referido em 66 está implantado, parte, onde anteriormente se encontrava uma casa abarracada destinada a habitação.
69) E parte no prédio descrito sob o número 613.
70) Os terceiro, quarto e quinto réus procederam à reconstrução da casa abarracada com a área de 51,87 m2, para o efeito parcialmente demolida, designadamente, a respectiva cobertura e paredes interiores, com levantamento do pavimento existente e remoção de entulhos, com excepção das respectivas paredes exteriores.
71) E procederam à execução de uma estrutura em pilares e vigas de betão armado, para estruturar o novo edifício, incluindo viga de coroamento.
72) E procederam à execução da cobertura, constituída por vigamentos e ripas de madeira, para assentamento de novas telhas.
73) E procederam à execução de paredes de alvenaria interiores, em blocos cerâmicos.
74) E procederam à execução de rebocos em paredes novas e paredes existentes, interiores e exteriores.
75) E procederam à execução de estuques em paredes, e pintura das mesmas a tinta plástica, (interiores).
76) E procederam à execução de pavimento em massame armado, incluindo uma nova betonilha de regularização para assentamento de pavimentos.
77) E procederam à execução de revestimento do pavimento, assente sobre a betonilha, em mosaicos cerâmicos de tijoleira, incluindo o tratamento das juntas e a protecção superficial.
79) E procederam à execução de um forro de teto, em madeira maciça, a executar um teto falso, incluindo o acabamento a verniz.
80) E procederam à aplicação de novos vãos completos de portas, incluindo a tolha, o aro, as guarnições, as ferragens e o acabamento das madeiras a verniz.
81) E procederam à execução de novos vãos exteriores, incluindo as vergas das janelas e porta, bem como a colocação de cantarias em pedra calcária na periferia dos vãos exteriores.
82) E procederam à aplicação nos vãos exteriores de janelas e porta (exteriores), tudo em alumínio lacado verde, incluindo o vidro e as ferragens, com portadas venezianas no mesmo material.
83) E procederam à preparação e à pintura de paredes exteriores a tinta de membrana.
85) E procederam à aplicação de azulejos no revestimento das paredes da casa de banho, incluindo o tratamento das juntas.
86) E procederam à aplicação de mosaicos no revestimento do pavimento da casa de banho, incluindo o tratamento das juntas.
87) E procederam à aplicação de louças na casa de banho, banheira, bidé, sanita, lavatório e respetivas misturadoras.
88) E procederam à aplicação de espelho e de acessórios de casa de banho
89) E procederam à execução de nova rede elétrica, com circuitos de iluminação, tomadas e quadro, incluindo o apoio de construção civil na abertura e fecho de roços.
90) E procederam à execução de nova rede de águas quentes e frias, incluindo o apoio de construção civil
91) E procederam à execução de rede de esgotos, incluindo o apoio de construção civil e a montagem de caixas de receção de esgotos.
92) E procederam à execução de casa do gás e da respetiva fonte de calor
93) Procederam à execução de um pequeno armazém, sendo a estrutura geral em pilares e vigas de ferro, a cobertura em chapa metálica e os paramentos laterais também em metálica.
94) Os supra referidos novos edifícios, a casa e o armazém, têm, respetivamente, o valor de € 18.172,64 e € 9.835.
95) Os terceiro, quarto e quinto réus gastaram na construção desses edifícios quantia não apurada.
96) Com as referidas construções foi acrescentado valor ao prédio onde foram implantadas.
97) Os terceiro, quarto e quinto réus procederam à construção de um núcleo de escritórios e fabril, composto por três pisos.
98) O primeiro piso é fabril e as restantes instalações dividem-se entre armazéns, arrumos, instalações sanitárias e escritórios.
99) No segundo piso foram instalados escritórios, com vários gabinetes e salas de reunião, zonas de apoio e casas de banho.
100) No primeiro piso foram executadas novas instalações fabris e montada uma linha de desmanche de animais.
101) Local onde foram instaladas as câmaras frigorificas e os armazéns, a zona de transformação, os gabinetes dos técnicos de saúde e as casa de banho.
102) Este conjunto de edifícios novos está implantado numa área de 257,38 m2.
103) Sendo 61% desta área construção nova e 39% edificação aproveitada e reconstruída sobre a que anteriormente correspondia à casa de habitação com a área de 180 m2, acima mencionada.
104) E a parte que excede aquela área de construção, foi edificada em terreno do prédio descrito sob o número 613.
105) Com a construção destes edifícios, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à execução de uma estrutura com sapatas, pilares, vigas e lintéis de betão armado, para estruturar toda a zona nova e a reconstruída, incluindo as vigas de coroamento.
107) E procederam à execução de paredes de alvenaria interiores e exteriores em blocos cerâmicos.
108) E procederam à execução de rebocos em paredes novas e paredes existentes, interiores e exteriores.
109) Procederam à execução de reboco pintado nas paredes.
110) E procederam à execução de um massame armado no pavimento, incluindo uma nova betonilha de regularização para assentamento de pavimentos.
111) E procederam à execução de revestimento no pavimento, assente sobre a betonilha, em mosaicos cerâmicos de tijoleira, incluindo o tratamento das juntas e a protecção superficial.
113) Procederam à execução de um revestimento de pavimento em réguas de madeira na zona de escritórios.
114) E procederam à aplicação de novos vãos completos de portas, incluindo a folha, o aro, as guarnições, as ferragens e o acabamento das madeiras a verniz.
115) E procederam à reformulação e reforço dos vãos exteriores, incluindo as vergas das janelas e porta, bem como a colocação de cantarias em pedra calcárea na periferia dos vãos exteriores, novos e existentes.
116) E procederam à aplicação de novos vãos completos de janelas e porta (exteriores), tudo em alumínio lacado verde, incluindo o vidro, as ferragens e as portadas venezianas, no mesmo material.
117) E procederam à preparação e à pintura de paredes exteriores a tinta de membrana.
118) E procederam à execução de lambri e escadas em forro de madeira maciça, com verniz (nos escritórios).
119) E procederam à aplicação de azulejos no revestimento das paredes da casa de banho, incluindo o tratamento das juntas.
120) E procederam à aplicação de mosaicos no revestimento do pavimento da casa de banho, incluindo o tratamento das juntas.
121) Procederam à aplicação de louças na casa de banho, bases de duche, bidé, sanita, lavatório e respectivas misturadoras.
122) E procederam à aplicação de espelho e de acessórios de casa de banho.
123) Procederam à execução da rede eléctrica, com circuitos de iluminação, tomadas e novo quadro, incluindo o apoio de construção civil na abertura e fecho de roços, aproveitando parte da que anteriormente existia.
124) Procederam à execução da rede de águas quentes e frias, incluindo o apoio de construção civil, aproveitando parte da que anteriormente existia.
125) Provado que procederam à execução de nova rede de esgotos, incluindo o apoio de construção civil e a montagem de caixas de recepção de esgotos, aproveitando parte da que anteriormente existia.
126) Procederam à execução de sistema de aquecimento de águas quentes.
127) Procederam à execução de um revestimento epóxico no pavimento da zona fabril, aplicado sobre a betonilha bem afagada.
128) Procederam à execução das linhas aéreas para elevar e transportar as carnes
129) Procederam à colocação de câmaras frigorificas, incluindo todo o equipamento técnico e respectivos compressores para produção de frio.
130) Procederam ao fornecimento e montagem de dois portões seccionados, incluindo as mangas de encosto.
131) Procederam ao fornecimento de equipamento e de acessórios em aço inox, tudo para a zona fabril.
132) Procederam à execução de divisórias amovíveis nos pisos dos escritórios, tudo em estrutura de alumínio, com vidro e forro de madeira nas zonas opacas.
134) Os supra referidos edifícios têm o valor de € 106.049,74.
135) Os terceiro, quarto e quinto réus gastaram na construção desses edifícios quantia não apurada.
136) Com as referidas construções foi acrescentado valor ao prédio onde foram implantadas.
137) Os terceiro, quarto e quinto réus procederam à reconstrução de um núcleo habitacional em linha, a envolver um pátio com jardim, composto por várias casas, aproveitando a construção já existente.
139) A segunda casa é composta por uma cozinha ampla com dois fogões, urna sala e um lavabo social.
140) A terceira casa é um apartamento para familiares, composto por sala, quartos e casa de banho.
141) A quarta casa é uma zona social composta por urna sala de estar com bar e uma sala de jantar.
142) A quinta casa é constituída por duas casas de banho, uma sala e uma zona de arrumos.
143) Este conjunto apresenta, no total, uma superfície coberta de 357,04m2 para a habitação e lazer
146)Com a construção do referido núcleo habitacional, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à demolição total da cobertura, incluindo o apeamento das telhas velhas, do madeiramento existente e a remoção de entulhos
147) E procederam à limpeza do interior da casa e remoção de entulhos.
148) Procederam à picagem das paredes interiores e exteriores e remoção de entulhos para fora de obra.
149) E procederam ao levantamento do pavimento existente e remoção de entulhos para fora de obra.
150) E procederam à execução de uma estrutura em pilares, vigas e lintéis de betão armado, para estruturar toda a zona reconstruída, incluindo as vigas de coroamento.
151) E procederam à execução da cobertura, constituída por vigamentos e ripas de madeira, para assentamento de novas telhas.
152) E procederam à execução de paredes de alvenaria interiores, em blocos cerâmicos.
153) E procederam à execução de rebocos em paredes novas e paredes existentes, interiores e exteriores.
154) E procederam à execução de estuques em paredes, e pintura das mesmas a tinta plástica (interiores).
155) E procederam à execução de um massame armado no pavimento, incluindo uma nova betonilha de regularização para assentamento de pavimentos.
156) E procederam à execução de novo revestimento no pavimento, assente sobre a betonilha, em mosaicos cerâmicos de tijoleira, incluindo o tratamento das juntas e a protecção superficial.
158)E procederam à execução de um forro de tecto, em madeira maciça, a executar um tecto falso, incluindo o acabamento a verniz.
159) E procederam à aplicação de novos vãos completos de portas, incluindo a folha, o aro, as guarnições, as ferragens e o acabamento das madeiras a verniz.
160) Procederam à reformulação e reforço dos vãos exteriores, incluindo as vergas das janelas e porta.
161) E procederam à aplicação de novos vãos completos de janelas e porta (exteriores), tudo em alumínio lacado verde, incluindo o vidro e as ferragens e as portadas venezianas no mesmo material.
162) E procederam à preparação e à pintura de paredes exteriores a tinta de membrana.
163) E procederam à execução de lambri em forro de azulejos decorativos, incluindo o tratamento das juntas
164) E procederam à aplicação de azulejos no revestimento das paredes da casa de banho, incluindo o tratamento das juntas
165) E procederam à aplicação de mosaicos no revestimento do pavimento da casa de banho, incluindo o tratamento das juntas.
166) E procederam à aplicação de louças na casa de banho, banheira, bidé, sanita, lavatório e respectivas misturadoras.
167) E procederam à aplicação de espelho e de acessórios de casa de banho.
168) E procederam à execução de nova rede eléctrica, com circuitos de iluminação, tomadas e novo quadro, incluindo o apoio de construção civil na abertura e fecho de roços.
169) E procederam à execução de nova rede de águas quentes e frias, incluindo o apoio de construção civil.
170) E procederam à execução de nova rede de esgotos, incluindo o apoio de construção civil e a montagem de caixas de recepção de esgotos.
171) E procederam à execução de sistema de aquecimento de águas quentes.
172) Procederam à recuperação de dois fomos que já existiam para sequeiro de enchidos, incluindo as chaminés e os revestimentos refractários (na segunda casa).
173) E procederam à execução de uma bancada de cozinha e respectivos armários inferiores. (na segunda casa).
174) E procederam à execução de um balcão/bar com bancada, tudo em madeira, incluindo tecto e o acabamento a verniz (na quarta casa).
175) E procederam à execução de um fogão de sala, com chaminé, recuperador de calor e forro em refractários.
176) O supra referido núcleo habitacional tem o valor de € 188.651,63.
177) Os terceiro, quarto e quinto réus gastaram na construção desses edifícios quantia não apurada.
178) Com as referidas construções foi acrescentado valor ao prédio onde foram implantadas.
179) Os terceiro, quarto e quinto réus procederam, no perímetro exterior dos prédios, à construção de muros de vedação, aproveitando parte dos muros que anteriormente existiam.
181) E à colocação de portões
182)E construção de acessos pedonais
183)E à construção de escadarias
184)E à construção de lancis
185) E e à construção de vias asfaltadas.
186) Procederam à construção de um canil ampliando uma construção destinada a cavalariça que existia anteriormente.
187) E e à construção de jardins e demais arranjos exteriores, incluindo instalações técnicas, com electricidade exterior e recolha de águas pluviais.
188) Toda aquela construção, incluindo respectivos trabalhos, está implantada numa área de cerca de 7.500 m2 (sete mil e quinhentos metros quadrados)
89) No terreno do prédio descrito sob o número 613.
190) Tendo sido necessário proceder a grandes trabalhos de limpeza e desmatação
191) Com aquelas construções e trabalhos, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à execução da entrada principal da propriedade, constituída por uma zona em forma de "Concha" para recepção de viaturas.
192) Esta zona foi limitada com muros de alvenaria de tijolo forrada a elementos cerâmicos.
193) E inclui um portão metálico de duas folhas com comando eléctrico.
194) O muro foi assente em vigas de fundação em betão armado e devido à sua altura inclui pilares também em betão.
195) Com as mesmas construções e trabalhos, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à construção de muros de vedação e vedações em chapa metálica.
196) Com aquelas construções e trabalhos, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à execução de zonas asfaltadas, para o que realizaram trabalhos de desmatação e limpeza de toda a área.
197) E executaram trabalhos de abertura de caixa para implantação de zona a asfaltar, com cerca de 60 (sessenta) centímetros de altura.
198) E executaram trabalhos de compactação do fundo de caixa.
199) E executaram trabalhos de aterro de caixa com duas camadas de "T outvenant" de 25 (vinte e cinco) centímetros cada, com compactação entre elas.
200) E executaram trabalhos de instalação de rega asfáltica.
201) Executaram trabalhos de aplicação de lancis e respectiva base de assentamento.
202) Com as mesmas construções e trabalhos, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à execução de escadarias, para o que realizaram trabalhos de abertura de caixa para implantação de escadarias.
203)Executaram trabalhos de compactação do fundo de caixa.
204)E realizaram trabalhos de execução de escadarias em betão armado com malhasol, assente sobre betão de limpeza.
205) E executaram trabalhos de aplicação de forro em pedra calcária, sobre as escadas.
206) Com aquelas construções e trabalhos, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à execução de zonas pedonais, para o que realizaram trabalhos de abertura de caixa para implantação das zonas pedonais em frente às casas e ao canil.
207)E executaram trabalhos de compactação do fundo de caixa
208)E realizaram trabalhos de execução de zonas pedonais em mas sarnes armados com malhasol, assente sobre betão de limpeza.
209) E executaram trabalhos de aplicação de forro em pedra calcária, sobre as zonas pedonais.
210) Com as mesmas construções e trabalhos, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à realização de trabalhos de construção civil, na execução de canteiros e de muros de contenção para construção de zonas ajardinadas e canteiros, para o que efectuaram trabalhos de abertura de caixa e remoção de terras velhas, espalhamento de terra vegetal seleccionada e aplicação de sementeira de relva.
211) E executaram trabalhos de abertura de caixa e remoção de terras velhas e espalhamento de terra vegetal seleccionada, para colocação de árvores e arbustos em canteiros.
212) Com aquelas construções e trabalhos, os terceiro, quarto e quinto réus procederam à execução de rede eléctrica exterior, para iluminação de jardins, zonas de acesso e distribuição, incluindo a abertura de valas para passagem de cablagens enterradas, para o que realizaram trabalhos de aplicação de equipamento de iluminação exterior e de outros equipamentos técnicos.
213) E realizaram trabalhos de execução de rede de recolha de águas pluviais, incluindo a abertura de valas, a colocação de tubagem e a execução de caixas de passagem de recolha e de grelhas sumi douras.
214) E realizaram trabalhos de recuperação e ampliação de um canil, onde se incluem os trabalhos de construção civil, as portas e os gradeamentos.
215) As referidas construções e trabalhos têm um valor que não foi possível apurar.
216) Os terceiro, quarto e quinto réus gastaram na construção desses edifícios quantia não apurada.
217) Com as referidas construções foi acrescentado valor ao prédio onde foram implantadas.
218) Actualmente não é possível distinguir o que foi reconstruído, aproveitando o ainda existente das ruínas dos edifícios anteriormente existentes na quinta, do que foi construído de raiz.
219) As áreas de implantação dos actuais edifícios não são coincidentes com as áreas de qualquer dos edifícios antigos.
220)Daqueles novos edifícios, alguns encontram-se ligados entre si.
221) Os terceiro, quarto e quinto réus agiram sempre convencidos de que os prédios em causa lhes pertenciam, por os terem adquirido aos dois primeiros réus mediante escritura pública e registado a seu favor tal aquisição.
222) O valor de mercado actual do conjunto dos prédios, em resultado das construções e trabalhos que neles atualmente existe, ascende à quantia de € 1.332.220.
223) a 232) Provado o que consta das respostas aos números 66 a 214.
233) As intervenções feitas nos prédios e referidas nos n''s 97 a 133, por parte dos terceiro, quarto e quinto réus, foram realizadas no interesse da actividade económica daqueles.
234) Enão estavam contempladas na implementação e colocação em funcionamento do empreendimento turístico em causa.
235) Nem foram realizadas para alcançar tal objectivo, nem para retirar proventos da exploração daquele empreendimento.
V – Mostrando-se retido um agravo – relativamente ao qual os respectivos recorrentes referiram nas contra alegações (da apelação dos AA.) manterem interesse no seu conhecimento, nos termos do art 748º/1 aCPC – importará a apreciação do seu objecto, que se analisa em saber se no contexto dos autos deveria ter sido admitida a realização de uma segunda perícia, tal como os 3º e 4º RR. o requereram (C).
No entanto, e não obstante a disciplina constante do art 710º/1 1ª parte aCPC, a precedência lógica com que importa analisar todas as questões implicadas nos recursos, pressupõe que tal agravo só venha a ser conhecido na improcedência da excepção de caducidade implicada na ampliação do objecto da apelação a que procederam os 1º e 2º RR, com a adesão subsequente dos 3º, 4º e 5º RR, qual seja a de saber se se verificou a caducidade do direito dos AA. à propositura da presente acção em função do disposto no art 909º/3 aCPC (actual art 839º/3 CPC) e da circunstância de se mostrar adquirido no processo (al CI) que «na execução fiscal não consta requerimento ou petição dos AA ou de seus representantes legais requerendo a restituição dos bens vendidos», atenta a natureza preclusiva da excepção de caducidade (a sua procedência dispensa a indagação sobre a existência do direito) (B).
Por sua vez, o conhecimento dessa excepção pressupõe a decisão da antecedente, de saber se, processualmente, se mostra admissível a ampliação do objecto do recurso, admissibilidade que os AA. contestam (A).
A apelação dos AA., atentas as respectivas conclusões e concatenando-as com as das contra alegações de uns e outros RR., postula em primeiro lugar, que se decida da admissibilidade de toda ou de alguma da impugnação da matéria de facto a que os AA. procedem, (D), analisando-se de seguida se a matéria de facto provada nos autos – eventualmente com a que se venha a ter como provada em função da requerida reapreciação – se subsume à disciplina do art 291º CC, ou à do art 17º/2 CRP, para se concluir, se, os aqui 3º, 4º e 5º RR. merecem, ou não, a protecção que essas normas conferem ao terceiro adquirente (E).
Caso se venha a concluir no sentido dessa protecção se não justificar – devendo, em consequência, revogar-se a decisão recorrida - importará apreciar as demais questões implicadas no pedido dos AA., a saber, se os quatro imoveis em causa nos autos (que correspondem à Quinta do Zarol) podem ser entregues, devolutos, aos AA.; na impossibilidade dessa entrega, se os RR. deverão ser indemnizados a pagar-lhes o valor de 400.000.000$00, como correspondente ao dessa Quinta; e se, de todo o modo, se os RR. deverão ser condenados a pagar aos AA. indemnização a liquidar subsequentemente, no referente aos demais danos, que não se indemnizam com a referida entrega, ou seu valor (F).
No caso ainda de ser revogada a decisão recorrida, e afirmada, consequentemente, a propriedade dos AA. sobre os quatro imóveis, e na circunstância de não ser julgado provido o agravo acima referido, importará também apreciar o pedido reconvencional deduzido pelos 3º, 4º e 5º RR., sabendo, em primeiro lugar, se os reconvintes adquiriram a propriedade daqueles imóveis por acessão industrial imobiliária, ou, subsidiariamente, se os AA. deverão ser condenados a indemniza-los em função das benfeitorias por eles realizadas nos prédios, e se, em virtude desse crédito indemnizatório, terão eles direito a reterem os prédios em questão; e, na negativa se, de todo o modo, os AA. deverão ser condenados a restituírem àqueles RR. o valor das obras e construções efectuadas, agora em função das regras do enriquecimento sem causa. (G)
A) O alargamento do objecto do processo vinha no anterior CPC consignado no art 684º-A, que corresponde hoje, nos exactos termos antecedentes, ao art 636º.
Tal alargamento mostra-se admissível em três situações diferentes.
Uma primeira, prevista no seu nº 1 – quando, na pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, a decisão, mostrando-se favorável à parte que introduziu esses fundamentos na acção, não acolheu todos ou alguns dos fundamentos de facto ou de direito por ela invocados. Pressuposto do alargamento do objecto do processo à luz desta norma é, pois que, não estando em causa, naturalmente, decaimentos no referente pedido principal ou subsidiário – já que aí se imporia recurso autónomo ou subordinado – haja, de todo o modo, conhecimento pelo tribunal a quo desses fundamentos, de tal modo que faça sentido dizer que «a parte vencedora» neles «decaiu», como é referido na norma em apreço.
Mas, precisamente, porque situações há em que o tribunal a quo, pura e simplesmente, não chega a pronunciar-se sobre tais fundamentos, os quais, havendo recurso da contraparte, emergem como não sendo indiferentes para a defesa dos interesses da parte vencedora, verificou-se a necessidade do alargamento do objecto do recurso com as finalidades referidas dever ter lugar mesmo quando o tribunal a quo não se haja pronunciado por aqueles argumentos.
Foi no âmbito do DL 180/96 de 25/9 que resultou introduzido no nº 2, do então art 684º-A CPC, o alargamento do objecto do processo por via da arguição da nulidade da sentença, forma de alargamento do recurso que corresponde à segunda das três acima referidas, e que se mostra consignada na 1ª parte do nº 2 da norma em referência.
A terceira dessas formas advém da impugnação da matéria de facto considerada provada ou não provada e que se mostre relevante para a defesa dos interesses do recorrido, caso sejam acolhidos os argumentos de facto ou de direito apresentados pelo recorrente para sustentar o seu recurso, e a tal forma se refere a 2ª parte do nº 2 da norma em causa.
Feitas estas considerações genéricas, vejamos a situação dos autos.
È verdade, como o referem os AA. na resposta ao alargamento do objecto do recurso que, não se tendo o tribunal recorrido pronunciado referentemente à excepção de caducidade cuja apreciação está implicada no alargamento pretendido, nem no despacho saneador (lembre-se o resultado do agravo atrás referido que subiu em separado e cujo objecto não chegou a ser apreciado por este tribunal), nem na sentença, aquele alargamento não poderia ter lugar em função do nº 1 da norma atrás analisada.
Mas, torna-se evidente que pode ter lugar em função da arguição de nulidade consistente na não pronúncia referente à excepção em causa, nos termos sobreditos da 1ª parte do nº 2 dessa norma, certo como é que, uns e outros dos RR. introduziram nas respectivas contestações a questão da caducidade do direito dos AA. à propositura desta acção em função do disposto no art 909º al c) do aCPC, e o tribunal da 1ª instância não se pronunciou sobre a mesma.
Por outro lado, apesar dos 1º e 2 º RR. nas conclusões das contra alegações não se referirem à arguição desta nulidade, não poderá deixar de se entender que o fazem no corpo dessa peça processual, pois, quando nela se referem à ampliação do âmbito do recurso– cfr p 3607 parte final – não deixam de referir que o tribunal a quo «deveria ter tomado conhecimento sob pena de nulidade (v arts 608º/2 e 615º/1 al d) CPC)» da questão da «caducidade do direito dos AA. à restituição dos imoveis objecto da anulação da venda judicial que está na base da reivindicação».
Note-se que, na matéria em apreço – da ampliação do objecto do processo – a norma que a prevê, nas acima referidas três modalidades, não exige relativamente a nenhuma delas que essa actuação seja feita constar das conclusões das alegações, referindo sempre, expressa e meramente, «na respectiva alegação», não sendo, pois, de se atribuir às conclusões das contra alegações, nem mesmo para este efeito, a função delimitadora do objecto do recurso que indiscutivelmente as mesmas assumem ao nível das alegações.
Por assim ser, admite-se o alargamento do objecto do recurso, com a consequente necessidade de se apreciar a excepção referida.
B) Dispunha o art 909º al c) a CPC – nos exactos termos hoje utilizados no art 839º/3 do actual CPC – que sendo anulado o acto da venda, nos termos do art 201º (hoje 195º), «a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço».
A doutrina mostra-se unânime quanto ao caracter extintivo do direito à restituição do bem cuja venda foi anulada, caso o executado não peça a restituição do bem objecto da venda anulada no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva («sobre o recurso, os embargos ou a anulação», assim se pronuncia Lebre de Feitas - «O Processo de Execução Comum», 3ª, ed, p 292), caso em que apenas terá direito ao preço.
O não procedimento do executado, na execução, nos termos e prazo referidos, implicará a extinção do direito do mesmo à restituição do bem vendido, e, nessa medida, verificando-se, por hipótese, subsequente interposição de acção de reivindicação pelo mesmo, o comprador – que se ache na posse do bem que lhe foi vendido – poderá impor com êxito ao “dominus” a excepção peremptória em causa, que implicará a extinção do direito do reivindicante.
Mas esse procedimento, e a analisada consequência em função da sua não adopção pelo executado, vista a respectiva finalidade – necessidade de assegurar a protecção e a estabilidade das vendas em execução, bem como a protecção da confiança, da segurança jurídica e da boa fé dos terceiros adquirentes, nas palavras do Ac STJ 12/4/2012, citado pelos 1º e 2º RR. – só se poderão impor, por definição, quando, antes do decurso daquele brevíssimo prazo de 30 dias, não tenha ocorrido por parte do respectivo comprador – como será normal que não ocorra - negócio deste com terceiro que implique a perda da posse do bem vendido na execução. A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido na execução na base do estabelecimento de um tão curto prazo destinar-se-á, justamente, a evitar situações como a dos autos – em que o comprador do bem na execução proceda a negócios com terceiros que tenham aquele como objecto, máxime, realizando a respectiva venda - e que obstaculizem a restituição do bem ao executado.
Ora, na situação dos autos o que se verificou foi que, muito antes da primeira sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa da anulação da venda - sentença essa de 6/12/2000, decorrente do pedido de anulação provindo do então Fundo de Turismo feito em 5/7/1996 – e que se veio a verificar não ser, afinal, a decisão definitiva referente a essa anulação, que apenas veio a ser obtida mais de oito anos depois, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/4/2008, transitada em julgado em 12/5/2008 – já os aqui 1º e 2º RR., compradores dos quatro imóveis na execução fiscal, os haviam vendido aos 3º, 4 º e 5º RR, por escrituras que tiveram lugar em 9/6/1999, mostrando-se essas aquisições então já registadas a seu favor. Acresce que a posse dos quatro prédios em referência já teria, inclusivamente, sido adquirida, pelo menos pelo 5º R., antes da data daquela escritura.
Como é evidente, o procedimento – e a respectiva consequência no caso da sua não adopção – previsto na norma do referido nº 3 do art 909º aCPC, não faziam já qualquer sentido.
Um requerimento dos aqui AA. na execução fiscal após a obtenção da decisão que definitivamente teve como nula a venda dos quatro prédios na execução, apenas embaraçaria - mais ainda - tais autos, não podendo, já, por definição, postular o resultado a que a exigência em causa se destinava, devendo manifestamente ser indeferido e os executados remetidos para uma acção de reivindicação.
Assim, as pertinentes considerações dos RR. a respeito do procedimento em questão previsto nº 3 do art 909º aCPC – de que a sentença de anulação proferida nos casos de nulidade consequente de nulidade processual não faz renascer automaticamente o direito de propriedade na titularidade de quem era proprietário antes da venda, antes se imporá, por parte do executado, que promova a execução do julgado anulatório, pedindo a restituição dos bens nos termos e prazo previsto no art 909º/3 – apenas se justificam se, nos 30 dias pressupostos na norma em causa, os bens vendidos se mantiverem na propriedade (e posse) do comprador dos mesmos na execução.
O que, evidentemente, sucederá em grande parte dos casos em que a decisão de anulação da venda logo transite, mas não em situações com a tortuosidade ocorrida nos presentes.
Assim, nos presentes, a exigência em causa, não podendo desempenhar qualquer utilidade, não faz qualquer sentido, antes emergindo e se impondo a natureza imprescritível do direito de propriedade e da acção de reivindicação.
Por assim ser, improcede a excepção em causa.
C) Nos termos do acima enunciado, importa, seguidamente, conhecer do recurso de agravo interposto pelos 3º e 4º RR.
1 - Para o efeito, ter-se-ão em consideração as seguintes ocorrências processuais:
- Os 3º e 4º RR requereram a realização de perícia colegial aos prédios dos autos (conjunto imobiliário constituído pelos 4 imóveis designado por “Quinta do Zarol”), indicando para objecto da perícia os seguintes quesitos:
«1. Em 09 de Junho de 1999 o valor global de mercado dos prédios dos autos (“Quinta do Zarol”), considerando o estado em que estes se encontravam na referida data, era de cerca de Esc. 22.000.000$00, vinte e dois milhões de escudos (actualmente € 109.735,44)?
Para a resposta, os senhores peritos deverão socorrer-se de todos os elementos constantes dos autos, designadamente, todos os elementos fotográficos existentes e a demais documentação junta.
2. O valor de mercado actual do conjunto dos prédios dos autos (“Quinta do Zarol”), em resultado das construções e trabalhos referidos sob os números 66) a 214) da base instrutória, ascende a € 1.750.000,00 (um milhão setecentos e cinquenta mil euros)?
3. O valor que as obras e construções feitas pelos 4º e 5ºs RR. trouxeram à totalidade dos prédios dos autos (“Quinta do Zarol”) foi maior do que o valor estes tinham antes?»
- O 5º R. veio aderir aos três quesitos formulados pelos referidos RR., propondo ainda a ampliação do objecto da perícia de modo a saber-se:,
4º «Qual era o valor dos prédios dos autos e construções nele existentes (conjunto imobiliário designado por Quinta do Zarol) à data da respectiva aquisição (9/6/1999) pelos RR».
5º «Qual passou a ser o valor do conjunto imobiliário vindo de referir após o edificado pelos RR».
- Por sua vez, os AA. pronunciaram-se, requerendo «que o objecto a fixar a perícia requerida fosse o mais ampla possível, designadamente:
a)Dentro dos parâmetros dos projectos aprovados pela Direcção Geral do Turismo, sob o Proc nº EA-102 e E-A 102/2 de 25/3/1991, Fase A ou I e fase B ou II, respectivamente com os nº de proc na CMVFX nº 4499/91 SLOP/91-103 e 721-B/00 GENERI e Autos de Medição efectuados pelo Fundo do Turismo, no que concerne às obras efectuadas pelos AA;
b)Verificar o enquadramento jurídico das obras efectuadas pelos RR. nomeadamente na ligação dos alegados edifícios novos aos ali já existentes utilizando as peças desenhadas do projecto assinaladas com os respectivos vermelhos e amarelos;
c)Quantificar em relação aos projectos existentes e identificados o que na Quinta do Zarol foi demolido ou sujeito a aterro, se não forem apresentados os relatórios de compactação dos aterros assim como a proveniência das terras/entulhos;
d)Elaboração do estudo/ relatório suplementar geotécnico da zona aterrada».
-Por despacho de 9/3/2012 – fls 1888 – foi determinada a realização da perícia requerida, com o objecto para a mesma formulado pelos RR. a fls 1352 e 1629, e pelos AA., a fls 1615.
-A fls 1971 mostra-se junto o relatório de peritagem com respostas conjuntas por parte do perito do tribunal e do perito dos AA., e respostas separadas pelo perito dos RR., cujo conteúdo se dá aqui como reproduzido.
-Os 1º e 2º RR., notificados do resultado da perícia, vieram, a fls 2076, requerer segunda perícia, invocando o disposto no art 589º CPC, fazendo-o nos seguintes termos:
«Os resultados da perícia são inexactos.
Os peritos nomeados viram mal os factos objecto da perícia, emitindo sobre os mesmos juízos de valor que não merecem confiança, inconsistentes ou com fundamentação contraditória.
Os peritos nomeados revelaram, também, não dispor dos conhecimentos técnicos e profissionais necessários ao bom desempenho da função que lhes foi cometida, por não conhecerem ou não dominarem a legislação aplicável, nomeadamente em matéria de urbanismo e de imobiliário.
Acresce que os quesitos dos AA., em especial os quesitos 1º e 2º não podem considerar-se respondidos, impondo-se que o sejam mediante segunda perícia a realizar de acordo com a legislação e regras aplicáveis. Com efeito,
1. No relatório pericial, o perito dos AA. e o perito do tribunal escreveram a respectivas fls. 8 l 80 (citando): “A Quinta do Zarol foi avaliada em 1991 em 643.449,30 €, pelo Fundo do Turismo (doc. nº 4)”
E a respectivas fls. 19 l 80, escreveram aqueles peritos (citando):
“A Quinta do Zarol (QZ) foi alvo de avaliação em 1991, pelo Fundo de Turismo (FT), previamente ao “Mútuo com hipoteca”, avaliação essa cuja valor serviu de garantia ao mesmo e agora nos vai servir, como documento dos autos, para referência e cálculos.
Em 1991, antes das obras, a Quinta do Zarol foi avaliada em 129.000.000$00 (aprox. 645.000,00 €)”
Não se vislumbra donde possam os peritos dos AA. e o perito do tribunal ter extraído tal conclusão, uma vez que, contrariamente ao referido por estes peritos, não consta dos autos qualquer avaliação efectuada à Quinta do Zarol pelo Fundo de Turismo, bem como não consta dos autos qualquer documento susceptível de ser considerado como tal.
Quanto ao documento supra citado (doc. nº 4), escritura pública junta aos presentes autos pelos A.A. com o seu requerimento de 30 de Março de 2012, como respectivo doc. nº 4, ao invés do que escreveram aqueles peritos no relatório da perícia, consta unicamente do mesmo, a respectivas fls. 71 (citando): “Aos prédios é atribuído o valor de CENTO E VINTE E NOVE MILHÕES DE ESCUDOS”.
Contrariamente ao que afirmam e escreverem o perito dos AA. e o perito do tribunal, a atribuição aos prédios do valor de CENTO E VINTE E NOVE MILHÕES DE ESCUDOS, era, à data, uma obrigação legal dos notários de fornecerem dados estatísticos sobre as escrituras realizadas nos respectivos cartórios notariais, nomeadamente, escrituras de hipoteca, servindo a menção do valor para efeitos de preenchimento do competente verbete estatístico.
O que se comprova em face do teor do próprio documento em apreço, pela aposição manuscrita pela própria notária Maria do Carmo Antunes dos Santos, em seguida à respectiva assinatura (fls. 72 verso do documento em apreço), do seguinte (citando): “Estatística A.H. caderneta 10743 verbetes 30 a 33”. Actualmente, a mesma obrigação legal permanece mas é cumprida pelos notários informaticamente (on line), continuando a servir para efeitos estatísticos, destinada à Direcção Geral da Política de Justiça, do Ministério da Justiça.
Certo é que tal atribuição nada tem que ver com o valor real ou nominal dos indicados prédios, não correspondendo a qualquer valor real indicado pelas partes.
Não, pode, pois, a escritura em apreço ser atendida para os efeitos indicados pelos senhores perito dos AA. e perito do tribunal, não relevando, como efectivamente não releva, senão para a finalidade estatística vinda de referir.
Registe-se, pois, que o documento em questão – (doc. nº 4) – não representa qualquer avaliação da Quinta do Zarol (QZ) efectuada pelo Fundo de Turismo, nem é susceptível de ser considerado como tal legal ou materialmente. Em consequência, não se aceitam – nem se podem aceitar – as conclusões (e respostas) do relatório pericial em relação aos quesitos formulados pelas partes, uma vez que, de acordo com o referido pelos próprios peritos, o valor por estes utilizado para referência e cálculos se funda numa avaliação, afinal, inexistente!
Mais: o desconhecimento pelos ditos “peritos” da verdadeira natureza e função das expressões empregues no documento em apreço, anteriormente transcritas – “Aos prédios é atribuído o valor de CENTO E VINTE E NOVE MILHÕES DE ESCUDOS” e “Estatística A.H. caderneta 10743 verbetes 30 a 33” – inutiliza a perícia em apreço, uma vez que não é admissível que a respectiva realização por quem não revela, por ignorância da lei, a preparação técnica e os conhecimentos profissionais necessários ao cumprimento consciencioso da função que lhes foi cometida.
A perícia em apreço é, consequentemente, inaceitável.
2. O que perguntou e se pretende averiguar pela perícia, nomeadamente, mediante a formulação dos quesitos 1. e 2. (cf. melhor consta a fls. 1 352 dos autos), é o valor de mercado dos prédios em apreço (Quinta do Zarol) à data da respectiva aquisição pelos RR. Manuel (e outros) no cotejo com o valor de mercado dos mesmos prédios após as obras realizadas por estes mesmos R.R. Valor de mercado (valor justo), corresponde ao montante que pode ser razoavelmente esperado pela transacção entre um comprador e um vendedor interessados, com equidade entre ambos, nenhum deles estando obrigado a vender ou a comprar e ambos estando conhecedores de todos os factores relevantes a uma determinada data.
Em economia, significa o valor que um produto atinge no mercado, baseando-se na concorrência de mercado e “lei” da oferta e procura; ou, o valor de um bem expresso em unidade monetária e que resulta de uma estatística feita com os dados existentes sobre os preços praticados na venda e / ou oferta de bens similares no mesmo mercado num dado momento (in Wikipedia). Em sentido jurídico, ou em sentido normativo, valor de mercado é o “valor real do bem, em condições normais de mercado” – Ac. STJ de 31-01-2012 (relator Conselheiro César Baptista), www.dgsi.pt; “O art. 23 nº 1 do Código das Expropriações, estabelece, como critério geral e vinculativo para se fixar a justa indemnização, o critério do “valor de mercado”. Para alcançar este valor de mercado, os arts. 26º a 32º do CExp estipulam diversos critérios referenciais, não vinculativos, por serem instrumentais do critério geral” – Ac. Rel. Coimbra, de 07-02- 2012, (relator JORGE ARCANJO), www.dgsi.pt.
A título meramente exemplificativo, dispõe o art. 28.º do citado CExp “Na determinação do valor dos edifícios ou das construções com autonomia económica atende-se, designadamente, aos seguintes elementos: a) Valor da construção, considerando o seu custo actualizado, a localização, o ambiente envolvente e a antiguidade; b) Sistemas de infraestruturas, transportes públicos e proximidade de equipamentos; c) Nível de qualidade arquitectónica e conforto das construções existentes e estado de conservação, nomeadamente dos pavimentos e coberturas, das paredes exteriores, partes comuns, portas e janelas; d) Área bruta; e) Preço das aquisições anteriores e respectivas datas; f) Números de inquilinos e respectivas rendas; g) Valor de imóveis próximos, da mesma qualidade; h) Declarações feitas pelos contribuintes ou avaliações para fins fiscais ou outros”.
E o art.º 31º do mesmo diploma manda acrescer ao valor do prédio, em caso de interrupção de actividade comercial ou industrial, o valor que corresponder aos prejuízos resultantes da cessação inevitável ou da interrupção e transferência dessa actividade.
Já para o CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis), a determinação o valor de mercado assenta em seis coeficientes (cf. artº 38º do CIMI), a saber, o valor base dos prédios edificados, o coeficiente de localização, a área, o coeficiente de afectação (fim ou actividade a que se destinam os imóveis), o coeficiente de qualidade e conforto e o coeficiente de vetustez, definindo o artº 43º do mesmo CIMI outros indicadores específicos dos imóveis destinados ao comércio, indústria e serviços. Contudo, a perícia não se pronunciou sobre o valor de mercado da Quinta do Zarol, nem no primeiro nem no segundo momento, uma vez que o relatório sub judice não indica, em lugar nenhum, qual o respectivo valor de mercado à data da respectiva aquisição pelos RR. ou posteriormente, entendido este como o montante que pode ser razoavelmente esperado pela transacção entre um comprador e um vendedor interessados, com equidade entre ambos, nenhum deles estando obrigado a vender ou a comprar e ambos estando conhecedores de todos os factores relevantes a uma determinada data.
Ou seja: a perícia não respondeu ao perguntado!
Facto é que, ao invés do pretendido, a perícia limita-se a indicar como valor actual da Quinta do Zarol – cf. quadro resumo constante da página 4 l 80 do relatório – o resultado da soma do valor das obras efectuadas pelos AA. anteriormente à obtenção do crédito hipotecário, com o valor das obras efectuadas pelos AA. posteriormente à obtenção do crédito hipotecário e com o valor das obras efectuadas pelos RR., umas e outras calculadas, sempre, com recurso aos valores unitários por metro quadrado do preço de construção constantes de portaria.
Tanto que assim é, que a página 70 l 80 do relatório, com referencia ao núcleo habitacional referido no número 176), se declarou que (citando): “Este valor é o custo de construção. O valor comercial será superior”.
Ou, na página 59 l 80 do relatório, em que se declarou, em conclusão das perguntas constantes dos números 97) a 133) – construção de um núcleo de escritórios e fabril, com montagem de uma linha de desmanche de carnes e respectiva conservação em frio – citando: “Novo edifício fabril vale 28.362 €”. Não se consideraram os equipamentos afectos à actividade industrial, como câmaras frigoríficas. Escritórios e restante construção afecta à indústria = 106 049,74 € E o mesmo sucede em relação aos demais edificado existente na Quinta do Zarol, não se indicando na perícia, nunca, o respectivo valor de mercado ou valor comercial (cf., por tudo, página 23 l 80 do relatório, onde se escreveu: “O valor dos imóveis foi perfeitamente definido com base no cálculo de um valor de construção médio (Portaria)...”.
Com efeito, o preço de construção por metro quadrado, por si só, não é critério suficiente para determinação do valor objecto da perícia em apreço – repete-se, valor de mercado ou valor comercial -, pois, como é de mero senso comum, os valores unitários por metro quadrado do preço de construção não são suficientes para que se possa determinar, ainda que apenas aproximadamente, qual o valor de mercado de um edifício que se encontre situado em Lisboa, ou no Porto, ou no Algarve, ou numa zona densamente povoada ou numa zona totalmente isolada, ou se encontre em estado novo, ou se encontre degradado, ou se destine a habitação, ou a comércio, ou a indústria ou a agricultura, ainda que a construção de tal edifício tenha custado exactamente o mesmo!
Continua, assim, por saber, não obstante a perícia realizada, em síntese:
- qual o montante que pode (ou poderia) ser razoavelmente esperado pela transacção da Quinta do Zarol (na situação física ou material em que esta se encontrava antes da venda efectuada aos RR., ou seja, na situação de obras inacabadas, com destino a empreendimento turístico, e sem dispor de licença de construção ou utilização) entre um comprador e um vendedor interessados, com equidade entre ambos, nenhum deles estando obrigado a vender ou a comprar e ambos estando conhecedores de todos os factores relevantes naquela data? - qual o montante que pode (ou poderia) ser razoavelmente esperado pela transacção da Quinta do Zarol (na situação física ou material em que esta se encontrava após as obras realizadas pelos RR., com destino a habitação e a edifício fabril com destino à actividade industrial de desmanche de carnes) entre um comprador e um vendedor interessados, com equidade entre ambos, nenhum deles estando obrigado a vender ou a comprar e ambos estando conhecedores de todos os factores relevantes naquela data?
Também pelas razões vindas de referir, a perícia em apreço é, consequentemente, inaceitável.
3. Escreveram os senhores peritos na página 38 l 80 do relatório (citando): “Para além da ampliação, a construção sofreu uma alteração ao projecto aprovado (Doc. 2, ver incl publicação no D.R.)...”.
Compulsados os autos, verifica-se que a única publicação em DR existente, com referência à Quinta do Zarol, junta aos autos pelos AA. com o seu requerimento de de 30 de Março de 2012, tem o seguinte teor (citando):
Por despacho do Secretário de Estado do Turismo de 27 de Março de 1995, foi atribuída a utilidade turística a título prévio a um empreendimento de animação desportiva de interesse para o turismo (...) que Quinta do Zarol – Empreendimentos Turísticos, S.A., pretende levar a efeito na Quinta do Zarol, Casal da Boiça, Vila Franca de Xira...”.
Em primeiro lugar, a publicação em apreço não aprova qualquer projecto, unicamente atribui “utilidade pública a título prévio”, a que se refere a publicação em Diário da República vinda de referir, foi concedida a uma sociedade sob a firma “Quinta do Zarol – Empreendimentos Turísticos, S.A.” – ou seja, foi concedida, não aos AA., mas a um terceiro.
Em segundo lugar, os autos não evidenciam qualquer documentação relativa ao dito empreendimento de animação desportiva que a referida sociedade sob a firma “Quinta do Zarol – Empreendimentos Turísticos, S.A.” pretendia “levar a efeito” na Quinta do Zarol. Em terceiro lugar, a atribuição de “utilidade pública a título prévio” a que se refere a publicação em Diário da República em apreço caducou em 27. 03. 1995, conforme informação prestada aos autos pelo Turismo de Portugal (cf. fls. 1680).
Registe-se, pois, que a publicação em apreço – mera atribuição de utilidade pública, entretanto caducada, a um empreendimento que uma terceira entidade (não os AA.) pretendeu levar a efeito na Quinta do Zarol, não pode ser atendida para os efeitos pretendidos pelos peritos, não relevando, como efectivamente não releva, senão para a finalidade referida em Diário da República, pelo que não poderiam o perito dos AA. e o perito do tribunal fundamentar qualquer conclusão do relatório pericial naquele documento, designadamente, para efeito de medição de obras.
Em consequência, não se aceitam – nem se podem aceitar – o relatório pericial quanto a esta parte, uma vez que se funda numa situação que não encontra suporte documental nos autos nem encontra correspondência com a realidade.
Mais uma vez, o desconhecimento pelos ditos “peritos” da verdadeira natureza e função das expressões empregues no documento em apreço, anteriormente transcritas – “...foi atribuída a utilidade turística a título prévio a um empreendimento de animação desportivo de interesse para o turismo (...) que Quinta do Zarol – Empreendimentos Turísticos, S.A., pretende levar a efeito na Quinta do Zarol, Casal da Boiça, Vila Franca de Xira...” – inutiliza a perícia em apreço, uma vez que não é admissível que a respectiva realização por quem não revela, por ignorância da lei, a preparação técnica e os conhecimentos profissionais necessários ao cumprimento consciencioso da função que lhes foi cometida.
Assim, também pelas razões vindas de referir, a perícia em apreço é, consequentemente, inaceitável.
4. Os quesitos dos AA., extraídos dos autos (respectivas fls. 1615), encontram-se reproduzidos no relatório pericial a respectivas fls. 3 l 80 e objecto da perícia, encontra-se fixado no douto despacho elaborado em 09. 03. 2012.
Contudo, sob o ponto 10. (fls. 4 l 80) do relatório pericial, o perito dos AA. e o perito do tribunal escreveram (citando): “Pois aos AA. também interessa uma perícia para de vez todos conhecermos as (i) obras que já existiam na Quinta do Zarol, (ii) respectivo valor investido antes da venda irregular desta em processo de execução fiscal e (iii) as alegadas obras dos RR. na propriedade dos AA estes indicam, desde já que o objecto a fixar da perícia requerida deve ser o mais ampla possível designadamente...”.
Em face do exposto, verifica-se que o referido ponto do relatório pericial, anteriormente transcrito equivale, na prática, à formulação de três novos quesitos pelo perito dos AA. e pelo perito do tribunal – (i) obras que já existiam na Quinta do Zarol, (ii) respectivo valor investido antes da venda irregular desta em processo de execução fiscal e (iii) as alegadas obras dos RR. na propriedade dos AA. – que não poderão ser aceites, face ao que dispõem os Arts. 578º, nº 2 e 586º, nº 1, ambos do CPC.
Para além de insólita, a situação vinda de referir evidencia, mais uma vez, o completo desconhecimento pelos ditos “peritos” da verdadeira natureza e função das suas funções, tal como definida na lei processual aplicável, inutilizando a perícia em apreço, uma vez que não é admissível que a respectiva realização por quem não revela, por ignorância da lei, a preparação técnica e os conhecimentos profissionais necessários ao cumprimento consciencioso da função cometida.
Todavia, sem prescindir ou conceder,
De acordo a parte final da al. a) dos quesitos dos AA., os peritos devem ter em consideração os “Autos de Medição efectuados pelo Fundo do Turismo, no que concerne às obras efectuadas pelos AA”.
Da avaliação técnica nº 547/91, de 91.11.20, última avaliação efectuada pelo Fundo do Turismo, consta um investimento total realizado de 62.565 contos, isto é, de Pte 62.565.000$00 em moeda antiga, correspondente a € 312.072.90 em moeda actual.
Mas do relatório pericial (respectivas fls. 4 l 80), sob a rubrica “valor investido antes da venda irregular”, consta um investimento de € 448.768,60 em moeda actual, portanto superior ao valor medido pelo Fundo de Turismo em cerca de 135 mil euros, diferença esta que se não se encontra justificada no relatório pericial.
Isto, não obstante, constar da informação prestada pelo Fundo de Turismo, junta aos autos a fls. 1680 – 1682, de acordo com a qual (citando) “os mutuários apenas utilizaram Esc. 43.700.000$00, que corresponde ao contravalor de € 217.974,68”, óbvia e evidentemente, desconsiderada pelo perito dos AA. e do tribunal sem qualquer justificação, ou seja, considera-se o que se quer, e dentro do que se quer, só se considera o que é favorável aos AA.!!!
Não, pode, pois, ser o mesmo aceite, porquanto o valor calculado é diverso do método de cálculo alegadamente utilizado para o efeito, bem como é diverso dos valores documentados nos autos.
Acresce que pela simples leitura do quadro constante de fls. 4 l 80 do relatório pericial, reproduzido a fls. 37 l 80 do mesmo relatório, evidencia-se que o perito dos AA. e o perito do tribunal limitaram-se a somar os diversos valores alegadamente gastos em obras pelas partes, na Quinta do Zarol, ao longo dos anos, para calcular o valor da Quinta do Zarol em cada uma das datas indicadas naquele mesmo quadro.
A mera soma do chamado “valor das obras que já existiam na Quinta do Zarol” aquando da hipoteca com o chamado “valor investido antes da venda irregular”, não tem qualquer justificação – técnica, jurídica ou, sequer, prática – como critério de cálculo do valor dos edifícios em cada momento, como é de simples senso comum.
Se uma dada pessoa, num dado momento, faz obras no valor de X numa casa que já lhe pertence, uns anos mais tarde volta a fazer obras no valor de Y nessa mesma casa e, posteriormente, um terceiro adquirente dessa mesma casa volta a fazer obras no valor de Z nessa mesma casa, isso não significa que o valor dessa mesma casa seja o resultado da soma de X, mais Y, mais Z.
Com efeito, se uma dada casa, num dado momento vale, por exemplo, 100 mil euros e o proprietário lhe faz obras de manutenção e ampliação, por exemplo, se substitui o telhado e acrescenta área, com o que gasta 50 mil euros, disso não resulta daqui que a casa passe a valer 150 mil euros, podendo suceder em função de inúmeros outros factores que a dita casa continue a valer o mesmo, ou a valer mais, ou a valer menos.
Não é isto que se pretende pela perícia em apreço, nem foi isto que foi requerido pelos RR. nem pelos AA.
Noutros passos do relatório pericial (v.g., a título exemplificativo, páginas 10 l 80 ou 70 l 80), os senhores perito dos AA. e perito do tribunal escreveram (citando): “ valor consequência das obras após 1995, caso se evidencie o seu licenciamento municipal validamente constituído, caso contrário o prejuízo será superior”, bem como “Este gasto com a construção não pode ser directamente somado ao existente, pois não há evidências de licenciamento. Deve ser acrescido o valor do licenciamento, se for licenciável, ou a despesa da demolição, caso contrário”. O relatório pericial não menciona ou identifica a existência ou concessão aos AA. pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira de qualquer “licenciamento municipal validamente constituído” para a Quinta do Zarol.
Assim, utilizando o critério vindo de referir, proposto pelo perito dos AA. e do tribunal, o valor das obras efectuadas pelos AA. (valor consequência das obras quer anteriores quer posteriores a 1991) terá de ser idêntico ao valor das obras efectuadas pelos RR. (valor consequência das obras após 1995), ou seja, terá que ser considerado como prejuízo, ou não poderá ser somado ao existente, ou deverá ser considerado para efeitos de despesa de demolição. A não ser que aquele critério seja unicamente válido para as obras realizadas por uma das partes, como sucede no relatório em apreço, em que tal critério é utilizado unicamente para as obras efectuadas pelos RR. porquanto, ante a ausência de licenciamento municipal validamente constituído para o edificado pelos AA., não consta do relatório pericial qualquer depreciação do respectivo valor.
Assim, e em forma de conclusão:
A perícia em apreço é, no mínimo, inepta.
A perícia em apreço é, como decorre do exposto, total e absolutamente inconsistente, não podendo ser aceite nem, sequer, aproveitada seja para que finalidade for.
Os senhores peritos e, em especial, o perito do tribunal – este, sem experiência de perícias judiciais – revelaram impreparação e desconhecimento da legislação urbanística e imobiliária necessária ao bom desempenho das funções cometidas.
O resultado da perícia encontra-se flagrantemente omisso por carecer, de um ponto de vista objectivo, de um relatório que evidencie que houve verdadeira investigação sobre a situação real da Quinta do Zarol, de forma a ter-se respondido, indicando, o valor de transação da propriedade (valor de mercado) entre um comprador e um vendedor interessados, com equidade entre ambos, nenhum deles estando obrigado a vender ou a comprar e ambos estando conhecedores de todos os factores relevantes, nos momentos (nas datas) indicadas nos quesitos formulados.
Consequentemente, torna-se necessária e fundamental, para o apuramento do objecto da perícia, uma nova perícia que, de forma estruturada e tecnicamente competente, observe e respeite com rigor a matéria quesitada.
O valor de mercado – sinónimo com o princípio da proporcionalidade - deverá ser o critério orientador para a resposta aos quesitos.
Atenta a especial complexidade da matéria em causa afigura-se necessário um trabalho de pesquisa diligente, que averigue a fundo o paralelismo entre o valor de mercado actual e o de outrora, sem deixar de ter em conta a presente desvalorização do mercado imobiliário.
Por fim, devem ser nomeados peritos que disponham da necessária competência técnica e científica, bem como de experiência profissional comprovada, nomedamente, em matéria de perícias judicais.
Atento o exposto, encontram-se fundamentadas as razões da discordância dos 2.ºs RR. quanto ao relatório apresentado - cf. requisitos do n.º 1 do art. 589.º CPC – sendo o presente requerimento tempestivamente apresentado.
Objecto da perícia: indica, dentro do objecto da primeira perícia, outros factos que a primeira perícia deveria ter considerado mas não considerou e que devem, agora, ser objecto de averiguação.
1. QUESTÕES DE FACTO indicadas pelas partes que constituíram o objecto da primeira perícia;
2. OUTRAS QUESTÕES DE FACTO dentro do mesmo objecto:
a) Qual o valor de mercado da Quinta do Zarol aquando da respectiva compra pelos RR. em 1999?
b) Aquando da compra pelos RR. existiam obras e construções não licenciadas?
c) Qual o valor de mercado das obras e construções, licenciadas ou não licenciadas, efectuadas pelos AA. na Quinta do Zarol?
d) Os RR. efectuaram obras e construções não licenciadas?
e) Qual o valor de mercado das obras e construções, licenciadas ou não licenciadas, efectuadas pelos RR. na Quinta do Zarol?
f) Qual o valor de mercado da unidade fabril, destinada à actividade industrial de desmanche de carnes e conservação em frio, instalada pelos RR. na Quinta do Zarol?
Para as respostas, os senhores peritos deverão ter em conta, nomeadamente, o preço das aquisições anteriores por AA. e por RR. e respectivas datas, o valor de imóveis próximos, da mesma qualidade e com idêntica finalidade, bem como todas as circunstâncias relevantes».
-Notificados para se pronunciarem, fizeram-no, cada um dos peritos intervenientes, de forma separada, por requerimentos de fls 2164, 2186 e 2194
-Em 27/6/2013 foi proferido o seguinte despacho:
«Os réus Manuel e mulher vieram requerer a realização de uma segunda perícia, argumentando, em síntese, que os resultados da perícia são inexactos e que os peritos nomeados viram mal os factos objecto da perícia, expondo para tanto os fundamentos constantes do requerimento de fls. 377 e seguintes.
Regularmente notificados, os autores Augusto e Carolina Maria dos Reis, vieram arguir que o pedido da segunda perícia requerida pelos réus é infundada e tem propósitos dilatórios.
Ordenada a prestação de esclarecimentos por parte dos senhores peritos atenta as reclamações apresentadas pelos réus, estes vieram o fazer a fls. 2164 e seguintes, 2186 e seguintes, e a 2196 e seguintes.
Cumpre Decidir.
A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (artigo 388.º do Código Civil).
Ou seja, a perícia tem por finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de aplicar o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.
Atribui-se, pois, a técnicos especializados a verificação/inspecção de factos não ao alcance directo e imediato do julgador, já que dependem de regras de experiência e de conhecimentos técnico-científicos que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se ser aquele possuidor.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 589.º, do Código de Processo Civil, “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.”
A expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia (neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Novembro de 2004, processo n.º 04B3648, in www.dgsi.pt). Como refere Rodrigues Bastos a «segunda perícia não é uma faculdade oferecida às partes; tem de ser requerida e fundamentada com a exposição das razões de discordância com o relatório apresentado (in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3.ª Edição, isboa,pág. 131).
Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira. Ou seja, trata-se da emissão de um segundo juízo pericial a emitir por uma formação mais alargada de peritos, que tem por objecto a averiguação dos mesmos factos e nessa medida permitindo ao tribunal formar um juízo mais sólido sobre a realidade das questões que são sujeitas à perícia, com vista à dirimenda da matéria de facto (artigos 589.º, n.º 3 e 590.º, do Código de Processo Civil).
É, no fundo, como decorre do artigo 591.º, do Código de Processo Civil, “uma prova a mais, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos” ou seja uma prova adicional facultada pela lei às partes.
Se o requerente não aponta as razões da discordância do resultado da primeira perícia, não é admissível a segunda requerida pelas partes, que não pode funcionar como meio de protelar a decisão (diligência dilatória) mas como mais uma prova útil e necessária para melhor esclarecimento dos factos que o tribunal há-de apreciar.
Por outro lado, é direito das partes, perante um relatório incompleto (deficiente), obscuro ou ambíguo (quiçá ininteligível), ou em que existam contradições, apresentar reclamações em ordem a que os peritos, supram as deficiências e eliminem as obscuridades e as contradições e, bem assim, justifiquem ou fundamentem as conclusões a que chegaram.
Nem se deve esquecer que a justificação do recurso à apreciação dos factos por meio de peritos reside na necessidade de conhecimentos especiais que o julgador (e, normalmente, o comum das testemunhas) não possui. Trata-se de questões de índole técnica ou científica que pedem igualmente uma verificação e apreciação técnico-científica. E essa verificação e apreciação cujo resultado se leva ao relatório, para se tornar facilmente compreensível para as partes e o julgador, pode necessitar de exposição mais clara ou de esclarecimento/fundamento mais desenvolvido, para que esse resultado da verificação/inspecção pericial seja apreensível, inteligível e claro.
A tarefa dos peritos pode revelar-se mais ou menos complicada. Assuntos existirão em que os peritos terão dificuldade de apresentar um relatório claro, preciso, definitivo, a exigir inspecção mais ou menos minuciosa e cujo resultado poderá também não ser apresentado com clareza, ao menos, para quem não é dotado dos conhecimentos técnico-científicos dos peritos, e não se mostrar completo, ser omisso quanto a alguma questão que aos peritos tenha posta.
Outras situações haverá em que os peritos poderão, sem excessivo trabalho ou diligências, apresentar resultados claros e precisos, que não levantem dúvidas ao comum das pessoas e, de relevante, às partes e ao tribunal.
De qualquer forma, sempre as suas conclusões devem ser motivadas, não bastando fazer a afirmação, concluir em determinado sentido, mas também fundamentar a afirmação ou a conclusão, sob pena de nulidade.
É para essas situações que as partes podem reclamar do relatório da perícia (e seja da primeira seja da segunda perícia). É uma faculdade que lhes assiste.
No caso em apreço, os réus reclamaram do relatório, alegando para o efeito que o mesmo é inexacto e que os senhores peritos não dispõem dos conhecimentos técnicos e profissionais necessários ao desempenho da função que lhes foi cometida.
Analisados os argumentos invocados pelos réus, o relatório apresentado pelos senhores peritos, e os esclarecimentos apresentados por estes, entendemos que não existem fundamentos para esta parte vir requerer uma segunda perícia.
Ora, como foi referido anteriormente é direito das partes, perante um relatório deficiente, obscuro ou ambíguo, ou em que existam contradições, apresentar reclamações em ordem a que os peritos, supram as deficiências e eliminem as obscuridades e as contradições e, bem assim, justifiquem ou fundamentem as conclusões a que chegaram. Porém, já não assiste às partes o direito de requererem uma segunda perícia apenas porque o relatório não lhes é favorável e nessa medida não gostam do mesmo. Esta segunda situação extravasa o âmbito do artigo 589.º, do Código de Processo Civil, ou seja, os casos em que é permitida a realização de uma segunda perícia.
Salvo melhor opinião, o que se verifica nos presentes autos não é uma situação de os resultados da perícia apresentada serem “inexactos” e nessa medida existirem fundadas razões para o requerido, mas apenas de os réus entenderem que o mesmo não lhe é favorável e nessa medida pretenderem a realização de uma segunda perícia. Ora, esta situação não está prevista no artigo 589.º do Código de Processo Civil.
E aqui sempre se note que não podemos deixar de estranhar a posição dos réus quanto às qualificações dos senhores peritos, já que os mesmos possuem as qualificações necessárias para a realização da perícia requerida, sendo que um deles foi nomeado pelos próprios réus e nessa medida não se compreende como é que estes indicaram um perito que alegadamente não tem as qualificações necessárias.
Consequentemente, indefere-se a pretensão dos réus por falta de fundamento legal.
Custas do incidente a cargo dos réus em questão, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Notifique».
2 -Do assim decidido, como acima relatado, agravaram os 1º e 2º RR., tendo concluído as respectivas alegações, nos seguintes termos:
Os agravantes justificaram a realização de segunda perícia elencando, para efeito do disposto no nº 1, do Art 589º do C.P.C., em síntese, as razões seguintes:
a) Terem os peritos dos agravados e do tribunal considerado para referência e cálculos, a avaliação do prédio em apreço em 1996 em 643 449,30 €, pelo Fundo do Turismo, não obstante não constar dos autos qualquer avaliação realizada ao mesmo prédio pela dita entidade (estes peritos efectauarm os seus cálculos com referencia a facto inexistente).
b) Terem os mesmos peritos, para efeitos de valorizarão de obras efectuadas pelos agravados no prédio em apreço, confundido a "atribuição de utilidade turística a título prévio" a uma entidade terceira (que não os agravados) publicada em Diário da República, com a existência de proiecto aprovado para o edificado existente, não obstante constar dos autos evidência de inexistência de licenciamento urbanístico (estes peritos consideraram novamente, para efeito de referência e cálculos um segundo facto inexistente);
c) Terem os mesmos peritos desconsiderado, por completo, quer os conceitos urbanísticos aplicáveis à situação sub-judice, quer o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão do Território (DL 380/99, de 22 de Setembro) quer, por último, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL 555/99, de 16 de Dezembro), bem como o Decreto-Lei n.° 281/99, de 26 de Julho, referente à compra e venda de prédios urbanos;
d) Nomeadamente, não tomando em conta os índices urbanisticos, os fins das construções eventualmente permitidas, a existência ou não de servidões administrativas, a inclusão ou não, ainda que parcial, em zona REN, na Rede Natura ou em PDM (Plano Director Municipal) do concelho de Vila Franca de Kpra;
e) Não responderam ao objecto da perícia, porquanto não indicaram o valor de mercado do conjunto imobiliário em apreço (Quinta do Zarol) a data da respectiva aquisição pelos agravantes Manuel (e outros) no cotejo com o valor de mercado dos mesmas prédios após as obras realizadas por estes (a perícia realizada é omissa quanto a essa questão);
f) Formularam o perito dos agravados e do tribunal quesitos novos, que não poderão ser aceites face ao que dispõem os Arts. 578°, n 2 e 586°, 1, ambos do CPC. Finalmente,
g) Desconsideraram, no que concerne à avaliação das obras efetuadas pelos agravados até 1995, a avaliação técnica n° 547/91. de 91.11.20 (junta aos autos a fls.), última avaliação efectuada peio Fundo doTurismo, da qual consta um investimento total realizado de 62.565 contos, isto é, de PTE 62.565.000$00 em moeda antiga, correspondente a € 312.072.90 em moeda actual, valor este superior ao valor medido pelo Fundo de Turismo em cerca de 135 mil euros, bem como a informação prestada pelo Fundo de Turismo, junta aos autos a fls. 1680 — 1682, de acordo com a qual (citando) "os mutuários apenas utilizaram Esc. 43.700.000$00, que corresponde ao contravalor de € 217,974,68", diferenças estas que se não se encontram justificadas no relatório pericial.
2. Ds agravantes elencaram também, como questões concretas justificativas da realização da segunda perícia, necessárias ao apuramento do valor de mercado dos prédios em apreço; que devendo ter sido objecto da primeira nericia, não o foi, em sintese, as seguintes questões.
1- qual o montante que pode (ou poderia) ser razoavelmente esperado pela transacção da Quinta do Zarol ( na situação física ou material em que esta se encontrava antes da venda efectuada aos RR., ou seja, na situação de obras inacabadas, com destino a empreendimento turístico, e sem dispor de licença ae construção ou utilização) entre um comprador e um vendedor interessados, com equidade entre ambos, nenhum deles estando obrigado a vender ou a comprar e ambos estando conhecedores de todos os factores relevantes naquela data?
Ii - Qual o montante que pode (ou poderia) ser razoavelmente esperado pela transacção da Quinta do Zarol (na situação física ou material em que esta se encontrava após as obras realizadas pelos RR., com destino a habitação e a edifício fabril com destino à actividade industrial de desmanche de carnes) entre um comprador e um vendedor interessados, com equidade entre ambos, nenhum deles estando obrigado a vender ou a comprar e ambos estando conhecedores de todos os factores relevantes naquela data?
3-As razões de discordância dos agravantes com a primeira pericia, enunciadas nas conclusões precedentes, são razões factuais e encontram-se explicitadas claramente no requerimento apresentado pelos agravados para realização da segunda perícia;
4- O requerimento dos agravados encontra-se substanciado com fundamentos sérios, e destina-se a corrigir e suprir as inexactidões e deficiências de avaliação e dos resultados da primeira perícia, levando a segunda perícia de resultado diferente, com a finalidade de permitir ao tribunal formar um juízo mais solido sobre a realidade das questões submetidas à perícia, para melhor esclarecimento aos factos;
5 – Por outro lado, a primeira perícia, além de inconsistente pelas razões já apontadas, e de difícil leitura é, pelo menos em parte, praticamente ininteligível!;
6 -A realização de segunda perícia não é impertinente nem dilatória;
7- O esclarecimento das questões elencadas pelos agravantes é relevante para prova dos fundamentos da contestação e reconvenção; Assim,
8- O requerimento apresentado pelos agravantes para realizarão de segunda perícia mostra-se formulado de acordo com o preceituado no disposto no n.° 1, do Art.° 589.° do L.P.C., na redacção aplicável e em vigor à data da respectiva apresentação em juizo (não alterada);
9. Disposição legal violada: a vinda de referir.
Porque apresentadas extemporaneamente não foram admitidas nos autos as contra alegações dos AA..
3 - A questão em apreço no agravo é, como acima já foi referido, a de saber se, no contexto da matéria de facto dos autos e perante o relatório da primeira perícia, se justifica a realização de uma segunda perícia, em função dos fundamentos constantes do requerimento que os agravantes apresentaram para esse efeito.
Nos termos do disposto no art 589°/1 do aCPC (disposição que corresponde hoje à do art 487º no actual CPC) «qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado».
Este preceito resultou da alteração pela Reforma de 1995 à norma até então vigente (art 609º), situando-se a alteração na circunstância de passar a ser necessário, ao contrário do que até então sucedia, fundamentar o pedido da nova perícia, o que a parte logrará se indicar as razões de discordância relativamente ao resultado da primeira e as fundamentar.
Com efeito, no âmbito do referido art 609º CPC bastava à parte, tão somente, requerer segundo arbitramento, sem que o juiz o pudesse indeferir - a parte tinha sempre, e afinal, assegurado o direito a uma nova perícia, desde que mantivesse o mesmo objecto da primeira.
Hoje exige-se que, no requerimento de segunda perícia, a parte que a requer justifique «fundadamente» as razões da sua discordância relativamente aos resultados da primeira. Quer dizer - proceda a uma indicação lógica, coerente e consistente das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente, levando tais razões a concluir que aquele relatório padece de inexactidões e/ou de deficiências que poderão vir a ser supridas ou suprimidas com a nova perícia, sempre no âmbito do objecto da primeira.
È frequente que a parte, antes de requerer uma segunda perícia nos termos referidos, solicite dos peritos esclarecimentos e que, apenas quando estes não se mostrem satisfatórios, a venha efectivamente a pedir.
Não é, no entanto, obrigatório – porque isso não resulta da lei – que requeira primeiro tais esclarecimentos, o que bem se compreende na medida em que, casos há em que logo se mostra inútil esse pedido, como sucede sempre que o resultado da primeira perícia tenha advindo de pressupostos com que o requerente não possa concordar e que inquinem todo o raciocínio pericial.
È, do ponto de vista dos aqui agravantes, o que se passa com a perícia constante dos autos, quando a mesma considera como correspondendo a uma «verdadeira avaliação» pelo Fundo de Turismo a circunstância de na escritura de mútuo com hipoteca ser referido ter aquela entidade avaliado a Quinta do Zarol em 129.000.000$00, quando, no entendimento dos 1º e 2º RR., se trata de uma mera indicação com objectivos meramente estatísticos; também, ao ter confundido a "atribuição de utilidade turística a título prévio" publicada em Diário da República, com a existência de projecto aprovado para o edificado existente, não referindo a existência ou inexistência deste; igualmente, ao não ter indicado o valor de mercado da Quinta do Zarol, desconsiderando a legislação urbanística e imobiliária aplicável, limitando-se a indicar o valor dessa Quinta, como correspondendo à mera soma do valor das obras feitas pelos AA. antes da obtenção de crédito, e depois desta, e somando esse resultado, com o do valor da sobras efectuadas pelos RR.; ao não ter ponderado a informação prestada pelo Fundo de Turismo, a fls. 1680/1682, de acordo com a qual "os mutuários apenas utilizaram Esc. 43.700.000$00” do investimento total de 65,525 contos correspondente à última avaliação efectuada pelo Fundo do Turismo.
Estas razões – devidamente explicitadas no requerimento – correspondem a razões sérias – fundadas - para o requerimento de uma segunda perícia, assistindo aos agravantes o direito a essa prova, como forma de corrigir e suprir as inexactidões e deficiências da avaliação e dos resultados da primeira perícia, e, inclusivamente, a produção de um relatório de mais fácil leitura e perceptibilidade do que o constante dos autos.
Salienta-se ainda que constitui jurisprudência corrente a que tende a considerar como situações justificativas do indeferimento de uma segunda perícia, apenas, as que, na prática, se reconduzam ao não cumprimento pela parte que a requeira, do «do ónus argumentativo» introduzido pelo trecho final do nº 1 do artigo 589º do CPC: a ausência de alegação fundada das razões da discordância, como disso dá noticia o Ac RC 12/10/2010 - Relator, Teles Pereira remetendo-se aqui para a jurisprudência aí citada.
Entende-se, assim, que o indeferimento da realização da segunda perícia correspondeu ao coarctar indevido do direito à prova, pelo que se revoga o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que admita a requerida segunda perícia.
E porque – como se refere no Ac STJ 25/11/2012- Relator, Fereira de Almeida , citado no despacho recorrido- «nada garante, (…), que o Mmo Juiz que presidiu ao julgamento, caso dispusesse também desse meio probatório e sendo o resultado dele diferente, não viesse a basear-se no mesmo e respondesse de forma diferente aos diversos pontos da base instrutória», sempre se tem de concluir que a não realização da segunda perícia seria susceptível de ter influenciado a decisão da causa, o que constitui nulidade (art 195º/1 do actual CPC), pelo que o provimento do agravo tem de implicar a anulação do julgamento no que se refere às respostas susceptíveis de serem respondidas também, ou apenas, por recurso aos resultados desse omitido meio de prova.
Nessas circunstâncias estão, à cabeça, os artigos da base instrutória a cuja resposta os próprios peritos responderam no relatório da primeira peritagem - a dos arts 66º a 214º; além desses, as de outros artigos da base instrutória que se referem a valores dos prédios, ou das obras – arts 6º, 29º a 32º e 54º - e ainda os que dizem respeito ao âmbito das obras levadas a efeito pelos AA. e as efectuadas pelos RR. e/ou por estes aproveitadas/destruídas, estando nessas circunstâncias as dos arts 7º a 22º, 30º e 31º, 52º e 53º e 59º a 65º, sendo esse o âmbito da anulação do julgamento, com a inerente repercussão no objecto do presente acórdão, como adiante melhor se ponderará.
D) Pretendem os 1º e 2º RR., nas respectivas contra alegações, aderindo ao mesmo ponto de vista os demais RR., igualmente nas respectivas contra alegações, que não seja admitida a reapreciação da matéria de facto, por um lado no respeitante à dos arts 10º a 12º, 14º, 22º a 24º, 29º, 30º, 32º, 35º, 36º, 40º, 41º, 52º, 53º, 59º, 60º, 64º e 65º, por outro, no respeitante aos arts 37º, 38º, 48º e 49º da base instrutória, num caso e noutro pelo não cumprimento dos ónus estabelecidos em função da «correcta interpretação dos arts 637º/2 e 640º/1 CPC» .
No tocante àquela matéria, tal rejeição haverá de impor-se desde logo, e do seu ponto de vista, porque os apelantes não fizeram constar das conclusões das alegações, sequer a especificação sintética dos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados.
No tangente a esta, porque, pese embora essa especificação seja feita, já não incluem nas conclusões a especificação dos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e tão pouco incluem nelas a indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que fundam o respectivo recurso, com a agravante de, no próprio corpo das alegações não terem procedido àquela especificação e a esta indicação, pois aí referem-se «praticamente à integralidade dos meios de prova e à globalidade dos depoimentos prestados, sem destaque de enxertos e sem delimitação dos mesmos com um princípio e um fim» (cfr conclusão 6º das contra alegações em referência).
Vejamos.
No novo CPC a disposição de carácter genérico constante do nº 1 do art 662º a respeito da modificabilidade da decisão de facto, deve ser complementada, no que concerne a essa modificabilidade em função da «prova produzida», com a do disposto no art 640º, do que decorre que a impugnação da decisão relativa a tal matéria se encontra dependente da observância de especiais ónus.
De acordo com esta norma – a do art 640º CPC - em tais casos, «deve o recorrente obrigatoriamente especificar sob pena de rejeição (...) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (...), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (...) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas» – cfr art 640º/1 CPC.
De acordo ainda com a mesma norma – cfr seu nº 2- «quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Para melhor se compreender o âmbito do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, recorre-se aqui à génese do normativo em causa, fazendo-o com apoio nas consideraçõesdo recente Ac STJ de 1/10/2015 - Relatora, Mª dos Prazeres Beleza , a esse propósito.
Faz-se notar nesse acórdão que estes ónus foram introduzidos em 1995 com o DL 39/95 de 15/2, salientando-se o respectivo preâmbulo, e os seus seguintes dizeres:
«… a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido». Nesse sentido, impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.
Daí que se estabeleça” - continua o mesmo preâmbulo - “no [então] artigo 690º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.
Tal ónus acrescido do recorrente justifica, por outro lado, o possível alargamento do prazo para elaboração e apresentação das alegações, consentido pelo nº 6 do [então] artigo 705”.
Continuando a citar-se o acórdão acima referido:
«O artigo 690º-A do Código de Processo Civil foi alterado pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto e no mesmo continuou a incumbir ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto proferida em primeira instância, “especificar (…) os concretos pontos de facto que [o recorrente] considera incorrectamente julgados” e “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”. Se “os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas [tiverem] sido gravados”, passou a caber-lhe, “sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522ºC”.
O artigo 690º-A veio a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que em sua substituição acrescentou ao Código o artigo 685º-B, mantendo os ónus referidos (indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados e dos concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que implicassem decisão diversa da proferida, “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis, aliás modificado significativamente pouco tempo antes, pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto; mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil, disponível em www.parlamento.pt .
Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a), manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes”».
Como decorre do acórdão cujos enxertos se transcreveram, o que se impõe ao recorrente da matéria de facto, para tanto se lhe exigindo o cumprimento dos referidos ónus, é que proceda, por um lado, à “delimitação do objecto do recurso”, e por outro, à sua “fundamentação”.
Se parece ser relativamente pacífico que a delimitação do objecto do recurso - que advirá da especificação dos «concretos pontos de facto que (o recorrente) considera incorrectamente julgados» (al a) do nº 1 do art 640º CPC) e da especificação da «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas» (al c) da norma em referência - tem que constar das conclusões do recurso, atenta a função destas de delimitação do objecto concreto do recurso, já não se mostra pacífico que a fundamentação desse objecto – que advirá da «especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida» (al b) daquela norma) - se faça, necessariamente, constar das conclusões, sequer de forma sintética, resumida, ou concisa, bastando uma remissão para o lugar do corpo das alegações que a contenha, remissão essa que, de todo o modo, se deverá ter, na respectiva omissão, como implícita.
Tem este tribunal o entendimento de que não é necessário para o impugnante da matéria de facto fazer incluir nas conclusões os aspectos referentes à fundamentação da impugnação no que àquela respeita, seguindo, com este ponto de vista, recente jurisprudência do STJ Vejam-se os recentes acórdãos do STJ de 19/2/2015 (Tomé Gomes) e de 1/10/2015 (Ana Luísa Geraldes).
No primeiro, destacam-se ss seguintes pontos do seu sumário:
1- Para efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.
2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.
5. Nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória».
No segundo, destacam-se os seguintes pontos do seu sumário:
«I– No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação».
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Assim, o que importa é averiguar se no corpo das alegações o recorrente fez constar, com suficiente precisão - para que se possa falar ainda de especificação –, de que modo, o concurso dos diferentes meios de prova, entre eles os depoimentos gravados, deveriam ter conduzido à conclusão das pretendidas respostas, relativamente às impugnadas. Sendo que, reportando-se o recorrente a provas gravadas, tem que indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, ainda que, para melhor fundamentação da sua pretensão recursória em matéria de facto, possa proceder «à transcrição dos enxertos que considere importantes».
O objectivo do legislador, no que se refere aos meios probatórios gravados, foi o de restringir a tarefa do juíz à audição de um mínimo obrigatório correspondente aos segmentos relativos aos depoimentos invocados pelo recorrente, embora sem prejuízo de poder ouvir outras partes adjacentes da prova, como se revela quase sempre necessário, ou mesmo toda, se o achar conveniente, como tantas vezes sucede - Abrantes Geraldes, «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2013, p 125/127..
Por isso, tem o impugnante da matéria de facto o autónomo ónus, já referido, de, relativamente aos depoimentos gravados (seja de testemunhas, de peritos, ou de partes), indicar «com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso», exactidão que advém do início e termo dessas passagens por referência à respectiva gravação.
Feitas estas considerações, verifique-se agora como procederam os apelantes no aspecto em apreço.
Os mesmos só fazem referência específica aos pontos de facto incorrectamente julgados na conclusão 32ª, que apresenta o seguinte teor: «E face às respostas aos quesitos 37º e 38º da base instrutória, que deverão ser dados como Provados, e as respostas aos quesitos 48º e 49º da Base instrutória, que deverão igualmente ser dados como Provados», estando a reportar-se à má fé dos 3º a 5º RR. a que se refere na antecedente conclusão 30ª .
Cabe fazer notar, como se mostra evidente do contexto dos autos, que se regista na conclusão 32ª um lapso de escrita, pois o que manifestamente os apelantes queriam dizer, era, relativamente às respostas que propugnam para os arts 48º e 49º, «Não provados», e não, o que disseram, «Provados». Aliás, se dúvidas houvesse relativamente à existência desse lapso e à respectiva correcção, elas ter-se-iam que ter como dissipadas em função do que consta a esse respeito no corpo das alegações, onde a fls 3168 referem: «Face às respostas dos quesitos 37º e 38º da BI que deveriam ser dados como provados em função da atrás reapreciação da prova, bem como os quesitos 48º e 49º da BI, que deveriam ter sido dados como não provados, também em função da reapreciação da prova».
Como não fazem nas conclusões nenhuma outra específica referência à matéria de facto a ser alterada, há que concluir que não pode admitir-se a impugnação da matéria de facto a que os mesmos se referiram (apenas) no ponto XIII do corpo das alegações – cfr fls 3165 – as respostas aos acima arts 10º a 12º, 14º, 22º a 24º, 29º, 30º, 32º, 35º, 36º, 40º, 41º, 52º, 53º, 59º, 60º, 64º e 65º da base instrutória - No ponto XIII do corpo das alegações – cfr fls 3165 – referem: “Provadas as alíneas 10), 11), 12), 14), 22), 23), 24), 29), 30) 32) 35), 36), 37), 38) e não provadas as alíneas 40), 41), 48), 49) 52) 53) 59) 60) 64) 65).
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Já na referida conclusão 32ª, como acima se referiu, os AA. impugnantes cumprem, embora apenas relativamente à matéria dos arts 37º, 38º, 48º e 49º, o ónus da delimitação do objecto do recurso da matéria de facto.
E, salvo melhor opinião, cumprem, também – pese embora o carácter difuso e prolixo que utilizam – o ónus de fundamentação, decorrendo a prolixidade que se acusa da forma exaustiva como optaram por o fazer.
Quanto à circunstância de apenas mencionarem o início do ponto de gravação a partir do qual se compreenderá o enxerto probatório cujo conteúdo entendem que concorre para a prova que pretendem, e não já ao seu fim, entende-se que seria demasiado rigoroso e formalista que se rejeitasse a, tão indiscutivelmente pretendida, impugnação da matéria de facto em apreço, em função dessa falha, cujo suprimento sempre decorrerá do fim do enxerto transcrito que esteja pontualmente em causa.
Aceite, assim, a impugnação da matéria de facto no que respeita à constante dos arts 37º, 38º, 48º e 49º da base instrutória, atente-se no que nela se pergunta.
Art 37º - «À data mencionada em P), (9/6/1999), os 3º e 4º RR. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal»;
38 – «À data mencionada em S), (9/6/99), o 5º R tinha conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal»;
48º - «À data mencionada em P), (9/6/1999), os 3º e 4º RR. desconheciam a existência de qualquer acção judicial de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal»;
49º - «À data mencionada em S), (9/6/1999), o 5º R desconhecia a existência de qualquer acção judicial de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal».
A 1ª instância respondeu, «Não provado» aos arts 38º e 39º, e «Provado» aos arts 48º e 49º, defendendo os apelantes – com a correcção do lapso a que acima se fez referência - que ali se respondesse «Provado» e aqui «Não provado».
Deve aqui fazer-se notar que, pese embora as considerações dos apelantes ao longo do corpo das alegações deixassem entrever que os mesmos pretenderiam, também, impugnar as respostas dadas pela 1ª instância aos arts 35º e 36º da base instrutória – referentes ao conhecimento por parte dos dois primeiros RR., em 16/7/1996, (art 35º) e em 9/6/1999 (art 36º) de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal, artigos estes que foram respondidos “Não provados” - a circunstância, acima referida de essa vontade impugnatória não constar das conclusões das alegações (mas apenas do corpo destas, cfr a referência muito explícita constante de fls 3096)) implica que este tribunal não se debruce sobre essa matéria factual.
Cabe, no entanto, salientar, que relativamente aos 1º RR., e em função dessas respostas, se, não ficou assente esse conhecimento (da pendência de apreciação de pedido de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal), nem no momento em que compraram os prédios na execução fiscal, nem no momento em que procederam à sua venda aos 3º, 4º e 5º RR., também não ficou assente que em 9/6/1999 desconhecessem a existência de qualquer acção judicial de anulação da venda efectuada no âmbito da execução fiscal (resposta «não provado» ao art 42º), não tendo resultado igualmente assente (cfr respostas «não provado» aos arts 43º e 44º) que esses RR. só tenham tomado conhecimento das inscrições referidas em W), AA), AE), AI) e em AZ) em meados de Julho de 1999, na altura em que foi efectuado na CRP o registo de aquisição dos prédios em causa aos 3º, 4º e 5º RR.
O juiz da 1ª instância fundamentou as respostas aos arts 37º, 38º, 48º e 49º no que respeita a depoimentos testemunhais, do seguinte modo:
-Rui Perdigão, sócio da Soleilões que tratou da parte burocrática da venda, tendo celebrado a escritura de venda em nome da encarregada da venda (que era a Soleilões), referindo que «a essa data desconhecia a existência de qualquer problema em relação a essa venda»;
-Santos, «que trabalha para os primeiros réus, tendo tratado da venda dos imóveis aos 3° a 5º réus. Desconhecia qualquer ação de anulação da venda efetuada aos lº réus. A venda ocorreu um mês antes do decurso do prazo de 3 anos que os 1º réus dispunham para a fazer de modo a não pagarem a sisa devida pela compra.
-Eduardo Rodrigues, que é empresário da construção civil e amigo dos réus António e Manuel há mais de 40 e 30 anos, respetivamente. Disse que o negócio de venda do réu António ao réu Manuel começou em sua casa. O réu António estava em casa da testemunha, juntamente com várias outras pessoas, entre as quais o réu Manuel e disse que tinha uma quinta para venda, tendo o réu Manuel mostrado interesse na compra. (…) Disse ainda que, daquilo que conhece do réu Manuel, caso ele soubesse de algum problema com a compra da quinta, ele nunca a compraria.
- Manuel A, é administrador de empresas e advogado, conheceu o réu Manuel em 1995. Em 1999 ele disse-lhe que tinha comprado uma quinta e nunca lhe disse que havia algum problema com a mesma. Considera o réu Manuel uma pessoa cuidadosa e prudente. Foi já muito após a compra (a testemunha não precisou o tempo) que o réu foi falar com a testemunha acerca do problema que surgiu com a quinta, sendo que estava muito surpreendido e preocupado.
- Joaquim André, amigo do réu Manuel desde há cerca de 40 anos, estava presente no almoço em que o réu António perguntou se alguém estava interessado em comprar uma quinta. (…) Ninguém sabia de problemas com a quinta, em especial o réu Manuel. No grupo de amigos do réu, de que a testemunha faz parte, várias vezes ouviu lamentar a pouca sorte do réu por causa dos problemas tidos com a quinta. Conhece o réu Manuel muito bem e sabe que se ele soubesse de algum problema nunca teria comprado a quinta.
- Daniel Filipe Reis, filho dos autores, juntamente com o depoimento de Rui Gonçalves, foi também a única prova testemunhal apresentada quanto ao facto de os réus Manuel e Paulo saberem do processo de anulação da venda. O seu depoimento não foi tido em consideração pelo tribunal por várias razões. Desde logo pelo facto de ter nascido em 1981, o que significa que em 1995 tinha 14 anos, tendo 10/11 anos à data em que surgiram os problemas com o Fundo de Turismo e não é credível que com essa idade soubesse os pormenores quanto ao projeto turístico que aparentou saber. Depois porque demonstrou claramente falta de isenção (que, aliás, é perfeitamente natural) E, por último, a restante prova produzida contraria frontalmente o seu depoimento. Quanto ao conhecimento da ação de anulação por parte dos réus, apenas referiu que em 1998 falou com o réu Paulo e que dessa conversa resultou que ele sabia de problemas com a quinta, tendo-lhe o réu dito que ia falar com o pai, o réu Manuel, pois este tinha-lhe dito (a ele, Paulo) que não havia problema nenhum com a quinta. A terem-se as coisas passado assim, por um lado, não se sabe a que problemas se estavam a referir (acresce que, olhando para a quantidade de ónus, nomeadamente hipotecas, arrestos e penhoras que incidiam sobre os prédios, não há dúvida que os autores estavam a passar por vários problemas, para além da questão da anulação da venda) e, por outro lado, dessa conversa até resulta que o réu Manuel não saberia de quaisquer problemas com a venda da quinta.
- Rui Gonçalves, amigo da anterior testemunha, disse que um dia o réu Paulo lhe disse que o autor Augusto andava fugido e que tinha comprado uma quinta que lhe pertencia, conversa que terá ocorrido em 1998. Desconhecia a venda da quinta ao réu António, julgando que nessa data a quinta pertencia ao autor Augusto. À data a testemunha tinha ouvido falar de problemas com a quinta mas não sabia que problemas eram esses.
Concluindo: «Em face da prova acima mencionada ficamos convencidos de que, na realidade, os réus, nas datas dos respetivos negócios, desconheciam quaisquer problemas. Se bem que a anulação da venda só podia ter acontecido depois da venda efetuada, o que é certo é que já antes da venda por negociação particular o problema da autorização da venda sem a audição do Fundo de Turismo tinha sido suscitado. Mas não há qualquer prova de que à data da venda o 1º réu soubesse dessa questão. Também da prova produzida resultou que os 3° a 5° réus não sabiam da anulação da venda dos prédios aos 1º réus á data da respetiva compra. A prova produzida foi toda nesse sentido, sendo que a contrária foi apenas a referida prova testemunhal do filho dos autores e de Rui Gonçalves».
Desde já se adianta ter este tribunal opinião diferente da da 1ª instância relativamente à matéria de facto impugnada, e por isso entender que resulta adquirido da prova produzida nos autos que os 3º, 4º e 5º RR. tinham conhecimento em 9/6/1999 - data das escrituras em função das quais adquiriram por compra e venda os prédios dos autos – que se mostrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda no âmbito da execução fiscal.
Há elementos probatórios nos autos que permitem concluir no sentido de que esse conhecimento lhes adveio por diferentes vias (como os AA. o referem na petição inicial, arts 10º a 14º e 16º): através de conversa tida pelo 5º R. com um filho dos AA; através do Banco Mello; e, muito relevantemente, como se procurará demonstrar, pelos próprios registos.
Vejamos.
Caberá em primeiro lugar registar a falta de coincidência nas declarações constantes dos autos relativamente ao momento em que o 3º R. conheceu o 1º, e se terá tornado das suas relações, bem como relativamente às relações dele e do 1º R. com Eduardo Rodrigues, da “Soleilões”.
Nas declarações que o 3º R. produziu junto da PJ, em 30/8/99 – contidas na certidão referente dos autos de instrução nº 605/98.8 TAVFX que se mostra junta no Apenso que diz respeito a esse tipo de prova - referiu o mesmo, ser «ser amigo do António, há cerca de quatro anos», referindo ainda ter sido «em Maio de 1998» que aquele lhe perguntou «se estava interessado num terreno que ele tinha para venda, em Vila Franca de Xira», e porque ele estava interessado e já conhecia o terreno, «apalavraram um preço de 22 milhões de escudos»; ele «entregou de imediato dois milhões de escudos em dinheiro, ao António», sendo que a escritura «só não foi feita logo na altura porque veio a verificar que havia várias hipotecas sobre aquela propriedade», tendo dito ao António que «não fazia a escritura nem pagava mais nada enquanto houvesse hipotecas».
Nessas mesmas declarações referiu que «não conhece nem nunca ouviu falar da Soleilões Ldª, ou dos seus sócios – gerentes. Recorda-se apenas que o António disse ter comprado o terreno nas Finanças».
Já no depoimento de parte produzido nos presentes autos, referiu ter conhecido o 1º R «através até de amigos em comum num almoço de uma pessoa nossa amiga e a partir daí fiquei a conhecer», e isso ter acontecido «muito pouco tempo antes do negócio, embora já tenha almoçado algumas vezes com ele, mas não era pessoa da minha ligação», situando mais especificamente esse «inicio de relações», «mais propriamente, talvez em 1998, quando se acertou o negócio». Referindo, «Já o tinha visto algumas vezes mas não era pessoa amiga, pronto como se diz ´´amigo``, não era meu amigo nessa altura». Perguntado se sabia «o que ele fazia» referiu: «Sabia, foi-me dito que ele comprava e vendia terrenos, propriedades…».
A não coincidência relativamente ao aspecto em apreço, resulta reforçada pelo depoimento da testemunha Santos, sobrinho do 1º R e seu funcionário no escritório, «tratando-lhe da documentação», segundo referiram ambos, referentemente ao negócio de compra e venda de imoveis a que confessadamente aquele se dedicava há muitos anos. Perguntado se o “tio” tinha conhecido “o Sr. Bugarim” na altura do negócio realizado, referiu que «já que já se conheciam, porque havia uma pessoa em comum que era o Senhor Eduardo Rodrigues, dos almoços, construtores e as pessoas e não sei quê, havia aí uma amizade vá, entre aspas, de pessoas à volta dele. O senhor Eduardo já é conhecido do meu tio há 50 anos…
Na verdade, estão juntas aos autos certidões de registo comercial referentes às sociedades “Predimo Empreendimentos Imobiliários Lda” e “Boguerfil Empreendimentos Imobiliários Lda” - fls 2918 e seguintes – sociedades estas, cujos objectos sociais se situam ambas no ramo imobiliário, de que são sócios o 1º e o 3º RR, resultando ainda da certidão referente à “Predimo”, que o 3º cedeu ao 1º a sua quota nessa sociedade em 22/9/99, mantendo-se como gerente.
Para além disso há que registar que são os próprios 3º, 4º e 5º RR. quem na respectiva contestação (art 50º) referem, sem subterfúgios, que tinham relações de amizade e confiança com os 1º e 2º RR.
Há também outro aspecto que importa aqui salientar, relativamente ao qual, o 3º e o 5º RR, nas declarações produzidas nestes autos, se mostram no mínimo ambíguos, e que respeita à existência de um contrato promessa, a que terão, ao menos, dado forma, para que este último R. fizesse contrato com a EDP- é o que resulta de fls 2930 (Vol 13), onde a referência ao mesmo resulta da sigla “Prom CV 3/8/98”.
Tentam ambos obliterar nos presentes autos que antes da realização da escritura – 9/6/99 - já os prédios tinham sido entregues ao 5º R.
Essa “traditio” resulta, no entanto, confirmada nas declarações do 1º R. junto da PJ, em 21/7/99 – cfr fls 333 do Apenso acima referido- coincidentes, no aspecto em apreço, com as já referidas, também no âmbito desse processo pelo 3º R.
Referiu aí o 1º R que, «Passado cerca de um ano» sobre a aquisição por ele dos prédios, «falou com uma pessoa sua conhecida, Manuel, que andava interessado em comprar um terreno na zona de Vila Franca de Xira e propôs-lhe vender aquele terreno, ao que ele concordou», referindo que, «depois de algumas semanas de negociações, concordaram em fazer o negócio por 22.000.000$00. Como havia diversas hipotecas a incidir sobre aqueles terrenos ficou combinado que o Manuel daria 2.000.000$00 de sinal – o que fez ainda em 1997 – e depois de canceladas as hipotecas daria ao restante, o que aconteceu em Junho passado». Acrescentando: «Assim que ele deu o sinal, o depoente deu-lhe acesso à propriedade, uma vez que ele queria fazer obras, para construír uma casa para o filho. Tanto quanto sabe, essa casa já está construída. Sabe também que o Banco emprestou dinheiro ao comprador para a construção da casa».
É por outro lado inegável que o 5º R. recorreu ao Banco Mello para obter um financiamento para a aquisição, então, de todos os prédios aqui em questão, comportamento que o 1º R. confirmou no seu depoimento de parte, e que adviria de qualquer modo das certidões de registo predial, tendo sido o pedido de tal financiamento que esteve na base do registo provisório de aquisição a favor do 5º R., a que se refere a AP 17/990316 (cuja inscrição se mostra provisória por natureza, al g) do nº 1 e por dúvidas) e a que se segue a Ap 18/990316 referente a hipoteca voluntária «Provisória por natureza, al i) do nº 1 e b) do nº 2 a favor do Banco Mello Imobilário SA …. Garantia do empréstimo – Valor: Capitall – 22.000.000$00 (…) Abrange quatro prédios».
A testemunha Santos referiu-se no seu depoimento à colaboração que foi pedida ao seu tio e tia pelo 3º R. para assinarem os pedidos de registo provisório referindo: «Foi pedido uns registos a favor do Sr. Paulo.(…) A minha tia e o meu tio assinaram um impresso, levaram ao notário, assinaram, reconheceram e entregaram». (…). O Sr. Manuel foi-me lá levar registos, pedido de registo provisório para o meu tio e minha tia assinarem e reconhecerem. Foi feito e entregue (…) Foi em 99, foi dois ou três meses antes da escritura».
Ora, foi neste contexto temporal e circunstancial que os AA. enviaram uma carta ao Banco Mello, cuja cópia se mostra junta com a petição a fls 84 dos autos, que se mostra recebida pelo referido Banco em 22/4/99, consoante carimbo constante da parte superior desse escrito, carta essa que tem o seguinte teor:
«Ao Banco Mello Imobiliário
Urgente
MutuárioPaulo
(Gestor do processo: Dr.ª Filipa Fernandes)
Augusto e esposa Calorina, para todos os legais e processuais efeitos, informa que os 4 prédios objeto do projecto de mútuo aPaulo são objecto de dois processos judiciais de anulação de venda!
Juntam e dão por reproduzidas as fotocópias das certidões (com selo branco) do Tribunal Tributário, que são para entregar na Conservatória e requerer registos!
Pede-se que no nosso duplicado de retorno fique expresso que as fotocópias que ficam no Banco foram feitas pelo Banco a partir das fotocópias das certidões judiciais. Ainda se pede a V.ªs Ex.ªs que não dêem já conhecimento do referido acima, (deste requerimento) aos implicados, para o signatário, primeiro, registar na Conservatória» (o negrito é nosso).
Esta carta mostra-se assinada por Francisco Tremoceiro, anterior mandatário dos AA. na acção.
Apesar do pedido constante dessa carta de que o Banco não desse “conhecimento imediato”, aos “implicados”, do seu teor, será pouco crível – visto que o financiamento em causa não teve prosseguimento - que o referido banco, perante a vulnerabilidade da venda judicial em face do que nela era referido, não tivesse comentado o seu teor com o candidato ao financiamento.
Atentemos, agora, na prova que permitirá concluir que os 3º, 4º e 5ª RR. tiveram conhecimento- por volta de meados de 1998 - de problemas ligados à anulação da venda executiva.
O Exmo Juiz a quo não deu qualquer crédito à testemunha Daniel, um dos filhos dos AA. (o outro é o Cláudio que surge referido nalguns depoimentos, como se verá) e, tão pouco ao amigo dessa testemunha, e também amigo do aqui R. Paulo, Rui Manuel Freitas Gonçalves, tendo referido a propósito do depoimento do referido Daniel, como acima se citou: «O seu depoimento não foi tido em consideração pelo tribunal por várias razões. Desde logo pelo facto de ter nascido em 1981, o que significa que em 1995 tinha 14 anos, tendo 10/11 anos à data em que surgiram os problemas com o Fundo de Turismo e não é credível que com essa idade soubesse os pormenores quanto ao projeto turístico que aparentou saber. Depois porque demonstrou claramente falta de isenção (que, aliás, é perfeitamente natural»
Mas não deixou o Exmo Juiz a quo de registar no passo da fundamentação que se citou, que essa testemunha, Daniel, «quanto ao conhecimento da ação de anulação por parte dos réus ( ...) referiu que em 1998 falou com o R. Paulo, e que dessa conversa resultou que ele sabia de problemas com a Quinta, tendo-lhe o R. dito que ia falar com o pai, o R. Manuel, pois este tinha-lhe dito (a ele, Paulo) que não havia problema nenhum com a Quinta». Bem como, não deixou de fazer sinteticamente referência ao depoimento da testemunha Rui Gonçalves – amigo comum daqueles dois – referindo: «Rui Gonçalves, amigo da anterior testemunha, disse que um dia o réu Paulo lhe disse que o autor Augustor andava fugido e que tinha comprado uma quinta que lhe pertencia, conversa que terá ocorrido em 1998. Desconhecia a venda da quinta ao réu António, julgando que nessa data a quinta pertencia ao autor Augusto. À data a testemunha tinha ouvido falar de problemas com a quinta mas não sabia que problemas eram esses».
A circunstância da testemunha Rui Gonçalves, ouvida no âmbito do Proc 934/98.0TAVFX do 1º Juízo Criminal - cfr fls 356 do Apenso acima referido - ter aí relatado em 5/3/99, em termos essencialmente coincidentes com os utilizados nos presentes autos, o episódio que terá conduzido à conversa do Daniel com o 5º R., não pode deixar de impressionar, tanto mais que o mesmo, sendo corroborado pela testemunha Daniel, não foi rejeitado na sua existência pelo R. em questão.
Vejamos concretamente o que referiram esses, então, amigos comuns.
O aqui R. Paulo quando ouvido naquele processo criminal, em 16/10/2000 - fls 358 do referido Apenso - disse: «Confrontado com as declarações de Rui Gonçalves e Cláudio Reis, confirma que se encontrou com o Rui, a quem mostrou uma fotografia, o qual identificou aquela pessoa como sendo o pai do Cláudio. Foi com o Rui ter com o Cláudio e este disse-lhe que a Quinta estava em Tribunal, ao que a testemunha respondeu «comprei-a e penso que está legal, senão estiver falamos com o Senhor Santos».
Neste processo, no respectivo depoimento, referiu que falou uma vez com o Daniel, «,não me lembro se foi antes do negócio ou se foi depois do negócio, sei que foi falado qualquer situação sobre a Quinta, que ele me disse que aquilo tinha problemas, mas como disse eu não tenho nada a ver com aquilo….» situando esse encontro, tanto quanto se lembrava, «na Póvoa de Santa Iria, num café».
No âmbito do referido processo criminal, Rui Gonçalves referiu em 5/3/1999: «Em ocasião que não sabe precisar, mas no Verão de 98, encontrou um amigo seu conhecido de Alverca, que conhece por Bugarim (filho). Começaram a conversar, e a certa altura o Bugarim disse-lhe que tinha comprado uma Quinta na zona de Vila Franca, tendo-lhe mostrado uma fotografia tipo passe, dizendo que a havia encontrado nessa Quinta. Não sabe por que motivo o Bugarim lhe mostrou essa fotografia, mas reconheceu ser a mesma do Sr. Augusto, não lhe tendo o Bugarim dito a quem a tinha comprado, referindo contudo que julgava que esse Sr. Augusto andaria fugido, o que a testemunha lhe desmentiu. Como estava interessado na compra de uma carrinha «Volvo» que o Cláudio tinha naquela Quinta, perguntou ao Bugarim pela mesma e pelos restantes objetos que se encontravam na Quinta, tendo-lhe ele dito apenas que ia mandar retirar essa carrinha para fora da Quinta. Não sabia nada dos problemas existentes com aquela Quinta, nomeadamente relacionados com a venda da mesma, pelo que não falou desse assunto com o Bugarim. Na noite desse mesmo dia encontrou o Daniel (…), e perguntou-lhe se o pai dele tinha vendido a Quinta; o Daniel ficou surpreso com essa pergunta tendo a testemunha referido a conversa que havia tido com o Bugarim e o teor da mesma. Ao que julga o Daniel e o seu irmão terão ido depois falar com o Bugarim mas não sabe o que se passou depois.Nada mais sabe sobre o que aconteceu em relação a esta Quinta, tendo sido o Daniel que lhe disse naquela ocasião que havia alguns problemas com a venda da mesma».
E neste processo, no seu depoimento, disse conhecer o Daniel e o Cláudio - filhos dos AA - «porque andei com o Cláudio e o Daniel na escola», bem como o 5º R., o Paulo, «porque era colega nosso, andava com a gente» e à semelhança daqueles, também o conhecia desde a infância. Mais tendo referido: «Sim, foi o senhor Paulo mas a gente conhecia ele por é que me informou que tinha comprado uma Quinta em Vila Franca e depois a gente estava a falar e depois ele mostrou-me uma fotografia tipo passe, era o senhor Augusto que lá tava, e depois também entretanto ficamos lá a falar e ele disse-me que o senhor Augusto andava fugido, e eu disse ´´não, isso é mentira porque os meus pais moram lá ao pé do senhor Augusto e eu tive com ele, ele tá cá, ele não anda fugido» (….) depois quando cheguei à noite a casa falei com o Daniel e disse-lhe «então o teu pai vendeu a Quinta?» e ele disse «Não». Eu disse, então o Paulo, a gente tratava ele por Bugarim, disse-me que comprou lá a Quinta e no outro dia o Daniel mais o Cláudio foram falar com o Paulo», situando essa conversa «para aí no Verão de 98», referindo seguidamente que o Daniel e o Claudio «depois foram no outro dia ter com o senhor Paulo para falar a ele o que se passava com a Quinta».
Por sua vez a testemunha Daniel referiu referentemente a este episódio: «Não posso dizer que falou (estando a referir-se ao conhecimento que o R. Paulo teria dado ao 1º R dos “problemas com a Quinta). O que o Paulo me disse a mim quando eu fui ter com ele foi que não sabia de nada, que tinha comprado ao senhor Santos e que ia falar com ele, em meados de 98. Agora não posso dizer, falar, não vi, se visse dizia, mas como não vi, não posso dizer. Mas aquilo que o Paulo me disse a mim foi que ia falar com ele, porque tinha comprado a ele e que ele lhe tinha dito que não tinha problema nenhum.O senhor Paulo soube em meados de 98». Referindo mais adiante no seu depoimento que os RR. Bugarim tinham conhecimento “dos problemas da Quinta”, «desde meados de 1998. Porque fui eu pessoalmente ter com o Paulo e informei-o. (…) temos um amigo em comum, que é o Rui, que depôs ontem aqui neste tribunal, a quem o Paulo mostou uma fotografia do meu pai e o Rui disse-lhe que era o pai do Cláudio e do Daniel. Nessa mesma noite, o Rui encontrou-se comigo e disse-me o que é que se tinha passado e eu fui ter com o Paulo e disse-lhe aquilo que se estava a passar».
Reconhece-se, evidentemente, o carácter pouco claro das genéricas referências a “problemas com a Quinta”, bem com o contexto infantilizado e pouco preciso da conversa em causa.
Mas, a circunstância dessas “conversas” terem tido lugar – como já se referiu, o R. Paulo não as negou – e o facto das mesmas andarem em redor “dos problemas com a Quinta”, em meados de 1998 – momento em que o referido Daniel teria 17 anos, idade consentânea com as atitudes descritas nesse episódio- são, de sobra, suficientes – aliadas, naturalmente, aos registos constantes das certidões prediais em causa que, em 1998, referem sobejamente a pendência de reiterados e esforçados pedidos de anulação da venda judicial, cfr a inscrição F8, constante das quatro certidões prediais em causa, como adiante melhor se verá - para se dar crédito à testemunha Daniel.
O que releva essencialmente dos episódios em causa é que o 5º R. resultou alertado, em meados de 1998, para uma situação problemática com a Quinta, não sendo plausível que o mesmo não tenha falado com o pai a respeito desses possíveis “problemas”, e que este, ao menos, nessa sequência, não tivesse consultado as certidões de registo predial, que não poderiam deixar de o levar a esclarecer-se relativamente à pendência de (um) pedido (s) de anulação da venda judicial.
Por último, há que referir que a simples leitura das certidões de registo predial referentes aos prédios em causa nos autos, não poderia deixar de implicar, no mínimo, para o 3º R. – pessoa já então ligada ao imobiliário como o demonstra a circunstância de ser sócio de duas sociedades cujo objecto social estava ligado a tal área, e ser amigo do 3º R, bem como do gerente da “Soleilões” - um manifesto sobre-aviso para não vir a incorrer nas consequências de um negócio viciado.
Vejamos, objectivamente, o que consta dessas certidões.
Para o efeito, dar-se-á aos registos em causa uma formulação mais operacional do que a que consta da matéria assente, tanto mais que o que se pretende é evidenciar os registos relevantes para a decisão da acção que se mostram comuns a todos os imóveis (correspondentes às descrições n° 613, 165, 166 e 167 da 1ª Conservatória do Registo Predial e Comercial de Vila Franca de Xira) e que são:
a) Em 05/08/1996 - o registo da aquisição a favor de António, casado na comunhão de adquiridos com Maria, por compra em processo de execução fiscal, através da Ap. 57/960805, provisório por dúvidas e convertido depois em definitivo em 02/12/1096, pela Ap. 12/961202— Av 1;
b) Sob a inscrição F, as Ap 21/980505- Anot 1 – Recusada a acção; 980916 – Anotado nesta data a pendência da reclamação da ap 118/980727; 980916 – Anotado nesta data o indeferimento da reclamação por despacho de 3 de Agosto de 1998; Ap 77/980629- Anotação – Recusado o pedido de direito de remição; Ap 78/980629 – Anotação – Recusado o recurso judicial de anulação da venda executiva; Ap 82/980629 – Anotação- Recusado o recurso de anulação da venda executiva;
c) Em 16/03/1999 - o registo da aquisição a favor do aqui R. Paulo Jorge, através da Ap 17/990316, provisório por natureza (art 92º/1 al g) do CRP) e por dúvidas, com anotação da sua caducidade em 12/5/2000 – anot 01;
d) Em 16/03/1999, o registo de hipoteca voluntária a favor do Banco Mello Imobiliário, SA, para garantia de empréstimo pelo montante máximo de 29.938.040$00, abrangendo quatro prédios, através da Ap.18/990316, provisório por natureza (art 92º/1 al g) e 92°/2 al b) do CRP), com anotação da sua caducidade em 12/05/2000 – Anot 01;
e) Em 16/03/1999, o registo de hipoteca voluntária a favor do Banco Mello Imobiliário, SA, para garantia de empréstimo pelo montante máximo de 24.528.240$00 e abrangendo quatro prédios, através da Ap.19/990316, provisório por natureza (art 92°/1 al alg) e 92°/2 al.b) do CRP), com anotação da sua caducidade em 12/05/2000 - Anot. 0l;
f) Em 30/04/1999, o registo de acção de anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal interposta pelo Fundo de Turismo contra António e mulher Maria, através da Ap.18/990430, provisório por natureza (art 92°/1 al a) do CRP) e por dúvidas, com anotação da sua caducidade em 12/05/2000 - Anot 01;
g) Em 06/07/1999, relativamente às descrições 613 e 167, e em 12/5/2000, em relação às descrições 165 e 166, respectivamente, o registo da aquisição a favor do aqui R. Manuel, casado com Fernanda, registada em 06/07/1999, através da Ap.11/990706, por compra a António e mulher Maria, provisório por dúvidas, convertido depois em definitivo em 12/05/2000, pela Ap.05/000512 Av.1 ; e o registo de aquisição a favor do aqui R.Paulo, através da AP 04/00512, por compra;
h) Em 31/7/2001 o registo, provisório por dúvidas, da decisão judicial por sentença transitada em 6 de Junho de 2001 – foi declarada anulada a venda executiva entre Augusto e António.
i) Em 17/2/2003, relativamente às descrições 613, 165 e 167, e em 5/3//2003, em relação à descrição 166, respectivamente, o registo de acção interposta por Augusto e mulher Calorina, contra António e mulher Maria, Manuel, e mulher Fernanda, e Paulo, em que peticionam que “sejam reconhecidos como donos e legítimos possuidores dos prédios", através da Ap.03/2003.02.17, provisório por natureza (art 92°/1 al a) do CRP) e por dúvidas, com averbamento de remoção de duvidas pela Ap.03/2003.03.05 e anotação da sua caducidade em 03/08/2007, e o registo de acção interposta por Augusto e mulher Calorina, contra António e mulher Maria, Manuel, e mulher Fernanda, e Paulo, em que peticionam que “sejam reconhecidos como donos e legítimos possuidores do prédio, por ter sido anulada a venda executiva do 1º R, e por tal motivo – que seja declarada a nulidade da compra e venda efectuada pelos 3º a 5º RR", através da Ap.02/2003.03.05, provisório por natureza (art 92°/1 al a) do CRP) com anotação da sua caducidade em 26/09/2007.
A defesa de todos os RR. - máxime, muito explicitamente, a dos 3º, 4º e 5º - relativamente ao conhecimento que os AA. lhes imputam como anterior à realização das escrituras, que tiveram lugar em 9/6/1999, da pendência do processo de anulação da venda judicial, baseia-se na circunstância dessas escrituras terem tido como base as certidões de registo predial que se mostram juntas a fls 294 e seguintes, referentes aos quatro prédios em causa nos autos, e de cuja actualização, dizem, não poderiam ter duvidado, na medida em que, datando de 7/6/1999 - dois dias antes da realização dessas escrituras - das mesmas não constava o registo - que frisam ser apenas provisório por natureza (art 92º/1 al a) CRP) e por dúvidas - da acção de anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal.
Ora, independentemente de outras considerações que se farão adiante, a verdade é que, também não constavam dessas certidões os registos provisórios da aquisição a favor do R. Paulo Jorge e das hipotecas a favor do Banco Mello, sendo que tais registos remontavam a meados de Março desse ano de 1999, e de cuja existência todos os RR. estavam necessariamente conscientes, na medida em que haviam intervindo neles, os 1º e 2º, e o 5º, assinando o impresso próprio, o 3º, levando tal impresso ao escritório do sobrinho do 1º.
Mesmo que a Conservatória do Registo Predial em questão estivesse atrasada mais de meio ano na escrituração dos pedidos de registo, como o chegaram a referir o 1º R. e o seu sobrinho nos seus depoimentos, não poderiam os RR. deixar de se aperceber desse atraso em função da omissão dos acima referidos registos, omissão que os devia ter feito suspeitar que entre meados de Março e de Junho outros registos estivessem pendentes; e, designadamente, um possível referente à anulação da venda judicial, já que, nas certidões em apreço, constavam sob a inscrição F, uma serie anómala de Ap, duas delas referindo muito explicitamente o recurso judicial de anulação da venda executiva – cfr Ap 78/980629 – Anotação – Recusado o recurso judicial de anulação da venda executiva; Ap 82/980629 – Anotação- Recusado o recurso de anulação da venda executiva.
Aliás, esse rol de registos anómalos, mas claramente atinentes a pedidos e esforços de anulação da venda, não podiam deixar de, só por si, mesmo sem outros contributos, levar os 3º, 4º e 5º RR. a equacionar que pudessem estar em vias de realizar um negócio viciado.
Acresce que os depoimentos acima mencionados, por um lado, o do 1º R., por outro, o do seu sobrinho, são de molde a chegar a pensar-se, inclusivamente, que, atentos os conhecimentos que dispunham dentro dessa Conservatória, pudessem não ser inteiramente inocentes no conteúdo incompleto das certidões em causa.
Vejamos, em abono do que fica reflectido, trechos dos mencionados depoimentos.
Assim, referiu a testemunha Santos, sobrinho do 1º R. a respeito da dificuldade de obter certidões na data em referência: «Estava-se ali à espera, estava-se ali de manhã à noite até às tantas… (…) Tirava-se senhas, isto era diferente do que é agora, totalmente diferente, havia conservatórias muito complicadas, que era o caso de Vila Franca, que estava muito atrasado, ali o 8º de Lisboa também estava com muito atraso, havia algumas que estavam com muito atraso, outras não estavam com tanto atraso. (…) O registo, mais de oito meses de atraso, mais…(…) Ah, um mês antes de o prazo para (…), fazer, senão tinha que pagar a sisa.»
Relativamente à circunstância da certidão utilizada para as escrituras, não apenas ser datada de 7/6/1999, mas ter sido obtida nesse mesmo dia – como decorre de fls 294 dos autos - referiu: «Como eu precisava da certidão com urgência para a escritura, e para vir cá tinha que perder muito tempo, pedi a ela (estando-se a referir à funcionária Fárima , da “Obriverca”) se ma arranjava a certidão e vê se ma consegues trazer, porque precisava da escritura, porque tinha escritura marcada, ela ligou-me ao fim da tarde e “olha tenho cá a certidão”, mas isso é normal, quando se tinha urgências, pedia, recorria a ela (…) , aliás ela aqui era (…) a segunda casa dela, aqui assim a conservatória de Vila Franca era aqui na altura era a empresa em que ela trabalhava tinha muitos registos, muitas coisas (…) Eu desenrasquei-me com quem (…) Pedia-lhe muitas vezes favores, quando era páqui para Vila Franca, pedia-lhe muitas vezes os favores. (…) Senão tinha que vir cá eu, tinha que perder cá um dia e não se conseguia, não sei quê, não sei que mais, era normal…quando se ia a Loures (…) também me pedia a mim alguma coisa…
E a respeito da referida Maria de Fátima ter conseguido a certidão no mesmo dia, acrescentou: «Isso não sei, isso não faço a mínima ideia (…) lógicamente, ela conhece as pessoas né? Conhecia as pessoas. Agora já tudo mudou, não é? (…) Na altura a certidão que foi pedida que deu origem à escritura não tava lá nada. Tava limpa, aliás. Tava com os ónus todos cortados e tava (…) a notária ia conferir isso, como é lógico… Os registos antigamente demoravam meses e fomos vítimas de atrasos e mesmo pedindo urgências, não eram concedidas…era complicado na altura…na altura não era como agora….se fosse uma pessoa normal, um particular a pedir uma certidão, se calhar não a davam no mesmo dia.(…) A Fátima era uma pessoa conhecida na conservatória, fazia dezenas e dezenas de registos, era uma pessoa que não fazia só um nem dois nem três, nem quatro, fazia dezenas, aqui no concelho a pessoa fazia mais registos era ela, ela não, lá a “Obriverca”. (…) Não se fez a escritura porque não se arranjou foi comprador, porque se tivesse arranjado mais cedo, tinha-se feito mais cedo, como é lógico. Tinha-se vendido mais cedo e feito escritura mais cedo, mas não.
Por sua vez, o 1º R. referira:
«Eu sou o homem que comprava, entregava ao escritório para tratar da documentação (…). Nós quando compramos às Finanças ou em qualquer lado, é livre de ónus, de encargos, portanto se se remover essas coisas….quem lhe pode explicar isso mais, é o meu contabilista, que vai ser testemunha cá, porque eu sou mais de comprar e entregar lá, mas quando vendi ao Sr. Bugarim, que levou um ano ou dois a limpar isso tudo, quando vendi ao Sr. Manuel tava limpinho, não se devia nada. A culpa não é nossa que se leve tanto tempo a que se tire os distrates que lá tão. Mas eu aí não tou bem dentro dessa matéria porque o meu escritório que é mais vocacionado para isso. Eu sou o homem de comprar e vender, olha, comprei hoje isto, vai, tratem disto, a partir daí eles é que tratam no escritório». (…) «… quando eu vendi ao Sr. Bugarim, trouxe uma certidão da conservatória que tava limpa».
Do que se veio de dizer não pode deixar de se julgar procedente a admitida impugnação da matéria de facto, respondendo afirmativamente à matéria dos arts 37º e 38º e negativamente à dos arts 48 e 49º da base instrutória, e, consequentemente que, em 9/6/1999, os 3º, 4º e 5º RR. tinham conhecimento de que se encontrava pendente de apreciação pedido de anulação da venda efectuada no âmbito do processo de execução fiscal.
E) - Em sede de aplicação de direito está em causa a aplicação à situação dos autos do disposto no art 291º CC, ou do disposto no art 17º/2 do CRP.
Há efectivamente quem entenda que, não sendo as estatuições de um e outro desses preceitos exactamente iguais – sendo a do 17º/2 CRP mais favorável aos terceiros adquirentes – as respectivas previsões e respectivo campo de aplicação também não são idênticos.
Será essa, aliás, a posição dos aqui apelados 3º, 4º e 5º RR. que, admitindo que possa não ter lugar a aplicação do disposto no art 291º CC, defendem, embora apenas agora nas contra alegações, que deverá ter lugar a aplicação à situação dos autos do disposto no art 17º/2 do CRP.
Recorde-se o teor de uma e outra dessas disposições legais.
Refere o art 291º CC sob a epígrafe “Inoponibilidade da nulidade e da anulação”:
«1- A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao regisrto da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2- Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
3 - É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negocio nulo ou anulável»
Refere o art 17º/2 CRP:
«A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade»
Ainda que, tanto quanto possível, sumariamente, importa referir as polémicas doutrinais que envolvem os dois preceitos em causa.
Como é sabido, a protecção do terceiro adquirente a non domino que o art 291º CC permite, constitui excepção ao princípio nemo plus iuris alium transfere potest quam ipse habet, isto é, ao de que ninguém pode transmitir para outrém mais direitos do que aqueles que tem, daí resultando que ninguém pode adquirir mais direitos do que aqueles que lhe são transmitidos.
A tutela do art 291º CC depende, porém, da reunião cumulativa de várias circunstâncias que Paula Nunes Correia - Revista do Ministério Público, 131, Jul/Set 2012, «Protecção de terceiros adquirentes a non domino»- A autora do artigo analisa aí o preceito da ordem jurídica de Macau correspondente ao nosso art 291º, sendo que o que refere a respeito daquele coincide (praticamente) com o que este contém. decompõe em sete – «a declaração de nulidade ou anulação do negócio ou negócios precedentes; a natureza do bem adquirido que tem necessariamente de se tratar de um bem imóvel, ou bem móvel sujeito a registo; a onerosidade da aquisição, no sentido de que cada uma das partes intervenientes no negócio considera a sua atribuição patrimonial como contrapartida da atribuição patrimonial da outra parte; a protecção apenas dirigida a terceiros, que, para este efeito, devem ser entendidos como aqueles que, estando integrados numa mesma cadeia de transmissões, veem os seus direitos afectados por uma, ou mais invalidades anteriores ao acto em que participaram; a boa fé do terceiro, de acordo com a noção contida no mesmo artigo; o registo da aquisição pelo terceiro; finalmente, a anterioridade do registo de aquisição pelos terceiros em relação ao registo da acção de nulidade, ou de anulação, ou ao registo do eventual acordo das partes acerca da invalidade do negócio».
E acrescenta – «A estas exigências acresce um oitavo, e último requisito, uma vez que a tutela não pode ser confirmada sem que tenham decorrido – no caso do nosso art 291º - três anos , e contando-se tal prazo a partir do momento da conclusão do negocio inválido, sob condição de, durante esse período, não ter sido proposta e registada a acção de nulidade ou anulação».
Talvez se possa ter como a primeira das polémicas que este preceito levanta, a referente ao “negócio” a partir do qual se deve contar este período de três anos.
Com efeito, a lei mostra-se ambígua relativamente ao termo inicial da contagem do prazo de caducidade aí estabelecido, Monica Jardim, «Efeitos Substantivos do Registo Predial - Terceiros para efeitos do Registo , p 717 «havendo quem defenda que o mesmo deve ser contado a partir do negócio cuja invalidade afecta consequencialmente a posição jurídica do terceiro, e quem sustente que tal prazo apenas se pode contar a partir da data da celebração do negócio em que interveio o terceiro».
Parece que a maior parte da doutrina portuguesa - Mota Pinto, «Teoria Geral do Direito Civil» edição actualizada por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 370 ; Oliveira Ascensão, «Direito Civil- Reais» p 369; Menezes Cordeiro, «Tratado de Direito Civil Português» I, Parte Geral, T1, Introdução – Doutrina Geral - Negócio Juridico», p 876; Carvalho Fernandes, «Lições de Direitos Reais», p 151; Luis Couto Gonçalves, «A aplicação do art 291º/2 do CC a terceiro para efeitos de registo», p 53; Mª Clara Sottomayor «Invalidade e Registo - A Protecção do Terceiro adquirente de Boa Fé», p 757, e Monica Jardim, obra citada, p 718, de quem se transcreveu as anteriores referências doutrinárias. adere ao primeiro daqueles entendimentos, isto é, «o prazo deve contar-se a partir da realização do negócio inválido causador da cadeia de invalidades» , justificando Mónica Jardim tal ponto de vista, referindo que «o nº 2 do art 291º só é susceptível de ser entendido à luz da protecção de terceiros, e o adquirente de boa fé, naturalmente, não é terceiro perante o negócio em que interveio e, por outro lado, admitir que a contagem do prazo de três anos se faça a partir da data do negócio em que interveio o terceiro, implica desresponsabilizar os interessados na invalidação do negócio originário, destruir o equilíbrio de interesses visado pelo art 291º, contrariar a finalidade protectora deste preceito legal e desincentivar o registo por parte dos terceiros adquirentes de boa fé», assim sintetizando os argumentos da doutrina a respeito desse entendimento.
Na situação dos autos – embora irrelevantemente, como se verá - enquanto os AA. contam o prazo em referência em função da compra e venda realizada pelos 3º, 4º e 5º RR., consequentemente, desde 9/6/1999, já os RR. na acção, uns e outros, o contam da compra judicial realizada pelos 1º e 2º RR.
Havendo polémica na doutrina, também, a respeito do momento em que o terceiro adquire o direito a cuja protecção aquele dispositivo se dirige – sendo a posição de Mónica Jardim - Obra citada, p 729 a de que o decurso do prazo sobre a conclusão do negócio originariamente inválido sem que seja proposta e registada a respectiva acção de invalidade é um elemento imprescindível do facto aquisitivo complexo de formação sucessiva em causa nesse preceito- a polémica mais significativa regista-se no que respeita à delimitação do campo de aplicação do art 291º CC, em relação ao art 17º/2 do CRP.
Há autores que entendem que para que o terceiro alcance protecção por via do 291º do CC é necessário, para além dos acima referidos requisitos, que «o registo em nome do “dante causa” do adquirente de boa fé seja anterior à data da celebração do negócio».
Assim - Cfr Mónica Jardim, obra citada, p 714 em nota, Oliveira Ascensão, que tem esse registo como requisito implícito da protecção do terceiro no âmbito do 291º; Alberto Gonzalez - «A Realidade do Registo Predial para Terceiros», ao suntentar que «a preexistência do registo a favor do causante é pressuposto de protecção de terceiro, tanto nas situações lineares, como nas situações triangulares, e que a tutela do terceiro só se justifica quando este, no momento da aquisição, confia que o seu “dante causa” é titular do direito».
Já não assim, Carvalho Fernandes, - Obra citada na nota, p 151/152 e Menezes Cordeiro - Obra citada na nota , p 876 para quem a não exigência do registo prévio a favor do “dante causa” para que o terceiro possa beneficiar da tutela do art 291º, ao contrário do que ocorre no art 17º CRP, é mesmo o elemento que permite delimitar o campo de aplicação de cada um desses artigos.
Para Mónica Jardim - Nota a p 714 da obra citada «o art 291º, tal como o art 5º CRP, não exige o registo prévio da aquisição do transmitente e caso tal registo seja realizado após a “aquisição” do segundo adquirente e mesmo depois do registo definitivo (indevido) lavrado a favor deste - cfr nº 4 do art 121º CRP – nada obsta à tutela do terceiro».
Mas, na verdade, como esta autora o reconhece - Obra citada, p 751 «a maioria da doutrina entende que o nº 2 do art 17º CRP, não obstante ser menos exigente do que o art 291º do CC, não tem de ser compatibilizado com este preceito legal, porquanto, o nº 2 do art 17º do CRP diz apenas respeito às invalidades registais e o art 291º CC às invalidades substantivas e, consequentemente, num caso em concreto, nunca haverá a possibilidade de ambos os preceitos legais se revelarem aplicáveis a propósito de um mesmo vício», referindo - Nota a p 751, que assim se pronuncia Orlando de Carvalho, Oliveira Ascensão, Santos Justo, Horster, José Alberto Gonzalez, Mª Clara Sottomayor, sendo da mesma opinião o Conselho Técnico dos Registos e Notariado - «o art 291º CC aplica-se às invalidades substantivas, o 17º/2 CRP tão somente às invalidades registais». - Como disso dá conhecimento Mónica Jardim a p. 754
Como o faz salientar a autora que se vem seguindo, a questão em apreço seria mais fácil de resolver se existisse acordo na doutrina a respeito do que seja um registo nulo: como a mesma explica, - Obra citada, p 749 há autores que entendem que «a nulidade do registo nunca é consequencial da inexistência ou da invalidade do facto jurídico inscrito e que, portanto, só há invalidade registal nos casos em que o registo é afectado pela violação de uma das regras que comandam a sua feitura - e nesta prespectiva, quando exista um registo e este não corresponda à realidade substantiva, em virtude de o facto juridico inscrito ser inexistente, nulo ou ter sido anulado, mas tiverem sido observadas as regras que comandam a actividade registal, em causa está apenas um vicio substantivo, não um vicio registal»- e autores há, que «consideram que, tendo em conta o estatuído na 2ª parte da al a) e na al b) do art 16º CRP, um registo pode ser nulo não só em virtude de uma invalidade própria ou estruturalmente registal, mas também em consequência da inexistência ou da invalidade do facto inscrito».
Cabe apenas fazer referência à posição de Carvalho Fernandes e Isabel Pereira Mendes, que considerando imprescindível harmonizar o art 17º CRP e o art 291º CC , fixando um critério que delimite o campo de aplicação de cada um desses preceitos, entendem que o campo de aplicação do nº 2 do art 17º não se restringe às nulidades estritamente registais, e que o art 16º CRP abrange nulidades do registo que encontram a sua causa em nulidades substantivas. E porque, ao mesmo tempo, consideram que a tutela do art 291º não supõe que o terceiro haja “adquirido” daquele que constava como titular registal, ao contrário do que sucede com a tutela do art 17º CRP, «defendem que, se à data da “aquisição” do terceiro já existir a inscrição prévia do facto substantivo em que interveio o seu causante, desde que a “aquisição” seja de boa fé e a titulo oneroso, se aplica o nº 2 do art 17º CRP – directamente e sem necessidade de interpretação extensiva ou analógica - Estando-se aqui a autora a referir às posições de Oliveira Ascensão e de Menezes Cordeiro explicitadas pela mesma a p.752/753 – uma vez que o terceiro confiou no registo e por isso deve ser imediatamente tutelado. Ao invés, se o facto substantivo em que interveio o causante do terceiro não tiver acedido previamente ao registo, o terceiro adquirente de boa fé e a titulo oneroso, só pode ser tutelado pelo art 291º CC, pois, não tendo depositado qualquer confiança no registo, é razoável que a lei seja mais exigente, não lhe concedendo tutela, caso a acção de invalidade venha a ser proposta e registada nos três anos subsequentes à celebração do negócio originariamente inválido».
Não se pretende tomar posição nestas polémicas, mas apenas regista-las, e ao mesmo tempo chamar a atenção para o facto dos 3º, 4º e 5º RR., nas respectivas contra alegações, defenderem a aplicação à situação dos autos do disposto no art 17º/2 - menos exigente, como se viu – e ao que parece, interpretando-o à maneira de Isabel Mendes, tornando desse modo irrelevante para a respectiva tutela, a circunstância da acção de anulação da venda judicial ter sido efectivamente interposta e registada nos três anos subsequentes à venda judicial, circunstância que só por si, como acima se referiu, impediria a aplicação do disposto no art 291º CC.
Na situação dos autos, não se justificam maiores considerações a respeito das acima referidas posições divergentes, na medida em que todas as considerações dos RR. nas respectivas defesas e contra alegações são feitas num pressuposto que não se verifica, e que, só por si, exclui a protecção do terceiro adquirente, quer pela via do disposto no art 291º CC, quer pela via do disposto no art 17º/2 do CRP – o de os terceiros adquirentes, aqui 3º, 4º e 5º RR., estarem, à data da aquisição, 9/6/1999, de boa fé.
Efectivamente, com as respostas acima dadas aos arts 37º e 38º da base instrutória, não pode senão concluir-se pela má fé destes terceiros, pressuposto comum mínimo, como se referiu, da aplicação, quer da tutela conferida pelo art 291º, quer da conferida pelo art 17º/2.
O que obriga a que se reflicta a respeito da boa fé no domínio em causa.
Como deflui do acima exposto relativamente aos campos de aplicação e delimitação do art 291º e do art 17º/2, esta noção de boa fé - que, de todo o modo, há-de sempre radicar na circunstância de o terceiro adquirente no momento da aquisição desconhecer, sem culpa, o vicio do negócio nulo ou anulável, definição constante do nº 3 do art 291º - pode assumir cambiantes ligeiramente diferentes, consoante se parta do princípio que a aplicação do 291º pressupõe o registo prévio a favor do “dante causa” para que o terceiro possa beneficiar da respectiva protecção, ou, pelo contrário, que o art 291º não exige o registo prévio da aquisição do transmitente.
Para os primeiros, e elegendo como representativo José Alberto Gonzalez - «Direitos Reais (Parte Geral) e Direito Registal Imobiliário», 2ª ed - , que refere explicitamente que o 291º «supõe, por conjugação com o art 9º/1 CRP, o registo prévio a favor da pessoa de quem o terceiro adquire» - o terceiro estar de boa fé significa que o mesmo «acreditou , sem culpa, na fidelidade do registo à realidade substantiva». Acrescentando: «Sendo certo que o terceiro não está obrigado a investigar (nem isso faria qualquer sentido), tal fidelidade - e daí que, existindo o registo a favor daquele de quem o terceiro adquire, se presuma a boa fé do mesmo – também é verdade que, provando-se que o terceiro se apercebeu ou devia ter percebido, por outros meios, da infidelidade registal, já não pode estar de boa fé, e por isso, já não pode (não deve) ser protegido - Obra citada, p 314/315 .
Com efeito, para o autor em causa, a exigência do registo prévio do transmitente é «o ponto de partida da protecção da confiança a que se dirige o normativo do 291º»: «neste caso, o terceiro pode confiar na validade do acto registado a favor do causante, apesar deste ser inválido». - Obra citada, p 312
Trata-se para o autor em referência de emanação do sentido positivo da fé pública, em função do qual, «presume-se que o registo efectuado retrata a verificação de um facto (ou conjunto encadeado de factos) juridicamente existente e validamente celebrado». - Obra citada, p 311
Mas a noção de boa fé constante do referido nº 3 do 291º CC nada tem de incompatível com a tese oposta, a de que esse preceito pressupõe a não existência de registo prévio da aquisição do transmitente.
O que decorre - como o evidencia Mónica Jardim - Obra citada, p 715 - da circunstância da lei associar a boa fé apenas à ignorância dos vícios do titulo (e não à existência ou não de registo prévio). Por assim ser, «a existência ou não de registo a favor do transmitente, não pode assumir relevância aquando da determinação da boa ou má fé do terceiro, sob pena de se actuar contra legem», levando-a concluir ser «mais razoável o entendimento nos termos do qual, perante o registo prioritário da acção, a lei prescindir da má fé do “terceiro” sujeitando-o à eficácia retroactiva real da nulidade ou da anulação». - Obra citda, p 716
Assim é, que, Menezes Cordeiro – que, como acima se referiu, tem como pressuposto da aplicabilidade do art 291º, precisamente a não existência de registo prévio do transmitente e como pressuposto da aplicabilidade do 17º/2 essa existência - « Da Boa Fé no Direito Civil», 1984, I, p 485, onde refere que «o art 291º funciona apenas quando o terceiro, nele referido, não actue com base na fé publica registal, o que é dizer, quando o registo da sua aquisição, por ele efectuado, seja o primeiro relativo ao bem em causa; caso contrário aplica-se o dispositivo contido no CRP, com requisitos diferentes, designadamente com a dispensa dos três anos mencionados no art 291º/2»,- desligando a boa fé da “base objectiva” a que se refere José Alberto Gonsalez, acaba por colocar, mais adequadamente, tanto quanto nos parece, o acento tónico no carácter ético da boa fé em causa nos dispositivos em análise, referindo que, «a boa fé traduz um estado de ignorância desculpável, no sentido de que, o sujeito, tendo cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas eventualidades » - Obra citada, p516
Referindo noutro passo: «O art 291º/3 define a boa fé em termos éticos (…) a referência à culpa implica a presença de deveres de diligência e de cuidado que levam as pessoas, sobretudo perante bens registáveis – já que é esse o âmbito de aplicação do art 291º em estudo – a um mínimo de precauções, para não incorrer nas consequências de um negócio viciado».
A boa fé em sentido subjectivo, ou em sentido ético, corresponde como o acentua Menezes Cordeiro - Obra citada, p 512«a uma ignorância desculpável (…) há desconhecimento indesculpável quando o sujeito ignore certo facto, por ter procedido com desrespeito por certos deveres de cuidado». Mais referindo, para a distinguir da boa fé em sentido objectivo ou psicológico (que corresponde «à simples ignorância de certo facto»): «Os deveres de cuidado, cuja violação, para o entendimento ético da boa fé, geram a má fé, destinam-se não a assegurar uma preocupação intelectual de conhecimentos, por parte do sujeito, mas a garantir as situações que ele, com o seu desconhecimento, vai prejudicar (…) Não interessa saber se o sujeito ignora; releva antes se agiu com o cuidado necessário, sendo certo que tal cuidado se reporta (…) às próprias realidades materiais que, no caso considerado, estejam em jogo».
Revertendo à situação dos autos, se se adoptar o entendimento de quem pressupõe que o art 291º exige o registo prévio pelo transmitente - o que na situação dos autos ocorreu - os 3º, 4º e 5º RR. deixariam de merecer a protecção implicada nesse normativo – ainda que estivessem de boa fé - por uma de duas e alternativas ordens de razão:
- por um lado, e desde logo, porque o registo da acção de anulação da venda, ocorrido em 30/4/1999, precedeu o registo da aquisição desses RR., havendo, neste particular que salientar que a inscrição provisória de aquisição a favor do R. Paulo não foi, relativamente a qualquer dos imóveis, convertida em definitiva: a aquisição de dois dos prédios foi inscrita a favor dos 3º e 4º RR. e a dos outros dois foi inscrita a favor do 5º, através de novas inscrições, na mesma data em que era anotada a caducidade das visadas inscrições provisórias, não podendo pois dizer-se estar em causa qualquer retroacção dos efeitos de um registo definitivo à data em que foi realizado o registo provisório de aquisição, como é salientado na sentença proferida nos embargos de terceiro e a que se fará melhor referência mais adiante. Aí se diz que «de facto, os únicos registos provisórios de aquisição que foram convertidos em definitivos foram os realizados a favor dos 3º e 4º RR. que detinham o registo provisório de aquisição relativamente a dois prédios desde 6/7/1999, o qual foi convertido em definitivo em 12/05/2000».
- por outro lado, porque a acção de anulação da venda judicial foi proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio: se se entender que este “negócio” é o primeiro (a compra e venda judicial), a acção foi proposta e registada nos três anos subsequentes a 16/7/1996; se se entender que este “negocio” é o segundo, porque, mais do que a propositura e registo dessa acção de nulidade, ocorreu o próprio registo da decisão favorável obtida nessa acção em 31/7/2001 (por maioria de razão, o registo dessa decisão operaria os mesmo efeitos da simples propositura e registo dessa acção),consequentemente, nos três anos subsequentes a 9/7/1999.
Se se adoptar o entendimento de que a aplicação do art 291º CC pressupõe a não existência de registo prévio do transmitente e que a existência deste obriga à aplicabilidade do nº 2 do art 17º CRP – caso que em fica afastado o acima referido último pressuposto da protecção do terceiro – ainda, então, os 3º 4º e 5º RR. não merecerão a protecção a que essa norma se dirige, porque, no momento da aquisição - 9/7/1999 - estavam de má fé.
È que, com os contornos que acima decorrem da apreciação da matéria de facto, só pode concluir-se que, no mínimo, desconheciam com culpa o vicio do negócio nulo, pois que, ainda que não tivessem sabido anteriormente através do Banco Mello, ou através do filho dos AA., Daniel, que estava judicialmente colocada em causa a validade da venda judicial, e apenas se tivessem baseado nas certidões de registo predial utlizadas na feitura das escrituras de compra e venda – o que não se concede - a circunstância de, destas não constar os registos provisórios a favor do 5º R., realizados, como não podiam desconhecer, menos de seis meses antes, logo os haveria de ter advertido para a incompleição dos registos constantes daquelas certidões – com efeito, já não podiam partir do principio que toda a sucessão de factos registáveis fora efectivamente registada, e portanto, tudo o que devia ser dado a conhecer, fora realmente publicitado – como a simples circunstância das mesmas, em relação aos quatro imóveis, conterem, repetidamente, registos atinentes a requerimentos de anulação da venda, lhes imporia o cuidado de junto do processo de execução fiscal se inteirarem da possibilidade dessa venda poder vir a ser anulada.
A este respeito transcrever-se-á aqui o que foi muito pertinentemente referido na sentença proferida nos embargos de terceiro - Proc nº 765/2001 da 4ª Unidade Organica do Tribunal Tributário de Lisboa - que os aqui 1º e 2º RR. interpuseram contra os aqui AA., depois que, definitivamente, foi tida como anulada a venda judicial dos quatro imoveis, visando obstar a nova venda executiva.
Note-se que em face do disposto no art 349º CPC, apenas a circunstância de nesse incidente de embargos não terem sido parte também os aqui 3º, 4º e 5º RR., impedirá que, negada que foi nessa sentença a declaração de propriedade dos quatro imóveis a favor dos mesmos, se afirmasse nestes autos, como decorrência do caso julgado ali obtido, ou, ao menos, da respectiva autoridade, a propriedade desses imóveis a favor dos aqui AA, pois que a questão colocada ali é, precisamente, a mesma que aqui está colocada, e nenhum sentido faria que ali se concluísse de um modo e aqui de modo oposto.
Diz-se nessa sentença, fazendo-se nossas, também, as observações que, porventura não resultem reflectidas no texto antecedente (cfr p 38 e ss dessa sentença):
«À data da referida outorga – 09/06/1999 - a propriedade dos visados quatro prédios encontrava-se registada em nome de António (com menção de se encontrar casado com Maria), por inscrição definitiva da sua aquisição por "compra em processo de execução fiscal" (cfr. factos provados sob os P. 19.a), 20.a), 21.a) e 22.a)
Embora o titular registal inscrito àquela data fosse António, é de notar que existia já um registo provisório de aquisição a favor do ora último Embargante, (o aqui R. Paulo) datado de 16/03/1999, cuja inscrição foi provisória por natureza porque realizada "antes de titulado o contrato" cfr. Al g) do nº do artigo 92° de Código do Registo Predial), e também por dúvidas, tal como se retira dos factos assentes sob os n.19 b), 20.0 , 21.b) e 22.b).
E se o(s) contrato(s) de compra e venda celebrado(s) entre o então titular registal e os ora Embargantes foi(ram) titulado(s) em 09/06/1999, o registo da aquisição dos prédios ocorreu algum tempo depois: os dois primeiros Embargantes inscreveram a sua aquisição em 06/07/1999 (quanto aos prédios com a descrição n.° 613 e 167 — cfr. factos provados sob os n° 19.f) e 22.f)), enquanto o último Embargando o fez somente em 12/05/2000 (quanto aos prédios com a descrição n.° 165 e 166 - cfr. factos provados sob os n.° 20.f) e 21.f)
Também quanto a tais inscrições verifica-se que, quanto aos primeiros Embargantes, elas foram realizadas provisoriamente por dúvidas, tendo sido convertidas em definitivas por averbamento, em 12/05/2000, logo, na mesma data em que foi anotada a caducidade das inscrições provisórias de aquisição a favor do ora último Embargante relativamente a todos os prédios e inscrita a título definitivo a sua aquisição relativamente aos prédios com a descrição n.°165e 165.
Outra inscrição registal de suma ïmportãncia é a da acção de "anulação da compra e venda decorrente de execução fiscal" instaurada pelo Fundo de Turismo contra António e sua mulher, a qual foi realizada em 30/04/1999, também ela provisória por natureza, atento o disposto no artigo 92.°, n.°1, al. a) do CRP, e por dúvidas, e cuja caducidade foi anotada em 12/05/2000 (cfr. factos provados sob os n.19.e), 20.e), 21.e) e 22.e)).
Concluindo, verifica-se que quando é realizado e registo provisório de aquisição dos prédios a favor do ora último Embargante inexistia qualquer registo relativo a pleito judicial que colocasse em causa o direito de propriedade que se pretendia adquirir. Mas quando foram celebradas as escrituras de compra e venda entre os ora Embargantes - o titular registal inscrito (António) - a acção de anulação da venda executiva estava já registada.
Mais, aquelas inscrições provisórias de aquisição a favor do ora último Embargante (cfr. factos assentes sob os n.°s 19.b), 21 b) e 22.b)), não foram convertidas em definitivas: a aquisição de dois prédios foi inscrita a favor dos primeiros Embargantes, enquanto a dos restantes dois foi inscrita a favor do último Embargante através de novas inscrições, na mesma data em que era anotada a caducidade das visadas inscrições provisórias. Assim sendo, não está em causa qualquer retroacção dos efeitos de um registo definitivo à data em que foi realizado o registo provisório de aquisição. De facto, os únicos registos provisórios de aquisição que foram convertidos em definitivos foram os realizados a favor dos primeiros Embargantes que detinham o registo provisório de aquisição relativamente a dois prédios desde 06/07/1999, o qual foi convertido em definitivo em 12/05/2000.
Por outras palavras, a existência de um registo provisório de aquisição dos quatro prédios a favor do último Embargante, com data anterior ao registo da acção de anulação intentada pelo Fundo de Turismo, em nada releva, pois só uma vez convertido aquele registo é que ele conservaria a prioridade que tinha enquanto provisório, fazendo retroagir os efeitos do registo definitivo.
Mas quando o registo provisório de aquisição é realizado no caso dos primeiros Embargantes, o qual se converteu depois em definitivo, já a acção de anulação se encontrava registada. O mesmo sucedendo quando o ultimo Embargante registou a aquisição de dois prédios, pois só na data deste seu registo é que foi anotada a caducidade da inscrição daquela visada acção.
Não podem pois os Embargantes arguir que desconheciam "sem culpa, qualquer vício susceptível de ferir de nulidade ou de anular o negócio feito a seu favor pelos anteriores titulares" ou que se encontrava "pendente qualquer acção para anulação da venda efectuada aos transmitentes António e mulher'.
É certo que os Embargantes se alicerçam numa certidão da Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, de 07/06/1999 (dois dias antes da celebração das escrituras de compra e venda), relativa ao teor das descrições e inscrições de titularidade e dos encargos em vigor respeitantes aos prédios em causa, na qual não consta a inscrição da visada acção de anulação (cfr. facto provado sob o n.° 23). Mas também não consta o registo provisório de aquisição dos prédios a favor do último Embargante, nem o registo das hipotecas voluntárias constituídas pelo mesmo, pedidos quase três meses antes. Ora, sendo certo que os registos deveriam ser lavrados no prazo de 15 dias (cfr art.° 75.°, n.°1 do CRP - hoje reduzido para 10 dias), não podendo designadamente o último Embargante ignorar os pedidos de registo formulados a seu favor e não reflectidos na certidão passada, sempre a prudência que indagasse a razão pela qual os registos não haviam sido ainda efectuados e se haveriam outras apresentações pendentes relativas aqueles prédios.
De resto, não deixa de ser invulgar que uma Conservatória que passa uma certidão relativa a quatro prédios distintos, no mesmo dia em que é pedida, apresente um atraso na lavra dos registos de quase três meses. Mas mais ainda, que passe certidão em flagrante violação com o disposto no artigo 112º/2 do Código do Registo Predial (na redacção então em vigor) e com a orientação/recomendação do Director Geral do Instituto de Registos e Notariado, publicado no respectivo Boletim, segundo a qual «[A] certificação ou confirmação das certidões não pode ser feita com data anterior à da sua emissão, sob pena de se estar a postergar o fim visado pelo nº2 do art 112º do CRP: a segurança do comércio jurídico imobiliário. Não havendo coincidência entre a data do pedido da certidão e a da sua emissão. dever-se-á referir a circunstância de, entre os dois momentos, ter sido ou não requerido qualquer acto de regito sobre o mesmo prédio e, ainda, a primeira hipótese, a sua espécie». De facto, uma certidão relativa aos actos de registo predial é um mero de prova desses mesmos actos, pelo que deve reflectir, à data da sua passagem, todos os actos de registo em vigor, bem como aqueles que não tendo ainda sido lavrados, tenham já sido pedidos e se encontrem pendentes de registo, sob pena de se frustrar a função primeira do registo predial, que é a de dar "publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário" (cfr. art.°1.° do CRP).
Poderiam os Embargantes arguir que o facto de a certidão da Conservatória passada em 07/06/1999, não reflectir a situação jurídica dos prédios não lhes poderá ser assacada, não podendo ser prejudicados por tal facto, o qual, em ultima instancia poderá até ser fonte de responsabilidade civil e criminal, nos termos do
artigo 153.° do CPP.
Mas se assim é, também não é menos verdade que, não podendo o último Embargante ignorar que o conteúdo daquela certidão não era exacto pelas razões acima apontadas, e não sendo verosímil que os primeiros Embargantes, progenitores daquele, ignorassem igualmente tal facto, o comportamento de todos não poderia ter sido displicente, até porque estavam em causa valores avultados na prossecução do negócio, que levariam inelutavelmente a um comprador prudente e diligente averiguar se, a par dos registos que sabia estarem em falta, não haveriam outros que colocassem em risco o seu desiderato contratual.
Mas para além daquela inexactidão registal, plasmada na visada certidão, outro facto contribui para que se considere que o comportamento dos ora Embargantes teria de ser exigidamente outro, em termos de prudência e diligência. É que, ainda assim, naquela mesma certidão, podia verificar-se a inscrição de diversas anotações relativas a recusas de reclamações, de cancelamentos, de acções e ate a um recurso Judicial de anulação de venda executiva (facto provado sob o nº 23). Será verosímil que, perante o conteúdo de uma tal certidão um comprador prudente não indagasse a razão pela qual se estava a colocar em causa a venda executiva, ainda que a mesma surgisse registada como tendo sido recusada? Sabendo que existiam registos não reflectidos naquela certidão, será verosímil que um tal comprador não se assegurasse da inexistência de qualquer pedido de registo relativo a acções judiciais que colocassem em causa o direito de propriedade da pessoa da qual pretendia vir a adquirir e suceder?
Ora, se assim é por um lado, por outro, independentemente do conteúdo de qualquer certidão, é inegável que o registo da acção de anulação interposta pelo Fundo de Turismo foi realizado antes da outorga das escrituras de compra e venda e, consequentemente, o registo da aquisição da propriedade dos prédios por parte dos Embargantes foi realizado posteriormente ao registo daquela acção (cfr. factos provados 19 e), f), 20 e), f) 21 e), f) e 22 e), f)).
Ora voltemos ao cerne da questão nos presentes autos: os Embargantes pretendem a prolação de uma decisão que ordene ao órgão de execução fiscal que não proceda a qualquer penhora ou acto de entrega ou apreensão de bens, relativamente aos quatro prédios que constituem a denominada "Quinta do Zarol", porquanto a anulação da venda executiva daqueles prédios não é susceptível de prejudicar o direito de propriedade adquirido pelos mesmos através de negócio jurídico imediatamente consequente daquela venda executiva.
Ora, face ao que decorre do que se acabou de explanar é entendimento do presente Tribunal que os Embargantes não gozam da invocada protecção conferida pelo artigo 291º/1 do CC .
(…) Assim, uma vez que o registo das aquisições dos quatro prédios não é anterior ao registo da acção de anulação da venda executiva, verifica-se, desde logo, a falta de um dos requisitos previstos naquele normativo para que os Embargastes pudessem beneficiar do regime de inoponibilidade da anulação aí previsto. De salientar que é indiferente, quanto a este conspecto, o conteúdo (inexacto) de uma qualquer certidão do registo predial, porquanto a lei fala tão somente em "registo da acção de nulidade ou anulação", e não no conhecimento por parte do terceiro adquirente da realização de tal registo. Tal conhecimento interessa antes para a aferição da boa fé do terceiro adquirente, outro requisito previsto no visado normativo.
E também este requisito não se verifica no caso concreto. No entendimento do presente Tribunal, o desconhecimento por parte dos Embargastes do(s) vicio(s) de venda executiva, a ter existido de facto no momento da sua aquisição, é-lhes mputável, porquanto não adoptaram um comportamento exigível ao comprador médio – homem médio, em termos de cuidado, prudência e diligência, na averiguação da situação jurídica dos prédios, naquele momento, conforme o que foi já amplamente explicitado acima. Concluindo o art 291º/1 do CC não opera no caso dos autos, atenta a não verificação destes dois requisitos»
F) - Concluindo-se que a anulação da venda executiva é oponível aos 3º, 4º e 5º RR. - que por isso não merecem a protecção implicada nessa inoponibilidade - haverá que julgar consequencialmente nula a compra e venda dos prédios feita pelos 1º e 2º RR. àqueles outros - por estar em causa venda de bens alheios – e, ordenando o cancelamento dos registos de aquisição a favor de uns e outros dos RR., afirmar, correlativa e consequencialmente, a propriedade dos AA. sobre aqueles imóveis.
Não pode é, como é evidente, ordenar-se a entrega dos prédios aos AA. como vem pedido, na medida em que a retroacção implicada na anulação art 289º/1 CC, obriga a que esses imóveis voltem à situação em que se encontravam antes da venda anulada, consequentemente, à situação de estarem penhorados à ordem da execução fiscal nº 1597199201602128, visto que a penhora se analisa justamente num acto judicial que permite retirar os bens do poder do executado, para serem colocados à ordem da execução através de um depositário, sem que, obviamente, esse resultado possa implicar a pedida condenação dos RR. no pagamento aos AA. da indemnização de 400.000.000$00, que por isso, manifestamente improcede.
Também o pedido dos AA. se mostra improcedente no que se refere à peticionada condenação dos RR. «no pagamento da indemnização que se liquidar em execução de sentença, pelos demais danos, que não se indemnizam pela simples entrega dos imóveis ou do seu valor», como se passa a explanar.
Os AA. terão aqui optado por formularem um pedido genérico, entendendo-se por pedido genérico aquele que é indeterminado no seu quantitativo - Alberto dos Reis, «Comentário…», III, 170 .
Mas, como é sabido, não é livre para o autor a formulação de pedido genérico, constando as situações em que o autor o pode formular no art 556º/1 (correspondente no anterior CPC ao art 471º/1 CPC).
Refere a al b) desta norma tal admissibilidade quando não seja possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art 569º do CC.
Dispõe o art 569º CC, a respeito da indicação do montante dos danos, que quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que os avalia (nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos).
Encontra-se, pois, fundamento legal para o pedido genérico, por um lado, através da referida al b) do nº 1 do art 556º, exigindo-se aí, para que o mesmo seja admitido, que haja indeterminação da extensão das consequências danosas do facto gerador da responsabilidade, por outro, através do art 569º CC, em que se admite ao autor não avaliar pecuniariamente as consequências danosas já verificadas.
Jurisprudência e doutrina têm vindo a coincidir na exigência de que o autor que recorra à formulação de pedido genérico não pode deixar de alegar os factos que revelam a existência e a extensão de danos. Ou, por outras palavras: o autor há-de fornecer todas as indicações de facto indispensáveis à determinação judicial do dano, abstendo-se apenas de o avaliar em termos pecuniários.
Escreve Vaz Serra - Anotação ao Ac STJ 6/7/1971, RLJ n º 105, 153 e ss: «Quem exige uma indemnização não tem de indicar na petição a importância exacta em que avalia os danos (art 569º 1ª regra), pois pode ignora-la, dependendo como depende de várias circunstâncias. Bastará, pois, que exponha os factos precisos para a determinação judicial. Com fundamento neles, e valendo-se dos demais meios que a lei de processo lhe faculta, poderá o tribunal avaliar o dano e fixar a indemnização».
Estas considerações significam que o autor tem de ser preciso na indicação dos danos – o que a lei lhe dispensa é de indicar a importância exacta em que os avalia, não, obviamente, que não indique os danos que sofreu.
Se se quiser, e fazendo-se aqui apelo a uma das distinções em matéria de danos, poder-se-á dizer que a utilização pelo autor de pedido genérico, não o dispensa de alegar os factos que revelam a existência do “dano real”, estando apenas dispensado de alegar o “dano patrimonial” - Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», 10ª ed, I, 598 e ss, referindo em concreto, a respeito destas variantes do dano:
Dano real é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais, ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. O dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.
Que o autor não está dispensado de indicar na petição o dano real quando formula pedido genérico, revela-o a circunstância de ser este tipo de dano que importa para a problemática da causalidade, e esta ter que ficar também definida antes de se proferir condenação genérica, nos termos do art 661º/2 CPC. Só pode diferir-se para a liquidação subsequente «o objecto ou a quantidade» do dano, não podendo deixar de se ter aferido antes dessa condenação, enquanto requisitos da efectivação da responsabilidade civil, a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, o que pressupõe necessariamente, a indicação concreta deste.
Ora, os AA., formulando pedido genérico, não procederam à indicação dos danos reais, o que implica que tenham formulado pedido genérico processualmente inadmissível.
A formulação indevida de pedido genérico corresponde a excepção dilatória (inominada) - No sentido de a formulação ilegal de pedido genérico constituir excepção dilatória cfr Ac STJ 8/2/94, CJSTJ, I, 95 e Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”,II, p 75., pois não poderá o tribunal legalmente conceder o que o autor pede (a isso obsta, por definição, o art 471º), nem conceder coisa diversa (art 668º/1 al e)” - Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, 1982, II, p 250.
E por isso deverão os RR. serem absolvidos da instância no que respeita ao pedido em causa.
G) - Disse-se atrás que só haveria que apreciar os pedidos reconvencionais formulados pelos 3º, 4º e 5º RR., caso o agravo não fosse provido.
Tendo-o sido, e implicando esse provimento a anulação do julgamento no referente às acima referidas respostas da base instrutória, de modo a ter lugar, com possível pertinência, a segunda perícia requerida pelos 3º e 4º RR. e da qual poderão resultar valores (quiçá muito) diferentes em relação às obras efectuadas pelos AA. e pelos RR. nos prédios, não há que apreciar aqueles pedidos: o da aquisição pelos reconvintes da propriedade dos prédios por acessão industrial imobiliária, nos termos do nº 1 do art 1340º CC; subsidiariamente, o da condenação dos AA. no valor das obras e construções efectuadas pelos RR. nos prédios, por aplicação conjugada do disposto nos arts 1273º e 479º/1 do CC; e do invocado direito de retenção dos mesmos RR. sobre os prédios pelo valor do crédito resultante das despesas que neles efectuaram; ou subsidiariamente, o do condenação dos AA. na restituição aos reconventes do valor das construções e obras por estes efectuadas nos prédios ao abrigo do enriquecimento sem causa.
VI - Pelo exposto, acorda este tribunal em:
- julgar provido o agravo interposto pelos 3º e 4º RR., devendo na 1ª instância ser ordenada a segunda perícia requerida por estes RR, com a consequência da anulação do julgamento na parte respeitante às respostas aos arts 6º, 7º a 22º, 29º a 32º, 52º a 54º e 59º a 214º da base instrutória, e do não conhecimento nestes autos de recurso dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos RR. em causa, bem como pelo 5º R.;
- Julgar parcialmente procedente a apelação dos AA., e revogar a sentença recorrida, declarando nula a aquisição dos prédios dos autos pelos 3º, 4º e 5º RR., ordenando o cancelamentos dos registos de aquisição a favor destes RR., bem como, antecedentemente, o de aquisição pelos 1º e 2º e, reconhecendo a propriedade dos AA. sobre tais imóveis, julgar improcedente a acção no que respeita ao pedido de entrega dos prédios aos mesmos, mais absolvendo da instância os RR. no que respeita ao pedido da sua condenação no pagamento da indemnização que se liquidar em execução de sentença pelos demais danos, que não se indemnizam pela simples entrega dos imóveis ou do seu valor.
Custas do agravo pelos AA.
Custas da apelação pelos AA. e pelos RR., na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2016
Maria Teresa Albuquerque
José Maria Sousa Pinto
Jorge Vilaça