PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
ADVOGADO CONSTITUÍDO
EXTINÇÃO DA RELAÇÃO DE MANDATO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Sumário

I–O pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono apresentado na pendência de acção judicial interrompe o prazo que estiver em curso na mesma, operando esta última com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação da supra citada pretensão .
II–Tal sucede mesmo nos casos em que o requerente de apoio tenha Advogado constituído nos autos.
III–Nesse caso não logra aplicação o disposto no art. 47º do CPC; sendo que com a nomeação de patrono fica automaticamente extinta a preexistente relação de mandato, até por aplicação analógica do art. 1171º do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA, identificado a fls. 18[1], intentou,[2] acção , com processo comum, contra BB, Ldª,  igualmente , identificada a fls. 18.

Refira-se que “ab initio “ constituiu três Exmºs mandatários forenses.[3][4]

Articulou nos moldes constantes de fls. 18 a 36 desta reclamação [5].

De salientar que inicialmente juntou documento comprovativo de que  havia solicitado apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo , bem como atribuição de agente de execução.[6]

Realizou-se audiência de partes.[7]

A Ré , pelos vistos , contestou em moldes que não constam da presente reclamação.[8]

Desconhece-se – mas para os presentes efeitos também não releva – a  exacta tramitação posterior dos autos.

Todavia, realizou-se julgamento que decorreu em três sessões [9], sempre com intervenção de mandatário constituído pelo Autor.

Resulta de fls. 54 e 55 que foi proferida sentença condenatória , cujo teor se desconhece ; sendo certo que as notificações da mesma ao Autor e seus então Exmºs mandatários foram expedidas em 15.10.2014.[10]

Em 6 de Novembro de 2014, o Autor apresentou o requerimento constante de fls. 56 no qual disse que queria contestar a acção em causa e que iria recorrer, mas como não tinha possibilidades económicas para contratar um Advogado e pagar encargos com o processo havia requerido junto da Segurança Social apoio judiciário e um advogado para o representar [11].

Mais juntou cópia do requerimento apresentado junto da Segurança Social[12], do qual se infere que , em 29.10.2014, havia requerido junto daquela entidade apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo , nomeação de patrono e pagamento da compensação ao patrono “ para contestar a acção” ( vide fls. 57 e 58).

Tal pretensão foi deferida e , em 10.12.2014, foi nomeada ao Autor como Exmª Patrona  a Exmª Srª Drª . CC – vide fls. 66.

E pelo ISS também foi , em 12.1.2015, junto ao processo o ofício constante de fls. 67 dos autos.

Em 6.1.2015, o Autor, representado pela Exmª Patrona recorreu [13], inferindo-se das respectivas alegações que ali pretende impugnar alguma da matéria provada, nomeadamente com recurso a prova gravada.

A Ré sustentou que a interposição desse recurso era extemporânea.[14]

Todavia, contra alegou  nos moldes de fls. 86 a 92 dos autos.

Em 15 de Setembro de 2015, veio a ser proferido o seguinte despacho que aqui se transcreve na parte relevante[15]:

Requerimento de interposição de recurso de fls. 276 e ss.:

O autor AA interpôs recurso da sentença proferida a fls. 233 e ss. do autos.

A ré, em requerimento autónomo (fls. 292) e, subsequentemente, também em sede de contra-alegações, suscitou a extemporaneidade do recurso.

Vejamos.

O autor constituiu mandatário forense através da procuração que faz fls. 24 dos autos (outorgada a favor do Sr. Dr. DD e de outros dois Srs. Advogados).

Compulsados os autos, não se vislumbra que os Ex.mos Mandatários do autor tenham renunciado ao referido mandato e/ou que o autor o tenha revogado, sendo certo que tais actos devem ter lugar no próprio processo (cfr. artigo 47.°, n.° 1, do Código de Processo Civil) e que os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação (cfr. artigo 47.°, n.° 2, do Código de Processo Civil), donde decorre que tal mandato se mantém em vigor.

Em conformidade, a sentença ora posta em crise foi notificada tanto ao autor (fls. 257) como ao seu mandatário (As. 258).

Em face do exposto, e salvo melhor entendimento, afigura-se-nos que a junção aos autos do requerimento do autor de 6-11-2014 (fis. 261), dando conta da apresentação do pedido de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e nomeação e pagamento de compensação de patrono, é insusceptível de interromper o prazo para a interposição de recurso que então estava a correr.

Com efeito, e como refere o Tribunal Constitucional a propósito de norma idêntica do pretérito regime de apoio judiciário no seu acórdão n.° 98/2004, de 11-02-2004 [processo n.° 634/03; disponível em http://www.tfibunaiconstitucionai.pt/tc/acordãos/], em obediência ao imperativo constitucional plasmado no artigo 20°, n.° 1, da Lei fundamental, e para obviar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, impõe-se que a lei estabeleça «...medidas que, no piano da tramitação processual (se o pedido ê formulado na pendência de um processo), acautelem a defesa dos direitos do requerente do apoio, em particular no que concerne aos prazos em curso.

«Tais medidas impôem-se tanto mais quanto o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, uma vez que, desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo, defender (ou defender adequadamente) os seus direitos.
((É, aliás, essa a razão do disposto no artigo 25° n.° 4 da Lei n." 30-E/2000, ao determinar, nos casos de pedido de nomeação de patrono, na pendência de acção judicial, a interrupção dos prazos em curso com a junção aos autos do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário naquela modalidade)}.

Ora, como se referiu, no caso vertente o autor não se encontrava desacompanhado de mandatário forense, não havendo por isso lugar à interrupção do prazo em curso a que se refere o n.° 4 do artigo 24°da Lei n.°34/2004, de 29/07.

Salvo o devido respeito e melhor apreciação, o entendimento segundo o qual tal norma teria a virtualidade de interromper prazos em curso mesmo que a parte se encontre patrocinada contraria frontalmente a teleologia da norma em questão, sendo por isso de repudiar.

Para além disso, conduziria a resultados totalmente irrazoáveis: com efeito, caso porventura a Segurança Social tivesse indeferido o pedido de apoio judiciário apresentado pelo autor, o prazo de recurso [que se teria interrompido] reiniciar-se-ia com a notificação ao autor da decisão de indeferimento (por força do disposto no artigo 24.°, n.° 5, alínea b), da Lei n.° 34/2004, de 29/07), o que levaria a que o autor dispusesse de um novo prazo de 20 [ou 30] dias para apresentar recurso subscrito pelo Ex.º mandatário forense constituído desde o início do processo.

Temos pois que:

i)o autor foi notificado - quer pessoalmente quer na pessoa do seu Ex.mo Mandatário forense - da sentença em 15-10-2014 (cfr. fls. 257 e 258), considerando-se por isso a notificação efectuada em 19-10-2014 (visto que o 3º dia subsequente à notificação, 18-10-2014, recaiu num Domingo);
ii)o prazo para a interposição do presente recurso de apelação (cfr. fls. 79.°-A, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho), que é de 30 dias, conforme resulta do disposto no artigo 80.°, n.os 1 e 3, do Código de Processo do Trabalho, terminaria assim em 18-11-2014 (tendo em conta que, pelas razões acima referidas, o mesmo não se interrompeu com a apresentação do pedido de nomeação de patrono, dado que o autor se encontra representado por mandatário);
iii)o presente recurso foi apresentado em 06-01-2015 (cfr. fls. 287) ou seja, já depois de decorrido o referido prazo, bem como os 3 dias úteis subsequentes, esgotados em 23-11-2014.
Conclui-se, pelo exposto, que o presente recurso é extemporâneo, razão pela qual não se admite o recurso - cfr. artigo 82.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia,
Notifique.” – fim de transcrição.

Inconformado, o AA, veio deduzir reclamação , nos termos e para os efeitos do disposto no nº. 2 do artº . 82º do C. P. T., com os seguintes fundamentos:[16]
(…)

Em 14-12-2015, pelo Mmº Juiz “a quo” foi proferido o seguinte despacho[17]:
(…)

**

Despacho a que alude o artigo 82.º, nºs 3 e 4, do Código de Processo do Trabalho:

O reclamante sustenta, em síntese, que através do seu requerimento entrado em 06-11-2014 informava o tribunal que revogava o mandato ao mandatário constituído nos autos, competindo ao tribunal notificar o ilustre mandatário para se pronunciar, interrompendo-se o prazo, prazo esse que ficaria suspenso até à nomeação oficiosa de patrono.

Salvo o devido respeito e melhor apreciação, afigura-se-nos, pelas razões que se expuseram no despacho de não admissão do recurso (e que aqui se dão por reproduzidas), que a formulação de pedido de patrocínio judiciário por parte do autor era insusceptível, nos presentes autos, de interromper o prazo de recurso em curso, uma vez que o mesmo se encontrava devidamente patrocinado por mandatário.

No que respeita à questão, agora suscitada, de competir ao tribunal notificar o mandatário do autor para se pronunciar sobre o requerimento subscrito pelo próprio autor (e que no entender deste consubstanciaria uma revogação do mandato) dir-se-á o seguinte: caso porventura os autos tivessem sido conclusos imediatamente após a apresentação de tal requerimento e antes de esgotado o prazo de recurso, o tribunal eventualmente teria alertado o autor para o facto de tal requerimento não ser susceptível de interromper o prazo de recurso, mas tal não prejudica a questão essencial, que é a de o prazo, efectivamente, não se interromper.

De resto, mesmo que porventura tal requerimento do autor tivesse sido interpretado como uma revogação do mandato (tal como o mesmo sustenta), tal revogação só produziria efeitos após a respectiva notificação ao mandante, pelo que não haveria fundamento para se considerar interrompido o prazo em curso.
Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Notifique.
**

Tendo em conta o disposto no artigo 82.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho (cfr. ainda ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, Almedina, 2010, p. 79), notifique-se a parte contrária para, querendo, se pronunciar.
**

Logo que a parte contrária se pronuncie ou se mostre decorrido o respectivo prazo, remeta o presente apenso, devidamente instruído nos termos ora determinados, ao VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA. “ – fim de transcrição.
Não se vislumbra que a parte contrária/Ré se tenha pronunciado.
A reclamação foi remetida à Relação.
**

Cumpre, pois, tendo em conta tais elementos dirimir a presente reclamação.

E efectuada a respectiva análise afigura-se que a mesma comporta uma única vertente.

Esta consiste em saber se deve ou não reputar-se como interrompido o prazo de interposição do recurso em análise com a apresentação do pedido  de apoio judiciário apresentado junto do ISS em 29.10.2014 ( vide fls. 57 e 58), mas cujo conhecimento só chegou ao Tribunal “ a quo”  em 6 de Novembro de 2014 ( data em que o Autor veio apresentar o requerimento constante de fls. 56 no qual disse que queria contestar a acção em causa e que iria recorrer, mas como não tinha possibilidades económicas para contratar um Advogado e pagar encargos com o processo  havia requerido junto da Segurança Social apoio judiciário e um advogado para o representar).

E, a nosso ver, com respeito por decisão diversa, a reclamação deve proceder.

Refira-se aqui , desde já, que tal como decorre de fls.  54 e 55 que nos presentes autos foi proferida sentença condenatória , cujo teor se desconhece ; sendo certo que as notificações da mesma ao Autor e seus então Exmºs mandatários foram expedidas em 15.10.2014.[18]

Como tal, essa peça processual presume-se notificada em 20.10.2014[19] ( uma segunda feira ).

É que o dia 18.10.2014 foi um sábado...

Assim, tendo em atenção que se pretendia impugnar prova gravada o prazo máximo de interposição de apelação era de 20 dias + 10 dias – vide artigo 80º, nº 1 e 3 do CPT/2010[20].

Ou seja; tendo em conta tal prazo a data para a interposição do recurso , sem multa, terminava em 19.11.2014.

Com pagamento de multa atinente ao 3º dia útil terminava em 24.11.2014.[21]

E ainda que apenas se contem 20 dias – respeitantes a uma “apelação  normal”( sem impugnação de matéria de facto com recurso a prova gravada)  prazo terminaria em 10.11.2014 (9.11.2014 foi um domingo),ou em 13.11.2014 com multa atinente ao 3º dia útil.

Recorde-se , agora, que “ab initio” o Autor constituiu três Exmºs mandatários.

Por outro lado, segundo o disposto nos artigos 40º e 47º  do NCPC.[22]

Artigo 40.º
Constituição obrigatória de advogado.

1—É obrigatória a constituição de advogado:
a)Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário;
b)Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor;
c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.
2—Ainda que seja obrigatória a constituição de advogado, os advogados estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito.
3—Nas causas em que, não sendo obrigatória a constituição de advogado, as partes não tenham constituído mandatário judicial, a inquirição das testemunhas é efetuada pelo juiz, cabendo ainda a
este adequar a tramitação processual às especificidades da situação.

Artigo 47.º
Revogação e renúncia do mandato.

1—A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ao mandante, como à parte contrária.
2—Os efeitos da revogação e da renúncia produzem- -se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte.

3—Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a)Suspende -se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;
b)O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando -se os atos anteriormente praticados;
c)Extingue -se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta  for do requerente, opoente ou embargante.

4—Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º.
5—O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do processo, pelo prazo de 10 dias.
6—Se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito quando for dele a falta a que se refere o n.º 3; sendo a falta do autor, segue só o pedido reconvencional, decorridos que sejam 10 dias sobre a suspensão da ação.

Saliente-se ainda que na situação em exame não resulta minimamente dos autos , nem sequer em sede reclamatória, que  os Exmºs mandatários do Autor tenham renunciado – de forma expressa - à respectiva procuração ou que este último a tenha revogado de forma expressa nos autos.

Ou seja, à primeira vista, em sede extrema, até pode pretender sustentar-se que a  procuração e inerente mandato se mantêm até à presente data, visto que não chegou a ser observado o nº 2º do artigo 47º do NCPC.

Na realidade , nada foi alegado , nem se mostra provado, no sentido de que nos autos foi observada essa norma adjectiva.

Contudo, infere-se do pedido de apoio judiciário, apresentado pelo Autor junto do ISS em 29.10.2014 ( vide fls. 57 e 58) e da respectiva junção no Tribunal que o Autor pretendia recorrer e que , implicitamente, fosse porque motivo fosse , para aqui não releva, pretendia ver cessada a relação de mandato anterior.

Assim, afigura-se que , pelo menos , a partir de 6.11.2014 o prazo para o Autor recorrer se interrompeu.

Esgrimir-se-á que a suspensão contemplada no nº 4 do artigo 24º do LAJ[23] [24]só logra aplicação a quem não tem mandatário constituído; sendo certo, igualmente , que a apresentação do pedido de apoio judiciário , só por si, também não substitui  , sem mais, a observância do preceituado  no nº 2 do artigo 47 º o NCPC para quem – como é o caso – o tinha.

Todavia, essa argumentação não obsta a que o Tribunal reclamado devesse ter declarado interrompido o prazo então em curso.

E deve salientar-se que qualquer que ele fosse ( só de 20 dias ou de 20 + 10 dias ) em 6.11.2014 ainda se encontrava a decorrer tal como decorre das considerações anteriormente expendidas.

Assim, como se refere em acórdão do Tribunal da  Relação de  Guimarães de 29-01-2015 , proferido no processo 1319/09.0TJVNF-A.G1  , Relator: Manso  Rainho, (acessível em www.dgsi.pt)[25] :

“Como resulta expresso do nº 4 do art. 24º da LAJ (Lei nº 34/2004), quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de uma ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

Foi o que se passou no caso vertente, e daqui que ao tribunal recorrido não restava senão, como fez, que declarar interrompido o prazo então em curso, o prazo para se recorrer da sentença que fora proferida.

Em sítio algum se exige na lei, para que tal efeito interruptivo ocorra, que a parte que tenha mandatário constituído revogue prévia ou coevamente o mandato, ou que o mandatário renuncie ao mandato. E se a lei não distingue, também o intérprete o não deve fazer.

Invocam os Apelantes o art. 47º do CPC em defesa do seu entendimento.

Mas a verdade é que tal norma não vem nada ao caso. Pois que o que lhe está subjacente é a vontade do mandante (ou do mandatário) em pôr fim à relação de mandato por não lhe convir mantê-la, enquanto que no caso vertente do que se trata é da atuação do regime do apoio judiciário, aqui pois em decorrência da incapacidade económica da mandante em ordem a manter a relação de mandato. Se na primeira situação se compreende que a revogação ou a renúncia não tenha por que determinar desde logo a sustação do processo, já o mesmo não faz sentido na segunda situação, sob pena até de obrigar o mandante a ter de continuar a prestar serviços a quem declaradamente os não poderá pagar.

Por isso, a questão nada tem a ver com os alegados (pelos Apelantes) deveres deontológicos de defender (continuar a defender) os direitos da Autora, mas simplesmente com a opção, imperativa, da lei em fazer interromper o prazo em curso até que o incidente esteja solucionado. Acresce dizer que a declaração do mandante, neste caso a Autora, de que requereu a nomeação de patrono, não pode deixar de valer para todos os efeitos como uma verdadeira declaração tácita de revogação do mandato que fora contratado anteriormente. Revogação essa a que, pela sobredita razão, não cai no âmbito do art. 47º do CPC, mas sim do art. 1171º do C. Civil [26](por analogia de situações), e daqui que o mandato se extingue sem mais a partir do momento em que é conhecida a nomeação do patrono no âmbito do apoio judiciário.” – fim de transcrição.

Concorda-se com este entendimento.

E nem se esgrima, como se faz na decisão reclamada , com o ac.  do TC n.º 98/2004, proferido no processo n.º 634/03, TC - 1ª Secção do TC.
Rel.:Cons.º Artur Maurício, (proferido em relação ao artigo 25º n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro) onde se pode ler.

“ 3-Dispõe o artigo 25º n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000:
 "Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo."

Foi esta disposição que o acórdão recorrido interpretou no sentido de que compete ao interessado, requerente do apoio judiciário para nomeação de patrono, a junção aos autos do documento comprovativo de apresentação do requerimento de apoio judiciário, para efeitos de interrupção do prazo em curso.
(…)

O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no artigo 20º n.º 1 da Constituição.

Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses.

Nesta conformidade, há-de a lei estabelecer, designadamente, medidas que, no plano da tramitação processual (se o pedido é formulado na pendência de um processo), acautelem a defesa dos direitos do requerente do apoio, em particular no que concerne aos prazos em curso.

Tais medidas impõem-se tanto mais quanto o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, uma vez que, desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo, defender (ou defender adequadamente) os seus direitos.

É, aliás, essa a razão do disposto no artigo 25º n.º 4 da Lei n.º 30-E/2000, ao determinar, nos casos de pedido de nomeação de patrono, na pendência de acção judicial, a interrupção dos prazos em curso com a junção aos autos do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário naquela modalidade.

A exigência de documentação do pedido compreende-se uma vez que, no regime instituído pela Lei n.º 30-E/2000, os procedimentos tendentes à concessão do apoio, em processos cíveis, correm nos serviços de segurança social (artigo 21º); e seria inaceitável e comprometedor da segurança jurídica a indefinição do decurso dos prazos processuais que resultaria, fatalmente, da falta dessa documentação - que assim se impõe -, tendo em conta o efeito interruptivo dos prazos, decorrente da apresentação do pedido.

Mas, sendo assim, a questão de constitucionalidade está em saber se pôr a cargo do requerente da nomeação de patrono o acto de dar a conhecer e documentar no processo a apresentação do pedido, para efeitos de interrupção do prazo em curso, constitui um ónus que compromete (ou compromete desproporcionadamente) o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados.   
       
Sem dúvida que se poderia congeminar outro sistema, fazendo, p. ex.., recair sobre os serviços de segurança social o dever de darem a conhecer, de imediato, nos pertinentes processos judiciais os pedidos de nomeação de patrono. Mas, independentemente da praticabilidade dessa ou de outras alternativas, a questão - repete-se - é a de saber se o regime, tal como o acórdão recorrido o interpretou, ofende a Constituição.

Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa.

Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.

Note-se, aliás, - o que não é despiciendo - que, no modelo de impresso aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido, consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação.

A protecção constitucionalmente garantida pelo artigo 20º n.º 1 da CRP aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos não é, pois, afectada pela norma contida no artigo 24º n.º 5 da Lei n.º 30-E/2000, na interpretação dada pelo acórdão recorrido” – fim de transcrição e sublinhado nosso.

É que , como salienta , o reclamante (vide 9º da reclamação )” … não tem por obrigação ter conhecimento jurídicos e mormente de processo civil ou de processo de trabalho, como é o caso dos autos” …

Daí que se explique com facilidade que não tenha solicitado a observância expressa do disposto no nº 2º do artigo 47º do NCPC…; não lhe sendo de assacar , a nosso ver, tal omissão.-

Como tal, com respeito por opinião distinta, cumpre considerar que o prazo em causa – para interpor recurso (que fosse em caso fosse ainda não se mostrava transcorrido, como acima se salientou ) - deve considerar-se interrompido em 6 de Novembro de 2014 , data em que foi dado conhecimento nos autos da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono apresentado em 29.10.2014  junto do ISS ( vide fls. 57 e 58).

E tal prazo só recomeçou a correr e na íntegra a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.

Tal ocorreu em 10 de Dezembro de 2014 – vide fls. 66.

Relembre-se que tal pretensão foi deferida e , em 10.12.2014, foi nomeada ao Autor como Exmª Patrona  a srª Drª . CC – vide fls. 66.

Pelo ISS foi , em 12.1.2015, junto ao processo o ofício constante de fls. 67 dos autos.

Ora, em  6.1.2015, o Autor, representado pela Exmª Patrona recorreu.

Ou seja, tendo em atenção a referida interrupção de prazo o recurso foi tempestivamente interposto; sendo certo que não estamos processo com natureza urgente.

Mas será que tal como se refere na sustentação da decisão ora reclamada, “mesmo que porventura tal requerimento do autor tivesse sido interpretado como uma revogação do mandato (tal como o mesmo sustenta), tal revogação só produziria efeitos após a respectiva notificação ao mandante[27], pelo que não haveria fundamento para se considerar interrompido o prazo em curso” ( fim de transcrição) ?.

Ora mesmo seguindo esta linha de raciocínio constata-se que entre 6 de Novembro de 2014 e 24 de Novembro do mesmo ano ou até mesmo 13 de Novembro tinha havido tempo suficiente para concluir  os autos, despachar o processo e expedir notificação aos Exmºs mandatários do Autor.

Seja como for, uma vez, que , a nosso ver, não se deve considerar que o disposto no nº 4º do artigo  24º do LAJ apenas logra aplicação a quem não tem mandatário constituído tal argumentação ,em rigor , nem tem razão de ser.

Em suma, a reclamação procede.
***

Em face do exposto, defere-se a presente reclamação, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso e mande subir o processo.
Sem custas.
Notifique, nomeadamente solicitando a oportuna remessa do  processo  à 1ª instância.[28][29]
DN.


Lisboa,22-02-2016


Leopoldo Soares


[1]Desta reclamação; sendo certo que qualquer  remissão feita na  presente decisão sempre se deve reputar reportada à mesma.
[2]Em 14.12.2011 – vide fls. 43.Vide fls. 56.
[3]Vide fls. 37.
[4]A procuração forense mostra-se datada de 11.7.2011 – vide fls. 37.
[5]Conferiram à causa o valor de Euros  60.010,22 – vide fls. 36.
[6]Vide fls. 39 a 43.
[7]Vide fls. 24-25.
[8]Mas que para este efeito, a nosso ver, não relevam.
[9]Vide fls. 46-47 ( sessão de 10.5.2013), 48 a 52 ( sessão de 14.10.2013) e 53 ( em 22.10.2013).
[10]Vide fls. 54-55.
[11]Fls. 56.
[12]Fls. 57 a 60.
[13]Vide fls. 69 a 79.
[14]Vide fls. 81 a 83.
[15]Vide fls. 96 a 99.
[16]Vide fls. 3 e 4 da presente reclamação.
[17]Vide fls. 9 a 11.
[18]Vide fls. 54-55.
[19]Vide artigo 248.º do NCPC:
Formalidades
Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo -se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
[20] Que estatui:
Prazo de interposição
1-O prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 20 dias.
2-Nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 79.º-A e nos casos previstos nos n.os 2 e 4 do artigo 721.º do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de recurso reduz-se para 10 dias.
3-Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, aos prazos referidos na parte final dos números anteriores acrescem 10 dias.  
[21] Vide nº 5 do artigo 139º do NCPC.
[22] Aprovado pela Lei n.º 41/2013 ,de 26 de Junho.
[23]A Lei nº º 34/2004, de  29 de Julho,, na versão que lhe foi conferida  pela  Lei n.º 47/2007, de 28/08.
[24] Que estatui:

Artigo24.º
Autonomia do procedimento


1-O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
2-Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 467.º do Código de Processo Civil e, bem assim, naqueles em que, independentemente das circunstâncias aí referidas, esteja pendente impugnação da decisão relativa à concessão de apoio judiciário, o autor que pretenda beneficiar deste para dispensa ou pagamento faseado da taxa de justiça deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido.
3-Nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça ou da primeira prestação, quando lhe seja concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão que indefira, em definitivo, o seu pedido, sob a cominação prevista no n.º 5 do artigo 467.º do Código de Processo Civil.
4-Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5-O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a)A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b)A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.

[25]Que logrou o seguinte sumário:
I-Quando o pedido de apoio judiciário tendente à nomeação de patrono é apresentado na pendência de uma ação judicial, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
II-Para que tal efeito interruptivo se verifique não é necessário, nem tal faria sentido, que a parte que requereu a nomeação de patrono revogue o mandato que conferiu oportunamente ao advogado que a vinha representando, não se aplicando nem se ajustando ao caso o art. 47º do CPC.
III-Com a nomeação de patrono fica automaticamente extinta a preexistente relação de mandato, por aplicação (por analogia de situações) do art. 1171º do Código Civil.
[26] Que estabelece:
A designação de outra pessoa, por parte do mandante, para a prática dos mesmos actos implica revogação do mandato, mas só produz este efeito depois de ser conhecida pelo mandatário.
[27] Certamente pretendeu referir-se mandatário…
[28] Vide artigo 643º do NCPC que regula:
Reclamação contra o indeferimento
1—Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.
2—O recorrido pode responder à reclamação apresentada pelo recorrente, em prazo idêntico ao referido no número anterior.
3—A reclamação, dirigida ao tribunal superior, é apresentada na secretaria do tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação.
4—A reclamação, logo que distribuída, é apresentada ao relator, que, em 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado,
a qual é suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º.
5—Se o relator não se julgar suficientemente elucidado com os documentos referidos no n.º 3, pode requisitar ao tribunal recorrido os esclarecimentos ou as certidões que
entenda necessários.
6—Se a reclamação for deferida, o relator requisita o processo principal ao tribunal recorrido, que o fará subir no prazo de 10 dias.
[29]Sendo certo que no caso concreto, não foi dado , oportunamente , cumprimento ao disposto no artigo 82 do CPT/2010 Artigo 82.º

Admissão, indeferimento ou retenção de recurso.

1-O juiz mandará subir o recurso desde que a decisão seja recorrível, o recurso tenha sido interposto tempestivamente e o recorrente tenha legitimidade.

2-Se o juiz não mandar subir o recurso, o recorrente pode reclamar.

3-Recebida a reclamação, o juiz, no caso de a deferir, mandará subir o recurso.

4-Se o juiz indeferir a reclamação, manda ouvir a parte contrária, salvo se tiver sido impugnada unicamente a admissibilidade do recurso, subindo ao tribunal superior para que o relator decida a questão no prazo de cinco dias.

5-Decidida a admissibilidade ou tempestividade do recurso, este seguirá os seus termos normais
.
Desta última norma , deriva , em nosso entender, que em processo laboral a reclamação em apreço deve ser  tramitada nos próprios autos.
Todavia, in casu,  por uma questão de economia e celeridade processual , tanto mais que nada foi arguido a tal título,  irá ultrapassar-se  a questão nestes moldes.