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HERANÇA
SALDO BANCÁRIO
CABEÇA DE CASAL
Sumário
Em caso de falecimento de um dos contitulares de uma conta bancária solidária, a cabeça–de–casal da herança do falecido e também contitular da conta pode proceder ao levantamento da totalidade da quantia depositada. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.
I-RELATÓRIO:
C.A.M.F. intentou contra a Caixa Geral de Depósitos, S.A., acção declarativa com processo comum, pedindo a condenação da Ré a entregar-lhe a quantia de € 40.382,39 (quarenta mil trezentos e oitenta e dois euros e trinta e nove cêntimos), bem como o correspondente aos juros de mora legais desde 11 de Agosto de 2014, que ascendem em 26 de Fevereiro de 2015 a € 893,94 (oitocentos e noventa e três euros e noventa e quatro cêntimos).
Fundamentou o pedido alegando, em síntese:
É um dos quatro herdeiros habilitados como únicos e legais sucessores de Maria de L.R.R. de B.F., sendo cabeça de casal;
O património de Maria de L.R. integrava uma conta à ordem e outra a prazo na Caixa Geral de Depósitos, sendo que à data do óbito as referidas contas apresentavam os seguintes saldos: € 1.704,71 e € 116.000,00;
Tais contas eram contas colectivas solidárias e tinham como contitulares a inventariada, o Autor e a filha de ambos;
A Ré só liberou 2/3 dos saldos das referidas contas, recusando-se, sem fundamento, a entregar 1/3, alegando que se presume constituir a quota-parte da falecida contitular.
A Ré contestou, defendendo a improcedência da acção, alegando que a quota-parte do saldo pertencente à herança só pode ser entregue a todos os herdeiros em simultâneo, dado que as contas têm o regime de solidariedade; e nos termos do artigo 2091.º do Código Civil e alínea e) do n.º 1 do artigo 86.º do Código do Notariado, não pode ser obrigada a entregar apenas ao Autor a quota hereditária que não está partilhada.
Realizou-se audiência prévia, após o que foi proferido saneador-sentença que julgou a acção procedente e condenou a Ré a entregar ao Autor a quantia de € 40.382,39 (quarenta mil e trezentos e oitenta e dois Euros e trinta e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde 11 de Agosto de 2014 até efectiva entrega, à taxa de juros estabelecida nos termos do artigo 559.º do Código Civil.
Inconformada a Ré interpôs o presente recurso de apelação tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:
1.A presente acção é uma acção de condenação para efectivação de responsabilidade civil por actos ilícitos;
2.A sentença sob recurso não levou em conta todos os documentos juntos aos autos e as informações deles constantes que permitiram à Apelante formar a sua convicção para impedir a movimentação de 1/3 dos saldos das contas em questão;
3.A sentença sob recurso confunde o regime de movimentação de contas com o regime de movimentação de acervos hereditários, em que se incluam contas bancárias;
4.A propriedade dos fundos das contas bancárias é irrelevante para os depositários, mas tal apenas acontece perante os efectivos titulares das contas e não perante os seus herdeiros;
5.Quando um dos titulares de contas bancárias falece são os seus herdeiros, todos e conjuntamente, chamados a tomar a posição do falecido na movimentação da conta bancária;
6.Nada sendo dito pelos herdeiros e/ou titulares da conta quanto à propriedade dos fundos, funciona a presunção legal de igualdade prevista no artigo 516º do C. Civil;
7.A parte que se presume ser da propriedade do falecido fica retida até que, cumpridas todas as demais formalidades legais, todos os respectivos herdeiros, ou quem os represente, solicite a sua movimentação junto do banco;
8.No regime de movimentação de contas solidárias, o banco exonera-se entregando a sua prestação perante qualquer dos titulares da conta;
9.Em caso de falecimento, a exoneração do banco apenas ocorre, no que ao saldo ou quota parte do mesmo respeita, pela entrega a todos os herdeiros do titular falecido ou respectivos representantes;
10.À Apelante é indiferente o que venha a ocorrer após a disponibilização dos montantes depositados assim como as relações existentes entre os titulares da conta e os demais herdeiros da Falecida;
11.Face aos elementos de que dispunha a Apelante agiu com a diligência que lhe era exigível tendo retido a quota-parte do saldo que se presumia pertencer à falecida, nenhuma censura podendo recair sobre a sua actuação;
12.A Apelante pretende apenas dar cumprimento ao disposto no artigo 2091º do C. Civil, e da al. e) do nº 1 do artº. 86º do C. Notariado, no momento da entrega de tais fundos.
13.A condenação da Apelante a entregar apenas ao Apelado, a quota hereditária que não está partilhada, constitui clara violação das normas constantes do artigo 2.091º do C. Civil, e da al. e) do nº 1 do artº. 86º do C. Notariado, e é manifestamente ilegal.
14.Razão pela qual igualmente não pode ser condenada a pagar quaisquer juros, para além, evidentemente, dos juros remuneratórios que as referidas contas vencerem até ao respectivo levantamento, uma vez que a Apelante nenhum ilícito praticou que possa justificar o pagamento de juros moratórios.
15.A actuação da Apelante limitou-se ao estrito cumprimento das normas a que está obrigada, não sendo por isso ilícito o seu comportamento.
16.A sentença sob recurso não fez uma correcta subsunção dos factos ao direito, razão pela qual terá de ser revogada e substituída por outra que considerando os documentos juntos aos autos, conclua ter a Apelante cumprido rigorosamente com as normas a que se encontra vinculada e a absolva totalmente do pedido.
Respondeu o Autor defendendo a improcedência do recurso, alegando em síntese:
1.Não tem qualquer apoio legal a tese, defendida pela Apelante, de que o regime das contas bancárias solidárias, em caso de falecimento de um dos seus titulares, sofre uma alteração em razão da qual os contitulares sobrevivos deixam de poder movimentar isoladamente os saldos em depósito, como é próprio do regime de solidariedade activa.
2.Não sustentam a tese referida na conclusão antecedente o n.º 1 do artigo 2091.º do Código Civil nem, muito menos, o artigo 86.º, n.º 1, alínea e), do Código do Notariado.
3.Ainda que não fosse legal o levantamento dos saldos remanescentes das contas destes autos com base no alegado na 1.ª conclusão destas alegações, sempre o Apelado teria o direito de, só por si, proceder a esse levantamento ao abrigo da sua qualidade de cabeça-de-casal de herança em apreço e do disposto no artigo 2079.º, por se tratar de um acto de administração, como defendido designadamente na Recomendação do Provedor de Justiça que a CGD decidiu não acatar.
4.Nestas condições a apelação é manifestamente improcedente, pelo que deve ser rejeitada, devendo ser confirmada a douta sentença recorrida, por ter feito correcta aplicação dos preceitos legais que regem a situação sobre que lhe cumpria decidir.
II-Delimitação do objecto do recurso.
Tendo em conta a alegação da apelante, a única questão a decidir consiste em saber se falecido um dos contitulares de uma conta bancária colectiva e solidária o cabeça de casal da herança da falecida e também contitular da conta, desacompanhado dos demais herdeiros da falecida pode proceder ao levantamento da totalidade da quantia depositada.
III.Fundamentação.
De facto.
A 1.ª instância considerou provados a seguinte factualidade, admitida por acordo e provada através dos documentos juntos aos autos:
1.O Autor C.A.M.F. é um dos quatro herdeiros habilitados como únicos e legais sucessores de Maria de L.R.R. de B.F., falecida em Lisboa em 16 de Fevereiro de 2014 – artigo 1.º da petição inicial.
2.A falecida era, à data do óbito casada com o Autor, com quem havia contraído matrimónio em 16 de Agosto de 1959, em primeiras núpcias de ambos, e sem escritura antenupcial – artigo 2.º da petição inicial.
3.Desse casamento nasceram três filhas:
-Maria do R.R. de B.M.F., nascida em 9 de Maio de 1960, casada com F.José M.F.C., no regime de comunhão de adquiridos e com este residente na Quinta do ... da E..., E..., Colares, em Sintra;
-E. Maria R.de B.M.F., nascida em 25 de Abril de 1961, solteira, maior, residente na Avenida dos ..., n.º..., 1.º, na Amadora;
-A.S.R. de B.M.F. de A..., nascida em 15 de Outubro de 1964, casada com M.A.S. de A..., no regime da comunhão de adquiridos, com domicílio na Avenida Engenheiro ..., Torre..., Pio..., Sala /, em Lisboa – artigo 3.º da petição inicial.
4.O Autor é o cabeça de casal da herança aberta por óbito de Maria de L.R.R. de B.F., sendo que, além de cônjuge meeiro e herdeiro, é ainda legatário do usufruto vitalício do imóvel da casa de morada de família – artigo 4.º da petição inicial.
5.O património do casal dissolvido pelo óbito integrava, entre outros bens e direitos, duas contas de depósitos bancários abertas na Caixa Geral de Depósitos – Agência da Ericeira, uma conta à ordem e outra a prazo, contas essas com, respectivamente, os números 0307002180200 e 0307002180920 – artigo 5.º da petição inicial.
6.À data do óbito da mulher do Autor, tais contas apresentavam os saldos positivos seguintes:
Conta (à ordem) 0307002180200 - € 1.704,71 (mil e setecentos e quatro Euros e setenta e um cêntimos);
Conta (a prazo) 0307002180920 - € 116.000,00 (cento e dezasseis mil Euros), cujo prazo teve vencimento em 1 de Agosto de 2014 – artigo 6.º da petição inicial.
7.O Autor fez entrega à Autoridade Tributária e Aduaneira da devida participação – artigo 7.º da petição inicial.
8.E apresentou depois à Caixa Geral de Depósitos, em 28 de Julho de 2014, na referida Agência da Ericeira, o pedido escrito de levantamento dos aludidos valores em depósito, assinado por ele e pela herdeira E. Maria – artigo 8.º da petição inicial.
9.Com o pedido foram entregues a certidão da escritura de habilitação de herdeiros e do testamento, bem como a certidão das Finanças comprovativa da descrição do objecto da habilitação e de que o imposto do selo não é devido – artigo 9.º da petição inicial.
10.Na sequência desse pedido, o Autor recebeu a carta da Caixa Geral de Depósitos datada de 4 de Agosto de 2014, da qual constava a comunicação de se encontrarem já disponíveis para levantamento, ou transferência, as importâncias “cujo objecto foi requerido” – artigo 10.º da petição inicial.
11.As duas contas de depósitos são contas colectivas solidárias, sendo seus contitulares, à data do óbito da titular Maria de L., esta mesma (1.ª titular da conta), o seu cônjuge, ora Autor, e a filha de ambos E. Maria – artigo 11.º da petição inicial.
12.A Ré apenas libertou 2/3 dos saldos existentes nas contas à data do óbito – artigo 19.º da petição inicial.
De Direito.
A sentença recorrida julgou a acção procedente, com base, essencialmente nos seguintes fundamentos:
“As contas bancárias são susceptíveis de diversas qualificações, das quais se podem destacar, fundamentalmente, aquelas cuja diferenciação assenta no número dos seus titulares e nas regras a que fica sujeita a movimentação do depósito que lhe está associado. Como elucida o Professor ANTÓNIO PEDRO A. FERREIRA, “A relevância deste último aspecto sobressai a propósito da movimentação do depósito a débito, isto é, da determinação de quem pode reclamar a restituição do saldo da respectiva conta, ou dispor de parte do mesmo durante a vigência do contrato” (Obra citada, página 647). Assim, quanto à titularidade, a conta pode ser individual ou colectiva, consoante se trate de apenas um ou de dois ou mais titulares. Por sua vez, nesta última modalidade – colectiva - a conta bancária pode ser solidária, conjunta ou mista. No primeiro caso, qualquer dos titulares pode movimentar sozinho a conta; o banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade do depósito a um dos titulares. No segundo, a movimentação exige a intervenção de todos os titulares. Na terceira, que não é mais do que uma derivação da segunda, desenvolvida pela prática bancária, a movimentação só pode ser efectuada por alguns titulares, embora não necessariamente todos, eventualmente com a intervenção obrigatória de um determinado titular (MENEZES CORDEIRO e PEDRO A. FERREIRA, obras citadas, respectivamente, página 461 e página 647). Como já foi referido, a conta em causa nos autos tinha a modalidade de conta solidária. E, com base nessa conta, foi aberta uma conta de depósitos a prazo. O fulcro da discordância entre as partes assenta nos efeitos que resultam daquelas contas estarem sujeitas às condições das contas bancárias na modalidade de conta colectiva solidária, nomeadamente no que respeita à propriedade das quantias depositadas. No que ao caso importa, num primeiro momento, interessa-nos apenas que nos detenhamos sobre as contas solidárias, importando distinguir os efeitos que dai derivam para a relação contratual entre o cliente e o banco, ou seja, no plano das relações externas, daqueles outros que respeitam às relações entre os titulares da conta, estes situados no plano das relações internas. Como escreve MENEZES CORDEIRO (Obra citada, página 461, nota de rodapé (701), citando o Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 4 de Maio de 1997, CJ, XXII, página 189 a 192), a propósito das contas solidárias, “(...) a solidariedade, aqui presente, diz respeito, apenas, às relações entre o cliente e o banqueiro; no tocante à titularidade do saldo, que rege as relações entre os titulares da conta, há que indagar, sendo ilidível a presunção de igualdade do artigo 516.º do Código Civil”. Dito de outro modo, nas relações externas entre os seus titulares e o banco, a natureza solidária da conta releva apenas quanto à legitimidade da sua movimentação e débito. O que significa, como acima ficou dito, que qualquer dos titulares pode movimentar sozinho a conta, no limite, exonerando-se o banqueiro com a entrega da totalidade do depósito a um dos titulares. Mas essas regras de movimentação, fixadas relativamente a determinada conta, nada têm a ver com o direito de propriedade das quantias depositadas. Esta é uma questão que apenas respeita às relações internas estabelecidas entre os titulares da conta. Como é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Outubro de 2004 (disponível em www.dgsi.pt), “São perfeitamente distintos o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários - que se traduz num poder de mobilização do saldo - e o direito real que recai sobre o dinheiro, direito que pode pertencer, apenas, a algum ou alguns dos titulares da conta ou, até, a terceiro”. Quando é aberta uma conta conjunta solidária, para a entidade bancária é indiferente a participação que cada um dos titulares tenha na abertura da conta, bem como nos depósitos que eventualmente venham a ser feitos no futuro. A obrigação contratual do banco é apenas a de permitir que a conta seja movimentada nos termos da modalidade acordada quando a conta foi aberta, ou seja, neste caso, facultando a qualquer um dos titulares e em qualquer altura a possibilidade de fazer levantamentos ou outras movimentações, desde que o montante dessas operações não exceda o do valor depositado. Consequentemente, vale isto por dizer, que qualquer litígio que surja entre os titulares de determinada conta relativamente à propriedade dos valores aí depositados, ou entre os titulares e os herdeiros de um dos falecidos titulares, é uma questão que apenas respeita às relações internas entre estes, situando-se para além da relação contratual estabelecida entre aqueles e o banco, quando procederam à abertura da conta. Ao banco apenas interessa saber qual a modalidade da conta. A Ré sustenta a sua argumentação na circunstância de o Autor ter demonstrado documentalmente que procedeu à declaração em sede fiscal de que 1/3 do saldo das contas bancárias pertencia à herança. Mas a verdade é que a resolução do diferendo entre os herdeiros e titulares da conta não compete de todo à Ré. Como se disse essa questão respeitava exclusivamente às relações internas entre os titulares da conta e os herdeiros da outra titular. E, tanto poderia ser resolvida por acordo, como através do recurso à via judicial, bem como num sentido ou noutro. Tudo o que respeitasse à resolução desse diferendo era exterior à relação contratual entre o banco e os titulares da conta e os herdeiros da outra titular. Consequentemente, vale isto por dizer, que qualquer litígio que surja entre os titulares de determinada conta relativamente à propriedade dos valores aí depositados, ou entre os titulares e os herdeiros de um dos falecidos titulares, é uma questão que apenas respeita às relações internas entre estes, situando-se para além da relação contratual estabelecida entre aqueles e o banco, quando procederam à abertura da conta. Donde não se considera procedente o argumento invocado pela Ré, baseado no falecimento de um dos três titulares da conta, para impedir o levantamento de 1/3 do montante depositado, atento o tipo de conta em causa. É evidente que tendo ocorrido o óbito de um dos titulares na pendência da relação contratual estabelecida com a Ré, recaía sobre os titulares sobrevivos o dever de informar o banco, no âmbito dos deveres recíprocos que o contrato de abertura de conta envolve. Mas a conduta da ré, foi além das suas obrigações, pois a questão atinente à propriedade do dinheiro depositado respeita, exclusivamente, às relações internas entre os titulares da conta e herdeiros do titular falecido. Estando em causa, uma conta em que foi escolhido o regime de solidariedade para a sua movimentação, a propriedade das quantias depositadas é uma questão que apenas respeitava àqueles, situando-se no âmbito das relações internas entre eles, pelo que, à Ré, no caso, apenas, interessava saber a modalidade da conta que tinham contratado e, não poderia ter agido do modo que agiu, já que qualquer um dos titulares podia levantar a totalidade do saldo. Os titulares de conta bancária solidária têm o direito de crédito de poder exigir do Banco a restituição integral do depósito, nem sempre coincidindo tal direito, com o direito real de propriedade, ou compropriedade sobre o dinheiro depositado (Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 5 de Novembro de 1998, CJSTJ, Tomo III, página 95). Como se referiu no Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (de 10 de Maio de 2004, www.dgsi.pt): “I-A faculdade de qualquer dos contitulares de depósito bancário, sem a autorização dos demais, poder levantar a totalidade da quantia depositada exprime um regime de solidariedade activa. II-O que, sociologicamente, está na base da opção por este tipo de contas solidárias é, normalmente, a relação de confiança que existe entre os seus titulares, que de modo tácito se consentem, reciprocamente, a faculdade ou o direito de procederem a levantamentos por sua exclusiva vontade, não carecendo do consentimento dos demais. III-Os titulares de conta bancária solidária têm o direito de crédito de poder exigir do Banco a restituição integral do depósito (...)”.
Sendo que, no nosso caso, este direito era pertença do Autor, já que o mesmo era co-titular das contas, a movimentá-la. Face ao exposto, não podem restar dúvidas que, no caso, a Ré não agiu com o cumprimento da diligência a que estava obrigada. E assim foi além das suas obrigações quando impediu o levantamento de 1/3 do montante depositado, invocando o falecimento de um dos titulares. Como se sabe, de acordo com o disposto no artigo 798.º, do Código Civil, a falta culposa no cumprimento da obrigação importa para o devedor a responsabilidade pela reparação do prejuízo causado ao credor. A responsabilidade contratual depende, assim, de culpa do devedor. Porém, conforme resulta do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil, a lei estabelece a presunção de culpa do devedor, pela falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso, liberando o credor de fazer a prova. Em face dessa presunção legal, é ao devedor que cabe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. A esse propósito, escreve o Professor MENEZES CORDEIRO (Obra citada[1], página 363/363), que “A presunção de culpa desse preceito é, na realidade, uma presunção de ilicitude. Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir a licitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa. (...) competirá, pois, ao devedor inadimplente apresentar alguma causa de extinção de obrigação ou de justificação do inadimplemento”. Como decorre do que ficou dito, não logrou a Ré afastar aquela presunção legal. Deste modo, em consonância com aquele entendimento, para além da verificação do facto que consistiu na actuação da Ré, estão igualmente estabelecidos dois outros dos requisitos da responsabilidade civil contratual, a ilicitude daquele facto e a actuação culposa. Por conseguinte, a Ré constituiu-se na responsabilidade de reparar os prejuízos causados ao Autor (artigo 798.º do Código Civil), o que significa que deve “reconstituir a situação que existiria, senão se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562.º do Código Civil). Haverá ainda a considerar, como outro dos requisitos do dever de indemnizar fundado na responsabilidade civil contratual, a necessidade de existência de nexo causal entre o facto ilícito e culposo e os danos, só existindo a obrigação de indemnizar “em relação aos danos que a recorrida provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (artigo 563.º do Código Civil). Finalmente, há ainda que ter em conta que o dever de indemnizar compreende o prejuízo efectivamente causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigo 564.º do Código Civil). Significa isto, que sobre a Ré recai o dever de entrega da quantia que não libertou ao Autor, mas também de a indemnizar pela mora. Desta forma, não podendo a Ré opor ao co-titular o facto de o depósito pertencer também a outro co-titular falecido, impedindo-o de levantar a totalidade do valor depositado, esta violou os deveres de conduta para com o cliente, devendo entregar a quantia depositada e indemnizar o Autor pela mora na entrega. Resulta assim que não resta senão concluir pela procedência da presente acção, condenando-se a Ré no pedido formulado pelo Autor”.
A decisão e os fundamentos em que se baseou a sentença recorrida merecem a nossa inteira concordância.
Invoca a apelante o disposto no artigo 2091.º do Código Civil e artigo 86.º, n.º 1, alínea e), do Código do Notariado, para sustentar a invocada ilegalidade e falta de fundamento da decisão recorrida.
Mas sem razão.
Como bem fundamenta a sentença recorrida, alicerçada, na doutrina e jurisprudência que cita, não está causa, a propriedade do dinheiro depositado. Mas sim e apenas a questão de saber se o cabeça de casal e contitular das contas colectivas solidárias, podia levantar a totalidade das quantias depositadas. E a resposta não pode deixar de ser positiva. Além de tal resultar do regime de movimentação das contas colectivas solidárias, sempre o poderia fazer na qualidade e no âmbito dos poderes de administração da herança, conferidos pelo artigo 2079.º do Código Civil. A questão de saber se a totalidade ou parte do dinheiro depositado era propriedade da falecida contitular, não é objecto da presente acção. Tal como o não é a eventual obrigação de prestação de contas por parte do autor.
O que está em causa, conforme já referido, é apenas a questão de saber se este tem direito a levantar as quantias depositadas.
E como bem fundamentou e decidiu a sentença recorrida, sem necessidade de maior desenvolvimento, ao contrário do que defende a apelante, tinha direito a proceder ao levantamento.
Tendo a apelante, sem fundamento e violando o regime de movimentação das contas em causa (contas colectivas solidárias) recusado o levantamento, a sentença recorrida também não merece reparo, na parte em que a condenou no pagamento de juros.
Termos, em que, remetendo-se no mais, para a fundamentação da sentença recorrida, improcedem as conclusões da apelante.
IV- Decisão.
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2016
Alziro Antunes Cardoso
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo