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ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
NATUREZA URGENTE DO PROCESSO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Sumário
A acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento tem natureza urgente, pelo que os prazos processuais previstos no regime jurídico aplicável a este processo especial, incluindo o prazo para interposição de recurso, são contínuos e não se suspendem durante as férias judiciais. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Parcial
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
I. Relatório:
Na presente acção declarativa, com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, que AA intentou contra BB, Ld.ª, foi proferida sentença que a condenou a pagar-lhe as quantias de € 1.000,00, relativa a férias e respectivo subsídio, vencidas em 01-01-2014, € 291,67, relativa ao proporcional do subsídio de Natal respeitante ao trabalho prestado em 2014, a que se liquidar, relativas às retribuições (incluindo férias, subsídios de férias e subsídios de Natal), desde a data do despedimento (28-07-2014) até à data do trânsito em julgado da presente decisão, todas acrescidas de à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma dessas prestações e até integral pagamento (descontadas das importâncias que a trabalhadora tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e do subsídio de desemprego atribuído no referido período, a entregar pelo empregador à segurança social) e uma indemnização, a liquidar, em substituição da reintegração, correspondente a trinta dias de retribuição base e diuturnidades (que é de € 500,00) por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde a data de admissão ao serviço da entidade empregadora (2 de Janeiro de 2013) até ao trânsito em julgado da presente decisão [ascendendo esse montante, na presente data, a € 1.500,00 e absolveu-a do demais peticionado.
A sentença foi notificada, às partes por meio de cartas registadas por correio postal e, aos seus Ilustres Mandatários, por correio electrónico, aquelas e estas remetidas no dia 07-07-2015.
Inconformada com a sentença, dela interpôs a ré recurso, por correio electrónico expedido no dia 14-09-2015.
Conclusos os autos, o Mm.º Juiz proferiu o seguinte despacho:
Considerando a natureza urgente dos autos, oiçam-se as partes quanto à (in)tempestividade do recurso (notificações a 22-07 e recurso a 14-09).
Prazo: 10 (dez) dias.
Nada tendo as partes dito, de seguida o Mm.º Juiz proferiu o seguinte despacho:
Requerimento de interposição de recurso de 14-09-2015 (fls. 239 ess.):
A entidade empregadora BB, Ld.ª, interpôs recurso da sentença proferida a fls. 206 e ss..
A ora recorrente foi notificada da mencionada sentença em 07-07-2015 (cfr. fls. 232 e 234), considerando-se a notificação efectuada em 10-07-201 5.
O prazo para a interposição do presente recurso de apelação (cfr. fls. 79.º-A, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), que é de 20 dias, conforme resulta do disposto no artigo 80.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, terminou assim em 30-07-2015 (tendo em conta que o presente processo reveste natureza urgente [artigo 26.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo do Trabalho], não se suspendendo por isso durante as férias judiciais [artigo 138.º, n.º 1, in fine do Código de Processo Civil]).
O presente recurso foi apresentado em 14-09-2015 (cfr. fls. 256) ou seja, já depois de decorrido o referido prazo, bem como os 3 dias úteis subsequentes, esgotados em 04-08-2015.
Conclui-se, pelo exposto, que o presente recurso é extemporâneo, razão pela qual não se admite o recurso — cfr. artigo 82.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Custas pela recorrente.
Notifique.
De novo inconformada, apresentou a ré reclamação para esta Relação de Lisboa, pedindo que se ordene ao Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo a anulação do despacho de indeferimento do recurso, devendo proferir-se novo despacho de admissão do recurso de apelação, atendendo a que o referido recurso, ou seja, suas alegações, foram tempestivamente intentadas, suspendendo-se, efectivamente, a contagem do seu prazo durante o período de férias judiciais, atendendo a que não se trata de citações, notificações ou de actos que se destinem a evitar dano irreparável e, ainda que assim se não entenda, deverá, ainda assim considerar-se que deve ser admitido o presente recurso, na medida em que não é legítima uma atitude dos Tribunais em coartarem, sem mais, a qualquer das partes, a possibilidade de defesa até à última instância admissível, sendo que, um eventual alargamento do prazo de recurso, em nada prejudica a autora na medida em que será devidamente compensada com a contagem de juros que se vão vencendo diariamente, para o que alinhou a seguinte ordem de razões:
(…)
3.Razão pela qual, o recurso de apelação apresentado pela recorrente, ora reclamante, deverá ser admitido, por ter sido tempestivamente apresentado dentro dos prazos normais de contagem previsto na Legislação em vigor.
O reclamando respondeu, sustentando que não deve à reclamação da ré ser dado provimento, mantendo-se a decisão do tribunal de 1.a instância de rejeição do recurso de apelação, para o que se louvou no seguinte:
(…)
16.Pelo exposto, não assiste qualquer razão à Ré, tendo, efectivamente sido extemporâneo o recurso de apelação por a mesma apresentado e não sendo, por essa razão, admissível.
II - Fundamentação.
1.Antes de mais cumpre referir que a reclamação foi originariamente interposta para o Senhor Presidente desta Relação de Lisboa, para tanto tendo sido convocados os termos do art.º 688.º do Código de Processo Civil. O que só pode ser entendido, como foi pelo Mm.º Juiz reclamado, em referência ao diploma resultante da reforma de 1995, o qual, porque há muito revogado,[1] foi ignorado e adequadamente tramitada a reclamação como sendo para o relator, nos termos do art.º 82.º do Código de Processo do Trabalho.[2]
Assim sendo, desconsideramos as referências do reclamado acerca desta questão, resolvida que se mostra a adequação formal da reclamação.[3]
2.A questão trazida ao desembargo desta Relação de Lisboa resume-se, assim, a saber se a acção declarativa com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento reveste a natureza urgente até à prolação da sentença mas não a partir daí. Essa é a tese perfilhada pela reclamante e repudiada pelo despacho do Mm.º Juiz a quo e pelo reclamado. Vejamos então qual deve prevalecer.
Os recursos em processo laboral devem ser interpostos no prazo de 20 dias, ao qual acrescem 10 dias caso tenha por objecto a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.[4] No entanto, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.[5]
Por outro lado, o sistema informático deve certificar a data da elaboração da notificação, que se presume feita no terceiro dia posterior ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.[6]
No caso, a reclamante BB, Ld.ª foi notificada da sentença em dissídio, por via electrónica, no dia 07-07-2015 (folhas 48), que foi terça-feira, considerando-se por isso a notificação como efectuada no dia 10-07-201, que foi sexta-feira e interpôs recurso da sentença através do requerimento que remeteu ao Tribunal, por via electrónica, no dia 14-09-2015 (folhas 70).
Assim, é evidente que o recurso foi interposto muito para além do prazo de trinta dias subsequente à notificação e também dos três dias úteis subsequentes ao mesmo. A não ser que, como vimos pretender a reclamante, o prazo se suspender durante o período de férias judiciais de verão, as quais, como sabemos, legalmente decorrem entre 16 de Julho e 31 de Agosto.[7]
Ora, na parte interessante para o caso sub iudicio, o art.º 26.º do Código de Processo do Trabalho estabelece o seguinte:
"1. Têm natureza urgente:
a)A acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.
(…)
2.Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 143.º do Código de Processo Civil, os actos a praticar nas acções referidas nas alíneas f), g) e h) do número anterior apenas têm lugar em férias judiciais quando, em despacho fundamentado, tal for determinado pelo juiz.
(…)".
Por sua vez, o artigo 137.º do Código de Processo Civil reza assim:
"1. Sem prejuízo de actos realizados de forma automática, não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.
(…)".
E o art.º 138.º do mesmo diploma diz-nos o seguinte:
"1.O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
(…)".
Das normas citadas resulta com meridiana clareza que uma vez atribuída pela lei natureza urgente a certa forma de processo isso vale, em princípio,[8] para todas as fases em que o mesmo se desenvolve e, por conseguinte, também assim acontece na fase dos recursos,[9] valendo isso tanto para os recursos que sejam interpostos de decisões proferidas no âmbito de acções de impugnação da regularidade e licitude do despedimento,[10] como também em quaisquer outras formas de processo,[11] em harmonia, de resto, com o princípio da hermenêutica jurídica segundo o qual ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus.
Daqui resulta, pois, bem claro que não assiste razão à reclamante no primeiro dos pedidos que formulou. E o mesmo vale para o segundo, no sentido de que, citamos, "ainda que assim se não entenda, deverá, ainda assim considerar-se que deve ser admitido o presente recurso, na medida em que não é legítima uma atitude do Tribunais em coartarem, sem mais, a qualquer das partes, a possibilidade de defesa até à última instância admissível, sendo que, um eventual alargamento do prazo de recurso, em nada prejudica a autora na medida em que será devidamente compensada com a contagem de juros que se vão vencendo diariamente", porquanto, para além de tudo o que atrás referimos, não vê qualquer fundamento legal para tão estranha pretensão. Aliás, nem a reclamante invoca qualquer fundamento para que a tal se pudesse atender. É que, como vimos, não se trata de uma atitude ilegítima do Tribunal a quo, que manifestamente lhe não coarctou o direito a recorrer; a reclamante é que ignorou as exigências básicas em matéria de contagem do prazo estabelecido para a interposição do recurso e, por conseguinte, o mais que nos atrevemos a dizer, com apoio justinianeu, é que sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit.
Daí que e em conclusão, sendo extemporâneo o recurso não podia o mesmo ser admitido pelo Mm.º Juiz a quo, como não foi, pelo que a reclamação terá que improceder.
***
III. Decisão.
Termos em que indefiro a reclamação.
Custas pela reclamante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
*
Lisboa, 02-03-2016.
António José Alves Duarte
[1]Mais exactamente desde 01-09-2013, conforme resulta dos art.os 8.º e 5.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho. [2]O Código de Processo Civil eventualmente aplicável nos casos lacunares seria, portanto, o de 2013, nos termos supra referidos. [3]Isto porque também nenhuma das partes se insurgiu contra os termos em que foi tramitada no Tribunal reclamado. [4]Art.º 80.º, n.os 1 e 3 do Código de Processo do Trabalho. [5]Art.º 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. [6]Art.º 248.º do Código de Processo Civil. [7]Art.º 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto. [8]O art.º 26.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho contempla, precisamente, uma excepção, que de resto até são raras. [9]Neste sentido, Abílio Neto, Código de Processo do Trabalho Anotado, 5.ª edição, Ediforum, Lisboa, 2011, página 62, de acordo com o qual "não é a generalizada declaração de urgência dos processos laborais que torna a justiça mais célere, embora esse facto reclame dos respectivos mandatários especiais cautelas e lhes imponha riscos acrescidos no exercício do mandato, maxime no tocante à observância de prazos em sede de recursos e de incidentes, pois são eles, e só eles, que estão sujeitos aos efeitos da peremptoridade dos prazos". Na mesma linha, o acórdão da Relação do Porto, de 05-06-2006, no processo n.º 0611332, publicado em http://www.dgsi.pt, segundo o qual "não se suspendem durante as férias judiciais os prazos judiciais relativos a actos (v. g. recursos) a praticar em processos que a lei considere urgentes". [10]Neste sentido, Alcides Martins, Direito do Processo Laboral, Uma Síntese e Algumas Questões, 2.ª edição, Almedina, 2015, página 98, nota 171, onde refere que "a urgência mantém-se mesmo em caso de recurso". Na mesma linha, Viriato Reis e Diogo Ravara, em A Acção Especial de Impugnação da Regularidade e da Licitude do Despedimento: Questões Práticas no Contexto do Novo Código de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, 1.ª edição, de 30-04-2015, página 28 e seguinte, publicado em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/Acao_%20Impugnacao_Regularidade_Licitude_Despedimento.pdf?id=9&username=guest, segundo os quais "o mesmo tem natureza urgente desde o seu início e em todas as suas fases, pelo que os prazos para a prática dos actos processuais não se suspendem no decurso das férias judiciais, conforme decorre da parte final, do n.º 1, do art.º 138.º do CPC". Na jurisprudência, pode ver-se, para além dos acórdãos da Relação do Porto, de 25-06-2012, proferido no processo n.º 727/11.1TTMAI.P1 e da Relação de Évora, de 05-06-2014, no processo n.º 479/13.0TTPTM.E1, citados pelo reclamado, o acórdão da Relação de Lisboa, de 26-03-2014, proferido no processo n.º 28303/12.4T2SNT.L1-4, todos eles publicados em http://www.dgsi.pt (embora o sumário deste aresto se reporte a temática diferente da aqui tratada, mas ainda por referência à mesma forma processual, a certo ponto do seu argumentário refere, com pertinência para a reclamação: "Já no que toca à forma da contagem dos prazos, tal distinção é mais nítida, dado na acção com processo especial correrem também em férias, ao contrário dos outros (artigo 144.º do Código de Processo Civil), no que não é contrariado pelo disposto no artigo 98.º-O, n.º 1, al. c), gizada somente para efeitos de determinação do prazo de 12 meses referido no artigo anterior"). [11]Assim acontece, por exemplo, nos recursos interpostos de despachos proferidos nos procedimentos cautelares, como decidiu o acórdão da Relação do Porto, de 01-03-2001, no processo n.º 0130070, publicado em http://www.dgsi.pt (segundo o qual "os procedimentos cautelares têm natureza urgente ao longo de todo o seu processado, não se suspendendo durante as férias; daí que o prazo para apresentar alegações de recurso, da decisão que ordenara o levantamento da providência, não se suspenda nas férias de Verão), de sentenças proferidas nas acções declarativas especiais emergentes de acidente de trabalho, como referiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-09-2007, no processo n.º 2099/07-4, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano de 2007, tomo III, página 276 (que decidiu que "o prazo para interposição do recurso em acção emergente de acidente de trabalho não se suspende em férias judiciais") e da Relação do Porto, de 15-03-2004, no processo n.º 0315274, publicado em http://www.dgsi.pt (que seguiu no mesmo sentido: "Os processos de acidente de trabalho têm natureza urgente. Por isso, o prazo para recorrer naqueles processos não se suspende durante as férias judiciais") ou em processos de insolvência, como decidiu o acórdão da Relação de Guimarães, de 23-04-2013, no processo n.º 1198/12.0TBGMR-E.G1, publicado em http://www.dgsi.pt ("Fendo o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, carácter urgente … o prazo (que é contínuo…) para a interposição de recurso de decisão proferida em incidente de exoneração do passivo restante é de 15 dias …") e o acórdão da Relação do Porto, de 09-01-2012, no processo n.º 444/11.2TBPRG-D.P1-5, publicado em http://www.trp.pt/ficheiros/boletim/trp_boletim42.pdf.