1. Se os factos considerados provados pelo tribunal “a quo” não são bastantes para se poder imputar à Arguida ora recorrente a autoria das contra-ordenações imputadas, daí não se segue que a matéria de facto apurada fique aquém do necessário para se poder proferir uma decisão de condenação ou de absolvição da arguida, única hipótese em que ocorreria o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP).
2. Se os factos considerados provados e não provados pelo tribunal “a quo” são todos os que constavam da acusação, dos alegados pela defesa ou os que resultaram da discussão da causa e, todavia, não chegam para fundamentar a condenação da arguida, então se, não obstante, a sentença recorrida a condenou em lugar de a ter absolvido, o que ocorre é um erro na qualificação jurídica da factualidade apurada, e não o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
3. O erro que só o exame detalhado da prova revela nunca pode ser notório, mas sim encoberto e tendo de resultar do próprio texto da decisão, o erro notório na apreciação da prova, o mesmo não se confunde com o erro não ostensivo de julgamento, o qual só o teor da prova pode revelar
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No processo nº nº836/15.8T8TVD.L1 da Comarca de Lisboa Norte, Torres Vedras - Inst. Local - Secção Criminal - J2, a arguida C, Lda., inconformada com a sentença (proferida em 02/10/2015) que confirmou a decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, considerando-a autora de uma contra-ordenação p. e p. pelos Arts.1.°, n°1 e 11° do DL 138/90 de 26-4, com a redacção dada pelo DL 162/99 de 13-5, de uma contra-ordenação p. e p. pelos Artºs. 5º, n° 1, 8º e 11° do DL 138/90 de 26-4, com a redacção dada pelo DL 162/99, de uma contra-ordenação p. e p. pelos Artºs. 4°, n°1 e 16°, n°1, al. b) do DL 70/2007 de 26-3, na redacção dada pelo DL 10/2015 de 16-1, e de uma contra-ordenação p. e p. pelos Artºs. 3.°, n°1, al. a) do DL 156/2005 de 15-9, na redacção dada pelo DL 371/2007 de 6-11, lhe aplicou a coima única no valor de € 8.000.00 veio da mesma interpor recurso para esta Relação, concluindo nas suas motivações:
“1. A recorrente C, Lda. pretende ver alterada a douta decisão proferida nos autos de Recurso de Contra-Ordenação que decretou improcedente o recurso interposto mantendo a decisão administrativa que aplicou à arguida o pagamento de uma coima única no valor de 8.000,006 (oito mil euros) acrescido de custas no valor de 100,00€ por desrespeito das regras relativas à afixação de preços, p. e p. pelos artigos 1 n° 1 e 11° do DL 138/90 de 26 de Abril, com a redacção dada pelo DL 162/99 de 13 de Maio, com coima entre € 2.493,99 e € 29.927,87 sendo então condenada no valor de 2.500,00; falta de visibilidade de preços em montras, p. e p. pelos artigos 5º n° 1, 8º e 11º do DL 138/90 de 26 de Abril com a redacção dada pelo DL 162/99 de 13 de Maio com coima entre € 2.493,99 e € 29.927,87, sendo então condenada no valor de € 2.500.00; falta de anúncio a constar a data e início do período de duração de venda com redução de preços, p. e p. pelos artigos 4º, n° 1 e 16°n° 1 al. b) do DL 70/2007 de 26 de Março, na redacção dada pelo DL 10/2015 de 16 de Janeiro com coima entre €2.500,00 e € 30.000,00, sendo então condenada no valor de €2.500,00 e falta de livro de reclamações no estabelecimento, p. e p. pelos artigos 3º n° 1 al. a) do DL 156/2005 de 15 de Setembro, na redacção dada pelo DL 371/2007 de 6 de Novembro, com coima entre €3.500,00 e € 30.000,00 por se tratar de pessoa colectiva, sendo então condenado no valor de 6€3.500,00;
2. Em Impugnação Judicial da decisão administrativa veio a ora recorrente alegar em suma que a recorrente deveria ser absolvida da contra-ordenação de falta de visibilidade de preços em montra, uma vez que os factos constantes do auto de notícia integravam apenas a prática da infracção respeitante à falta de afixação de preços, estando aquela consumida e bem assim, deveria igualmente a recorrente ser absolvida pela infracção correspondente a falta do livro de reclamações no estabelecimento, uma vez que o mesmo existia, mas por lapso de uma funcionária estava na sede da empresa; já quanto à falta de anúncio do período de promoção tal deveu-se a lapso inexistindo qualquer intenção na prática de tal infracção.
3. Da douta Sentença resultou como factos não provados que à data dos factos a loja estivesse em remodelação e a montra em execução; os preços dos produtos estivessem caídos e que uma funcionário levou o livro de reclamações por engano;
4. Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, não decidiu correctamente a Douta Sentença recorrida,
5. Acontece que do depoimento do funcionário A. resultou que o livro de reclamações estava habitualmente na loja de que por engano a funcionáriaV. levou o para a sede da empresa e que correspondia ao livro de reclamações adquirido a 10-01-2006 pela empresa.
6. O princípio base que sustenta a exigência do livro de reclamações, praticamente em todas as entidades públicas e privadas que prestam serviços ao consumidor, vai muito além da mera possibilidade de em concreto ser dado ao utente/cliente a possibilidade de ver o seu caso resolvido. De facto, está subjacente em toda a evolução legislativa a garantia de uma boa prestação de serviços ao consumidor em geral, nomeadamente na possibilidade de fiscalização efectiva do modo como se prestam os serviços.
7. Acontece que o cliente não se encontrava privado do livro de reclamações o estabelecimento possuía livro de reclamações e o mesmo seria apresentado no prazo máximo de meia hora ao cliente que o solicitasse.
8. O livro de reclamações deve ser apresentado ao utente quando (e sempre que) este o solicite. No entanto, daí não se infere que em cada estabelecimento ou sucursal deva haver um livro de reclamações. Naqueles casos em que a actividade se desdobra em locais geograficamente distintos, se for possível a apresentação imediata do livro de reclamações, sempre que solicitado pelo utente, não se consuma qualquer contra-ordenação. (vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 09-04-2014)
9. Pelo que deve a recorrente ser absolvida da prática da infracção de falta de livro de reclamações.
10. Caso tal não se entenda pela absolvição da recorrente quanto à falta de livro de reclamações deverá ser aplicada uma pena de admoestação. A admoestação a que se alude no artigo 51° do Regime Geral das Contra-Ordenações, não trata apenas de uma sanção/acto susceptível de ser aplicado na fase administrativa do processo mas, independentemente de o ser, é também uma verdadeira sanção de substituição da coima, traduzida na sua dispensa, aplicada na fase judicial, desde que verificados determinados pressupostos, pressupostos que decorrem da constatação da reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente.
11. Acontece que a recorrente possuía o livro de reclamações no entanto encontrava-se na sede da empresa porque a funcionária por lapso o teria levado para outra loja, pelo que e diminuta a culpa do agente e reduzida a gravidade da ilicitude, uma vez que caso o livro de reclamações fosse solicitado de imediato seria trazido à loja.
12. Mais a admoestação deverá ser aplicada em substituição da coima até porque o montante da coima aplicado devia ter tido em conta a gravidade de contra-ordenação, a culpa, a situação económica do agente e o benefício que o mesmo retirou da prática e tal não se verificou.
13. Questionada a testemunha Ari ainda sobre a execução, remodelação da montra refere em suma que se encontrava a remodelar a mesma e que após a execução da mesma colocaria os preços em lista afixado na montra.
14. Desde logo verificou-se erro notório na apreciação da prova nos termos do artigo 410° n° 2 al. c) do Código Penal não dando como provados os seguintes factos: Que à data dos factos a loja estivesse em remodelação e a montra em execução e que uma funcionária levou o livro de reclamações por engano, quando tais factos foram confirmados pela testemunha Ari.
15. Tendo a douta Sentença dado como provados factos descritos pelo funcionário Ari considerando o seu depoimento credível também teriam de considerar os demais factos descritos pelo funcionário, pelo que se verifica desde logo erro notório na apreciação da prova.
16. As declarações prestadas pelo funcionário Ari revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, considerando factos como não provados quando foram os mesmos provados tendo por base as declarações da testemunha.
17. Acontece que a considerar-se provado o facto de a funcionária por engano ter levado o livro de reclamações, demonstra que é diminuta a culpa da arguida provando-se que a loja possuía livros de reclamações não estava por lapso de uma funcionária de imediato na loja mas poderia ser lá colocado no prazo máximo de meia hora.
18. Também deveria ter sido considerada que a montra se encontrava em execução por esse facto ainda não possui afixação de preços nas montras com aplicação de preçário em lista. O que releva para considerar é diminuta a culpa da arguida.
19. Na verdade o que se verificou da prova produzida foi da falta de afixação de preços tanto nas montras como nos expositores com óculos, uma vez que na montra a afixação era efectuada por lista porque os produtos apesar de virem marcados da loja de Santa Cruz como referiu a testemunha Ari, o mesmo fazia a indicação de preços em lista até porque verifica-se das fotografias junto aos autos que os produtos são colocados na montra sem as caixas pelo que não possuem qualquer preço.
20. Pelo que a infracção praticada pela recorrente tanto quanto à falta de afixação dos preços das montras como da falta de afixação de preços nos expositores dos óculos. Logo terá a recorrente de ser absolvida no que toca à falta de visibilidade de preços das montras porque os mesmos não se encontravam na montra porque o preçário em lista ainda não tinha sido colocado pelo funcionário.
21. Quanto à matéria de facto, que ora se impugna, tendo-se em atenção a factualidade dada como verificada e os suportes técnicos junto aos presentes autos e que a sustentam, importará de todo em todo dizer-se que não só tal matéria fáctica é manifestamente insuficiente para se ter concluído como o fez o douto tribunal e considerar verificada a prática de duas infracções a de falta de livro de reclamações e a de falta de visibilidade de preços nas montras, como é mesmo inquestionável ter-se verificado manifesto e incontornável erro na apreciação e na valoração de prova.
22. Da prova testemunhal reproduzida foi possível verificar que o douto Tribunal não esteve bem ao não considerar como facto provado determinados factos tais como: que à data dos factos a loja estivesse em remodelação e a montra em execução, que a funcionária levou o livro de reclamações por engano; e que na verdade verificou-se falta de afixação dos preços na montra e no expositor de óculos e não se verificou a falta de visibilidade dos preços.
23. De salientar que o funcionário A. esclareceu ainda quanto à infracção de falta de anúncio a constar a data de início e período de duração da venda com redução de preços que por não ser saldos desconhecia que teria de afixar a data.
24. Desde logo, verificou-se que por dificuldades logísticas de que o A. ficou sozinho na loja por ter faltado um funcionário, uma vez que regularmente eram dois funcionários presentes na loja e por algum descuido por parte do funcionário Ari é que ocorreu a falta de afixação de preços.
25. Prestou declarações em audiência de julgamento a Técnica Oficial de Contas da recorrente, P que questionada sobre a possibilidade de a empresa ter de proceder ao pagamento de uma coima no valor de 8.000,006 (oito mil euros) se teria de ser o sócio da empresa a suportar o pagamento da mesma declarou: "Ah, sim, certamente. E vou-lhe dizer várias vezes já analisamos a hipótese de fechar uma das lojas porque neste momento a empresa tem 5 trabalhadores e desses 5 apenas 1 está a contrato porque foi feito há pouco tempo no Verão todos os outros são trabalhadores efectivos da empresa e tudo isto pesa um bocado para o Sr. C não deixar o negócio morrer, porque efectivamente também estão lá famílias que dependem do ordenado, mas obviamente que esse valor neste momento eu acho muito dificilmente a empresa conseguiria ser ela a suportar teria que ser o sócio em termos pessoais." conforme 09:52:24 da gravação de depoimento com referência áudio 20150924093247_5532010_2871246 (24/09/2015 -2a Sessão )
26. Mais declarou que: "A empresa obviamente como todas as empresas, pequenas empresas tem sofrido com a crise que se instalou desde 2011/2012 para além disso a empresa tem stocks muitos elevados, não temos conseguido fazer a rotação desses stocks, temos cerca de 150.000,00€em stock, que não valem isso, se hoje em dia eu fosse contabilizar ao preço de mercado, obviamente que ele já não valia isso e a empresa nestes últimos anos têm dado um lucro na casa dos 1.000,00€; 2.000,006; 3.000,00€ conforme os anos, nunca, nunca mais do que isso, e como lhe digo, contabilizando o stock como se ele ainda valesse aqueles 150.000,00€, que eu pessoalmente acho que já não vale. Quando fala no stock, são stocks que ao longo destes anos foram ...Foram sendo acumulados Nunca se venderam, não se conseguiram vender. Sim, sim, exatamente, é o que, obviamente grande parte deste stock não são "monos" mas há lá muitos monos que deveriam ser abatidos mas por questões contabilísticas para a empresa continuar a apresentar algum lucro nós nunca resolvemos fazer esse abate e eles continuam lá, obviamente não valem o valor que lá está, mas nós sabemos que também dependemos muito da banca, esta empresa depende neste momento muito da banca e precisamos efectivamente de ter alguma estabilidade em termos de balanço. Em termos contabilísticos? Sim, para que a banca nos continue de alguma forma a tentar ajudar nesta fase mais complicada da empresa. Quando diz na banca, existe contas caucionadas? Existia uma conta caucionada que foi recentemente reconvertida em empréstimo, devemos estar a falar de nível banca cerca 100.000,00€ de empréstimos e em termos pessoais do sócio e dos familiares dos sócios nos 80.000,00€ também. Se fossemos ver bem, bem, bem a empresa daria prejuízo se não houvesse esta manobra contabilística. Sim. Manobra e não só, porque não é uma manobra ...E não abater aquele stock. Sim. O stock não é vendável. E o próprio sócio quando há faltas de tesouraria recorre ao património pessoal, injecta para pagar a fornecedores e IVA 's a empresa apesar de todas estas dificuldades prima por cumprir as suas obrigações fiscais. Não há valores em dívidas às finanças. Não. Nem Segurança social" conforme 09:49:39 da gravação de depoimento com referência áudio 20150924093247_5532010_2871246 (24/09/2015-2a Sessão)
27. É possível retirar do testemunho deP, Técnico Oficial de Contas de que a empresa não terá condições económicas de suportar as coimas aplicadas que na realidade apesar da empresa ter um balanço contabilístico positivo se decidisse abater o stock que possui e que já não consegue vender ficaria contabilisticamente com um grande prejuízo, ou seja na realidade a empresa tem prejuízo e tem vindo a ser assegurada a sua manutenção com recurso a empréstimos bancários.
28. A doutrina e a jurisprudência têm vindo mais recentemente a tomar posições quanto às fiscalizações da ASAE no que concerne à aplicação de coimas excessivas pelo que não pode a recorrente estar alheia a que são maiores os danos causados pela aplicação das coimas à recorrente do que qualquer benefício que a recorrente pudesse tirar das infracções que lhe são imputadas.
29. Ainda quanto à infracção imputada à recorrente de falta de livro de reclamações no estabelecimento que aplica a coima mínima punível pela alínea a) do n° 1 do artigo 9o do Decreto Lei n° 156/2005 de 15 de Setembro considerou o Tribunal da Relação de Coimbra no douto Acórdão de 09-12-2010 declarar inconstitucional o segmento normativo do artigo 9º, n° 1, alínea a) do referido diploma que prevê a aplicação de coima mínima de 3.500 euros porque considerar que a previsão quando estabelece coima mínima para pessoas colectivas de 3.500 euros não respeita o princípio da proporcionalidade previsto pela Constituição da República Portuguesa.
30. Posteriormente em 2011 a Pequena Instância Criminal de Lisboa considerou procedente um recurso intentado pela Livraria Barata e aplicou-lhe uma mera admoestação; a ASAE imputou à Livraria Barata a prática da infracção por falta de livro de reclamações e por falta de visibilidade dos preços nos artigos expostos;
31. Acontece que o douto Tribunal considerou demasiado excessiva as coimas aplicadas fase à situação económica da arguida e o momento em que o país atravessa, pelo que não foi aplicada à Livraria Barata nem coima nem custas;
32. A empresa ora recorrente nos presentes autos é uma pequena comerciante que ainda se vai mantendo de portas abertas, mas com muita dificuldade fase à venda de artigos desportivos por grandes empresas tais como a Sport Zone, a Decatlon, etc, mas se for condenada a proceder ao pagamento do valor da coima aplicada ficará em situação de insolvência.
33. A empresa tem mais de 30 anos de existência nunca lhe foi imputada qualquer infracção e tal situação deveu-se somente a mera distracção do funcionário pelo que deverá ser aplicada uma admoestação à recorrente;
34. A recorrente teve um resultado líquido do período de tributação do ano de 2013 no montante de 2.178,26€ pelo que é certo que a aplicação da coima de 8000,00 € traria um prejuízo económico à recorrente e a iminente insolvência.
35. Verificou-se que não existe culpa da recorrente no cometimento dos factos, nem qualquer comportamento eticamente censurável, não tendo existido qualquer prejuízo para a comunidade ou para o Estado Português e resultante da conduta da recorrente, sendo a culpa da recorrente neste aspecto reduzida e diminuta.
36. A recorrente não retirou qualquer benefício económico da prática da infracção da qual vem acusada.
37. Ainda quanto à medida da coima, de harmonia com o disposto no artigo 18° do Decreto Lei 433/82 de 27 de Outubro, na redacção do Decreto Lei 244/95 de 14 de Setembro, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade de contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
38. Como refere a decisão administrativa proferida: "...ao benefício económico que a sociedade arguida retirou com a prática da infracção, o que face aos elementos disponíveis nos autos é difícil quantificar".
39. No entender da ora recorrente não é difícil de quantificar simplesmente esse benefício económico não se verificou, mais a situação económica da recorrente é bastante débil e o valor da coima aplicada impede a manutenção da sua actividade profissional.
40. Por todo o exposto é de aplicar à recorrente uma pena de admoestação nos termos do disposto no artigo 51° do Decreto-Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, na redacção dada pelo DL.244/95 de 14 de Setembro e a qual se considera adequada ao caso concreto pela reduzida gravidade da infracção, à culpa leve da arguida, e ao interesses jurídicos dos consumidores que importa salvaguardar e os quais, no caso concreto, não foram violentados e portanto sendo a pena de admoestação compatível com os efeitos punitivos pretendidos pelos diplomas legais aplicáveis ao caso.
TERMOS EM QUE, deve o recurso proceder, por provado, revogando-se a decisão condenatória e, em consequência, proferindo nova decisão na qual seja a arguida, ora recorrente absolvida das seguintes infracções: falta de visibilidade dos preços nas montras e falta de livro de reclamações e ser sempre aplicada à recorrente uma mera admoestação nos termos do artigo 51° do Regime Geral das Contra-Ordenações quanto às infracções efectivamente imputadas.
Vossas Excelências, porém, farão a tão costumada e esperada JUSTIÇA”
O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu às motivações de recurso apresentadas pela Arguida/Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.
Neste Tribunal o Exmo.Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso.
O recorrente, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art. 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.
Colhidos os vistos e efectuada a conferência prevista no art. 419º do CPP, cumpre apreciar e decidir.
“1. Aos 12 dias de Maio de 2014, pelas 11h00m, uma Brigada de Fiscalização composta pelos Inspectores R e H, ambos da ASAE, deslocou-se ao estabelecimento de artigos de desporto e pronto a vestir, comercialmente denominado por "Manelsport", sito em Avenida ..., em Torres Vedras, explorada pela sociedade arguida, encontrando-se presente A, empregado comercial.
2. Nas circunstâncias - data, hora e local - acima referidos, no decurso de uma inspecção integrada no planeamento operacional desta ASAE, verificou-se que ao acedermos às Galerias Avenida, na montra do estabelecimento, que está virada para a Av. 5 de Outubro, constatámos que alguns produtos ali expostos para venda, nomeadamente: os óculos de sol; uma t-shirt; o chapéu do manequim; uns ténis colocados numa rede; os ténis no skate; e o próprio skate, não dispunham dos preços de forma visível, legível e sem ser confuso para o potencial cliente.
3. Nas montras, aquelas já no interior das Galerias Avenida, na mais próxima da rua, portanto a montra à direita de quem acede à loja, encontravam-se expostos para venda vários artigos, nomeadamente: ténis para criança; pólos; ténis de adulto; chinelos; e ainda um skate longboard. Na montra esquerda, estavam expostos para venda os seguintes artigos: leme ou quilha de prancha de surf; barbatanas para bodyboard, e uma prancha de surf, que também não dispunham dos preços de forma visível, legível e sem ser confuso para o potencial cliente.
4. No interior da loja, onde atrás do balcão estava o Sr. A, já melhor identificado, ao qual nos identificámos e nos esclareceu que os preços constavam nos artigos expostos, ainda que não visíveis do exterior, contudo no caso dos artigos anteriormente descriminados, uma vez verificados, tal não se passava.
5. Mais, no próprio balcão de atendimento (fotos de 14 a 16) estavam expostas para venda umas carteiras cujos preços também não eram visíveis, bem como numa outra montra à esquerda logo após a entrada, onde se encontravam uns relógios, cujos preços também não eram visíveis e ainda numa montra de óculos, contendo 49 (quarenta e nove) unidades e existindo somente preço marcado numa das unidades, questionado se os óculos eram todos ao mesmo preço o Sr. A., disse que não. Acresce ainda que nestas montras e expositores interiores não estavam acessíveis ao público e no caso das montras dos relógios e na dos óculos, estas encontravam-se fechadas à chave.
6. Já no piso inferior da loja, onde existem uns provadores, também se encontravam expostos para venda outros artigos em montras, concretamente, ceras para pranchas de surf; colas resinosas para reparação de pranchas de surf, e rodados de skate, que também não dispunham dos preços de forma visível e legível e no caso da montra dos óculos, os artigos aí expostos não dispunham de preços (fotos de 19 a 22).
7. Ainda neste piso inferior, os óculos já mencionados, no interior da montra onde estavam expostos e algumas peças de roupa e calçado, apresentavam uns cartazes com as seguintes menções: "40%" no caso dos óculos; "-50%", na roupa mais á esquerda,- "TÊXTIL 60%", na roupa mais á direita; e "40%" no caso do calçado exposto em prateleiras montadas no lado esquerdo e externo da escada de acesso a este piso.
8. Questionado sobre o ora descrito o Sr. A. disse estarem a praticar reduções de preço equivalentes às percentagens mencionadas nos artigos indicados, não sabendo dizer quando o começaram a fazer nem soube dizer qual a data futura em que iriam pôr termo a estas reduções de preço (fotos de 23 a 29).
9. De seguida, regressando ao piso superior e questionando o aludido funcionário da loja pelo livro de reclamações, este após ter procurado o mesmo não o apresentou e tendo telefonado para a sede da empresa, disse que o livro estaria na loja em meia hora.
10. A sociedade arguida enquanto operador económico conhecia e tinha obrigação de conhecer a obrigatoriedade de cumprimento dos normativos legais que regem o seu sector de actividade, no estabelecimento comercial que explorava, e ao actuar da forma descrita previu o resultado como consequência possível da sua conduta, não se abstendo de a empreender e conformando-se com a produção do resultado, que podia e devia ter evitado.
11. Actuando deliberada e conscientemente. Mais se provou.
12. A sociedade arguida enfrenta dificuldades económico-financeiras, sobretudo motivada pela crise económica e abertura de grandes superfícies comerciais no concelho.
13. Em 2013 e de acordo com a sua declaração de rendimentos - IRC - apurou-se um resultado líquido de € 2.178,26 para um total de rendimento de € 398.692,83.
14. O legal representante da arguida adquiriu um livro de reclamações em 10-01-2006.
15. A sociedade arguida explora estabelecimentos comerciais e de desporto há vários anos e no concelho de Torres Vedras, detendo duas lojas em funcionamento e abertas ao público.
16. Não lhe são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais similares.”
“O Tribunal gizou a sua convicção tendo por base o auto de notícia de fls. 2 e 3, a reportagem fotográfica de fls. 4 a 18, notificação, defesa e alegações da arguida e documentação apresentada pela mesma (fls. 5 e e ss. a 31); demais documentação junta aos autos (incluindo declaração IRC da sociedade), a decisão da autoridade administrativa e fls. 145, de onde resulta que a sociedade não tem antecedentes registados.
Do teor da prova produzida e nos moldes em que resultam das conclusões da impugnação judicial apresentada e que delimitam o objecto de recurso, não resulta que a arguida tenha colocado efectivamente em causa a ocasião em que os factos ocorreram e nem a acção policial, até reiterada pelo legal representante da arguida.
Aliás, a documentação junta aos autos foi valorada, uma vez que a mesma não foi posta em crise, fazendo fé em juízo o respectivo auto de notícia.
E de tal documento, contrariamente à alegação feita pela recorrente, consta a enunciação dos factos sujeitos a apreciação, e bem assim a indicação de que nas montras os artigos não tinham visíveis os preços, que dentro da loja existiam outros artigos com os preços não visíveis ou puramente não marcados, e indicação de uma promoção sem indicação de data e falta de livro de reclamações disponível no momento.
Aliás, tal auto foi integralmente corroborado pelo inspector da ASAE e aqui testemunha,R.
Por outro lado, as fotografias juntas aos autos pelos Inspectores da ASAE são igualmente elucidativas do sucedido, não se suscitando qualquer dúvida.
Em especial, o depoimento de tal testemunha foi valorado, revelando conhecimento directo dos factos, rigor e isenção, sendo que a sua credibilidade não foi questionada.
Já no que concerne ao legal representante da arguida e demais testemunhas de defesa, A e P, nos seus depoimentos confirmaram os factos que lhes eram imputados, sendo que a testemunha C TOC da arguida, e bem assim as demais testemunhas de defesa, confirmaram as dificuldades económicas da empresa.
Na verdade tais testemunhas, referiram apenas dificuldades logísticas e algum descuido, não colocando em causa a prática dos factos e nem a veracidade do auto de notícia.
Em especial a testemunha A, funcionário da empresa presente aquando da acção inspectiva, confirmou que a montra estava a ser executada há alguns dias, bem como que se deve ter esquecido de colocar os preços nalguns produtos e que desconhecia ter que indicar as datas das promoções. No entanto, não se mostra razoável que para a execução de tal tarefa demorasse tantos dias e que nesse período, estando o estabelecimento aberto ao público, os consumidores ficassem privados das informações necessárias, tanto mais que se trata de uma loja já antiga no mercado. Pelo que a justificação dada nesta parte não convence.
Igualmente não convence a declaração de que o livro de reclamações estava disponível em meia hora ou o motivo pelo qual foi levado, sendo que a funcionária em causa não foi ouvida e nem tal livro foi presente às autoridades em tal prazo.
Logo, merecendo-nos maior credibilidade e isenção, por não deter qualquer interesse no desfecho dos autos o depoimento do Inspector, sendo consonante com a demais documentação junta aos autos e coerente, até pelas regras da experiência.
Por outro lado, consideramos que os depoimentos das testemunhas de defesa não colocam em causa as declarações do Inspector e autuante e nem a documentação junta aos autos.
Assim, conjugando a prova documental e testemunhal, foi dada como integralmente provada a factualidade imputada à arguida.
A situação económica da arguida está assente nas declarações produzidas nos autos e na declaração de IRC, e bem assim nos depoimentos das testemunhas de defesa.
A factualidade negativa resulta da falta de prova cabal dos factos alegados pela recorrente.”
As questões essenciais suscitadas pela Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:
1) SE A SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRIDA VALOROU INCORRECTAMENTE AS PROVAS PRODUZIDAS, VIOLANDO O PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DE PROVA (ART. 127º DO C.P.P.).
2) SE A SENTENÇA RECORRIDA PADECE DE INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA.
3) SE SE A SENTENÇA RECORRIDA PADECE DE ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA.
4) DA MEDIDA DA COIMA APLICADA PELO TRIBUNAL A QUO.
No caso, este tribunal ad quem conhece apenas de direito (artigo 75.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o Regime Geral das Contra-ordenações [Alterado pelos Decretos-Leis nºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro]), sem prejuízo do conhecimento de certos vícios ou nulidades ainda que não invocados ou arguidos pelos sujeitos processuais (artigo 410.º, nºs 2 e 3, do CPP).
Isto significa que este Tribunal apenas poderá tomar em consideração a matéria de facto tida como provada pelo Tribunal recorrido e não qualquer outra a que a Recorrente, por certo inadvertidamente, pretende dar relevância para fundar as suas pretensões.
Decorre do atrás exposto que com o julgamento efectuado no Tribunal de primeira instância, fica definitivamente encerrada a valoração das provas e fixada a matéria de facto, razão pela qual este Tribunal não irá conhecer do recurso da arguida na parte em que a mesma impugna a factualidade provada (por violação do princípio da livre apreciação da prova).
2) A PRETENSA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA PARA A DECISÃO.
Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por exiguidade, uma decisão de direito ou seja, quando a conclusão [decisão de direito] ultrapassa as respectivas premissas [decisão de facto]. Dito de outra forma, existe o vício quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria de facto contida no objecto do processo relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pág. 69).
Trata-se de um vício intrínseco da sentença que por isso, e nos termos da lei, têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que exclui, para a sua demonstração, o recurso a elementos a ela [decisão] alheios, ainda que constem do processo.
«Verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição» (Ac. do STJ de 6/4/2000, publicado in BMJ nº 496, pp. 169-180)
«Logo, o vício em apreço não tem nada a ver nem com a insuficiência da prova produzida (se, realmente, não foi feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá, antes, um erro na apreciação da prova […]), nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão proferida (em que, também, há erro, já não na decisão sobre a matéria de facto mas, sim, na qualificação jurídica desta)» (Ibidem).
Por isso, também «não integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer dos outros previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, o facto de o recorrente pretender “contrapor às conclusões fácticas do Tribunal a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e não o foi» (Ac. do STJ de 25/5/1994 (in BMJ nº 437, p. 228).
No caso sub judicio, sustenta a arguida/Recorrente, que a sentença recorrida enferma do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão por isso que, “não só tal matéria fáctica é manifestamente insuficiente para se ter concluído como o fez o douto tribunal e considerar verificada a prática de duas infracções a de falta de livro de reclamações e a de falta de visibilidade de preços nas montras, como é mesmo inquestionável ter-se verificado manifesto e incontornável erro na apreciação e na valoração de prova”.
É manifesto o erro de perspectiva em que labora a Recorrente, ao confundir o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão com uma pretensa insuficiência da matéria de facto apurada pelo tribunal “a quo” para fundamentar a sua condenação como autora material das contra-ordenações p. e p. nos termos do artº artºs. 5°, n° 1, 8° e 11° do Decreto-Lei n° 138/90 de 26.04 e p. e p. pelo Art. 3°, n° 1, al. a) do Decreto-Lei n° 156/2005 de 15.09. Se, porventura, os factos considerados provados pelo tribunal “a quo” não são bastantes para se poder imputar à Arguida ora recorrente a autoria das contra-ordenações supra referidas, daí não se segue que a matéria de facto apurada fique aquém do necessário para se poder proferir uma decisão de condenação ou de absolvição da arguida (única hipótese em que, então sim, ocorreria o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP). Se os factos considerados provados e não provados pelo tribunal “a quo” são todos os que constavam da acusação, dos alegados pela defesa ou os que resultaram da discussão da causa e, todavia, não chegam para fundamentar a condenação da arguida, então se, não obstante, a sentença recorrida a condenou em lugar de a ter absolvido, o que ocorre é um erro na qualificação jurídica da factualidade apurada, e não o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Não assiste razão, pois, à Recorrente, improcedendo, consequentemente, o recurso quanto a esta questão.
3) O INVOCADO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
«Erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso…” cit., vol. cit., p. 341).
Por isso – por se tratar de requisito comum a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do cit. art.º 410º-2 do CPP –, «só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal» (Ac. do STJ de 15/4/1998 (in BMJ nº 476, p. 82), isto é, «quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos» - Ac. do STJ de 10/3/1999 proferido no Proc. nº 162/99 (apud MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e comentado”, 11ª ed., 1999, pp. 744-745) -, ou seja, «quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum» - Ac. do STJ de 11/10/1995 (in BMJ nº 450, p. 110); Segundo o Ac. do STJ de 25/2/1999 (in BMJ nº 484, p. 288), «contraria notoriamente as regras da experiência comum concluir que o arguido estava na posse dum porta-moedas contendo 43 doses de heroína sem saber o que se encontrava dentro do mesmo porta-moedas, pois o comportamento normal e instintivo de qualquer pessoa que acha um desses objectos é abri-lo para ver o que contém».
No caso dos autos, porém, não se detecta, na matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, nenhuma irrazoabilidade patente aos olhos de qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum. Na verdade, o que a sentença recorrida indica como estando provado e não provado em nada ofende o sentimento que o homem médio (e este homem médio é que serve de referência para o efeito de aferir da existência do falado erro notório) pode ter sobre a realidade ou irrealidade desses factos.
Por outras palavras, do texto da sentença (por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum) não resulta que se apreciou de forma visivelmente descabida a prova, isto é, que os factos que vêm dados como tendo acontecido não podiam ter acontecido (ou não podiam ter acontecido do modo como a sentença diz que aconteceram) ou que os factos que se dão como não provados tivessem necessariamente de ter acontecido.
Efectivamente, o que se relata na sentença sob censura como tendo atinentemente ocorrido não é incompatível com a realidade das coisas.
Por isso, quando muito, o que aqui poderia ter ocorrido (e trata-se duma mera hipótese de trabalho, na medida em que nada se indicia nesse sentido) era o tribunal a quo não haver, porventura, valorado com o devido rigor as provas produzidas.
Mas uma coisa é este erro não ostensivo de julgamento que só o conhecimento do teor das provas produzidas nos poderia revelar, outra o erro notório na apreciação da prova. Este último erro tem de ressaltar do que se escreve na decisão, sem recurso a quaisquer elementos exteriores, como seja o conhecimento do valor da prova produzida. O erro que só o exame detalhado da prova revela nunca pode ser notório, mas sim encoberto - Cfr., precisamente no sentido de que, «tendo de resultar do próprio texto da decisão o erro notório na apreciação da prova, o mesmo não se confunde com o erro não ostensivo de julgamento, o qual só o teor da prova pode revelar», o Ac. da Rel. do Porto de 19/9/2001, proferido no Proc. nº 0140057 in site http://www.dgsi.pt.).
Porém, é neste equívoco que cai a ora Recorrente, na medida em que invoca a existência de erro notório na apreciação da prova, mas o que afinal faz é recorrer à prova que (na sua perspectiva) terá sido feita para tentar demonstrar que o tribunal a quo teria valorado incorrectamente tal prova. Todavia, se só o conhecimento e análise da prova produzida pode revelar o erro de julgamento dos factos (o que pressupõe que o erro não é ostensivo, manifesto, detectável por toda a gente), como pode falar-se então em erro notório?
É, assim, patente que a sentença condenatória recorrida não padece de qualquer erro notório na apreciação da prova.
Destarte, perante a factualidade provada e imodificável por via do presente recurso, nenhum reparo merece a qualificação jurídica dos factos praticados pela arguida feita na decisão jurisdicional ora sob recurso, que tem necessariamente de ser mantida.
4) DA MEDIDA DA COIMA APLICADA PELO TRIBUNAL A QUO.
Alega a arguida que a coima aplicada é excessiva, face à factualidade em causa e sobretudo face ao nível de culpa, tendo sido violado o art. 18.º do RGCO, devendo a sanção limitar-se a uma admoestação.
Quid juris?
Dispõe o art.18º, nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações que a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da mesma.
O tribunal recorrido justificou assim a sua escolha da coima concreta aplicada à recorrente:
“Há que atender em sede de recurso, no que concerne ao quantum de tal sanção, o disposto no n° 1 do Art.° 72.° - A do Regime Geral das Contra-Ordenações, que proíbe a reformatio in pejus, nos casos em que a decisão da autoridade administrativa é impugnada somente pela arguida ou no seu exclusivo interesse.
No caso dos autos inexiste qualquer fundamento que possibilite a exclusão de tal responsabilidade ou atenuação especial.
E, atentos os interesses em causa, a gravidade dos factos é mediana.
Mais, a punição da recorrente foi a título de dolo eventual, não se revelando possível de apurar o benefício económico verificado com a sua actuação.
Não lhe são conhecidos antecedentes.
Finalmente, não obstante a situação económica e financeira da recorrente, a verdade é que a lei tem que ser aplicada e não pode constituir justificação tais problemas de tesouraria, senão e a nível nacional o sancionamento de tais questões, atenta a conjuntura, ficaria comprometida.
Assim, e sem esquecer que a coima a aplicar deve surgir como uma verdadeira sanção, com imposição de certo sacrifício para a arguida, devendo funcionar como um dissuasor eficaz, afastando-se o sentimento de impunidade que constitui um incentivo à infracção e ao desrespeito pelas regras, entendemos que a medida da coima relativa às contra-ordenações em causa se mostra adequada.
Mais, as mesmas foram fixadas pelo seu limite mínimo, pelo que não se pondera rever o seu quantum.
Finalmente e não obstante o disposto no Art.° 51° do RGCOC, dado o número de infracções em causa, a gravidade mediana dos factos e a actuação dolosa não nos permite configurar a aplicação ao caso de uma mera admoestação, por falta de verificação dos seus requisitos legais, ficando pois necessariamente aquém das exigências de prevenção geral e especial sentidas no caso, gerando sentimentos de impunidade.
Tudo ponderado, não resultam dos autos ou do teor do presente recurso, quaisquer factos, circunstâncias ou interpretações que infirmem o teor da decisão administrativa, que importa manter nos seus precisos termos.”
Perante o circunstancialismo acabado de referir, não podemos deixar de subscrever a argumentação utilizada pelo Tribunal recorrido quer quanto à não aplicação de admoestação, quer relativamente ao quantum das coimas parcelares e única aplicada.
Como bem observou (na sua contra - motivação) o MINISTÉRIO PÚBLICO,” Por último, quanto à eventual aplicação de uma admoestação, esta é de todo desadequada desde logo porque, como se refere na sentença recorrida, está em causa a prática de várias contra-ordenações na mesma ocasião e de forma dolosa e não de apenas uma única praticada de forma negligente.
Além disso, em momento algum foi admitido pela recorrente a prática das contra-ordenações ou demonstrado qualquer arrependimento.
Ora, para que possa ser aplicada uma mera admoestação o art. 51.° do R.G.C.O. exige que estejamos perante uma infracção de reduzida gravidade e com um grau de culpa também reduzido.
E esse não o caso dos presentes autos.”
Nesta conformidade, torna-se forçoso concluir não merecer qualquer censura a sentença recorrida no que diz respeito à confirmação das coimas parcelares e única infligida à arguida pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
Consequentemente, o presente recurso improcede fatalmente.
Custas a cargo do Arguido/Recorrente.
Taxa de justiça: 4 (quatro) UCs.
Lisboa, 8 / 3 / 2016