DIREITO DE PREFERÊNCIA
QUOTA INDIVISA
PERMUTA
HERANÇA INDIVISA
Sumário

Direito legal de preferência - Comunhão hereditária - Quota indivisa - Permuta onerosa de quota indivisa na herança

Texto Integral

6
P. Nº 1539/2002-1ª
T. J. DO CASTELO - 4ª V
(600/2001)
APELAÇÃO


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I –

RELATÓRIO

1. Aos 2001.02.20, "A" intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra "B" e "C".

2. Pretendia obter decisão que declarasse o A. substituído à 1º R. na escritura de permuta de fls. 5 a 9.

3. Para tanto, alegou o seguinte:
É interessado na herança aberta por óbito de António José de Araújo.
Por escritura de 1999.01.06, a 2º R. deu em cumprimento à 1º R. o quinhão hereditário que detinha na herança aberta por óbito de António José de Araújo.
A 1º R. é estranha à comunhão, pretendendo o A., ao abrigo do disposto no Art.º 2130º CC e 1409º CC exercer o direito de preferência.

4. A R contestou, dizendo:
A acção não tem fundamento legal.
Contrariamente ao alegado pelo A, não houve dação em cumprimento.
Entre a contestante e a R. "C" foi celebrado um contrato de permuta nos termos que constam da escritura.
É entendimento pacífico que o direito de preferência não pode ser exercido quando o seu objecto é trocado ou permutado.
A dação em cumprimento consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida com o fim de extinguir imediatamente a obrigação.
Da escritura não resulta que a R tivesse, relativamente à contestante, qualquer dívida e a satisfizesse mediante a dação em cumprimento.

5. Na fase da condensação, foi lançada sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu as RR. do pedido.

6. Declarando-se inconformado, dela apelou o A., apresentando as conclusões que seguem:
1ª A "C" e a R. "B" quiseram celebrar um contrato que seria de permuta, por via do qual aquela receberia desta bens no valor de cinco mil contos.
2ª Mas o art. 939º CC qualificou-o como de compra e venda, ou melhor, remete para as normas do contrato de compra e venda a sua disciplina.
3ª Tudo em homenagem à sua maior importância e frequência, o que permite o desenho mais equilibrado do seu conteúdo, dentro do critério de justiça imanente ao sistema com projecção imediata na simplificação do processo de contratação.
4ª Tudo isto para dizer que a sentença apelada violou o art. 2130º CC.
5ª O apelidado contrato de permuta não obsta ao exercício do direito de preferência.
Pelo que a sentença deve ser revogada, proferindo-se outra que julgue a acção procedente.

7. Não houve contra-alegações.

8. Cumpre apreciar.


II –

FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

Vem tida por provada da 1ª Instância a seguinte materialidade, de resto agora tida por fixada:
1. Aos 1999.10.16, no Cartório Notarial de Viana do Castelo, foi celebrado, por escritura pública, entre "B" e "C" contrato de permuta, pelo qual esta entregou àquela, entre outros bens, o direito e acção à herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de seu bisavô António José de Araújo, recebendo da mesma duas parcelas de terreno destinadas à construção urbana.
2. O A., interessado em tal partilha, intentou, aos 2001.02.20, acção para exercício do correspondente direito de preferência, ao abrigo do disposto no art.º. 2130º do C.C..


III –

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

1.
Delimitando o recurso, o A. elencou a seguinte censura à decisão:
· a apelidado contrato de permuta não obsta ao exercício do direito de preferência.


2.

a)
O direito de preferência (ou de preempção), de matriz legal ou convencional, caracteriza-se, de acordo com os tratadistas (cfr. ª Carvalho Martins, Preferência, pág. 13) pelos traços seguintes:
- por um lado, o vinculado não fica obrigado a realizar contra sponte sua o acto a que ela se reporta; na verdade, p. ex., o comproprietário, sujeito à preferência dos restantes contitulares, não está obrigado a vender a sua quota, a não ser em face de contrato-promessa para o efeito;
- por outro lado, quando se decida a realizar o acto abrangido pela preferência, o obrigado já não goza de liberdade de escolha de outro contraente; em condições de igualdade, impõe-se-lhe o preferente para realização do acto.
Por via dele, estando em confronto direitos opostos e inconciliáveis sobre a mesma coisa, traduzidos em contratos com plena validade, concede-se prioridade ao preferente; basta que tal direito legal de aquisição seja exercitado no prazo de seis meses a partir do conhecimento dos elementos essenciais da alienação.
Daí que o exercício do direito de preferência consista no poder que tem o titular do correspondente direito de o antecipar ao de outrem, quer esse poder se traduza na substituição de um contraente, quer na prioridade do pagamento de um crédito com garantia real.
Concebendo-se como um direito de aquisição e representando um afastamento da regra comum da livre disposição, tem de constar de lei expressa (preferência legal) ou de convenção das partes (preferência convencional).

b)
O direito legal de preferência (tanteio ou prelação) tem raízes no direito de avoenga e de opção; aquele visava concentrar a propriedade, salvaguardando na titularidade dos parentes dos vendedores os bens que eles queriam vender, desde herdados do tronco comum; este último, ajustando-se à eliminação de conflitos sociais, pretendia obter a consolidação da propriedade muito rarefeita.
Um dos casos em que o direito de preferência decorre da lei é justamente o do art. 2130º CC: aí se atribui ao co-herdeiro, no caso de venda ou dação em cumprimento do quinhão hereditário a estranhos, o direito de o haver para si, em igualdade de condições; ou seja, resulta logo que se reporta tão somente à venda ou dação em cumprimento a estranhos ao património autónomo com afectação especial (herança).
Mas, com o apelante, poder-se-á dizer que existe o direito de opção, p. ex., no caso de permuta?
Estamos convictos de que a teses do apelante carece de sustentação.
Senão, vejamos.

Em primeiro lugar, sendo exigida a inscrição precisa na lei dessa importantíssima limitação de um importante aspecto da liberdade contratual, não é possível extraí-la por qualquer especiosa interpretação legal sem um mínimo de correspondência verbal.
Ora, a pretendida extracção da regra da aplicabilidade das normas relativas à compra e venda a outros contratos onerosos (art. 939º) para a constituição do falado direito real de aquisição na alienação por permuta, constitui extrapolação ao arrepio do contido no art. 9º; é que nem se conformam com a sua natureza nem se coadunam com as respectivas disposições essenciais.
Basta ver que o direito de preferência não está regulado nem emerge dos normativos sobre tal contrato especial, englobado no direito das obrigações (arts. 875º a 938º), mas de um outro inscrito na compilação sobre direitos sucessórios, em ordem a reconstituir, tanto quanto possível, a totalidade do património hereditável, diminuindo as possibilidades de repartição para fora dos sucessíveis e titulares de quota ideal (sobre todos os bens que a compõem), ou do património conjunturalmente comum (mas com determinação dos bens sobre que incide), instituto este tratado no livro sobre as coisas (ou direitos reais).

Por outro lado, qualificado o contrato em função da subsunção das efectivas vontade das partes, em face da análise das cláusulas e das circunstâncias perceptíveis (cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 106), é evidente que, estando em causa recíprocas prestações em espécie, que não em dinheiro, o mesmo é seguramente de troca ou permuta, não se acertando com o de compra e venda – em que analisando-se uma das prestações em coisa perfeitamente fungível (dinheiro), podia ser indiferentemente recebida de A ou B, sem prejuízo do vendedor; e, no caso invocado, o pretenso preferente não pode satisfazer o negócio querido pelo vendedor, que só se dispôs a contratar a troco de certos bens a que concretamente atribuíu suficiente significado, bem diverso do comum dinheiro que se propunha entregar-lhe; nem aquele podia efectivar o correspondente depósito (cfr. art. 1410º).
Por isso, P. Lima e A. Varela (CC anot., 3º/334) e Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/71-262 e RDES, 21/100, para além do Ac. R. Porto, de 1988.06.14, B. 378/784) recusaram direito de preferência legal no contrato de permuta.

De resto, em nenhum do sistemas jurídicos europeus ou sul americanos, com contactos com o português, se pressente a possibilidade de abarcarem a situação de alienação de quota hereditária por contrato oneroso de permuta (cfr. Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência), susceptível de conferir algum vislumbre de razão ao apelante.

3.
Sumariando:
1. A comunhão hereditária não se confunde com a propriedade, pois que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa mas contitulares de parte ideal sobre todo o património do de cujus.
2. Não é possível extrair da inserção do art. 939º CC qualquer indicação em ordem à verificação do direito legal de preferência na permuta onerosa de quota indivisa numa herança, para além de outros bens imóveis, por outros imóveis, mesmo tendo-se atribuído valor ao negócio para efeitos fiscais.


IV –

CONCLUSÃO DECISÓRIA

Nestes termos se decide, em nome do Povo:

1. desatender a apelação e

2. confirmar a sentença em questão.


Custas pelo sucumbente.


Guimarães, 2003.01.15.
Ac. nº - /2002-2003