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INVENTÁRIO
LEI APLICÁVEL
ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL
VALOR INFERIOR AO VALOR PATRIMONIAL
OMISSÃO DE DESPACHO DE FIXAÇÃO DO VALOR DO IMÓVEL
Sumário
1.Ao inventário para separação de meações, instaurado em 17.6.2013, é aplicável o CPC/61, face ao disposto no art. 7º da Lei 23/13, de 5.3, que aprovou o novo regime jurídico do processo de inventário. 2.Concluída a avaliação a que alude o art. 1406, nº2 do CPC, a lei não impõe ao juiz que profira decisão a fixar o valor do bem avaliado, sendo o valor que resulta da relação de bens modificado em função dessa avaliação. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO:
AA instaurou, em 17.6.2013, inventário para separação de meações por apenso aos autos de execução comum em que é exequente BB e executado CC, cônjuge da Requerente.
O executado foi nomeado cabeça de casal e apresentou a relação de bens de fls 21, 22, na qual relacionou, como activo, um bem imóvel, com o valor patrimonial de €51.130,00 e bens móveis, constituindo o recheio da casa de morada de família, a que atribuiu o valor de €1.500,00. Como passivo relacionou uma dívida ao Banco Espírito Santo referente a empréstimo garantido por hipoteca sobre o referido imóvel, no valor de €46.764,13.
Iniciada a conferência de interessados, pela requerente e pelo cabeça de casal foi dito que pretendem que o imóvel seja adjudicado à primeira pela valor da dívida perante o BES, opondo-se então a exequente a qualquer adjudicação do imóvel por valor inferior à do seu valor patrimonial, ou seja, do que consta da relação de bens.
Face à posição da exequente foi então ordenado pela Srª Juiz que se processe à avaliação do imóvel “por entender o Tribunal que efectivamente o imóvel poderá não ter valor inferior ao seu valor patrimonial”.
Nomeado perito pelo Tribunal, este procedeu à avaliação, concluindo que deve ser atribuído ao imóvel o valor de mercado de €39.780,00.
A exequente requereu 2ª avaliação, que foi indeferida, não tendo sido interposto recurso dessa decisão.
Prosseguiu então a conferência de interessados, na qual o cabeça de casal e a requerente declararam que “que pretendem que o imóvel seja adjudicado à requerente pelo valor da dívida perante o Banco Espirito Santo, SA, ficando ambos responsáveis por tal dívida, sem prejuízo de oportunamente se requerer a desoneração do Cabeça de Casal.
Mais acordaram atribuir ao cabeça de casal, de entre os bens constantes da morada de família: móvel da sala, arca frigorífica, mesa da sala e a televisão, tudo no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros); ficando o demais atribuído à requerente.
Declararam ainda que não efectuam o pagamento de tornas por entenderem não ser devido.
Seguidamente, a Srª Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO: Tendo em conta a simplicidade da partilha, dispenso a elaboração de mapa de partilha, pelo que homologo, por sentença, a partilha supra acordada, adjudicando os respectivos bens aos interessados nos termos aí referidos, não havendo pagamento de tornas. Valor: O da execução. Custas em partes iguais. Registe e notifique.
Inconformada, interpôs a exequente recurso para esta Relação no qual apresentou as seguintes:
CONCLUSÕES:
a)O presente recurso tem por objecto a douta sentença que homologou a adjudicação de um imóvel por valor inferior ao patrimonial, ou seja, em violação do disposto no art. 1346º, nº 2 do CPC;
b)Em audiência de interessados, realizada em 14 de Fevereiro de 2014, a ora Recorrente, na qualidade de credora/exequente declarou opor-se a qualquer adjudicação inferior ao valor patrimonial;
c)O Tribunal proferiu despacho no sentido pugnado pela recorrente;
d)Nunca foi proferido qualquer despacho a alterar o valor do imóvel constante da relação de bens, ou seja, € 51 130,00;
e)A douta sentença em crise homologou a adjudicação do imóvel pelo valor de € 46 764,13;
f)Ao homologar, por sentença, uma partilha por valor inferior ao valor imperativo que determina o disposto no art. 1346º, nº 2 do CPC, entende-se não só que esta norma foi violada como também o disposto no artigo 203º da Constituição da República Portuguesa que consagra a sujeição dos Tribunais à Lei.
f)Não existindo qualquer despacho a permitir a adjudicação do imóvel por valor inferior ao valor patrimonial, ou ainda a alterar o valor pelo qual o imóvel foi descrito na relação de bens, no qual se fundasse a douta sentença em crise, torna-a a nula por omissão de pronuncia, conforme estipula o disposto no art. 668, nº 1, alineas b) e d) do Código de Processo Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.
Senhores Desembargadores, deve a douta sentença recorrida ser declarada nula.
Caso assim, não se entenda, deve a mesma ser revogada por violação de lei expressa, nos termos expostos e como é de JUSTIÇA!
Contra-alegou a requerente pugnando pela manutenção do julgado.
Subidos os autos a esta Relação e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes as questões a resolver:
1.se a sentença homologatória é nula, por omissão de pronúncia, uma vez que foi omitido despacho a fixar o valor do imóvel após a sua avaliação;
2.se ao ser adjudicado o imóvel à requerente por valor inferior ao seu valor patrimonial, foi violado o disposto no art. 1346, nº2 do CPC/61;
II–FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos e ocorrências processuais com relevo para a decisão são os que constam do precedente relatório e que aqui se dão por reproduzidos.
III–APRECIAÇÃO.
1ª questão:
Pretende a recorrente que, concluída a avaliação do imóvel, devia ter sido proferido despacho a fixar o seu valor e, tendo este sido omitido, enferma a sentença de nulidade por omissão de pronuncia.
Ora a invocada falta de pronúncia, a verificar-se, não configura um vício da própria sentença, mas de um acto obrigatório antes da sua prolação, ou seja, uma nulidade processual.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 2ª ed., 1997, pág. 216, “(n)os vícios da decisão incluem-se apenas aqueles que a ela respeitam directamente. Quer isto dizer que não é considerado um vício da decisão a realização de um acto não permitido ou a omissão de um acto obrigatório antes do seu proferimento: tais situações são nulidades processuais, submetidas, na falta de regulação específica, ao regime geral (art. 201, nº1 8...)”, a que corresponde actualmente o art. 195, nº1 do CPC/2013.
Mas sendo aquela omissão susceptível de integrar uma nulidade processual, porque extrínseca à sentença, devia, em princípio, ter sido suscitada perante o tribunal a quo. Só assim não será se essa nulidade estiver acobertada pela decisão de que se recorre.
Com efeito, e como refere Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág. 183): “Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho), que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.”
No caso vertente, ao prosseguir a conferência de interessados sem a prolação do despacho alegadamente omitido, o Tribunal implicitamente acolheu a desnecessidade do seu proferimento, bem como a avaliação efectuada ao imóvel (porque permitiu a adjudicação por preço inferior ao que consta da relação de bens mas superior ao dessa avaliação).
Assim, estando a alegada omissão acobertada por esta decisão, passa-se a conhecer dessa invocada nulidade processual.
O presente inventário foi instaurado em 17.6.2013, pelo que lhe é aplicável as disposições do CP/61.
Com efeito, a Lei nº29/09, de 29.6, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário, entrou em vigor em 18.7.2010. Posteriormente, a Lei nº44/2010, de 3.9 veio estabelecer que aquele regime produziria efeitos 90 dias após a publicação da portaria referida no nº 3 do seu art. 2º. Ora tal portaria não chegou a ser publicada, pelo que a tramitação dos autos de inventário continuaram a ser processados nos termos da lei anterior.
Entretanto, a Lei 23/13, de 5.3, que aprovou o novo Regime do Processo de Inventário, entrou em vigor em 2.9.13, mas não se aplica aos processos de inventário pendentes à data da sua entrada em vigor (art. 7º da Lei), como é o caso.
Posto isto, diz o art. 825, nº1 do CPC que na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los á penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.
Nos termos do nº2 do mesmo preceito, qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro do prazo de que dispõe para a oposição (20 dias), a separação de bens ou juntar documento comprovativo da acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir nos bens penhorados.
Apensado o requerimento em que se pede a separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser nomeados outros bens que lhe tenham cabido, contando-se o prazo para a nova nomeação a partir do trânsito da sentença homologatória (nº3 do mesmo art. 825).
A separação de meações tem, pois, por finalidade salvaguardar a meação do cônjuge do executado.
Como decorre do disposto no nº1 do art. 1406 do CPC, o inventário para separação de meações segue os termos gerais do processo de inventário prescritos nos arts. 1326 a 1396, com as especialidades que lhe são próprias e ainda com as do inventário em consequência de divórcio (arts. 1404 e 1405).
Das especialidades que são próprias do processo de inventário para separação de meações ressalta-se o direito do exequente de promover o andamento do inventário (art. 1406, nº1,a) e o direito do cônjuge do executado de escolher os bens com que há-de ser formada a sua meação (1ª parte da al. c) do nº1 do mesmo preceito).
Se o cônjuge do executado usar daquele direito de escolha, é notificado o exequente, que pode reclamar contra ela, fundamentando a sua queixa; se julgar atendível a reclamação, o juiz ordena a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados. É o que resulta do disposto no art. 1406, nº1, al.c), 2ª parte e nº2.
No caso vertente, a requerente e o executado pretenderam que fosse adjudicado à primeira o imóvel, mas pelo valor da dívida com hipoteca que sobre ele incidia, inferior ao seu valor patrimonial.
Na sequência da reclamação da exequente, que se opôs a que o imóvel fosse adjudicado por valor inferior ao patrimonial, constante da relação de bens, a Srª Juiz ordenou a sua avaliação, ao abrigo do nº2 daquele preceito.
O art. 1406, nº2 do CPC refere-se à avaliação dos bens a partilhar sem indicação de qual o regime desta prova pericial.
O art. 1396 do mesmo diploma, que regula a avaliação de bens em inventário, dispõe que a avaliação dos bens que integram cada uma das verbas da relação de bens é efectuada por um único perito, nomeado pelo tribunal, aplicando-se o preceituado na parte geral do código, com as necessárias adaptações, ou seja, o que vem disposto nos arts. 568 e sgs do CPC, a propósito da prova pericial.
Revertendo ao caso concreto, a verba nº1 do activo da relação de bens, que respeita ao imóvel, foi sujeita a avaliação, após a nomeação pelo tribunal de perito para o efeito, o qual apresentou o seu relatório tendo atribuído o valor de €39.780,00.
Notificadas as partes e a exequente, esta última veio requerer uma 2ª perícia, fundamentando a sua pretensão, tendo então a Srª Juiz ordenado que o perito prestasse os esclarecimentos que entendesse convenientes em face desse requerimento, o que o mesmo fez, após o que foi indeferida a realização de novo arbitramento, decisão esta que transitou em julgado.
Sustenta a exequente, ora Apelante, que após a realização da avaliação devia ter sido proferida decisão a fixar o valor do imóvel.
Mas sem razão.
Com efeito, efectuada a avaliação e apresentado o laudo pelo perito nomeado, às partes e à exequente está assegurado o direito de apresentarem as reclamações que entenderem e/ou requererem 2ª avaliação, pelo que as possibilidades de contraditório face aos resultados da avaliação pelo perito judicialmente designado serão suficientes para assegurar os legítimos direitos dos interessados na partilha.
Assim, efectuada esta, o valor atribuído ao imóvel na relação de bens é alterado em função da avaliação, sem necessidade de despacho judicial nesse sentido que., aliás, em parte alguma a lei prevê.
Tal decorre, aliás, do nº3 do art. 1406 do CPC que refere que “Quando a avaliação modifique o valor dos bens escolhidos pelo cônjuge do executado (...)”, o que inculca a ideia de que, concluída a avaliação, o valor dos bens avaliados são alterados de acordo com a mesma.
Não ocorre, pois, a omissão de despacho a fixar o valor do bem avaliado, uma vez que se trata de acto que a lei não impõe, não se verificando a invocada nulidade processual.
2.2ª questão:
Defende ainda a Apelante que, ao homologar, por sentença, a partilha de bens efectuada, adjudicando à requerente um imóvel por valor inferior ao seu valor patrimonial, foi violado o disposto no art. 1346, nº2 do CPC.
Este preceito refere-se ao valor a atribuir aos bens a relacionar, estipulando o seu nº2 que “o valor dos prédios inscritos na matriz é o respectivo valor matricial, devendo o cabeça de casal exibir a caderneta predial actualizada ou apresentar a respectiva certidão.
Como se refere no relatório do DL 227/94, de 8.9, que introduziu alterações à referida norma, ao pretender que se indique o valor matricial e não o respectivo valor real ou venal visou-se “obstar a drásticos agravamentos, em todos os processos, do montante do valor do inventário e, reflexamente, das custas e do imposto sucessório devido -, sendo certo que a possibilidade conferida aos interessados de reclamar contra o valor atribuído aos bens defende satisfatoriamente da não coincidência entre a matriz e o valor real ou de mercado dos imóveis.”
Esta razão deixou actualmente, em grande medida, de fazer sentido em face da actualização do valor patrimonial dos imóveis. No entanto, subsiste a possibilidade dos interessados reclamarem contra esse valor.
Assim, o valor inicialmente atribuído ao imóvel na relação de bens pode ser ulteriormente modificado. E uma dessas alterações pode resultar de avaliação efectuada, nomeadamente decorrente de reclamação apresentada pelo exequente, de acordo com o disposto no art. 1406, nº1, c) e nº2 do CPC, como acontece no caso vertente.
Segundo Lopes Cardoso (Partilhas Judiciais, III, pág. 427 e 428), o fundamento da reclamação do exequente só pode consistir na má avaliação dos bens. O escopo legal foi o de permitir ao cônjuge do executado escolher bens sem prejuízo do interesse do exequente, isto é, permitir-lhe que levante aqueles que mais lhe agradem mas pelo seu justo valor. E é justamente a determinação do justo valor desses bens que visa a reclamação e a determinação judicial da avaliação.
Assim, efectuada a avaliação, como referimos supra, o valor constante da relação de bens é alterado em função do resultado da mesma. E sendo este inferior àquele por que foi adjudicado o imóvel à requerente (o valor da avaliação é de €39.780,00 e o da adjudicação foi de €46.746,13), nenhuma ilegalidade foi cometida, no que a este aspecto concerne.
Improcede, pois, a apelação.
IV–DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pela Apelante.