ALIMENTOS
PRESTAÇÃO DE CUIDADOS PESSOAIS
Sumário

-Inclui-se no conceito de “alimentos” previsto no art. 2003º do Código Civil, a prestação de cuidados e de acompanhamento ao requerente, com 86 anos de idade e que sofreu trombose cerebral, parcialmente incapaz de cuidar de si próprio.
-À prestação de tais cuidados deverá corresponder, segundo o prudente arbítrio do julgador, um determinado valor monetário.
-Uma vez que um dos filhos acolheu o requerente em sua casa e lhe presta pessoalmente parte de tais cuidados e serviços, o outro filho, não cuidador, deverá contribuir com uma verba em dinheiro correspondente a metade do valor atribuído a tal actividade de prestação de cuidados e serviços pessoais.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Parcial

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


A... intentou contra G... e A..., como preliminar de acção declarativa de alimentos definitivos, o presente procedimento cautelar de alimentos provisórios, pedindo que o requerido G... seja condenado a pagar-lhe uma pensão mensal de alimentos provisórios de € 570,00, 14 vezes ao ano, no total anual de € 7.980,00. 

Alegou para o efeito, em síntese, que tem 83 anos, dois filhos (os ora requeridos), sofreu em 5 de Janeiro de 2015 trombose cerebral com enfarte cerebral, encontrando-se parcialmente dependente de terceira pessoa para as actividades da sua vida diária. Desde 3 de Maio de 2015 que se encontra a residir com o Requerido A..., que o acolheu em sua casa e que lhe presta assistência.

Mais referiu que o seu rendimento mensal é de € 462,51, proveniente de pensão de reforma e do subsídio por morte da esposa, acrescido a partir de Outubro de € 100,77 referente a complemento de dependência de terceira pessoa, não tendo quaisquer outros rendimentos, nem bens, à excepção de um veículo automóvel, do ano de 1990, cujo valor comercial não será superior a € 150,00.

Toma medicação diária e recebe diariamente assistência prestada pela Santa Casa da Misericórdia que lhe presta serviços de higiene corporal diária e lhe fornece os almoços e jantares.

Paga à Santa Casa da Misericórdia, como contrapartida dos serviços prestados, a quantia mensal de € 217,00, despende, em média, mensalmente, na farmácia, a quantia de € 90,00, em pequenos almoços e lanches a quantia de € 25,00, em produtos de higiene a quantia de € 40,00, em fraldas a quantia de € 30,00 e em cabeleireiro a quantia € 5,00.

Mais referiu que o seu agregado familiar paga de renda mensal do apartamento tipo T2 em que reside a quantia de € 212,00, a despesa mensal de água da casa é de € 21,05 e de electricidade a quantia de € 70,00.

No mais descreveu a situação laboral e financeira do Requerido A... e respectivo cônjuge, as consequências decorrentes da assistência por este prestada ao Requerente relativamente à disponibilidade do mesmo para o exercício da sua actividade e, por outro lado, a situação laboral e financeira do Requerido G....

Manifestou a intenção e vontade de continuar a residir com o Requerido A..., alegando que se o Requerido A... executa todo o serviço de que depende a sobrevivência e qualidade de vida do Requerente, sozinho, sacrificando o seu trabalho, logo os seus rendimentos e o seu sono é justo que o Requerido G..., único com solvência económica e em condições de prestar uma pensão de alimentos, pague ao Requerente uma quantia mensal justa para que este compense o Requerido A... pelo sacrificio que está a fazer pelo Requerente, seu pai.
I

O Requerido A... não contestou.

O Requerido G... contestou pugnando pela improcedência da providência cautelar.

Sustentou, para tanto, que o requerimento inicial confunde o que são as necessidades do Requerente, com as necessidades do Requerido A..., porém com base nos cálculos que enuncia, o Requerente tem um rendimento mensal de € 563,28 e despesas no valor de € 478,24.

Mais alegou que fica claro, da análise da petição inicial, por um lado, que nesta peça se encontra enxertada a contestação/contas do Requerido A... e não só as contas e necessidades do Requerente, como deveria, por outro, que a situação económica do Requerido A... já era negativa, mesmo antes do Requerente adoecer, não resultando da doença do Requerente e dos cuidados e assistência que lhe presta.

No mais, referiu que a sua situação económica não tem correspondência com o alegado.

Alegou ter rendimentos mensais de € 1.584,22 e despesas de € 1.857,92, de onde resulta de um saldo negativo de € 269,43.

Descreveu a sua situação laboral, familiar e financeira, o seu estado de saúde, os contributos prestados ao Requerente entre Fevereiro e Setembro de 2015.

Concluiu não estarem, por um lado, reunidos o pressuposto do periculum in mora, requisito de procedência dos procedimentos cautelares e, por outro, que o que relevará e importará apurar, no âmbito da acção definitiva, serão as reais necessidades do Requerente e não as do Requerido A..., para além de que, pelos fundamentos que aduz, também o disposto no artigo 368º nº 2 do Código de Processo Civil obstaria à procedência da pretensão do Requerente.

Realizou-se julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou o procedimento cautelar improcedente.

Foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:

1)O Requerente nasceu em 29 de Fevereiro de 1932;
2)O Requerido G... nasceu em 17 de Janeiro de 1960;
3)O Requerido A... nasceu em 13 de Abril de 1965;
4) Os Requeridos são os únicos filhos do Requerente;
5)O Requerente é viúvo;
6)O Requerido G... é divorciado;
7)O Requerido A... é casado;
8)O Requerente é reformado;
9)O Requerido G... é inspector do mapa de pessoal da Inspecção Geral das Actividades em Saúde;
10)O Requerido A... é comerciante e fotógrafo, actividade que desenvolve em estabelecimento comercial, sito em Mogadouro;
11)O Requerido G... não tem filhos;
12)O Requerido A... tem um filho;
13)O Requerente sofreu, em 5 de Janeiro de 2015, trombose cerebral com enfarte cerebral;
14)Esteve internado no ULSNE de Macedo de Cavaleiros entre 5 de Janeiro de 2015 e 3 de Fevereiro de 2015;
15)Em 3 de Fevereiro de 2015 o Requerente deu entrada na Unidade de Continuados, de Média Duração, de Bragança, onde esteve internado até 4 de Maio de 2015, data em que teve alta;
16)O Requerente não pôde continuar internado na Unidade referida no número anterior, por ter atingido o limite temporal de internamento, de três meses, permitido nessa Unidade;
17)Os Requeridos procuraram um Lar, no distrito de Bragança, onde o Requerente pudesse ser acolhido, após ter alta, porém, não foi encontrado Lar com disponibilidade para receber o Requerente;
18)Atento o referido no número anterior e encontrando-se o Requerente parcialmente dependente de terceira pessoa para as actividades normais da sua vida diária, como higiene, alimentação, tomada de medicação e marcha, o Requerido A... disponibilizou-se para receber o Requerente em sua casa;
19)Em 4 de Maio de 2015 o Requerente foi residir com o Requerido A... e com a sua cônjuge, com a oposição desta, que não aceitou prestar qualquer assistência ao Requerente, o que, actualmente, se mantém;
20)O Requerido A... e a sua cônjuge residiam em habitação arrendada, onde permaneceram e na qual passou a residir o Requerente;
21)O Requerente aufere mensalmente € 462,51, de pensão e 100,77, de complemento de dependência de terceira pessoa;
22)O Requerente não tem qualquer outro rendimento mensal;
23)O Requerente é proprietário de um veículo automóvel, da marca"Toyota", modelo "Corolla", do ano de 1990;
24)O Requerente toma medicação diária e está algaliado permanentemente;
25)A Santa Casa da Misericórdia presta, diariamente, serviços de higiene pessoal, de manhã e à tarde, e de fornecimento das refeições do almoço e do jantar, ao Requerente;
26)O Requerente paga à Santa Casa da Misericórdia, como contrapartida, a quantia mensal de € 217,00;
27)Em pequenos-almoços e lanches, o Requerente despende, mensalmente, em média, a quantia de € 25,00;
28) O Requerente gasta, mensalmente, em média, a quantia de € 90,00, em medicamentos e outros produtos de farmácia;
29)Em produtos de higiene diária, como toalhetes, gel de barbear, gel de banho e resguardos, o Requerente despende, mensalmente, em média, a quantia de € 40,00;
30) Em fraldas o Requerente despende, mensalmente, em média, a quantia de € 30,00;
31)O Requerente despende uma média mensal de € 5,00, em cabeleireiro (corte de unhas e cabelo);
32)O Requerente alimenta-se sozinho (leva a comida à boca sem ajuda de terceiros);
33)Para além da assistência que lhe é prestada pela Santa Casa da Misericórdia, o Requerente beneficia apenas dos cuidados que lhe são prestados pelo Requerente A... durante o dia, levantando-o e deitando-o, dando-lhe água, servindo-lhe as refeições, fazendo-lhe companhia e durante a noite, quando acorda agitado;
34)O Requerido A... acompanha o Requerente às consultas e aos tratamentos de fisioterapia;
35)O Requerente beneficia de isenção de taxas moderadoras, não pagando consultas médicas, nem deslocações em ambulância quando, previamente, solicitado o pedido pelo médico assistente;
36)O Requerido A... não tem prestado serviços enquanto fotógrafo e a sua actividade tem-se resumido a emoldurar algumas telas;
37)A cônjuge do Requerido A... está desempregada, encontra-se inscrita no Serviço de Emprego de Macedo de Cavaleiros, na situação de desempregada, à procura de emprego, e não aufere subsídio de desemprego;
38)O Requerido A... contraiu em 13 de Fevereiro de 2014 um crédito junto do Banco ... e em 30 de Abril de 2014 um crédito junto do Banco ... e em 10 de Abril de 2012 um crédito junto do B...;
39)O Requerido A... destinou as quantias que lhe foram emprestadas ao abrigo dos acordos referidos no número anterior ao pagamento das despesas do seu estabelecimento comercial e das despesas com a sua subsistência, da sua cônjuge e do seu filho;
40)Os referidos créditos deverão ser reembolsados em prestações mensais, nos valores de € 258,87, 70,25 e € 157,71, respectivamente;
41)O valor da renda mensal do estabelecimento comercial do Requerido A... é de € 160,00;
42)O Requerido A... tem, ainda, com o referido estabelecimento, custos relativos ao fornecimento de mercadorias, de electricidade, de internet, de telefone, de pagamento de serviços de higiene e segurança no trabalho, de contrato de seguro de acidentes de trabalho e de pagamento de imposto sobre o valor acrescentado (IVA);
43)O Requerido A... paga de contribuição para a Segurança Social a quantia mensal de € 124,09;
44)O Requerido A... declarou como rendimentos anuais auferidos no ano de 2014, € 7.289,43; auferidos no ano de 2013 - € 8.794,47; auferidos no ano de 2012 - € 7.915,48;
45)O valor da renda mensal da habitação referida em 20. é de € 212,00;
46)O valor médio, devido, mensalmente, pelo abastecimento de água e pelo fornecimento de energia eléctrica, na habitação referida em 20., é de € 21,00 e de € 70,00, respectivamente;
47)Os rendimentos auferidos pelo Requerido A... são e eram antes de 4 de Maio de 2015, insuficientes para assegurar o pagamento dos seus encargos;
48) O Requerido G... viveu em união de facto com F..., da qual se encontra separado;
49)O Requerido G... é portador de deficiência que lhe confere, actualmente, uma incapacidade permanente global de 71 %, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades, susceptível de variação futura, devendo ser reavaliado em 2018;
50)O Requerido G... sofre de ''patologia grave dos segmentos vertebrais (cervical, dorsal e lombar)" e ''por razões médicas deve evitar viagens longas bem como textos longos em computador";
51)O Requerido G... aufere uma remuneração mensal líquida de cerca de € 1590,00, aqui se incluindo o subsídio de Natal, pago em duodécimos;
52)O Requerido G... paga de amortização de mútuos contraídos para aquisição de habitação a quantia mensal de € 385,97;
53)O Requerido G... é, desde 7 de Abril de 2012, sócio do ginásio "Virgin Active Health Club" e paga pela frequência do mesmo a mensalidade de € 75,95;
54)O Requerido G... paga mensalmente a quantia de € 250,00, por conta do pagamento do preço devido pela aquisição a F..., em Novembro de 2015, do veículo automóvel com a matrícula 33-03-EU;
55)O preço acordado pela venda do referido veículo foi de € 3.000,00, a ser pago em 12 prestações mensais, de € 250,00, cada;
56)O Requerido G... paga mensalmente a quantia de € 35,99, pelo fornecimento de serviços de televisão, internet e telefone;
57)Paga a quantia de € 80,01 pelo prémio anual de contrato de seguro referente à sua habitação;
58)O Requerido G... despende mensalmente quantias não concretamente apuradas com alimentação, supermercado, combustível, medicamentos, fornecimento de água, electricidade e gás;
59)O Requerido G... declarou como rendimentos anuais auferidos no ano de 2014, € 33.130,57, com retenções no valor de € 8.764,00, contribuições no valor de € 4.683,46 e retenção sobretaxa no valor de € 445,00; auferidos no ano de 2013, € 33.214,76 com retenções no valor de € 8.800,00, contribuições no valor de € 4.265,99 e retenção sobretaxa no valor de € 461,00;
60)Referentes ao ano de 2014, o Requerido G... declarou despesas de saúde no valor total de € 1.252,01 (€ 1.111,41 + € 140,60);
61)Referente ao ano de 2013, o Requerido G... declarou despesas de saúde no valor total de € 885,01;
62)O Requerido G... entregou até Agosto de 2015 ao Requerido A... a quantia mensal de € 250,00 para comparticipação nas despesas do Requerente;
63)A conta bancária de que o Requerido G... é titular, aberta junto da C..., apresenta saldo negativo desde Setembro de 2015;
64)M..., ex-cônjuge do Requerido G... entregou ao Requerido A..., em Julho de 2015, a quantia de € 4.500,00, que deveria ser considerada à razão de € 200,00 por mês, como comparticipação para as despesas do Requerente, quantia que, caso o Requerente viesse a ser acolhido num Lar, deveria o Requerido A... entregar ao Lar para pagamento das despesas do Requerente;
65)F..., ex-companheira do Requerido G... entregou até Junho ou Julho de 2015, ao Requerido A... a quantia mensal de € 150,00 para comparticipação nas despesas do Requerente;
66)Até Outubro de 2015 M... entregou quantias em dinheiro ao requerido A....

Inconformado, recorre o requerente, concluindo que:

Da ampliação da matéria de facto:

-Dos factos dados como provados não constam factos alegados pelo Requerente nos artigos 2°, 3°,16° a 25°, 28°, 30°, 32°, 50° a 52°, 55° a 74°, 78° a 81°, 85° e 86° do requerimento inicial, alguns constando de documentos juntos aos autos, que não foram impugnados por nenhuma das partes, outros, muito embora não constando de documentos, não foram impugnados por nenhuma das partes, os quais, sendo importantes para a boa decisão da causa, nos termos dos artigos 365° n° 3, 444° e 446°, todos do CPC, e dos artigos 374° e 376° do Código Civil, e art°s 293° n° 3 e 574° n° 2 do CPC, têm de considerar-se provados.
-O  facto mencionado no art. 58º do requerimento inicial, tendo sido dado como provado nos termos supra justificados, conduz a que o segundo facto dado como não provado deva retirar-se da matéria factual dada como não provada, atenta a sua inserção na matéria factual dada como provada.
-A matéria factual dada como provada deve ainda ser ampliada, nos termos do art. 5° n° 2 b) do CPC, dos três factos constantes do art. 6° da alegação, porque resultaram do teor dos três documentos juntos aos autos pelo Requerido G..., constituídos pelas três demonstrações de liquidação de IRS, não impugnadas por qualquer das partes e que são relevantes para determinação da situação económica do mesmo Requerido.
-Nos termos da mesma disposição legal e porque resultaram do depoimento da testemunha indicada pelo Requerente, M..., e estão comprovados por documentos autênticos, em conformidade com o disposto no art. 425° do CPC, devem considerar-se também provados os factos constantes dos artigos  8° e 10° da alegação.  
 
Da matéria de direito:
-Dos estudos sociológicos invocados no art. 15° da alegação extraiem-se as seguintes conclusões, que, devidamente adaptadas ao caso em apreciação, revelam a necessidade do Requerido G... pagar uma pensão de alimentos ao Requerente:
-O Requerente e os requeridos estão ligados por relações de dar e receber afeto, proteção e educação, as quais propiciam o desenvolvimento de ligações afetivas, identidade e senso de pertencimento e são regidas por normas económicas, legais, de compromisso e de consanguinidade, sendo que entre essas normas económicas se circunscreve a obrigação de alimentos dos filhos ao pai que deles careça, prevista nos orr's 2003° a 2010° do Cód. Civil, como corolário de princípios como solidariedade, compromisso e obrigação.
-O filho cuidador é sempre uma melhor opção do que a contratação de uma terceira pessoa, dados os laços de afeto e carinho que o ligam ao pai e que potenciam melhores cuidados.
-Todavia o cuidador familiar ao assumir a responsabilidade do cuidado depara-se muitas vezes com dificuldades e situações constrangedoras que lhe provocam algum desconforto e mal-estar.
-Visto isto, salienta-se a importância de dar continuidade à implementação de programas educativos e a necessidade de se criarem estratégias de intervenção e redes de suporte formal ou informal de apoio ao cuidador, família e idoso a ser cuidado. de modo a beneficiar a qualidade de vida do próprio cuidador, mas também do indivíduo a ser cuidado, daí que o Requerido A... tenha necessitado de apoio da Santa Casa da Misericórdia e do Centro de Saúde para completar e ensinar os cuidados a seu cargo para com o Requerente.
-A família é o local privilegiado para o idoso envelhecer e receber cuidados, especialmente quando emerge a doença e algumas dificuldades para a realização das atividades da vida diária.
-Observa-se, ainda, que as dificuldades sentidas pelos cuidadores informais, como é o caso do Requerido A..., nos cuidados aos idosos dependentes no domicílio estão relacionadas, sobretudo, com a alimentação, higiene e conforto, posicionamento, vigilância permanente, ausência de suporte social, a falta de apoio da família e até dos profissionais de saúde e, por isso, têm necessidade, como acontece no caso concreto, de recurso a vários sistemas de apoio, aos serviços ao domicilio (SAD), à enfermagem e apoio médico, a fim de evitar situações de exaustão e, por outro, procurar aperfeiçoar-se cada vez mais para cuidar melhor.
-O cuidado pelo referido Requerido permite ao Requerente ter um ouvido atento para partilhar aquilo que tem de mais precioso - suas lembranças e evitar que se desligue do mundo real e assim adoecer mentalmente e psicologicamente, porque seus valores não vão sendo esquecidos pelos outros e por eles próprios.
-É fundamental que o idoso dependente veja no seu cuidador pessoa capaz com tenacidade e com vontade de o ajudar, não obstante ele próprio precisar de auxílio para cumprir a árdua tarefa que lhe é exigida.
-A pessoa que recebe o apoio adequado por parte da equipa multidisciplinar de profissionais de saúde, consegue com maior êxito atender as necessidades que o idoso dependente apresenta, diminuindo assim a incidência dos pontos de conflito, de ansiedade e stress. O equilíbrio alcançado pelo cuidador faz com que este aprenda a gerir com mais eficácia o seu tempo e a organizar melhor as tarefas do quotidiano, não perdendo a sua individualidade.
-Mesmo com a sobrecarga de cuidados e responsabilidades, os sentimentos de angústia, raiva e desespero que muitas vezes assolam os cuidadores, ficam desvanecidos quando estes interiorizam e assimilam a nobreza do papel social que estão a desempenhar ao cuidarem de outrem.
-A multiplicidade de tarefas a serem diariamente executadas em apoio de alguém que se encontra em situação de dependência, e o facto de, na maior parte das situações, a função de cuidador ser exercida em acumulação com outras funções profissionais e familiares, não pode deixar de conduzir a situações de sobrecarga intensa num elevado número de cuidadores.
-A prestação de cuidados corresidenciais conjugais em Portugal, realizados pelos indivíduos com 50 e mais anos, e o Requerido A... iniciou as suas funções de cuidador com 50 anos de idade, caracteriza-se pela realização de um complexo conjunto de tarefas e pela existência de um conjunto de incapacidades pessoais (saúde, educação, capital social e condição económica) e défice de políticas públicas que limitam as oportunidades sociais dos cuidadores e contribuem para a não satisfação das suas necessidades, nomeadamente ao nível das necessidades materiais, socioafetivas e de liberdade, saúde e informação/formação.
-A única contribuição prevista na lei para melhorar a situação do cuidador e do cuidado é precisamente, dar-lhes condições económicas para suprir as ditas incapacidades pessoais, nomeadamente fixando ao filho não cuidador, uma pensão de alimentos ao requerente que visa satisfazer a necessidade que este tem de um cuidador e ao cuidador a satisfação das suas necessidades económicas, só assim se valorizando tanto as necessidades do beneficiário de cuidados, como as do cuidador, aumentando a qualidade de vida, o bem-estar de um e de outro, que a situação de dependência tende a diminuir.
-A tristeza e a angústia estão presentes na maioria dos cuidadores.
-A melhoria do cuidado do idoso dependente por um descendente exige uma rede colaborativa dentro da comunidade capaz de gerar um serviço no âmbito do cuidado do idoso, trazendo um olhar sistémico para a relação idoso-cuidador, da qual o outro filho não cuidador não pode colocar-se de fora.
-A velhice está relacionada com perdas e pobreza. Perdas físicas em termos de desgastes, perdas afetivas e emocionais, perdas materiais, perda de espaço, perdas sociais, enfim, perdas totais. O idoso tem necessidade de um espaço próprio, vive na busca da realização desse sonho enquanto a vida pulsar. A sua inserção no seio da família de um dos seus descendentes é para ele testemunho da respeito por uma vida digna na velhice e dignidade na morte.
-Os idosos inseridos na comunidade/domicílio apresentam uma melhor perceção do seu Bem-Estar Subjetivo, apresentando uma qualidade de vida superior aos idosos institucionalizados, na medida em que lhe são prestados os cuidados de acordo com as suas necessidades, traduzindo-se numa melhoria significativa das suas condições de vida e da sua estabilidade, ao passo que a institucionalização pode significar uma rutura com o seu espaço físico e relacional, acompanhado por sentimentos depressivos.
-Nas atividades realizadas pelos profissionais busca-se sensibilizar as famílias e a comunidade, em relação à valorização do idoso e de sua experiência de vida.
-As sobrecargas físicas e psíquicas a que os cuidadores de idosos estão expostos não raro, levam à má qualidade de vida desses indivíduos. Problemas sociais, piora de saúde física são impactos mais comuns principalmente no cuidador familiar.
-O stress dos familiares cuidadores, com destaque para as implicações na vida pessoal, a sobrecarga emocional e o défice de conhecimentos sobre cuidados em fim de vida são uma constante, se a isso somarmos as dificuldades económicas, tudo isso faz dos cuidadores um alvo a proteger.
-Se a sociologia conclui desta forma, cabe ao direito acompanhar os avanços da sociologia com medidas concretas que possibilitem uma vida condigna ao idoso e ao seu cuidador de quem aquele está dependente, só assim potenciando a evolução social.
-Antes de avançarmos para o direito vejamos se existe uma necessidade do Requerente da pensão mensal no montante que pediu - 570,00€ ou noutro montante.
-Começando pela situação económica do Requerido A...:
Despesas do estabelecimento comercial do Requerido A... no ano de 2014 dadas como provadas
-14.437,66€
Receitas do estabelecimento comercial no ano de 2014 dadas como provadas: +7.289,43 € .

Défice de 114.437,66[despesas] - 7.289,43 [receitas] = -7.148,23 € Montantes dos empréstimos bancários nos montantes iniciais de :
B... - 7.100,00€,  contraído em 10-04-2012 (doc. n° 24 junto com o requerimento inicial) e art. 28 do requerimento inicial e com o qual A... fez face a défices de 2012 e 2013 e à  subsistência do casal e do respetivo filho, R..., nesses anos e ainda no ano de 2014 integrado no agregado familiar do casal, sendo então estudante.
B... - 15.056,25€, contraído em 13-02-2014 (doc. n° 22 junto com o requerimento inicial) e arte 30° do requerimento inicial e com o qual fez face ao défice de 2014 e à subsistência do casal e do referido filho, R...
B... - 1.470,18€ - contraído em 30-04-2012 (doc. n° 23 junto com o requerimento inicial) e arte 32° do requerimento inicial e com o qual fez também face ao défice de 2014 e subsistência do casal.

Pago o montante do défice anual de 2014 com parte dos capitais mutuados pelo BCP em 2014 ao casal, subsiste a diferença de: (15.056,25€ + 1.470,18€=) 16.526,43€ - 7.148,23€ = 9.378,20€

A quantia de 9.378,20€ constituiu a parte do capital mutuado pelo BCP em 2014 usado pelo casal para pagar as despesas de casa desse ano, o que dividido por 12 meses perfaz o montante mensal de 781 ,51€.
-Montante com o qual o filho A... sustentou três pessoas, o casal e o referido filho, R...
-E com o qual foram pagas as rendas mensais da casa da morada de família, a água, a luz, o gás e o telefone, no ano de 2014.

-Rendimentos mensais do requerente A... dados como provados:
462,51 €, de pensão - facto 21 dado como provado
100,77€ , de complemento de dependência de terceira pessoa - facto 21 dado como provado
Total de receitas - 563,28€
Despesas mensais do requerente A...
Total de despesas a cargo do requerente - 649,33, nesta incluída a totalidade da renda, por o casal constituído pelo seu filho A... e mulher não dispor de rendimentos para pagamento das rendas mensais devidas pelo apartamento que os três, casal e Requerente habitam.

O défice da conta corrente despesas - receitas do requerente seria de (649,33 - 563,28 =) - 86,05, se nada mais houvesse a contabilizar.

-Sucede que o requerente está dependente do seu cuidador, o requerido A..., que apresenta uma situação deficitária no presente momento.
-Para poder continuar a ser o cuidador do pai. o requerido A..., que já tinha uma situação deficitária em 2014, antes do início das suas funções de cuidador, este ano, não fora a ajuda pecuniária da testemunha M..., não conseguiria, mesmo com empréstimos que contraiu, fazer face às suas despesas, porque atrasa o trabalho que tem para fazer e deixou de fazer fotografia para poder cuidar do pai.
-O mesmo precisa que o pai lhe pague uma remuneração mensal pelo seu trabalho de cuidador para fazer face às suas despesas e ficar liberto para a tarefa de cuidador, que já exige tanto de si, nos termos constatados pelos estudos sociológicos.
-Esta medida é em tudo aconselhável para que ele mantenha as suas capacidades psicológicas, familiares, sociais e afetivas exigidas para o bom desempenho da sua tarefa de cuidador.
-Sucede, porém, que o sustentado tem que ser harmonizado com as condições económicas do requerido G... - art. 2004 n° 1 do Código Civil.

11-Rendimentos mensais do requerido G... dados como provados
A remuneração mensal líquida deste requerido é de 1.590,00€ (facto 51 dado como provado) + (3900,00€ - reembolso de IRS, facto cuja ampliação à matéria de facto dada como provada foi requerida: 14 =) 278,57€, valores que somados perfazem a remuneração liquida mensal de 1.868,57€.
Despesas do Requerido G... Total mensal de despesas - 1 .189,57
Deduzida esta quantia ao rendimento mensal do Requerido G... - 1.868,57-1.189,57=) obtém-se um saldo positivo de 679,00.
-Tendo sido pedida a quantia de 570,00€, esta tem cabimento nesse saldo positivo, ou seja, o Requerido G... pode pagar a quantia peticionada a título de alimentos provisórios, sobrando um excedente mensal de 109,00€.
-E deve pagá-la?
-Qual a interpretação do art. 2003° n° 1 do Código Civil mais conforme à situação de um idoso dependente?
-Não conhecemos jurisprudência que interprete o conceito de "sustento" do idoso dependente usado nessa disposição legal.
-Tal interpretação tem que ser conforme, em primeiro lugar, com o direito internacional público (art. l° da Carta das Nações Unidas [1945] e art. l° da Declaração Universal dos Direitos de Homem [1948]), com o direito europeu, (art°s 1°, 20°,21° e 25º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), com o direito constitucional (art°s 1 ° e 72° da CRP), tendo a interpretação que a 1a instãncia fez do conceito de "sustento" usado no art. 2003° n° 1 do Código Civil violado todas essas disposições internacionais, europeias e constitucionais.
-Só uma interpretação dessa norma, no sentido de que o conceito de "sustento" engloba metade da remuneração que é devida ao cuidador, mesmo sendo um filho, assegura a dignidade humana do Requerente e o direito do Requerente a uma existência condigna.
-Com efeito, o Requerido A... dedica 16 horas diárias ao seu pai, trabalhando três horas diárias no seu estabelecimento e dormindo nunca mais de cinco horas diárias.
-Isso significa que faz dois turnos de trabalho diários, de 8 horas cada, ao serviço do seu pai.
-Cada turno deve ser remunerado com a remuneração mínima mensal legalmente garantida - de 505,00€ até 31/12/2015 e de 530,00€, a partir de 1 de Janeiro de 2016.
-Como um turno corresponde ao valor dos serviços que presta na qualidade de filho, serviços que está obrigado a prestar nos termos do art. 2009° n° 1 b) do Cód. Civil não deve ser-lhe remunerado.
-Mas o outro turno de 8 horas diárias é da responsabilidade do requerido G..., nos termos do art. 2009° n° 1 ala b) e 2010° n° 1, ambos do Cód. Civil - pelo que, não podendo este prestar tais horas em serviços, deve remunerar quem presta os serviços em sua substituição.
-Tal remuneração tem de, pelo menos, equivaler ao salário mínimo mensal legalmente garantido a qualquer trabalhador privado, -505,00€ até 31/12/2015 e 530,00€, a partir de 1 de Janeiro de 2016.
-E aqui reside a nossa discordância com a posição sustentada na sentença recorrida, na medida em que esta interpreta o art. 2003° n° 1 do Cód. Civil no sentido de que "o sustento" não engloba tal prestação pecuniária, correspondente à remuneração mínima mensal legalmente garantida, com o fundamento de que o Requerido A... presta os seus serviços ao pai, no cumprimento de uma obrigação legal, não tendo direito a qualquer remuneração, atenta a sua qualidade de filho.
-Com as dificuldades económicas que o Requerido A... se debate todos os meses, degradar-se-ão as condições psicológicas, familiares, sociais e afetivas do cuidador, o que redundará na degradação da qualidade de vida e do bem-estar do Requerente, logo da sua dignidade humana, que sairá fortemente afetada.
-O que se revela contra o principio da dignidade da pessoa humana do Requerente, elevado à qualidade de base ou alicerce em que assenta todo o edifício constitucional e, que, portanto, é, de algum modo, constitucionalmente reconhecido como principio dos principios.
-É, por isso, inválida a interpretação efetuada pela sentença recorrida do art. 2003° n° 1 do CC, por violadora de todos os direitos supra invocados na 16° conclusão.
-Se não protegermos o Requerente, em nome da sua dignidade humana, que, como já vimos, apela à continuidade do cuidado informal do seu cuidador, concedendo-lhe a possibilidade de remunerar metade do valor do cuidado do filho A..., este não poderá continuar a cuidar do seu pai, sob pena de não conseguir assegurar a sua sobrevivência e a da sua esposa.
-A sentença recorrida interpretou o art. 2003° n° 1 do CPC, nomeadamente o conceito de "sustento do Requerente", em violação do direito europeu, do direito internacional público e do direito constitucional português, pelo que deve ser revogada, declarando-se parcialmente procedente o presente procedimento cautelar e, condenando, o Requerido G... no pagamento ao Requerente A... desde 1 de Novembro de 2015 até 31 de Dezembro de 2015 da quantia mensal de 505,00€ e a partir de 1 de Janeiro de 2016, da quantia mensal de 530,00€- art. 1 ° e 2° do DL n° 254-A/20 15, de 31/12.
-Poderá objetar-se a tudo isto que o Requerido G... não tem condições financeiras para pagar tal pensão de alimentos porque tem a sua conta à ordem com saldo negativo.
-Este facto não pode ser atendido, uma vez que este Requerido desde 2005 até à presente data, para além de contar com o seu vencimento mensal, beneficiou de duas consideráveis quantias monetárias:
62.500,00€, em Dezembro de 2005;
48.000,00€, no primeiro triénio de 2013, (factos que nesta alegação se requereu fossem dados como provados).
-E não deve ser atendido porque o mesmo Requerido não alegou, nem, consequentemente, provou, factos que justifiquem a necessidade de um dispêndio superior aos seus rendimentos ordinários e muito menos aos seus rendimentos extraordinários.
-Deve, por isso, ser revogada a sentença recorrida e condenar-se o recorrido G... no pedido, nos termos supra reduzidos.
Com os fundamentos expostos, impõe-se que se revogue a douta sentença recorrida e se substitua essa decisão por outra em que:
a) se condene o Requerido G... a pagar ao Requerente A... a quantia mensal a título de alimentos provisórios de 505,00€ entre 1 de Novembro de 2015 e 31 de Dezembro de 2015 e a partir de 1 de Janeiro de 2016, a quantia mensal, a esse título, de 530,00€.
               
Cumpre apreciar.

No presente recurso colocam-se dois tipos de questões:
-Impugnação da decisão fáctica, pretendendo o recorrente o alargamento desta, com inclusão da matéria por si articulada nos artigos 2º, 3º, 16º a 25º, 28º, 30º, 32º, 50º a 52º, 55º a 74º, 78º a 81º, 85º e 86º do requerimento inicial, e no art. 6º, 8º e 10º da alegação.
-Abordagem da problemática jurídica, com a conclusão de que o pedido deve ser considerado procedente.

Quanto à matéria de facto:

A matéria dos artigos 2º e 3º do requerimento inicial está, no que releva para a presente causa, suficientemente traduzida no nº 18 da decisão factual, na qual está descrito o nível de dependência de terceira pessoa do requerente.
Quanto aos artigos 16º a 25º: trata-se de despesas efectuadas em 2014 no estabelecimento do requerido A... e empréstimos contraídos pelo mesmo junto de entidades bancárias igualmente em 2014, ou seja antes da doença que afectou e afecta o requerente. Os presentes autos não visam a prestação de alimentos de irmão para irmão, mas sim alimentos para o requerente, pelo que tais matérias não devem ser aqui levadas em conta.
O mesmo se dirá relativamente ao teor dos artigos 28º, 30º e 32º.
O que deverá relevar são, apenas, as despesas tidas pelo requerido A... com o requerente, ou seja, despesas causadas pelo facto de ter acolhido o pai doente em sua casa.
É por isso que as despesas com IVA no estabelecimento comercial de A... não têm absolutamente nada a ver com o requerente, não podendo ser imputadas a este, directa ou indirectamente, o que coloca os artigos 50º e 51º fora da matéria de facto relevante para apreciação da causa.
Quanto ao artigo 52º, aceita-se, acrescentar ao nº 23 da decisão factual, o valor do veículo.

Passa assim este artigo da decisão de facto a ter a seguinte redacção:
“O requerente é proprietário de um veículo automóvel, da marca “Toyota” modelo “Corolla”, do ano de 1990, cujo valor comercial não é superior a € 150,00.”

Quanto ao artigos 55º a 57º, não podemos de modo algum aceitar que os mesmos estejam provados.
Prova-se que a Santa Casa da Misericórdia presta diariamente ao requerente serviços de higiene pessoal, de manhã e à tarde, e fornecimento de refeições (almoço e jantar). Por outro lado, o requerente consegue alimentar-se sozinho.
É certo que o requerido A... lhe presta assistência durante o dia, levantando e deitando o pai, dando-lhe água, servindo-lhe as refeições, fazendo-lhe companhia e durante a noite assiste-o quando ele acorda agitado. Também o acompanha às consultas e tratamentos.
Contudo, dizer-se que o A... faz todo o trabalho que uma empregada faria 24 horas por dia não tem qualquer correspondência na prova realizada. O próprio requerido A... refere que o pai fica sozinho durante alguns períodos.

Na carta dirigida ao tribunal em 04/01/2016 a médica de família do requerente escreve:
... informo que o meu utente A... (...) se encontra na presente data orientado no espaço e no tempo, colaborante, sem anomalia psíquica que o incapacite de gerir os seus bens com vontade própria, expressando muito bem essa mesma vontade”.
No art. 62º do requerimento inicial diz-se que o requerido A... “quando tem encomendas de molduras, permanece uma hora de manhã e duas horas à tarde, no seu estabelecimento, mas, por escassez de trabalho, ele faz a sua própria contabilidade em casa, são mais os dias em que não vai sequer ao estabelecimento do que aqueles em que lá vai, e porque tem essa liberdade de horário de trabalho, isso permite-lhe satisfazer todas as vontades do requerente e atender a todos os seus apelos”.

Disto resulta que não é por ter de tratar do pai que o A... se ausenta frequentemente do estabelecimento. Ao invés, é devido à falta de trabalho que tem tempo para estar em casa e ocupar-se do pai.

Aliás, uma tal situação harmoniza-se com a muito difícil situação do estabelecimento antes de o requerente adoecer, com receitas anuais de € 7.289,43 e despesas igualmente anuais de € 8.600,16, isto em 2014, o que o levou a contrair diversos empréstimos junto da Banca.

É por isto que não parece aceitável que pretenda dar como indiciariamente provados factos que levem à conclusão que o de ter de se ocupar com o pai leva A... a ter prejuízos no estabelecimento, quando este já acumulava dívidas antes da doença do requerente, descritas pelo mesmo requerente nos artigos 13º a 28º do requerimento inicial.

Quanto à prestação de cuidados pelo A... – que é indubitável – a mesma está já suficientemente plasmada nos artigos 33º e 34º da decisão fáctica.

Assim não se acolhe a requerida ampliação da matéria de facto no tocante aos artigos 55º a 74º do requerimento inicial.

Quanto à matéria dos artigos 78º a 81º não têm cabimento na presente providência cautelar de alimentos provisórios, já que não estamos a debater a ida do requerente para casa do requerido G... nem essa hipótese se colocou.

Os artigos 85º e 86º acabam por ser inúteis já que nem o requerido G... invocou ter pessoas a seu cargo ou despesas com elas nem tal consta da factualidade provada (nºs 49º a 63º da decisão).

Pretende ainda o requerente que sejam dados como assentes os factos que aduz nos nºs 6, 8 e 10 das suas alegações de recurso.

Quanto à matéria referida no nº 6, a mesma decorre dos documentos juntos no decurso da audiência pelo requerido G... (ver fls. 265 a 269).

São relevantes no sentido de completarem o total de rendimentos auferidos por este requerido, mas só os referentes a 2015, já que não se vê relevância em apurar os rendimentos de G... antes da doença do pai e de este ter ido viver com A....

Assim, adita-se à factualidade provada um novo número com o seguinte teor:
67)
Em 14/07/2015 o requerido G... foi reembolsado pelo AT autoridade tributária e aduaneira do IRS pago a mais no ano de 2014, no valor de € 3.900,00”.

Quanto ao nº 8 das alegações de recurso.

Pretende-se ver incluída na matéria assente que o requerido G... recebeu em Dezembro de 2005 a quantia de € 62.500,00 como preço de venda ao irmão A... de metade de um prédio urbano, compropriedade dos dois requeridos na proporção de 50% cada.

A cópia da escritura pública de fls. 337 e seguintes refere tal venda, com mútuo concedido pelo Banco Comercial Português.

Para lá de tal negócio jurídico ter tido lugar em 2005 – dez anos antes da doença do requerente – há que lembrar o recorrente que a compra e venda não tem como único efeito o pagamento do preço. Contempla igualmente a transferência da propriedade e a entrega da coisa vendida ao comprador.

No requerimento inicial nada se diz sobre ser o requerido A... proprietário de um prédio sito no Bairro da Expansão Sudeste – Avenida Calouste Gulbenkian, freguesia e concelho de Mogadouro.

Ora, não faz sentido, relativamente a um contrato sinalagmático, fazer referência à prestação de uma das partes sem fazer referência à prestação da outra.

Sucede que, por não estar alegado, se desconhece se o prédio constinua inscrito em nome de A....

A única coisa que se poderia concluir é que em 27/12/2005 os requeridos celebraram a mencionada escritura de compra e venda. Uma vez que os factos aqui relevantes se reportam a 2015, quando o requerente adoeceu e foi viver com esse seu filho, e na ausência de alegação e prova sobre a actual situação do prédio, não se justifica incluir tal factualidade na matéria assente.  
  
Finalmente e quanto à alegada quantia que o requerido G... teria recebido em 2013, na sequência de um processo por acidente de viação, quantia essa no montante de € 48.000,00, se é verdade que tal facto foi referido pela testemunha M..., não deixa igualmente de ser verdade que se trata de matéria que só pode ser provada mediante junção de cópia certificada da sentença.

Incumbia ao recorrente obter tal certidão e juntá-la aos autos.

Requereu, ao interpor recurso, que o Mº juiz a quo ordenasse a junção aos autos de certidão de tal sentença. O Mº juiz a quo não se pronunciou sobre esse requerimento.

Mais uma vez, nota-se a preocupação do recorrente em mostrar que um dos filhos não dispõe de condições económicas e que o outro filho tem recursos suficientes. Mas pergunta-se: para quê? Esta não é uma acção de alimentos proposta por um irmão pedindo alimentos de outro irmão.

O que temos de ver é se os rendimento do requerente, pai de ambos, são suficientes para o seu sustento e para fazer face à sua parte nas despesas  que resultem do facto de estar a viver em casa do filho A....

E aqui, constatamos que o requerente aufere mensalmente a quantia de € 563,28. Como resulta da matéria de facto indiciariamente provada as despesas mensais do requerente ascendem a € 407,00. É justo que se inclua a sua parte nas despesas do filho A..., que, de um modo ou de outro, tenham parcialmente a ver com o facto de o requerente habitar a casa desse seu filho. Tais despesas relacionadas com consumos de água e electricidade e da própria renda, terão de ser divididas por três, na medida que na casa habitam, além do requerente e do seu filho A..., a mulher deste. O resultado é uma verba mensal de € 101,00.
Assim, o conjunto das despesas do requerente, incluindo as que partilha com A... e a mulher deste, não vão além de € 508,00, sobrando assim, face ao que recebe, uma verba mensal de € 55,28.
Não cuidando agora das verbas que A... recebeu de M..., chegamos à conclusão que o mesmo requerido não tem quaisquer despesas com o seu pai, ora requerente. Também não se pode dizer que seja o facto de ter de cuidar do pai que o impede de trabalhar e de auferir ganhos no seu estabelecimento comercial, quando o próprio requerente demonstrou à saciedade que a loja de A... dava um prejuízo avultado, mesmo antes de o requerente adoecer, a tal ponto que o mencionado requerido se viu obrigado a contrair diversos empréstimos bancários.

O problema é outro, e de resto, neste ponto, o recurso aborda-o judiciosamente.

É que a prestação de cuidados ao pai, mesmo sem a extensão que se pretende fazer crer no requerimento inicial, essa disponibilidade para cuidar do requerente, em circunstâncias penosas dada a sua idade, doença e muito limitada autonomia de movimentos, implica um sacrifício pessoal do requerido A.... Este tem de dedicar várias horas diárias da sua vida a cuidar do pai, proporcionando-lhe sem dúvida condições de vida, em termos afectivos, bem melhores do que se estivessem numa instituição. A questão essencial aqui nem é pois a dos ganhos e perdas em dinheiro de cada um dos irmãos requeridos, mas sim o facto de um disponibilizar e dedicar parte da sua vida pessoal a cuidar do pai. Este sacrifício, que limita parcialmente a vida privada de A..., mesmo que efectuado por naturais razões de afecto, tem de relevar, já que coloca os dois irmãos em situações desiguais, uma vez que G... não presta quaisquer cuidados ao pai.

E a única maneira de procurar alcançar algum equilíbrio, alguma equidade entre ambos os requeridos, será através da determinação de uma verba, destinada à actividade de cuidar do requerente, que deverá ser repartida igualmente entre ambos os irmão, sendo que um deles, A..., não terá de pagar a sua parte, já que presta ele próprio tais cuidados.

Tal verba deverá ainda integrar o remanescente acima mencionado do rendimento do requerente subtraída das suas despesas.

Ou seja, no conceito de “alimentos” quer no âmbito do art. 384º do CPC – que regula a presente providência cautelar – quer no âmbito do art. 2003º do Código Civil não cabe apenas aquilo que é indispensável para o sustento, habitação e vestuário, podendo tal expressão abranger outras necessidades imperiosas do alimentando, que terão de ser apreciadas caso a caso.

Um idoso, com 86 anos de idade, tendo sofrido trombose cerebral com enfarte cerebral, parcialmente dependente de terceira pessoa para as actividades normais da sua vida diária, como higiene, alimentação, tomada de medicação e marcha, carece de cuidados que vão além do mero sustento, vestuário e habitação. É certo que a Santa Casa da Misericórdia lhe presta diariamente serviços de higiene pessoal, de manhã e à tarde e lhe fornece o almoço e o jantar. Em tudo o resto, contudo, o requerente precisa de quem lhe preste cuidados, mesmo que de forma não permanente, já que pode alimentar-se sozinho, está lúcido e pode permanecer sozinho na casa onde habita por várias horas.
Os cuidados que lhe são prestados pelo filho A... devem considerar-se como integrados no conceito de alimentos. O requerente dispõe de rendimentos para fazer face ao seu próprio sustento, vestuário e, dentro da proporção que lhe cabe, das despesas relativas a habitação na casa desse seu filho.

Entendemos que a actividade enquanto cuidador do seu pai deverá corresponder a uma verba idêntica ao salário mínimo nacional, ou seja, € 505,00 até 31/12/2015 e de € 530,00 a partir de 01/01/2016. Não se justificando uma verba dupla, como pretende o requerente, já que, da matéria provada não é possível estabelecer o número de horas que A... dedica a cuidar do pai, nem os cuidados que lhe presta devem ser aferidos como se se tratasse de trabalhador remunerado.

Acresce que este alargamento no conceito de alimentos não pode, de maneira nenhuma, servir de pretexto para que o filho cuidador, que se encontra em grandes dificuldades financeiras por razões inteiramente estranhas (e anteriores) à doença do pai venha a obter, encapotadamente, uma prestação monetária do filho não cuidador que funcionaria quase como uma prestação de alimentos de irmão para irmão, o que, nunca acção como a presente é impensável.

Os obrigados a alimentos são ambos os filhos, em partes iguais, nos termos do art. 2009º nº 1 b) do Código Civil.

Estabelecida a verba de € 505,00 até 31/12/2015, metade incumbe a A..., mas a mesma fica consumida pela actividade que presta ao pai enquanto cuidador. Ao outro filho, não cuidador, incumbirá a prestação em dinheiro de € 252,50.

Contudo, atento o facto de os rendimentos do requerente excederem em € 55,28 as suas demais despesas, deveremos deduzir tal verba aos € 505,00, já que se trata de um montante que o requerente poderá entregar directamente ao filho cuidador com quem vive.

Teremos assim, até 31/12/2015, 505,00-55,28 = 449,12. A metade desta verba fica a cargo do requerido G..., ou seja, por arredondamento, € 225,00.

A partir de 1/1/2016, o montante por que é responsável G... passa a ser de € 238,00 igualmente por arredondamento.

Saliente-se ainda que, no caso do procedimento cautelar de alimentos provisórios, o periculum in mora tem pura e simplesmente a ver com a necessidade de recebimento dos alimentos pelo alimentando que não se compadece com as demoras da acção principal. Tal necessidade é presente e diária. Uma vez que englobamos a prestação de cuidados – que são essenciais para o requerente, como se mostrou – no âmbito dos alimentos, há que fixá-los provisoriamente. Não se trata de fixar uma verba a favor do filho A... que não tem aqui, como é evidente, qualquer direito a alimentos. Trata-se de quantificar essa necessidade de prestação de cuidados, sendo essa a exacta medida do montante dos alimentos provisórios devidos ao requerente A....

Como um dos seus dois filhos lhe presta os cuidados de que ele carece, realizando assim a sua parte dos alimentos em tal actividade, respeitado o critério dos artigos 2004º nº 1 e 2 e 2005º nºs 1 e 2 do Código Civil, a metade da verba fixada para a aludida modalidade dos alimentos ficará a cargo do filho não cuidador.

Conclui-se assim que:

-Inclui-se no conceito de “alimentos” previsto no art. 2003º do Código Civil, a prestação de cuidados e de acompanhamento ao requerente, com 86 anos de idade e que sofreu trombose cerebral, parcialmente incapaz de cuidar de si próprio.
-À prestação de tais cuidados deverá corresponder, segundo o prudente arbítrio do julgador, um determinado valor monetário.
-Uma vez que um dos filhos acolheu o requerente em sua casa e lhe presta pessoalmente parte de tais cuidados e serviços, o outro filho, não cuidador, deverá contribuir com uma verba em dinheiro correspondente a metade do valor atribuído a tal actividade de prestação de cuidados e serviços pessoais.

Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente, fixando-se a título de alimentos provisórios, na modalidade de prestação de cuidados de índole pessoal ao requerente A... o montante de € 505,00 até 31/12/2015 e € 530,00 a partir de 1/1/2016.

Uma vez que o requerido A...  realiza a sua parte na prestação dos cuidados e serviços de índole pessoal ao seu pai, que passou a viver na sua casa, fica o outro requerido, G...  obrigado ao pagamento ao requerente de uma prestação mensal de € 225,00 devida desde o mês subsequente à data de propositura da acção e até 31/12/2015 e de uma prestação mensal de € 238,00 a partir de 01/01/2016.

Custas pelo requerente e pelo requerido G...  na proporção de ½ cada, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao requerente.



Lisboa, 5/5/2016



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais