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EXAME PERICIAL
DANOS CORPORAIS
Sumário
-O exame pericial para determinar os danos corporais decorrentes de um acidente de viação, com relevância a nivel do processo civil, é um exame médico-legal, que deve ser realizado, de acordo com as normas legais aplicáveis, em regra, por um perito, com as excepções especialmente reguladas na lei e que não são aplicáveis ao caso dos autos. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
I-Relatório:
Companhia de Seguros A, SA, pronunciou-se no sentido de a perícia médica-legal a realizar junto do IML, delegação de B, na pessoa do autor, detenha a forma colegial.
Foi proferido despacho que indeferiu a realização da perícia colegial por não estarem preenchidos os pressupostos em que a mesma é admíssivel, determinando que a perícia médico-legal a realizar na pessoa do Autor fosse realizada de forma singular, através do Gabinete Médico-Legal.
Inconformada, Companhia de Seguros A, SA, recorreu, apresentando as seguintes conclusões das alegações:
I.Vem o presente recurso interposto do Despacho de fls., datado de 10.04.2015, o qual se pronuncia e indefere o pedido de realização sob a forma colegial de perícia médico-legal à pessoa do Autor, bem como, e consequentemente, a nomeação de perito pela parte para compor o colégio de peritos a constituir, tendo em vista a realização da mesma.
II.Em sede da Contestação apresentada, a Recorrente requereu a "realização de uma perícia médico-legal à pessoa do Autor, nos termos do artigo 467º e ss. do CPC, a realizar no Gabinete Médico-Legal competente do Instituto de Medicina Legal, também nos termos da Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, e de forma colegial."
III.É cristalina a vontade e interesse da Recorrente na realização de tal meio de prova mostrando-se absolutamente necessária em face da causa de pedir do Recorrido, o qual alega que, em consequência do sinistro automóvel ocorrido em ocorrido em 22 de Setembro de 2011, sofreu inúmeros danos corporais.
IV.O Autor invoca lesões consubstanciadas de défice funcional temporário total e parcial, com repercussão temporária na actividade profissional total, bem como rebate profissional, justificativo de alguns períodos de repouso durante o seu horário de trabalho, conducentes a um défice funcional permanentemente geral fixável em 24 pontos, considerando dano futuro, um quantum doloris fixável no grau 517; um dano estético fixável no grau 317; um prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 317; um prejuízo sexual fixável no grau 117 (tudo conforme melhor pormenorizado nas Alegações de Recurso supra).
V.Invocando ainda a necessidade de auxílio de terceira pessoa para a sua vida diária, presentemente e para toda a sua vida, bem como a necessidade de realizar novas intervenções cirúrgicas e tratamentos ambulatórios, aliada à sintomatologia dolorosa, física e moral, com perturbações de stress pós-traumático e de natureza sexual.
VI.A Recorrente impugnou os danos alegados, incluindo as lesões e sequelas invocadas, bem como a incapacidade de que o Recorrido invoca padecer, porquanto, quanto à factualidade que conhece - porque muita também se desconhece - tudo conforme melhor descrito na respectiva Contestação.
VIl.A intervenção dos serviços clínicos da Recorrente limitou-se a uma consulta inicial de avaliação de dano que teve lugar em 14.11.2011, na qual não foi possível concretizar eventual atribuição de incapacidade ao Autor.
VIII.O que sucedei face ao facto do acidente de viação em apreço nos autos revestir simultaneamente a natureza de acidente de trabalho e de viação, o que levou à intervenção principal provocada da A - Companhia de Seguros, SA nos autos, tendo o Autor sido seguido pelos serviços clínicos daquela seguradora, ao abrigo da apólice de acidentes de trabalho da sua Entidade Patronal à data.
IX.O acompanhamento e tratamento clínico e médico do Recorrido foi realizado nas unidades hospitalares e de reabilitação não convencionadas com os serviços clínicos da Recorrente.
X.Sendo que tanto quanto foi possível apurar com o Pedido de Reembolso da A - Companhia de Seguros, S.A. junto a fls.— nos autos, esta entidade realizou um acompanhamento médico e clínico do Autor, embora sem realização de avaliação médica final.
XI.A Recorrente impugnou em face do total desconhecimento da situação clínica do Autor o documento junto pelo Recorrido como correspondendo a um alegado "Relatório de Avaliação de Dano Corporal" (junto sob doe 16 da P1) que corresponde a não mais que uma mera avaliação subjetiva, pedida a título particular, paga para o efeito, pelo Autor, e que, como tal, não reveste a dignidade e relevância probatória que se lhe pretende atribuir.
XII.Foi em face de tal posição de discordância quanto aos factos clínicos alegados e o desconhecimento de outros mais, que a Recorrente requereu o apuramento dos danos e incapacidades através de prova pericial, propondo como objecto da prova pericial as questões de facto então apresentadas e constantes das Alegações de Recurso, para onde se remete.
XIII.Tal prova pericial mostra-se absolutamente essencial à descoberta da verdade e ao apuramento dos factos invocados pelo Recorrido.
XIV.A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes, nos termos do artigo 3411 do CC, sendo essencial porque se destina à percepção e averiguação de factos que reclamam conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (cfr. artigo 388° CC) e que exigem.
XV.Os factos em discussão nos presentes autos, o apuramento a avaliação de alterações na integridade psico-física de uma pessoa, exigem tais conhecimentos e um suporte probatório acrescido, pela sua natureza científica e especial densidade técnica, devendo estar sustentados e ser obtidos através de procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida.
XVI.O(s) perito(s) deve(m) apurar e analisar o facto e apreciá-lo como técnico, dando-lhe o juízo de valor que a sua experiência qualificada e especial aconselhem.
XVII.A avaliação médico-legal do dano corporal e, assim, a avaliação de alterações na integridade psico-física de uma pessoa constitui matéria de particular complexidade, que resulta desde logo da dificuldade de interpretação das sequelas e da subjectividade que envolve a avaliação desses danos.
XVIII.Tal complexidade decorre também da diferença dos parâmetros de avaliação do dano, consoante os domínios do direito em questão. Quanto ao direito civil, há que valorizar a incapacidade permanente em geral, para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, e o seu reflexo em termos de actividade profissional específica do sinistrado, havendo que recorrer à tabela médica que contém pontuações e leva os peritos à quanficação do(s) dano(s) sofrido(s) para o efeito (Tabela Nacional para Avaliação das Incapacidades Permanentes em Direito Civil, Decreto-Lei n.° 35212007, de 23 de Outubro).
XIX.É manifesta - e natural - a insuficiência de conhecimentos da Mma. Juiz a quo, na sua qualidade de magistrado judicial, para avaliação das alterações na integridade psico-física do Recorrido, e atendendo a este facto entendeu deferir a realização da perícia médico-legal junto do Instituto de Medicina Legal.
XX.A Recorrente requereu a realização da perícia nos moldes colegiais, propondo o seu objecto e indicando o seu perito, pelo que a perícia poderia e deveria ser realizada dessa forma colegial, através da constituição de um colégio de peritos, formado por um perito do Gabinete de Medicina legal, designado pelo Tribunal, e os demais indicados pelas partes.
XXI.Mesmo considerando a aplicação do disposto na Lei n.° 45/2004, de 19 de Agosto, como considera a Decisão recorrida, entende a Recorrida não estar afastada a possibilidade da sua realização em moldes colegiais, não estando esta apenas e tão somente justificada atendendo a eventual complexidade clínica das questões, como defende o Despacho ora objecto de recurso.
XXII.As normas constantes da alínea b) do n.° 1 e do n° 2 do artigo 468º do CPC configuram um dos "normativos legais" referidos no aludido n.° 3 do artigo 21º da Lei n.° 45/2004, de 19 de Agosto, que determinam disposição diferente ao princípio geral da intervenção nas perícias de apenas um só perito.
XXIII.Sendo a perícia realizada em moldes colegiais, nela interviria sempre um perito do Gabinete de Medicina Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal (e dois ou três outros, das partes), estando assegurado o propósito do legislador de assegurar a intervenção de um perito dessa instituição no exame, atendendo ao seu grau de especialização, estando cumprido o objectivo último da referida Lei 45/2004, de 19 de Agosto, e assim assegurado disposto no n° 4 do artigo 21° da mesma Lei.
XXIV.Como esclarece o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão datado de 14.02.2013, "o dito artigo 210 n.° 4 pretende evitar, mas não proibir pendas colegiais que são admitidas em processo civil mesmo na primeira perícia, como resulta do disposto nos artigos 5680 e 569° do Código de Processo Civil'
XXV.Pelo paralelismo da situação, veja-se que no âmbito de processo de trabalho - não obstante a referência à mesma Lei n.° 45/2004, constante do n.° 1 do artigo 1051 do CPT - nunca se considerou revogado o regime da perícia no Tribunal do Trabalho, a realizar em moldes colegiais, com dois peritos indicados pelas partes e um outro pelo tribunal, isto porque existe uma norma que prevê regime distinto do dessa Lei, exactamente como sucede nas perícias em direito civil (cfr. artigo 138º do CPT e ns.° 1 e 2 do artigo 468° CPC).
XXVI."A ressalva do n°3 do artigo 21º da Lei 45/2004, de "outros normativos legais" (não circunscritos aos desse diploma); a expressa salvaguarda do n.° 4, apesar de tudo, das "perícia colegiais previstas no Código de Processo Civil' a existência de perícias na área labora! Juntas médicas) que expressamente admitem a participação de peritos das partes (art. 138º e 139º do C. Proc Trabalho); a natureza e princípios que enformam o processo civil (dispositivo e ónus da prova, quase total liberdade e responsabilidade das partes na indicação e produção dos respectivos meios); o claro privilégio conferido às partes de serem elas a indicar os peritos, se não todos, pelo menos a maioria; o carácter plural, participado, interdisciplinar suposto nua perícia colegial, de modo a obtenção de um resultado com ampla e profunda base de consenso e credibilidade - convencem que, nas perícia médico-legais colegiais, há lugar a indicação pelas partes de peritos para integrarem o colégio, em moldes que, atendendo ao regime organizativo do instituto, respeitam e se harmonizam com as que, na matéria, prevê o Código de Processo Civil (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10.07.2013).
XXVII.A Lei n.° 45/2004, de 19 de Agosto, não revogou ou tornou inaplicável às perícias médicas o disposto na alínea b) do n.° 1 e n.° 2 do artigo 468º do CPC, dispondo estas, ao invés, quanto às perícias, um regime excepcional, no sentido de ser possível a sua realização por três peritos.
XXVIII.A considerar sempre obrigatória e inultrapassável a realização de exame médico-legal por um só perito prevista n.° 1 do artigo 21° da referida Lei, não se alcança qual o âmbito de aplicação - e assim mesmo o sentido - do n.° 3 do seu artigo 21º, i. e., de realização de exames desta natureza em que, afinal, poderiam intervir mais do que um perito, sob pena de absoluta improficuidade e ineficácia de uma disposição vertida em Lei.
XXIX.Pela articulação do teor do n.° 3 do artigo 21º da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, conjugado com as normas constantes da alínea b) do n.° 1 e n.° 2 do artigo 468º do CPC, impõe-se a admissão da perícia em moldes colegais, sendo um dos peritos indicados pelo tribunal (pelo Gabinete de Medicina Legal) e os restantes pelas partes.
XXX.O Tribunal a quo tem, aliás, de o determinar sempre que alguma das partes o tenha requerido, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 468º do CPC e do n.° 3 do artigo 21º da mesma Lei 45/2004.
XXXI.No caso dos autos, a realização da perícia em moldes colegais se mostra especialmente indispensável pelas vantagens que acarreta para a boa decisão da causa.
XXXII.Terá sempre a intervenção de um médico indicado pelo Gabinete de Medicina Legal, na qualidade de perito a indicar pelo Tribunal, estando o interesse legal de ver integrado no colégio de peritos um médico do Instituto de Medicina Legal sempre salvaguardado, médico esse cuja conduta decorre das regras previstas no n.° 5 do artigo 5º da Lei 45/2004.
XXXIII.A presença de dois/três outros peritos das partes só poderá acarretar vantagens para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, tendo bem presente a utilidade da existência de um colégio de peritos, a sua presença e discussão, eventuais diferenças de perspectiva.
XXXIV.Além do mais, uma perícia singular levada a cabo no IML, ou mesmo colegial, mediante um colégio de peritos médicos dos quadros do IML, com o devido respeito, não pode resultar qualquer divergência, nem o Tribunal poderá aperceber-se das diferentes perspectivas para a mesma realidade, com o inerente prejuízo para a descoberta da verdade e também para as partes, a quem é imposta uma determinada conclusão, muitas vezes subjectiva, do perito, sem que haja qualquer voz dissonante que alerte para o seu eventual desacerto.
XXXV.Pronunciando-se sobre qualquer perícia, a primeira ou a segunda, a o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 10.07.2013, defende a viabilização da perícia através de um colégio de peritos, em face das inúmeras vantagens, processuais e substantivas, que daí decorrem (conforme melhor pormenorizado nas Alegações de Recurso, para onde se remete)
XXXVI.Sejam quais forem as regras processuais em vigor em cada momento, nunca será propósito do legislador impor ao Tribunal o julgamento dos factos com base numa perspectiva limitada ou insuficiente da realidade relevante, pretendendo-se garantir uma solução justa para o litígio, mediante o apuramento, o tanto mais detalhado quanto possível, dos factos em análise e avaliação da situação médica e clínica do Recorrido,
XXXVlI).Não devendo o Tribunal rejeitar, mediante uma interpretação restritiva das regras processuais, um meio de prova de reconhecida utilidade, como seda uma perícia colegial com a intervenção de peritos das partes e de um perito do INML,
XXXVIII).A justificar em qualquer caso, designadamente em face da especialidade da situação dos autos, uma adequação processual dos dispositivos processuais aqui em causa, nos termos do artigo 547° do CPC em nome e ao serviço da verdade, adequando-as ao serviço dessa verdade material, como forma de admitir, em qualquer caso, a perícia em moldes colegais, com intervenção de peritos das partes, o que se requer.
XXXIX.A este respeito atenta-se ainda ao recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 24.11.2014, onde se defende que perante o Novo Código Processo Civil actualmente em vigor, e passando-se a citar: 'Daí que o único obstáculo à realização de perícia colegial, quando requerida pelas partes, diga respeito ao valor da acção, como decorre do alt° 468º, n.° 5 do novo CPC, ao prescrever que nas ações de valor não superior a metade da alçada da relação, a perícia é realizada por um único perito, aplicando-se o disposto no art.° 467º do mesmo código"
XL.Igual conclusão decorre do confronto com a anterior redacção do artigo 590º do CPC e à necessidade de garantir às partes um processo equitativo e de lhe propiciar uma efectiva defesa dos seus interesses, norma esta agora constante da alínea b) do artigo 488º do CPC.
XLI.São já conhecidas as dúvidas interpretativas que a mesma levanta, ainda que a Recorrente considere, sem dúvida, que tal nova redacção visa impedir que na segunda perícia sejam conferidas às partes garantias inferiores às que tiveram na primeira perícia (não impedindo que, tendo a primeira perícia sido singular, a segunda seja colegial).
XLII.Existindo, porém, possível interpretação diversa, no sentido de que com a regra em causa se pretende reservar as segundas perícias colegiais para os casos em que a primeira perícia também o tenha sido, a assim ser, se o Tribunal impedir a realização de primeira perícia em moldes colegiais, ficará irremediavelmente comprometida a realização de segunda perícia coma intervenção de três peritos, caso em que o despacho em apreço não só terá rejeitado a primeira perícia colegial, como também inviabilizado antecipadamente uma futura segunda perícia colegial.
XLIII.Tal posição mostra-se em manifesta contradição com o já aludido n.° 4 do artigo 20º da CRP, o qual impõe "uma estrutura processual adequadamente conformada aos fins do processo, que conduza ao seu desenvolvimento em condições de equilíbrio, direccionada à obtenção de uma decisão ponderada, materialmente justa do litígio, que proporcione aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos" (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 383/12, de 12 de Julho), devendo a liberdade do legislador de conformação processual adequar-se ao princípio da proporcionalidade decorrente do n.° 2 do artigo 18° da mesma CRP.
XLIV.É, assim, desproporcionada e violadora do direito de tais ditames constitucionais, na sua vertente de direito a decisão judicial mediante processo equitativo - pela redução, de forma desproporcionada, das garantias conferidas às partes na acção judicial e do direito de defesa das mesmas, desde logo fazendo intervir na perícia um perito em quem deposite confiança -, a interpretação das regras do n.° 3 dos artigos 467º do CPC e nºs. 1, 3 e 4 do artigo 21º da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, no sentido de que não é admissível o deferimento de perícia médica em moldes colegais.
XLV.A interpretação, legítima e constitucionalmente admissível, das regras legais referidas, é, exatamente, a de que, caso as partes o tenham requerido, a perícia pode ser realizada em moldes colegiais, sendo dada às partes a possibilidade de indicarem os seus peritos, nos termos do artigo 468º do CPC.
XLVI.Pelo que, deverá o despacho ora objecto de recurso ser revogado, admitindo-se assim conforme requerido pela ora Recorrente a fls.— realização da perícia médico-legal na pessoa do Autor, junto do Instituto de Medicina Legal, de forma colegial, integrando o perito por si ali nomeado o colégio a constituir, acompanhado dos restantes peritos a nomear pelas restantes partes e pelo Tribunal a quo.
Cumpre decidir.
Nos termos do art. 388 do C.Civil “ A prova pericial tem por fim a precepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”
O art. 568, nº1, do CPC diz que : “a perícia é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado” ou “quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito...”
Quanto às perícias médico-legais o art. 358, nº3, do CPC diz que “ as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta”. Remete, assim, para o que dispõe a Lei 45/2004, de 19.08, que consigna quanto a “perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense” no seu nº2 que as mesmas são realizadas obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), por referência ao art. 22 do mesmo diploma. As perícias médico-legais só não são ali realizadas quando: a) havendo na comarca delegação ou gabinete médico-legal, por impossibilidade dos respectivos serviços, não seja possível aí serem realizadas tais perícias, caso em que, o INML contratará ou indicará entidade pública ou privada para as realizar, dando-se preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde; b) se verifique a necessidade de intervenção de médicos especialistas diversos dos que existem na delegação ou gabinete médico-legal respectivo, caso em que podem ser efectuadas, por indicação do INML, em serviço universitário ou de saúde público ou privado; c) se verifique que não podem ser realizadas nessa delegação ou gabinete médico-legal por falta de condições materiais para o efeito, caso em que também podem ser efectuadas, por indicação do INML, em serviço universitário ou de saúde público ou privado, dando-se contudo, preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde; d) não havendo na comarca delegação ou gabinete médico-legal, caso em que podem ser realizadas por médicos contratados para o efeito pelo INML, sendo dada preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde; e) se trate de perícias médico-legais e forenses, de natureza laboratorial, e se disso houver necessidade, poderão ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas pelo INML, sendo dada preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde.; f) tratando-se de uma junta médica que deva ser presidida pelo juiz, e a delegação ou gabinete não disponha de condições para a realização da mesma ou havendo prévio acordo com essa delegação ou gabinete.
Nos termos do art 21 da Lei 45/2004, as pericias médico-legais são efectuadas, em regra, por um só perito médico e excepcionalmente serão efectuadas noutros moldes quando: a) se trate de exames a vítima de agressão sexual, e disso houver necessidade, podem ser realizados por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem; b) o juiz, em despacho fundamentado, determine que a mesma se faça em termos colegiais, de acordo com as disposições do CPC, por a perícia exigir um grau de especialização que os peritos médicos da respectiva delegação ou gabinete não possuem, e esse mesmo julgador não possa decidir de outra forma, ou seja, que a perícia seja feita como é regra por um só perito do INML; c) quando existam normas legais que preceituem imperativamente de forma diferente.
No caso dos autos estamos perante uma perícia medico legal a vitima de acidente de viação, tendo o tribunal considerado tal prova conveniente para a avaliação técnica dos danos corporais sofridos, dada a demonstração da realidade dos mesmos, ter de resultar da percepção e avaliação de pessoas com conhecimentos técnicos, no caso médicos com determinada especialização clinica e de acordo com conceitos médicos legais e critérios consagrados na lei quanto ao instituto da responsabilidade civil.
De acordo com o acima referido e atentos os danos a percepcionar a perícia médico-legal a realizar não resulta necessidade de a mesma ser realizada em termos colegiais, por revertir especial complexidade, que não o normal em situações do género, ou requerer um grau de especialização que não possa ser assegurado pelo gabinete médico-legal que de acordo com as normas acima referidas é competente para a sua realização.
Há que ter em atenção que os peritos do INML aliam à natural imparcialidade, idoneidade e capacidade técnica inerente às funções que desempenham, a formação especifica na área da perícia médico-legal e da avaliação do dano corporal no âmbito do processo civil (cfr. arts. 27, 28 da Lei 45/2004, de 19.08.
Quanto a este meio de prova a intervenção das partes tem lugar de acordo com o disposto no art. 517 do CPC, podendo formular quesitos de acordo com o disposto no art. 577 do CPC, podendo apresentar as reclamações que entenderem convenientes face ao relatório da perícia e quanto às respostas aos quesitos, face ao disposto no art. 578 do CPC e 12 da Lei 45/2004, de 19.08.
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida
Custas pela Recorrente.
Lisboa,19/5/2016
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça