ALIMENTOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário

-Aos processos pendentes em 1/10/2015, instaurados ao abrigo do art. 1880.º, não se aplicam as alterações introduzidas ao CC pela Lei 122/2015.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Parcial

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


1.A..., tendo prefeito 18 anos em 14 de Março de 2015, deu entrada na Cons. Registo Civil de Oeiras, em Junho de 2015, acção de alimentos nos termos do art.º 1880.º do CC, com vista à fixação de alimentos a seu favor por parte de seu pai, J....

Alegou que, perfeita a maioridade, o seu pai deixou de pagar a pensão de alimentos a que estava judicialmente obrigado enquanto ela era menor, mas a requerente continua a estudar, necessitando portanto que o pai lhe preste alimentos, pelo menos no montante que lhe prestou até à maioridade e durante o tempo necessário para que a requerente termine a sua formação.

Contestou o pai, alegando que a filha nada concretiza quanto à sua necessidade de alimentos, que sofreu corte no seu vencimento, que a sua mulher sofre de invalidez, que as suas despesas tem aumentado e que sempre quis honrar o seu compromisso até à maioridade da filha, mas já não tem capacidade financeira para continuar a pagar pensão. 

2.Não tendo sido possível obter acordo entre as partes a conservatória remeteu o processo para o tribunal, tendo aí sido proferido o despacho seguinte: “Considerando por um lado a redacção da Lei n.º 122/2015 de 1 de Setembro que dispõe que a obrigação de alimentos fixada para filhos menores se mantém até aos 25 anos, enquanto o processo de educação ou formação profissional decorrer e, por outro lado, a proibição de decisões surpresa, nos termos do art. 3º do C.P. Civil, notifique ambas as partes para requererem o que tiverem por conveniente no prazo de 10 dias.”

3.Apenas a A. respondeu, pugnando para que os alimentos fossem fixados com retroacção a Março de 2015.

4.Seguidamente foi proferido o despacho recorrido:

“Os presentes autos foram tramitados ao abrigo da anterior legislação relativa ao processo de fixação de alimentos devidos a filho maior, e nos termos do Dec. Lei. 272/2001 de 13 de Outubro.
No decorrer dos autos foi aprovada a Lei n.º 122/2015 de 1 de Setembro que dispõe que a obrigação de alimentos fixada para filhos menores se mantém até aos 25 anos, sendo muito clara no sentido de inverter o ónus da prova, na medida em que deixou de ser o filho maior que tem de requerer a atribuição de prestação de alimentos, continuando esta a ser devida mediante mera comprovação da situação de processo de educação/formação profissional, isto é, ao contrário do que acontecia anteriormente, é ao progenitor quem cabe intentar acção para cessação da prestação de alimentos, caso haja fundamento para tanto.

A Lei n.º 122/2015 de 1 de Setembro é de aplicação imediata e prevê que a prestação de alimentos só não é devida caso o processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

Quanto à questão da retroacção de efeitos da Lei n.º 122/2015 de 1 de Setembro, tem de entender-se que não se trata propriamente de efeitos retroactivos, mas sim que a Lei se aplica a todos os casos pendentes, em que os jovens se encontram no momento actual em processo de educação/formação profissional, existindo alimentos fixados na menoridade, sob pena de ser efectuada interpretação desconforme ao principio da igualdade, principio basilar do nosso Estado de Direito e com dignidade constitucional.
Ora, revertendo as precedentes considerações para o caso sub iudice, releva que a jovem Ana Sofia provou documentalmente, conforme documentos juntos a fls. 17,132-134 que se encontra a completar o seu processo de educação, sendo certo que o progenitor na contestação apresentada a fls. 83 e ss. nem sequer alega a irrazoabilidade do pedido da jovem, invocando apenas as suas dificuldades económicas. Tanto assim, que apesar de notificado nos termos do art. 3º do C.P.Civil, (cfr. fls. 143), nada disse.

Assim, e sem necessidade de mais considerandos, declara-se que a prestação de alimentos fixada a favor da então menor, ora maior A... se mantém na maioridade, desde Março de 2015 (fls. 14) e até que esta complete o seu processo de educação/formação profissional.”

5.Deste despacho recorre o R. alegando, com as seguintes conclusões:

A)Pela sentença, da qual ora se recorre, com base na Lei nº 122/2015, foi declarado que a prestação de alimentos fixada à recorrida enquanto menor se mantinha e era devida desde março de 2015, altura em que completou 18 anos. B) Sucede porém que, o Tribunal a quo a ter decidido como o descrito, fez uma incorreta aplicação das normas de direito, mormente das referentes à aplicação da lei no tempo.
C)Por um lado, não tendo a nova lei previsto a sua aplicação no tempo, teremos que encontrar a resposta nas regras e princípios gerais, nomeadamente no art. 12º do CC, referente à aplicação das leis no tempo.
D)Como se sabe, vigora entre nós o princípio da não retroatividade da lei, atenta a necessidade de segurança e a previsibilidade das consequências das condutas que a existência de regras torna possível.
E)No entanto, este princípio não é absoluto, nomeadamente quando a lei dispõe sobre o conteúdo das relações, podendo a nova lei aplicar-se às situações jurídicas constituídas anteriormente, desde que subsistam à data da sua entrada em vigor, ou cujos efeitos subsistam ou estejam ainda em curso à data do início de vigência da nova lei.
F)Ora, nos presentes autos, tal não acontece, pois quando a nova lei entra em vigor – Outubro de 2015 -, inexistia qualquer situação jurídica entre a recorrida e o recorrente, cujos efeitos ainda subsistissem.
G)Não havia nenhuma situação jurídica constituída que envolvesse a obrigação de prestar alimentos, porquanto a mesma tinha cessado quando a recorrida atingiu a maioridade. (março de 2015).
H)Aliás, a recorrida, posteriormente – junho de 2015 -, intentou uma ação com vista a obter novamente o direito a ter uma pensão de alimentos do pai, ora recorrente, precisamente por a eles já não ter direito desde março de 2015, quando atingiu a maioridade.
I)Assim sendo, ainda que a lei nova possa aplicar-se a relações jurídicas já existentes, a verdade é que só o pode fazer se e quando esta, ou os seus efeitos, subsistam ou estejam ainda em curso à data do início de vigência da nova lei, o que não sucede nos presentes autos, pelas razões atrás expostas.
J)O Tribunal a quo não tinha, assim, base ou fundamento legal para aplicar a lei nova nos presentes autos, tendo violado o disposto no art. 12º, nº 2, 2ª parte do Código Civil.
K) Se assim não se entender, sempre se dirá que não andou bem o Tribunal a quo na sua decisão, porquanto sempre teria que ter apreciado a ação em si própria, nomeadamente a petição da recorrida e a contestação do ora recorrente e nunca poderia ter criado efeitos retroativos que a própria lei não encerra.
L)Ou seja, como é bem evidenciado na sentença, nesta apenas houve uma declaração, não foi apreciado o pedido da recorrida, nem a contestação do ora recorrente.
M)Por outro lado, e mesmo com base na nova lei que o Tribunal considerou aplicar-se, não se alcança o fundamento legal da total preterição por parte do Tribunal quanto às dificuldades económicas alegadas pelo recorrente, pois como é evidente, a “irrazoabilidade” prevista na nova redação do art. 1905º do CC, terá, necessariamente, que ser aferida de acordo com o critério legal já existente, ou seja, de acordo com o critério patente no art. 2004º do CC: necessidade do alimentado, possibilidade de quem presta os alimentos.
N)A lei prevê um critério. Não pode o julgador substitui-se à lei e decidir ao seu arrepio.
O)Nesta sequência, é totalmente inconcebível que não tenha sido atendida a contestação do recorrente, nomeadamente, no que respeita às invocadas dificuldades económicas, porquanto elas são, em si mesmas, demostrativas dos seus meios para prestar alimentos.
P)Com esta postura, sem cabimento na lei, o Tribunal a quo viola o art. 1905º do CC e o art. 2004º do CC.
Q)Na verdade, o Tribunal a quo não se pronunciou nem fundamentou a razão da sua ciência no que respeita aos pedidos de ambas as partes, apenas declarou a aplicação da nova lei, conferindo-lhe efeitos retroativos, ignorando os articulados da ação.
R)Nesta medida, a sentença é nula por omissão de pronúncia, em conformidade com o disposto no art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
S)Por outro lado, e seguindo aquela que parece ter sido a orientação do Tribunal a quo de “julgamento” meramente declarativo e administrativo da questão, é também infundada a sua criação de efeitos retroativos.
T)Nos termos do art. 2006º do CC “Os alimentos são devidos desde a proposição da ação ou, estando já fixados pelo Tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se tenha constituído em mora”.
U)Considerando a presente ação de alimentos a maiores, intentada pela recorrida em Junho de 2015, só podemos ter por certo que a “ação” para os efeitos do disposto no citado art. 2006º do CC, neste caso é esta, mas o Tribunal a quo integrou-a na ação anterior das responsabilidades parentais da requerente, enquanto menor.
V)Ou seja, desconsiderou a ação proposta em si mesma, não a tendo, efetivamente, julgado, ou seja, não tendo aferido das razões de carência do alimentado, nem das possibilidades do que presta os alimentos.
W)Ou seja, não houve aqui um nascimento de uma obrigação, pois não foram atendidos quaisquer factos que consubstanciassem a obrigação.
X)O recorrente deixou de ter obrigação de prestar alimentos quando a recorrida fez 18 anos (março de 2015).
Y)Para esta continuar a ter direito a alimentos, teria que fazer nascer uma nova obrigação de alimentos a partir de uma nova ação, o que esta tentou fazer, quando intentou a ação em junho de 2015, cuja sentença ora se recorre.
Z)No entanto, o próprio Tribunal a quo impossibilitou o nascimento desta nova obrigação de alimentos, ao não julgar esta ação, declarando apenas que se mantinha a prestação anterior.

AA)Com efeito, uma coisa é a exigibilidade da obrigação de alimentos e outra, bem diferente, é o nascimento dessa obrigação.
BB) Pelo que não tem base legal para vir declarar que a obrigação remonta à maioridade da recorrida,
CC)Pois a ratio que subjaz ao efeito retroativo da propositura da ação contida no art. 2006º do CC, pressupõe que comprovando-se em juízo a necessidade do autor, o obrigado a alimentos logo no momento em foi demandado podia e devia voluntariamente reconhecer a sua obrigação e cumpri-la e daí que tenha sido considerado razoável e justo fazer retroagir a fixação da prestação alimentar ao momento da instauração da ação.
DD)Ora, nos presentes autos falta a base de tudo isto: ter-se comprovado a necessidade do autor, ou seja, da requerente: Ao ter integrado a ação de alimentos proposta na ação anterior, foi o próprio Tribunal a quo que eliminou a possibilidade de poder, fundadamente, retroagir os efeitos da obrigação de alimentos.
EE)Carece, assim o Tribunal a quo de base ou fundamento legal para fazer retroagir a obrigação de pagar a prestação fixada ao tempo em que a recorrida fez 18 anos – março de 2015.
FF)O direito a alimentos é um direito atual, não podendo aplicar-se ao passado, atentas as regras nemo alitur in praeteritum e in praeteritum non vivitur.
GG)Encontra-se, assim, violado, por erro de interpretação e aplicação, o artigo 2006º do C. Civil.
HH)Devendo o Tribunal a quo proceder ao julgamento da presente ação, seguindo a forma pela qual ela foi configurada pela recorrida, como ação de alimentos devidos a maiores, por falta de requisitos para aplicação da nova Lei nº 122/2015 de 01/09.
Termos em que, se deve dar provimento ao presente recurso, devendo a douta sentença ser anulada e proceder-se à apreciação e julgamento da ação de alimentos, tal como ela foi configurada pela A.

6.A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão.

7.Nada obsta ao conhecimento do recurso.

8.A questão colocada do âmbito do recurso e que se impõe resolver é decidir do acerto da decisão que aplicou ao processo pendente a Lei nº 122/2015, e com base nela declarou que a prestação de alimentos fixada à recorrida, enquanto menor, se mantinha na agora maioridade e era devida desde março de 2015, altura em que completou 18 anos.

Resumo dos pontos relevantes para se apreciar e decidir:

-a requerente atingiu a maioridade em Março de 2015;
-durante a sua menoridade o pai pagava a prestação de alimentos judicialmente fixada, tendo deixado de a prestar quando a requerente atingiu a maioridade;
-a requerente intentou a presente acção com vista a fixação de alimentos a filho maior em Junho de 2015;
-o pai contestou alegando, além do mais,  incapacidade financeira para prestar alimentos;
-a Lei 122/2015, publicada em 1/9 entrou em vigor, conforme disposição do seu art.º4, no dia 1 de Outubro de 2015, sendo que não contém qualquer outra norma relativa à sua aplicação no tempo. 

Vejamos então da questão colocada.

Tem razão o recorrente quando invoca que “não tendo a nova lei previsto a sua aplicação no tempo, teremos que encontrar a resposta nas regras e princípios gerais, nomeadamente no art. 12º do CC, referente à aplicação das leis no tempo.”

E que vigorando o princípio da não retroatividade da lei, “este princípio não é absoluto, nomeadamente quando a lei dispõe sobre o conteúdo das relações, podendo a nova lei aplicar-se às situações jurídicas constituídas anteriormente, desde que subsistam à data da sua entrada em vigor, ou cujos efeitos subsistam ou estejam ainda em curso à data do início de vigência da nova lei”, para logo concluir que, no caso, não estamos perante uma situação jurídica anteriormente constituída.

Na decisão recorrida decidiu-se aplicar a nova lei à situação que estava pendente.

Esta aplicação dependia do pressuposto de se considerar que estavamos perante uma “situação jurídica subsistente”.

Que modificações trouxe a lei nova?

Nos termos do art.º 1877.º CC os filhos estavam e estão sujeitos às responsabilidades parentais até atingirem a maioridade (18 anos), cabendo no âmbito do exercício dessas responsabilidades a obrigação dos pais de prover ao sustento dos filhos – art.º 1878.º.
No art.º 1880.º fixa-se que, se no momento em que atingir a maioridade, o filho ainda não tiver completado a sua formação profissional, a obrigação de prover ao sustento dos filhos mantém-se, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que complete essa formação. 

Trata-se de uma obrigação que impende sobre ambos os progenitores.

Para os casos em que os pais deixam de funcionar como unidade familiar, estabelecia-se no art.º 1905.º CC que os alimentos devidos ao filho e a  forma de os prestar seriam regulados por acordo dos pais e sujeitos a homologação.

Este art.º1905.º veio a ser alterado pela L 122/2015, mantendo-se a redacção inicial, sob o agora n.º1 e aditando-se um n.º 2 onde se dispõe que “para os efeitos do disposto no art.º 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”

O que é que se alterou e porquê? ?

Com o aumento da escolaridade obrigatória e com a necessidade de mais formação académica, com a vista à obtenção de ingresso no mercado de trabalho, vemos que ficou desadequado fazer coincidir a cessão de alimentos com o alcance da maioridade e social e processualmente penoso obrigar um jovem de 18 a intentar uma acção de alimentos contra o progenitor, com vista a ver reconhecida a obrigação fixada no art.º 1880.º.

Ao que cremos, para evitar a necessidade de propositura deste tipo de acção e para dar resposta à realidade social actual, o legislador legislou no sentido de dispensar esta acção, estendendo até aos 25 anos a obrigação de prestar os alimentos que o progenitor vinha prestando na menoridade, com as ressalvas do processo educativo ou formação profissional cessar antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

Resulta daqui uma alteração ao ónus de acção e prova.

Se antes era o filho que, atingindo a maioridade, tinha que demandar o pai ( caso este não continuasse a prestar alimentos voluntariamente) com vista a a obter uma decisão judicial que o condenasse a cumprir a obrigação de alimentos a filho maior, cabendo ao filho alegar e provar que continuava a sua formação e necessitava desses alimentos, com a nova lei o filho maior fica desonerado dessa acção e prova.

Porque o legislador ficcionou e vida corrente assim o confirma que, por regra, essa necessidade se manterá até aos 25 anos, decidiu-se dever ser automaticamente estendida essa obrigação até o filho atingir tal idade.

Caso os pressupostos de que depende essa extensão não se verifiquem, que será a excepção, então fica o progenitor com o ónus de intentar acção, fazendo a prova da ausência desses pressupostos e o tribunal apreciará; assistindo-lhe razão dará por cessada a obrigação.

Feito este percurso regressemos ao caso.

Quando a lei nova entra em vigor tínhamos uma acção pendente, instaurada pela filha ao abrigo do art.º 1880.º e contestada pelo pai, onde defende a incapacidade para prestar alimentos.

Por mero exercício de raciocínio admitamos que se aplicava a lei nova ao caso pendente. Quid juris? Esta acção findava, por via do despacho proferido e o pai tinha que vir intentar, ele próprio, uma nova acção para demonstrar aquilo que já alegou na sua contestação, pois é esse o efeito prático, a nível de processo, que resulta da alteração legislativa, como já se disse. Deixa de ser o filho a intentar a acção, cabendo ao devedor de alimentos vir demonstrar que deles o filho não necessita ou que o pai/devedor não os pode pagar.

Basta este enquadramento para se mostrar desacertada a decisão proferida, que pôs termo ao processo, quando as partes já haviam esgrimido os respectivos argumentos.

Em face da lei anterior e ainda na sua vigência, a obrigação de alimentos a que o pai estava sujeito, por via da decisão judicial, cessou com a maioridade.

Apenas por via do art.º 1880.º a obrigação de alimentos se poderia manter, após a maioridade, mas só desde que verificados os pressupostos previstos neste preceito.

E era essa obrigação que a requerente pretendia ver reconhecida com a acção que instaurou.

Temos, assim, por evidente que não havia qualquer “situação jurídica subsistente” de modo a que se possa defender a aplicação da lei nova ao caso.

Na decisão recorrida defendeu-se “que não se trata propriamente de efeitos retroactivos, mas sim que a Lei se aplica a todos os casos pendentes, em que os jovens se encontram no momento actual em processo de educação/formação profissional, existindo alimentos fixados na menoridade, sob pena de ser efectuada interpretação desconforme ao principio da igualdade, principio basilar do nosso Estado de Direito e com dignidade constitucional.

Ora, revertendo as precedentes considerações para o caso sub iudice, releva que a jovem A... provou documentalmente, conforme documentos juntos a fls. 17,132-134 que se encontra a completar o seu processo de educação, sendo certo que o progenitor na contestação apresentada a fls. 83 e ss. nem sequer alega a irrazoabilidade do pedido da jovem, invocando apenas as suas dificuldades económicas.”

Não subscrevemos este raciocínio pelas razões que já de deixaram explicadas.

A requerente já era maior à entrada da lei e portanto a obrigação de alimentos fixados na menoridade já tinha cessado.

Não se pode assim fazer renascer uma obrigação que se tinha extinto e ao proceder-se como se procedeu fez-se, a nosso ver, uma evidente aplicação retroactiva de lei, sem estar a coberto de qualquer normativo legal.

E também não vemos que negar a aplicação da lei nova implique qualquer desigualdade.

O que é desigual não tem que ter igual tratamento.

No nosso caso a requerente tinha perfeito 18 anos pouco antes de intentar a acção.

Agora imaginemos um caso de um filho com 24 anos à data da entrada em vigor da lei nova e cujo pai pagou alimentos até aos 18 anos, tendo cessado nessa altura. Pode esse filho vir hoje pedir que se renove a prestação que o pai pagava na menoridade, com retroactivos à data da sua maioridade? Temos por certo que a resposta seria negativa.

Para não haver desigualdade teríamos que tratar também este hipotético caso como se tratou o que temos em mãos e isso ninguém o defenderá, cremos.

Portanto, apenas temos que tratar por igual todas as situações que se apresentavam iguais à data da entrada da nova lei, ou seja, todos os que em tal data já tinha atingido a maioridade têm que ficar sujeitos ao mesmo regime que será o da lei anterior.

Por outro lado, a decisão recorrida parece que acabou por fazer um pré-julgamento da açcão ao declarar que a requerente provou …e que o requerido “só alega dificuldades económicas”.

Ora, o requerido tem o direito de fazer a prova dessas dificuldades económicas, tanto sob o prisma da lei anterior como da nova, pois, como já de disse, mesmo com a lei nova o progenitor pode demonstrar a “irrazoabilidade” da obrigação e ela poderá decorrer da falta de meios, pura e simplesmente, ou de meios insuficientes para manter o mesmo nível de pensão.

Pelo que deixamos exposto, afirmamos ser nosso entendimento que aos processos que estavam pendentes em 1/10/2015, instaurados ao abrigo do art.º 1880.º não se aplicam as alterações introduzidas ao CC pela Lei 122/2015.

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido e determinando que os autos prossigam com a realização e audiência de discussão e julgamento.
Custas pela recorrida.


Lx, 2016/6/2


Teresa Soares
Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio