Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CARTA DE CONFORTO
GARANTIA PESSOAL
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
Sumário
- As cartas de conforto são documentos atípicos, não previstos na lei, que, como o nome indica, se destinam a tranquilizar uma instituição de crédito no sentido do cumprimento das obrigações de uma entidade que beneficie do crédito dessa instituição e são subscritos por outra entidade que tem interesses junto da beneficiária. - A carta de conforto apenas constituirá uma garantia pessoal se contiver uma obrigação de resultado por parte da entidade subscritora, em que esta se responsabiliza expressamente pelo pagamento da obrigação. - Se a subscritora da carta de conforto apenas se comprometer a uma obrigação de meios, só poderá ser responsabilizada perante a instituição de crédito destinatária da missiva pelo incumprimento da mutuária se a instituição de crédito provar, não só o incumprimento dessa obrigação de meios, mas também o nexo causal entre este e o não pagamento por parte da mutuária. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
RELATÓRIO.
Banco… intentou contra J…, SA, C…, SGPS, SA e O…, SGPS, Lda acção com processo comum alegando, em síntese, que, por via de um contrato de mútuo, creditou 200 000,00 euros na conta da mutuária M…, SA, que integra o mesmo grupo de empresas das rés, tendo estas subscrito cartas de conforto garantindo o cumprimento do pagamento da quantia mutuada, mas, tendo ficado em dívida o montante de 103 066,95 euros e respectivos juros e tendo a mutuária sido declarada insolvente, as rés têm-se recusado a efectuar qualquer pagamento ao autor, sendo certo que, com as referidas cartas de conforto, se comprometeram a assumir a responsabilidade do pagamento no caso de incumprimento da mutuária.
Concluiu pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhe a quantia de 119 451,93 euros, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal comercial.
As rés J… e C… contestaram alegando, em síntese, que o autor obteve resposta negativa quando pediu às rés que prestassem garantia ao empréstimo, tendo estas apenas assumido o compromisso de envidar os seus melhores esforços no sentido do cumprimento por parte a mutuária, o que fizeram através das cartas de conforto, que se mostram honradas, por via de dotação do capital social da mutuária, de prestação de suprimentos, o que conseguiram fazer até 2012, ano a partir tiveram dificuldades que lhes são alheias, tendo a ré C… vendido à ré O… a totalidade das suas acções na mutuária em Junho de 2013.
Por excepção, alegaram ainda que, mesmo que se entendesse que estas declarações constituem a prestação de uma garantia, sempre esta seria nula porque não foi dada autorização aos seus administradores para o efeito e porque não foi cumprido o dever de informação que impendia sobre o mutuante ora autor.
Concluíram pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.
A ré O… contestou nos mesmos termos, alegando, em síntese, que nunca foi acordado que a contestante prestasse uma garantia ao empréstimo, nunca tendo sido essa a sua vontade, pois, se o fosse, teria prestado uma garantia inequívoca, o que não aconteceu, limitando-se a contestante a declarar que reconhecia solvabilidade à mutuária para cumprir o contrato celebrado com o autor, com era sua convicção nessa data, o que não a responsabiliza perante este, não constituindo declaração negocial.
Por excepção, alegou que sempre seria nula a garantia porque estamos perante uma declaração unilateral e porque há indeterminabilidade de objecto.
Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.
O autor pronunciou-se sobre as excepções arguidas, opondo-se.
Foram saneados os autos e procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que, sem pronunciar sobre as excepções, julgou a acção improcedente e absolveu as rés do pedido.
Inconformado, o autor interpôs recurso e alegou, formulando conclusões onde levanta as seguintes questões:
- As cartas de conforto prestadas pelas réus são mencionadas na cláusula 17 do contrato de empréstimo como garantias especiais de crédito, do bom cumprimento das obrigações da mutuária, tendo sido declarado que era garantido que todas as responsabilidades daquela empresa seriam integramente liquidadas.
- Não tendo a mutuária logrado cumprir integralmente o contrato, pode o recorrente responsabilizar as recorridas, à luz das cartas de conforto por estas prestadas.
- Segundo a doutrina e a jurisprudência, as cartas de conforto qualificam-se como fracas, médias ou fortes, em função do grau de vinculação dos seus emitentes e das obrigações para si decorrentes.
- As cartas de conforto fortes são as únicas que prevêem uma obrigação de resultado, em que o emitente se obriga a permitir o cumprimento pela entidade patrocinada, ou a suprir directamente a falta de cumprimento.
- As cartas de conforto prestadas pelas rés estão dentro desta categoria de obrigação de resultado, quer pelo processo negocial associado ao contrato de mútuo, quer pelo seu próprio teor.
- As recorridas, como entidades experientes nos temas de financiamento e de garantias associadas, estavam cientes das obrigações decorrentes das cartas que assinaram, nunca se opuseram ao teor das cartas, nem questionaram o seu conteúdo.
- Ao não cumprir as obrigações que confirmaram garantir as recorridas incorrem em responsabilidade contratual, não tendo ilidido a presunção de culpa que sobre si impende, nos termos do artigo 799º nº1 do CC.
- Deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que condene as recorridas a pagar o valor peticionado.
As rés ofereceram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e invocando ainda argumentos no sentido da procedência das excepções deduzidas nas contestações, que não chegaram a ser apreciadas pela sentença recorrida.
O autor veio responder a esta última matéria.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo.
As questões a decidir são:
I) Natureza e efeitos das declarações prestadas pelas rés nas cartas de conforto.
II) Excepções invocadas pelas rés.
FACTOS.
São os seguintes os factos considerados provados pela sentença recorrida (com a rectificação do lapso constante do ponto 16, que mencionava C… em vez de J…):
1- O A. é um banco que se dedica, entre outras actividades, à concessão de financiamentos aos seus clientes (doc. 1).
2- As RR. são sociedades comerciais que têm por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades comerciais (docs. 2 a 4).
3- As RR. foram titulares de participações no capital da sociedade “M…, S.A.” nas percentagens de 25% (1.a R.), 30%, (2.a R.) e 30% (3.a R.).
4- No exercício das respectivas actividades comerciais, o A. e a “M…, S.A.” celebraram, através de escrito particular datado de 27.04.2010, o que denominaram de contrato de “empréstimo sob a forma de mútuo” (doc. 5).
5- A celebração deste contrato foi precedida de negociações em que interveio JP…, em representação da “M…, S.A.”.
6- Da cláusula 17.a do acordo consta que em garantia do bom cumprimento das obrigações da MUTUÁRIA decorrentes do presente Contrato foram prestadas três cartas de conforto a favor do Banco… pela J…, S.A., C… SGPS, S.A. e O…, SGPS, S.A., respectivamente.
7- Da cláusula 18ª do acordo consta que a Mutuária entrega ao Banco… uma livrança por si subscrita e da qual é tomador o Banco….
8- A fls. 88 dos autos consta cópia assinada e não preenchida da livrança.
9- Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do crédito em conta concedido à “M…, S.A.” (crédito concedido, juros e/ou comissões, despesas judiciais e extrajudiciais), e como condição imprescindível à concessão de tal crédito, o A., no âmbito daquelas negociações, solicitou a prestação de uma garantia pessoal por JC….
10- JC… manifestou a sua indisponibilidade para prestar essa garantia.
11- Em 22-6-2010, o A. creditou na conta corrente da “M…, S.A.”, que os recebeu, € 200 000, 00 (cláusula 4.1. a fls. 2 do doc. 5).
12- Ficou acordado que sobre o capital mutuado seriam devidos juros remuneratórios com uma periodicidade mensal, calculados nos termos das Cláusulas 5.1 a 5.3. do Contrato (p. 3 do doc. 5).
13- Tal como estipulado na Cláusula 16a (cf. p. 6 do doc. 5), a “M…, S.A.” confessou-se devedora do A. por qualquer obrigação para si decorrente de tal contrato, bem como pelos respectivos juros e demais encargos emergentes do crédito.
14- De acordo com o disposto na Cláusula 6. do Contrato, a “M…, S.A.” obrigou-se a reembolsar integralmente o capital mutuado em 36 (trinta e seis) prestações postecipadas mensais, constantes e sucessivas, de capital, juros e encargos associados, ocorrendo o vencimento da primeira prestação um mês após a data do Crédito em Conta (cf. Cláusula 4.1 do contrato, p. 2 do DOC. 5), as restantes em igual dia do período de contagem seguinte e a última no termo do Contrato, ou em data anterior, ocorrendo o reembolso integral antecipado ou o vencimento antecipado do empréstimo (cf. p. 3 do doc. 5).
15- De acordo com o estipulado na Cláusula 14.1, a mora da “M…” no pagamento de qualquer prestação pecuniária emergente da celebração ou execução do aludido contrato acarretaria o pagamento de juros moratórios calculados à taxa que ao tempo vigorasse para os juros remuneratórios contratuais acrescida de uma sobretaxa de mora de 4%, devida a título de cláusula penal (por força do disposto no artigo 8°, n° 1, do Decreto-Lei n° 58/2013, de 8 de Maio, conjugado com os artigos 13°, n° 2 e 14°, n°2 do mesmo diploma, passando a sobretaxa de mora a ser de 3% a partir do dia 5 de Setembro de 2013).
16- A R. “J…, SGPS, S.A.” subscreveu o doc. de que se mostra junta cópia a fls. 97, datado de 21-6-2010, cujo teor é o seguinte:
Banco…
Centro …
Av. …
Exmos Senhores
Assunto: Contrato de Empréstimo sob a forma de Mútuo, no montante de € 200.000, 00 (duzentos mil euros) concedido a M…, S.A. ".
Com referência ao Contrato de Empréstimo sob a forma de Mútuo que a Vossa instituição ou qualquer empresa do vosso Grupo disponibilizam ou venham a disponibilizar à nossa participada/subsidiária acima referida, confirmamos que garantimos que todas as responsabilidades daquela empresa serão integralmente liquidadas.
Mais informamos que durante a vigência do presente financiamento, a J… SGPS, S.A. manterá a sua participação de 25% na M…, S.A.
Com os melhores cumprimentos.
17- A R. “C… SGPS” subscreveu o doc. de que se mostra junta cópia a fls. 98, a datados de 21-6-2010, cujo teor é o seguinte:
Banco…
Centro …
Av. …
Exmos Senhores
Assunto: Contrato de Empréstimo sob a forma de Mútuo, no montante de € 200.000, 00 (duzentos mil euros) concedido a M…, S.A.”.
Com referência ao Contrato de Empréstimo sob a forma de Mútuo que a Vossa instituição ou qualquer empresa do vosso Grupo disponibilizam ou venham a disponibilizar à nossa participada/subsidiária acima referida, confirmamos que garantimos que todas as responsabilidades daquela empresa serão integralmente liquidadas.
Mais informamos que durante a vigência do presente financiamento, a C… SGPS, S.A. manterá a sua participação de 30% na M…, S.A.
Com os melhores cumprimentos.
18- A R. “O…” subscreveu o doc. de que se mostra junta cópia a fls. 99, datado de 21-6-2010, cujo teor é o seguinte:
Banco…
Centro …
Exmos Senhores
Assunto: Contrato de Empréstimo sob a forma de Mútuo, no montante de € 200.000, 00 (duzentos mil euros) concedido a M…, S.A.”.
Com referência ao Contrato de Empréstimo sob a forma de Mútuo que a Vossa instituição ou qualquer empresa do vosso Grupo disponibilizam ou venham a disponibilizar à nossa participada/subsidiária acima referida, confirmamos que garantimos que todas as responsabilidades daquela empresa serão integralmente liquidadas.
Mais informamos que durante a vigência do presente financiamento, a O… SGPS, SA manterá a sua participação de 30% na M…, S.A.
Com os melhores cumprimentos.
19- A “M…, S.A.” pagou as prestações que se venceram até ao dia 22.01.2012.
20- O A. solicitou à “M…, S.A.” que procedesse ao pagamento dos montantes em dívida e vencidos (doc. 12),
21- Nos termos da Cláusula 15.1, a falta de cumprimento das obrigações assumidas pela “M…, S.A.” perante o A. implicava o vencimento de toda a dívida.
22- A “M… S.A.” foi declarada insolvente por sentença proferida em 19.11.2013 pelo Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia no âmbito do proc. n° 1283/13.1TYVNG (doc. 13).
23- O A. reclamou créditos de € 103 066, 55 e de € 12 758, 99 de juros como créditos comuns junto do processo de insolvência da “M…, S.A.”.
24- Este crédito foi reconhecido pelo Administrador da Insolvência, constando da lista definitiva de credores prevista no art° 129° do CIRE (doc. 14).
25- No âmbito daquele processo de insolvência, o Administrador da Insolvência apresentou nos autos o relatório previsto no art° 155° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no qual conclui pela inviabilidade económica e financeira da “M…, S.A.” (que já não tem qualquer actividade) e pela insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, tendo ainda proposto a cessação imediata e definitiva da actividade da empresa (cf. DOC. 15).
26- Desse relatório resulta que os únicos bens que o Administrador da Insolvência logrou apreender não valerão mais de € 500,00 (doc. 15, ponto 5.3).
27- O A. solicitou às RR. que procedessem ao pagamento dos montantes devidos pela “M…, S.A.” por cartas datadas de 30-04-2014 (docs. 16 a 18).
28- Em 18-2-2014 teve lugar assembleia de credores no âmbito do processo n° 1283/13.1TYVNG, em que é insolvente “M…, S.A.”, em que foi proferido despacho a ordenar a imediata apreensão e liquidação da massa insolvente nos termos do disposto no art° 158° do CIRE, conforme proposto pelo administrador no seu relatório.
29- A R. “J… SGPS, S.A.” assumiu perante o A. subscrever o doc. de que se mostra junta cópia a fls. 97, datado de 21-6-2010.
30- A R. “J… SGPS, S.A.” manifestou a sua disponibilidade para emitir o que a própria e a A. denominaram de carta de conforto, em que se obrigou conforme da mesma consta.
31- A R. “J… SGPS, S.A.” solicitou que escrito idêntico fosse igualmente subscrito pelas RR. “C… SGPS, S.A.” e “O…, SGPS, Lda.”, por serem sociedades que também detinham participações qualificadas no capital social da “M…, S.A.”.
32- As RR. “C… SGPS, S.A.” e “O…, SGPS, Lda.” acederam a subscrever os documentos nos termos que dos mesmos constam.
* Ao abrigo dos artigos 607º nº4 e 663º nº2 do CPC, com base na confissão da contestação das 1ª e 2ª rés e no documento de fls 214 e seguintes (acta nº8 da assembleia geral e universal dos accionistas da sociedade M…), está provado o seguinte facto:
33- Em Outubro de 2013 a ré C… já não tinha participações na mutuária M….
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Natureza e efeitos das cartas de conforto emitidas pelas rés.
Com a presente acção, o autor, ora apelante, pretende que as rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia não paga pela sociedade M…, sociedade participada pelas rés, sendo essa quantia objecto do contrato de mútuo que o autor celebrou a referida sociedade.
Para o efeito, o autor apresenta três documentos que denomina “cartas de conforto”, defendendo que, por via dos mesmos, as rés tomaram o compromisso de pagar a quantia mutuada se, como é o caso, a mutuária não cumprisse.
As cartas de conforto são documentos atípicos, não previstos na lei, que, como o nome indica, se destinam a tranquilizar uma instituição de crédito no sentido do cumprimento das obrigações de uma entidade beneficiária do crédito dessa instituição e são subscritos por outra entidade que tem interesses junto da beneficiária (cfr Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4ª ed., página 771, Ferreira de Almeida, Contratos III, 2012, página 219 e Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 5ª edição, página 155).
Tais documentos poderão ter conteúdo muito diverso, que poderá ir desde uma mera informação sobre a situação da devedora, passando pelo compromisso de proceder a determinadas diligências e podendo chegar mesmo ao efectivo compromisso de assumir a dívida da entidade obrigada.
Menezes Cordeiro, na obra citada (páginas 776 e seguintes), qualifica este tipo de missivas em cartas de conforto fracas, médias ou fortes.
O conteúdo das cartas fracas seria constituído pela concessão de informações relativas à situação da devedora e por um dever genérico de diligência, que não obrigaria a subscritora, a não ser no caso de existir um contrato de subordinação a que se referem os artigos 493º e seguintes do Código Comercial e por força do artigo 501º do mesmo código (que impõe à sociedade directora a responsabilidade pelas obrigações da sociedade subordinada).
As cartas de conforto médias constituiriam já uma declaração negocial, em que a subscritora se obrigaria a obrigações de meios, comprometendo-se a determinadas actuações tendentes a facilitar o cumprimento por parte da devedora.
Finalmente, as cartas de conforto forte constituiriam uma obrigação de resultado, em que a subscritora se comprometeria efectivamente ao cumprimento da obrigação, dependendo das condições inseridas no texto saber se tal compromisso seria uma fiança (por integrar os pressupostos previstos nos artigos 627º e 638º do CC) ou uma garantia autónoma atípica.
Por seu lado, Ferreira de Almeida, na obra citada (páginas 220 e seguintes) define a mesma realidade como cartas de conforto de informação (que, em princípio, não responsabilizariam a emitente, excepto nos casos de responsabilidade pré-contratual nas negociações ou de responsabilidade contratual no âmbito de um contrato de informação), de prestação de facto (positivo ou negativo) e de garantia pessoal, acessória (fiança ou mandato de crédito) ou autónoma.
Tratando-se de documentos atípicos, que poderão revestir uma natureza completamente diferente, consoante os respectivos conteúdos, haverá então, que interpretar o sentido das declarações nelas expressas, nos termos do artigo 236º do CC.
Voltando ao caso dos autos, à data da subscrição das cartas de conforto, as respectivas subscritoras, ora apeladas, tinham todas participação na sociedade a quem o autor concedeu um empréstimo no âmbito de um contrato de mútuo, existindo, assim, uma ligação entre as rés e a referida sociedade, encontrando-se em posição de prestar informações sobre a situação da mesma.
Relembremos, então, o texto dos documentos subscritos pelas rés, ora apeladas, que é o seguinte: “com referência ao contrato (….) confirmamos que garantimos que todas as responsabilidades daquela empresa serão integralmente liquidadas (…) mais informamos que durante a vigência do presente financiamento a (subscritora) manterá a sua participação de (…) na M…, SA” (pontos 16, 17 e 18 dos autos).
Ora, deste texto não se pode concluir, como faz a apelante, que as subscritoras quiseram prestar uma garantia pessoal e se obrigaram a proceder ao pagamento da quantia mutuada no lugar da mutuária, ou seja, a uma obrigação de resultado.
Literalmente, o texto não comporta uma obrigação dessa natureza, pois aí apenas se assegura que será cumprida a obrigação da mutuária, mas não se declara expressa e inequivocamente que é assumida a dívida da mutuária.
A declaração de que a participação da subscritora na mutuária será mantida durante a vigência do financiamento reforça esta conclusão, já que tal declaração não seria necessária se a subscritora se obrigasse pessoalmente ao pagamento.
Também o facto de ter sido solicitada pelo autor uma obrigação pessoal que foi recusada (pontos 9 e 10 dos factos), a uma pessoa que é presidente do conselho de administração da 1ª ré (documento de fls 53 e seguintes, a que se refere o ponto 2 dos factos) reforça a interpretação de que as rés não quiseram prestar esse tipo de garantia.
Por outro lado, conforme se expõe no acórdão da RL de 5/12/2013, p.245/13, em www.dgsi.pt, sendo declaratária uma instituição de crédito, que, naturalmente, tem a obrigação de conhecer a diferença entre todas estas diversas e possíveis situações que poderão resultar de uma carta de conforto, caso pretenda que seja prestada uma obrigação de resultado como uma garantia pessoal, terá de se assegurar que o texto do documento seja expresso e inequívoco nesse sentido, pois, caso não faça, terá de se concluir que se conformou com uma declaração que não tem essa natureza.
Conclui-se, portanto, que as cartas de conforto dos autos não contêm uma obrigação de pagamento por parte das subscritoras ora apeladas.
Igualmente, não tendo sido alegada e provada a existência de um contrato de subordinação previsto nos artigos 493º e seguintes do Código Comercial e, consequentemente, da responsabilização das rés pelos compromissos da mutuário, nos termos do artigo 501º do mesmo código, não podem estas ser responsabilizadas pela declaração de solvabilidade da sua participada e pela obrigação geral de diligência.
Resta saber qual a consequência de a ré C… ter deixado de ter participação na mutuada (ponto 33 dos factos).
A declaração prestada na parte final das cartas de conforto, no sentido de que as subscritoras iriam manter a sua participação no capital da sociedade mutuada poderá eventualmente ser interpretado como uma informação, caso em que não poderia ser responsabilizada a ré C… por ter deixado de ter participação, nos termos do artigo 485º nº1 do CC e na medida em que não se provaram os pressupostos do nº2 deste artigo, não tendo sido alegados e provados factos que integrem má fé contratual nesta declaração, ou qualquer outro dever legal de informação.
Mas, mesmo interpretando-se a declaração de manutenção da participação na mutuária como um compromisso, ou seja, como uma obrigação de meios, não se provaram factos de que se possa concluir pela responsabilidade da ré C… por não ter mantido a sua participação.
Na verdade, tendo a subscritora de uma carta de conforto assumido uma obrigação de meios, o incumprimento desta obrigação terá de ter as consequências normais de um incumprimento contratual, ou seja, haverá responsabilidade contratual, nos termos do artigo 798º do CC, se o credor lograr provar, não só o incumprimento, mas também o nexo causal entre o incumprimento e os danos sofridos, nos termos do artigo 342º do mesmo código (neste sentido Ferreira de Almeida, obra citada, página 221 e Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, obra citada, página 162).
No presente caso, tendo-se provado que a ré C… não manteve a sua participação na sociedade mutuária, não se provou, nem sequer foi alegado, que esse facto tenha dado causa ao não cumprimento do contrato de mútuo celebrado com o autor apelante.
Deste modo, não existem fundamentos para exigir o cumprimento do mútuo às rés, improcedendo as alegações do apelante.
II) Excepções invocadas nas contestações e não apreciadas pela sentença recorrida.
Improcedendo a apelação, não se verificam os pressupostos do artigo 665º nº2 do CPC, não havendo que conhecer as excepções que a sentença recorrida não apreciou e, consequentemente, a matéria alegada pelas rés relativamente a esta matéria nas contra-alegações.
DECISÃO.
Pelo exposto, se decide julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 2016-06-09
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho
Maria Manuela Gomes