Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
ACÇÃO EXECUTIVA
LIVRANÇA
IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário
SUMÁRIO (da relatora):
1. Por força do n.º 4 do artigo 6.º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e no que concerne à acção executiva, o disposto no novo Código de Processo Civil só se aplica aos procedimentos e incidentes da natureza declarativa (como é o caso de oposição à execução) que sejam deduzidos a partir de 1 de Setembro de 2013. 2. A oposição à execução assume a estrutura de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título em que se baseia, destinando-se à declaração da sua extinção. 3. Os fundamentos da oposição à execução podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual, concernentes à inexistência ou inexequibilidade de título executivo. 4. Sendo a executada/opoente subscritora de uma livrança que serve de título executivo e, não tendo sido impugnada a letra ou assinatura aposta na mesma, estabelecida ficou a genuinidade do documento, sendo aquela obrigada cambiária, o que significa que se obrigou ao pagamento do valor inscrito na livrança. 5. Mas, invocando a exequente, que do valor aposto na livrança, foram efectuadas duas amortizações, identificando as datas e os respectivos montantes, apenas visando a cobrança coerciva do valor alegadamente ainda não pago, incumbia à opoente invocar e provar nada dever à executada, por ter já sido efectuado o pagamento integral da livrança, ou alegar factualidade consubstanciadora de qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva do invocado direito da exequente, sob pena de a oposição ser liminarmente indeferida por manifesta improcedência.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO
BANCO, S.A., com sede na Rua …… moveu, em 26.08.2013, contra SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA., com sede na ……, CARLOS ……. e LOURDES ……., residentes em ……., execução para cobrança coerciva da quantia de € 23.233,53€, de capital, acrescido de juros, no valor de 270,10€, calculados, nos termos do DL 262/83, de 16/6 e Portaria 291/2003, de 8/4, à taxa anual de 4% a partir de 16/5/2013 (data da última amortização da livrança) até hoje, juros estes que, por sua vez, incorporam 10,39€ relativos ao imposto a que alude a TGIS, de 4% sobre os juros.
Alegou, para tanto, a exequente que:
É dona e legítima portadora da livrança exequenda, dada em garantia de operação bancária, no valor de 490.000,00€, com vencimento em 10/11/2012, a qual, por via de duas amortizações entretanto efectuadas, de 421.422,99€, em 14/5/2013, e 45.343,48€ em 16/5/2013, representa o valor de 23.233,53€, que se encontra subscrita por Sociedade de Construção Civil, Lda. e avalizada por Carlos ……, e Lourdes …… e Marques ….., a qual, apesar de vencida, não foi paga.
Em 14.10.2014, a 1ª executada veio deduzir OPOSIÇÃO à aludida execução nos seguintes termos
1. A executada foi surpreendida com a respectiva citação.
2. A executada desconhece, ao pormenor, a origem da alegada dívida.
3. E não se diga que tem obrigação de conhecer, visto que só por artes de adivinhação lá poderia chegar.
4. Pelo que caberá sempre à exequente o ónus do cabal esclarecimento alegada origem da dívida.
5. Efectivamente a executada tem conhecimento da celebração de um contrato relacionado com fundos.
6. No entanto a gestão da carteira sempre foi efectuada pela exequente sem solicitar instruções da ora executada.
7. A executada, analisando o valor peticionado, presume que foram vendidos, no entanto desconhece, quando, como e por ordem de quem.
8. Efectivamente, com o teor do requerimento executivo, não é alegada a origem da dívida, nem tão pouco como foi apurado, pelo que sempre se terá que impugnar o respectivo valor.
9. Ou seja, estamos perante um valor que a executada não consegue calcular, nem tem obrigação de tal.
10. Assim sendo, desde já se impugnam todos os valores apresentados pela exequente.
11. Porquanto, deverá a exequente explicitar a origem da dívida com vista à executada se poder defender.
Concluiu a executada/opoente propugnado a procedência da oposição.
Em 21.10.2015 foi proferida a seguinte decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Nestes termos e com estes fundamentos, ao abrigo do disposto no art. 732º, nº 1, alínea c), do NCPC, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado por serem manifestamente improcedentes. Valor da presente ação: o da execução – arts. 296º, 297º, 307º, nº 1, do NCPC. Custas pela executada embargante - art. 527º, nº 1, do NCPC.
Inconformada com o assim decidido, a opoente interpôs, em 14.12.2015, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i. Nos termos da douta decisão foi decidido nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 732º do CPC indeferir liminarmente os embargos do executado por manifestamente improcedentes.
ii. Entende a recorrente que a douta sentença viola a o artigo 732º do CPC, nomeadamente a alínea c) violando ainda o artigo 731º do CPC, senão vejamos.
iii. Analisando o requerimento executivo junto aos autos, verifica-se que estamos perante uma letra no valor de 490.000,00 € referente a uma reforma de uma letra de 500.000,00 €.
iv. Sendo que vem a Exequente peticionar a quantia de 23.233,53 € a título de capital.
v. Seguindo o entendimento da douta sentença, qualquer valor peticionado pela Exequente entre 0,001 € e 490.000,00 € poderia ser peticionado pela Exequente sem esse valor ser sujeito ao contraditório.
vi. Tal entendimento além de ilegal é inconstitucional violando o artigo 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa que consagra a proibição da indefesa.
vii. Pelo que desde já se invoca a inconstitucionalide da alínea c) do artigo 732º do CPC.
viii. A douta sentença viola ainda o artigo 731º do CPC que consagra que relativamente ao título em causa que os Executados “podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.”
ix. Conforme resulta da mera leitura da oposição, no artigo 10º, a Executada impugna todos os valores peticionados, assim sendo, salvo devido respeito, resulta claro que os presentes embargos não devem ser indeferidos, devendo ser objecto de julgamento.
Pede, por isso, a apelante, que a sentença recorrida seja revogada, e substituída por uma que ordene o prosseguimento dos autos.
Por determinação da relatora, o processo baixou à 1ª instância para ser devidamente instruído, nomeadamente com a notificação do exequente para os termos do recurso e da causa
A exequente/apelada nãoapresentou contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe unicamente a análise:
Û DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
III . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório desta decisão, cujo teor aqui se dá por reproduzido
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho aprovou um novo Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, conforme resulta do disposto no artigo 8.º.
A entrada em vigor de uma lei processual suscita sempre questões relativas à sua aplicação no tempo, as quais são, em regra, dirimidas mediante disposições transitórias especiais.
Foi o que efectivamente sucedeu no diploma que aprovou o novo CPC.
De entre essas disposições transitórias, o artigo 6.º trata especificamente da acção executiva e, o seu nº 4, dispõe expressamente que: O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos cautelares e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei.
De harmonia com o citado normativo tem sido pacífico, na jurisprudência publicada, o entendimento de que são aplicáveis as disposições do anterior Código de Processo Civil a todos os procedimentos e incidentes de natureza declarativa com estrita ligação funcional ao processo executivo, e que, nas execuções pendentes, hajam sido deduzidos em data anterior de 1 de Setembro de 2013 – cfr., a título meramente exemplificativo e entre muitos, Acs. R.C. de 14.01.2014 (Pº 633/11.0TBFIG-A.C1), de 13.05.2014 (Pº 304921/09.8YIPRT-B.C1), de 03.03.2015 (Pº 15/12.6TBSRE-A.C1), Ac. R.G. de 15.05.2014 (Pº 359/11.4TBFLG-A.G1), Ac. R.P. de 05.05.2014 (Pº 1869/09.9TBVRL-F.P1).
De resto, na doutrina, defende mesmo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A Acção Executiva Singular, 180, que os embargos de executado constituem um incidente da execução: são processos declarativos incidentais da acção executiva.
Tal significa que serão ainda aplicáveis os normativos do aCPC, na oposição à execução, se esta foi deduzida em data anterior a 01.09.2013, como sucedeu no caso dos autos.
A execução a que se reporta a presente oposição tem como títulos executivos um documento particular.
Dispõe o artigo 45º, nº 1 do Código de Processo Civil (em vigor à data da interposição da acção executiva, que ocorreu em 26.08.2013), que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
E de acordo com o 46º, nº1 alínea d) do Código de Processo Civil, podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
O título executivo pode ser definido como o documento donde resulta a exequibilidade de uma pretensão e, por conseguinte, a possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva.
Sendo o título executivo condição necessária e suficiente da acção executiva, pois não há execução sem título, tem também o título executivo uma função probatória
Mas, para além de uma função delimitadora e uma função probatória, o título executivo, exerce também uma função constitutiva, dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal.
A acção executiva visa, pois, a realização coactiva de uma prestação ou de um seu equivalente pecuniário. A exequibilidade da pretensão, na qual se contém a faculdade de exigir a prestação, e, portanto, a possibilidade de realização coactiva desta prestação, deve resultar do título, devendo este incorporar o direito do credor de obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação.
Se o documento que serve de suporte ao accionamento executivo não incorpora a faculdade de exigir o cumprimento de uma prestação, o título correspondente é extrinsecamente inexequível.
Por outro lado, a exequibilidade intrínseca diz respeito à obrigação exequenda e às suas características materiais. Esta obrigação tem, desde logo, de subsistir no momento da execução: se tiver sido atingida por qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo que possa ser alegado pelo executado, a sua exequibilidade intrínseca tem-se por excluída.
A inexequibilidade extrínseca - do título - e intrínseca - da obrigação exequenda - constituem idóneo fundamento de oposição à execução.
A oposição constitui um processo declarativo instaurado pelo executado contra o exequente que corre por apenso à execução e que consubstancia um incidente desta – v. artigos 813º, 817º, nº 1, 929º, nº 1, 933º, nº 2, 940º, nº 2 e 941º, nº 2 todos do CPC.
Ora, como é sabido, a oposição à execução assume a estrutura de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título e/ou da acção em que se baseia – v. LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., 189.
A oposição à execução destina-se, portanto, à declaração da sua extinção, sob o fundamento da inexistência da obrigação exequenda ou da inexistência ou ineficácia do título executivo.
Os fundamentos da oposição à execução podem ser de natureza substantiva, relativos à própria obrigação exequenda, ou de natureza processual, concernentes à inexistência ou inexequibilidade de título executivo.
A oposição pode basear-se em fundamentos respeitantes à inexequibilidade do título utilizado pelo exequente, à falta de pressupostos processuais da acção executiva e ainda à inexequibilidade da obrigação que aquele realizar coactivamente.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que, a par de requisitos formais ou extrínsecos de exequibilidade, relacionados com o título executivo, existem requisitos intrínsecos, materiais ou substanciais, que também condicionam a exequibilidade do direito, inviabilizando, na sua falta, a satisfação coactiva da obrigação. Tal ocorre, por exemplo, quando a prestação não seja certa, exigível e líquida, ou ainda quando ocorre acto extintivo ou modificativo da obrigação.
A falta, não suprida, de qualquer destas condições materiais da prestação obsta à exequibilidade e constitui fundamento legal de oposição à execução, nos termos do art.º 814º, nº 1, al. e) e 816º do CPC.
O título que suporta a execução a que a oposição se reporta é um documento particular, razão pela qual o executado pode, nos termos do artigo 816.º do aCPC (artigo 731º do nCPC), para além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 814.º do aCPC (artigo 729º do nCPC), invocar qualquer fundamento que pudesse deduzir como defesa no processo declarativo, ou seja, qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito do exequente. Poderá, consequentemente, ser invocado qualquer facto que afecte a própria validade intrínseca da obrigação.
No caso vertente, estamos perante uma livrança que foi dada à execução como título executivo.
A livrança é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve, além do mais, a promessa pura e simples por uma pessoa de pagar a outra determinada quantia (artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).
Pela aposição da assinatura na livrança, o emitente desta obriga-se a pagá-la na data do vencimento. E, segundo o artigo 78º da L.U.L.L., o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra.
Há, porém, uma diferença fundamental neste aspecto entre a letra e a livrança. Enquanto naquela, o emitente (sacador) se obriga a fazer pagar, porque delega o pagamento no sacado e, só se responsabiliza como obrigado suplente, i.e., como obrigado em via de regresso se, o sacado, a não pagar; nesta, é o próprio emitente que se obriga a pagar na época do vencimento.
Na livrança o emitente é, pois, o obrigado principal. Daí a equiparação expressa, no artigo 78º do LULL, ao aceitante de uma letra.
O negócio subjacente da emissão da livrança é simplesmente a soma de dinheiro que o emitente reconhece ter recebido do tomador.
É, por outro lado, consabido que, relativamente aos documentos particulares assinados, quanto à autoria, rege o disposto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Civil, nos termos do qual a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando este declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
A força probatória do documento cuja autoria esteja reconhecida nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CC, é a estabelecida no artigo 376.º do CC.
De acordo com o n.º 1 do aludido artigo 376º do C.C., o documento particular faz prova plena quanto às declarações nele atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, acrescentando o n.º 2, que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
Como esclarece LEBRE DE FREITAS, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, 55-56: Assim estabelecida a genuinidade do documento, ou melhor, a veracidade da sua subscrição pela pessoa a quem é atribuído, dela resulta a veracidade do respectivo contexto: o documento particular faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor - C. Civil, art. 376.º-1). A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém duma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. O âmbito da sua força probatória é, pois, bem mais restrito.
Do mesmo modo referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 3ª ed., ob. cit., 329: Ao contrário do que sucede com os documentos autênticos, os documentos particulares não provam, por si sós, a genuinidade da sua (aparente) proveniência. A letra e assinatura, ou a assinatura, só se consideram, neste caso, como verdadeiras, se forem expressa ou tacitamente reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se legal ou judicialmente forem havidas como tais. Havendo impugnação, é ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada; e terá de fazê-lo, mesmo que o impugnante tenha arguido a falsidade do texto e assinatura, ou só da assinatura.
A parte contra quem o documento é apresentado pode questionar a sua genuinidade, nos termos do nº 1 do artigo 544º do aCPC (artigo 444.º do nCPC), impugnando a letra ou a assinatura.
Se não for estabelecida a genuinidade do documento particular assinado, porque, tendo sido impugnado, o apresentante não demonstrou a sua veracidade, não lhe pode ser atribuída força probatória plena, podendo ser livremente apreciável pelo tribunal, como refere LEBRE DE FREITAS, op. cit., 99.
No caso em apreço, resulta do título que a executada/opoente é a subscritora da livrança. E, não tendo impugnado a letra ou assinatura aposta na mesma, estabelecida ficou a genuinidade do documento.
Dúvidas não há, portanto, que a opoente é obrigada cambiária. Esta, apôs a respectiva assinatura na frente da livrança, na qualidade de subscritora, o que significa que se obrigou ao pagamento do valor inscrito na livrança, de harmonia com o disposto no artigos 28º, aplicável ex vi dos artigos 78º e 77º, ambos da LULL.
Por força do disposto nos artigos 43º a 48º da LULL., aplicável ex vi do artigo 77º do mesmo diploma, o portador pode exercer o seu direito de acção contra qualquer obrigado cambiário, reclamando o pagamento da livrança não paga e juros, despesas de protesto, avisos dados e outras despesas.
Considerando que a executada assinou a livrança, na qualidade de subscritora da mesma, e o portador é o Banco exequente, no qual a livrança se encontra, de resto, domiciliada, há que concluir que estamos no domínio das chamadas relações imediatas, porque estabelecidas entre os sujeitos cambiários, isto é, sem intermediação de outros intervenientes cambiários.
Tudo se passa, neste caso, em princípio, como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, passando a relevar o conteúdo da convenção extra-cartular.
Poderia, por isso, a executada, na qualidade de subscritora, opor à exequente, portadora da livrança, todas as excepções que à sociedade subscritora seria lícito invocar, nomeadamente, a excepção do preenchimento abusivo, qualquer excepção decorrente da celebração do contrato subjacente à relação cambiária.
Sucede, porém, que nada a opoente invocou, limitando-se a alegar que “desconhece ao pormenor a origem da alegada dívida” e que caberá à exequente o ónus do cabal esclarecimento da alegada origem da dívida.
Labora, inequivocamente a opoente em erro, visto que, se pretendia invocar, nomeadamente, que estaria em causa uma livrança subscrita total ou parcialmente em branco, a ela lhe incumbia invocar tal excepção.
Aliás, e como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, o ónus de alegação e prova do preenchimento abusivo incumbe a quem apõe a sua assinatura na livrança. E, se aquele nada invocou, não poderá fazer prova desse facto, pelo que sempre se terá de admitir que tal preenchimento foi efectuado correctamente, sendo a subscritora responsável pelo pagamento da quantia aposta na livrança e respectivos juros.
Invocou, todavia, a exequente, que do valor aposto na livrança, foram efectuadas duas amortizações, identificando as datas e os respectivos montantes. Daí que, caso a opoente entendesse que nada devia à executada, por ter já sido efectuado o pagamento integral da livrança, igualmente a ela lhe incumbia alegar e provar tal pagamento, o que a opoente não fez.
Nestes termos, não tendo a opoente alegado factualidade consubstanciadora de qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva do invocado direito da exequente, nem tão pouco invocou qualquer facto que afecte a própria validade intrínseca da obrigação cambiária ou o pagamento integral da livrança, forçoso é concluir pela improcedência da apelação, mantendo-se a decisão recorrida cujo entendimento não padece de qualquer inconstitucionalidade.
Vencida, é a recorrente responsável pelas custas respectivas - artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar a recorrente no pagamento das custas respectivas.