INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário

1. Os créditos sobre a insolvência, ao contrário dos créditos sobre a massa insolvente, podem ser reclamados pelo meio previsto no artigo 128º do CIRE, na medida em que este meio processual apenas se destina à reclamação e verificação dos créditos sobre a insolvência.
2. A constatação da insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e bem assim as restantes dívidas da massa insolvente, e a inerente declaração oficiosa de encerramento do processo de insolvência, nos termos dos artigos 230º, nº 1, al. d), e 232º, nº 2, do CIRE, caso o mesmo ocorra antes do rateio final, acarreta como consequência a extinção do processo de verificação de créditos que se encontre pendente, e neste não haja sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos.
3. A impugnação da decisão de encerramento do processo de insolvência que determinou a extinção do processo de verificação de créditos deverá ser efectuada, não neste processo, mas diversamente naquele outro.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


VEÍCULOS MOTORIZADOS, LDA, foi declarada insolvente, por sentença datada de 26.04.2012, transitada em julgado.
                       
Foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.

RUI ……., invocando a sua qualidade de trabalhador da insolvente, reclamou créditos laborais, no valor global de € 7.143,39, acrescidos de juros desde a data de vencimento do capital, à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento, a título de remunerações, desde Setembro de 2011 a  Fevereiro de 2012, subsídios de alimentação, férias não gozadas referente a 2011, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2011, não recebidos, proporcionais de férias, de subsídio de férias e de Natal de 2012 e indemnização compensatória. Juntou documentos comprovativos do contrato de trabalho sem termo, recibos de vencimento e extracto de remunerações registadas na Segurança Social.

Na sequência da apresentação deste requerimento, teve lugar o seguinte iter processual:
               
1. Em 29.06.2012, o Administrador da Insolvência informou o reclamante, Rui …., por aviso, nos termos do nº 4 do artigo 129º do CIRE, de que o seu crédito não havia sido reconhecido.
2. Em 16.07.2012, o credor/reclamante, Rui …., apresentou requerimento, impugnando a lista de credores reconhecidos, com fundamento na exclusão de créditos e na incorrecção do montante dos seus créditos reclamados, concluindo pela verificação de erro manifesto do A.I. na análise da reclamação de créditos atempadamente apresentada e na decisão que sobre a mesma recaiu, pelo que devia ter sido reconhecido o crédito reclamado pelo trabalhador/reclamante, no montante global de 7.142,39, assim como deveria ter reconhecido que os créditos descritos beneficiam de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial sobre todos os imóveis apreendidos e/ou a apreender a favor da M.I.
3. Em 07.11.2012, o reclamante veio juntar aos autos comprovativo da concessão do benefício da protecção jurídica, na vertente de dispensa de taxa de justiça e demais encargos (…).
4. Em 19.12.2012, no apenso da reclamação de créditos, foi proferido o seguinte Despacho:
Notifique o senhor administrador de insolvência para, no prazo de dez dias, juntar aos autos a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos e avisos efectuados, conforme disposto pelo art. 129.º, n.º 1 e 4 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
5. Em 17.01.2013, o A.I. juntou aos autos a relação de créditos reclamados, dela constando como crédito não reconhecido, o crédito de Rui ….., com o seguinte fundamento: Resulta da documentação e contas apresentadas pela Gerência da insolvente que os créditos reclamados não são devidos na totalidade e que o trabalhador ainda ficou a dever a quantia de 597,74 (em compensação).

6. Em 24.04.2014, foi proferido o seguinte Despacho:
Após compulsar a “lista definitiva dos credores reconhecidos”, o Tribunal verificou que o Sr. Administrador da Insolvência reconheceu que a FAZENDA NACIONAL é credora de um crédito privilegiado no valor global de 116,50€, decorrente de “IRS e Custas”.
Acontece que os créditos decorrentes de custas não têm natureza privilegiada.
Assim sendo, o Tribunal decide notificar o Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 (dez) dias, rectificar a sua “lista de credores reconhecidos”.

7. Em 21.05.2014, o Administrador da Insolvência deu cumprimento ao Despacho de 19.12.2012, juntando ao processo nova lista de créditos rectificativa, mantendo-se como não reconhecido o crédito reclamado pelo credor/reclamante, Rui …..
8. Em  09.06.2014, proferido o seguinte Despacho:
Notifique-se o sr. Administrador da impugnação apresentada aos autos por Rui Manuel de Sousa Moreira, nos termos e para os efeitos previstos pelo artigo 131, n.º1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

9. Em 20.10.2014 foi proferido o seguinte Despacho:
Notifique o Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 (dez) dias, comprovar nos autos ter notificado a “lista de credores reconhecidos” rectificada aos credores.

10. Em 30.10.2014, o A.I. respondeu ao despacho de 20.10.2014, informando que não havia notificado aos credores a nova listagem de credores reconhecidos, por não conhecer no CIRE uma norma expressa que a tal obrigue.

11. Em 17.11.2014 foi proferido o seguinte Despacho:
Atento o valor dos bens apreendidos, devem os autos aguardar o resultado das diligências de liquidação com vista a evitar a prática de actos inúteis.
Tendo em conta que se encontra pendente apenas a liquidação da VERBA 33., notifique o Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 (dez) dias, informar os autos sobre o valor que se encontra depositado à ordem da conta da massa insolvente.

12. Em 28.11.2014, o A.I. veio informar que o valor depositado à ordem da conta da massa insolvente era de 1.291.74€ e que o A.I. tinha ainda em seu poder a quantia de 147,03€, totalizando assim o apuro da MI até ao momento de 1.438,77€.
13. Em 06.01.2015 foi proferido o seguinte Despacho:
Aguardem os autos o cumprimento do despacho proferido no dia 06 de Janeiro de 2015, no âmbito do apenso C.

14. Em 10.09.2015 foi proferido, no processo de Insolvência, o seguinte Despacho:
1. Nos presentes autos, o Tribunal procedeu ao cumprimento do disposto no artigo 232.º, n.º 2, do CIRE.
Todavia, não foi depositado à ordem dos autos a quantia necessária para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
Face ao exposto, o Tribunal decide declarar encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos dos artigos 230.º, n.º 1, alínea d), 232.º e 233.º, todos do CIRE.
2. Notifique os credores, publique e proceda ao registo da presente decisão, como impõe o artigo 230.º, n.º 2, do CIRE, que remete para o artigo 38.º do mesmo diploma legal, com a indicação expressa de que o encerramento foi determinado pela insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e demais dívidas.
3. Cumpra o disposto no artigo 234.º, n.º 4, do CIRE.
4. Cumpra o disposto no artigo 65.º, n.º 3, CIRE.
Oficie a administração fiscal, informando que a data da cessação da actividade a considerar é o dia 28 de Junho de 2012 (data da deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento) (cfr. fl. 98).
5. Notifique o Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 (dez) dias, dar cumprimento ao disposto no artigo 233.º, n.º 5, do CIRE.
6. Proceda ao pagamento das duas prestações da provisão para despesas devidas ao Sr. Administrador da Insolvência (cfr. artigo 29.º, n.º 8, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro), bem como da remuneração (a saber: 2.000,00€).
As quantias serão suportadas pelo INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DAS INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I. P., nos termos do artigo 30.º, n.º 1, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.
7. À conta.
A secretaria do tribunal, quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta, deverá utilizar a importância em dinheiro existente na massa insolvente (a saber: 1.438,77€ - cfr. fl. 64 – apenso C) para pagar as custas (cfr. artigo 232.º, n.º 3, do CIRE).

8. O Tribunal decide consignar que encerrado o processo (cfr. artigo 233.º, n.º 1, alíneas a) a d), do CIRE):
Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da  qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo 234.º do CIRE;
Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência;
Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º do CIRE, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência; e
Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.
9. Devolva as execuções fiscais (cfr. apensos E e F), informando que o processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente (cfr. artigo 232.º do CIRE).
10. Oportunamente, arquivem-se os autos.
15. Em 21.09.2015, o despacho referido em 14. foi notificado ao credor/reclamante, Rui ….., através da plataforma Citius. (consulta do sistema informático)
16. Não houve qualquer impugnação do despacho de encerramento do processo de insolvência. (consulta do sistema informático)
17.  Em 07.10.2015, o A.I. entregou no Tribunal, nos termos do nº 5 do artigo 233º do CIRE, toda a documentação que se encontrava em seu poder, bem como os documentos de contabilidade da devedora. (consulta do sistema informático)
18. Em 06.06.2016, sido elaborada a conta de custas (consulta do sistema informático).

19. Após o despacho proferido no processo de Insolvência, referido no ponto 14., foi proferido, na mesma data - 10.09.2015 -  no Processo de verificação de créditos, a seguinte Decisão:

Nos autos principais foi encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto no artigo 232.º do CIRE.
Tal encerramento, nos termos do artigo 233.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, implica a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, quando ainda não tiver sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos.
Face ao exposto, considerando que nos presentes autos ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, o Tribunal decide declarar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide.
Registe e Notifique.

Inconformado com o decidido no processo de Verificação de Créditos, o credor/reclamante, interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença que julgou a extinção da instância do aludido processo de verificação de créditos.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:

i. O presente recurso tem por objecto a douta decisão do Tribunal da Comarca da Madeira – Funchal – Inst. Central – Sec.Comércio – J2, de 28-09-2015, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento no encerramento dos autos principais de insolvência ao abrigo do artº 233º, nº 2, b) do CIRE.
ii. A M.mª Juiz da 1ª instância entendeu julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, [nos termos do artº 277º, e) do CPC], com fundamento no encerramento dos autos principais de insolvência ao abrigo do artº 233º, nº 2, b) do CIRE, fundamentando tal decisão, em suma, no seguinte:
«Nos autos principais foi encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto no artigo 232.º do CIRE.
Tal encerramento, nos termos do artigo 233.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, implica a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, quando ainda não tiver sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos.
Face ao exposto, considerando que nos presentes autos ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, o Tribunal decide declarar extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide».

iii. O trabalhador recorrente oportunamente (em 13-06-2012) reclamou os seus créditos laborais no âmbito do processo de insolvência da sociedade «VEÍCULOS MOTORIZADOS,  LDA».
iv. No entanto, o Sr. Administrador de Insolvência, de conformidade com a comunicação efectuada por carta registada, emitida ao mandatário signatário da presente Impugnação pelo correio registado de 02-07-2012, nos termos e para os efeitos do artº 129º, nº 2, do CIRE, decidiu não lhe reconhecer os créditos nos exactos termos em que vinham peticionados, informando que: “Fica V. Ecia ciente que o (suposto) V/ crédito, constante da lista de créditos, e pelos motivos nela constantes, aqui dados como reproduzidos, e que aqui se sumariam para todos os legais efeitos:
X não foi reconhecido (…)
Rui ….. (…), 7.142,39, 4%, créditos laborais rejeitados cfr. infra d) (…)
d) resulta da documentação e contas apresentadas pela Gerência da insolvência que os créditos reclamados não são devidos e que o trabalhador ainda ficou a dever a quantia de 597,74€ (em compensação)”;
v. O ora recorrente impugnou nos termos do disposto no artº 130º do CIRE a lista de credores reconhecidos mediante articulado apresentado em juízo (em 16-07-2012).
vi. Segundo se alcança da consulta do histórico do processo, na Plataforma Citius, nenhum interessado respondeu à impugnação do, aqui, recorrente.
vii. Em 23-09-2015, foi o recorrente notificado, através da Plataforma Citius, de que fora proferido nos autos principais de insolvência, em 10-09- 2015, sentença a «declarar encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos dos artigos 230.º, n.º 1, alínea d), 232.º e 233.º, todos do CIRE».
viii. Dispõe o artº 277º, al. e) do CPC que a instância extingue-se com «a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide».
ix. Estas causas de extinção da instância ocorrem quando, em virtude de novos factos verificados na pendência do processo, a decisão a proferir nele já não possa ter qualquer efeito útil, porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cfr. Alberto Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, págs. 367-373 e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª edição, pág. 555). Estes últimos autores explicam e distinguem assim as duas referidas causas no local acabado de citar: «a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio».
x. Para a decisão da questão do prosseguimento dos autos, importa averiguar se o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, nos termos dos artigos 230.º, n.º 1, alínea d), 232.º e 233.º, todos do CIRE determina a extinção da instância do processo de verificação de créditos, como foi entendido no despacho recorrido, ou não, como defende o trabalhador recorrente.
xi. A propósito do encerramento do processo quando a insuficiência da massa insolvente é logo apurada na declaração de insolvência pelo juiz e é possível efetuar o complemento da sentença nos termos consignados no artigo 39.º do CIRE, situação em que, de acordo com o disposto no n.º 3 desse artigo, é obrigatório depositar o montante que o juiz entenda razoável para garantir o pagamento das custas e dívidas, pronunciaram-se já os tribunais no sentido da inconstitucionalidade de tal norma por violação do princípio constitucional do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP.
xii. Veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 26/06/2007 (processo n.º 0722767), in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “A norma constante do nº 3 do artº 39º do CIRE viola o princípio constitucional do acesso ao direito consagrado no artº 20º, nº 1 da CRP, quando interpretada no sentido de que o requerente do complemento da sentença, quando careça de meios económicos, - designadamente, por beneficiar do apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo - não pode requerer aquele complemento da sentença se não depositar a quantia que o juiz especificar nem prestar a garantia bancária alternativa”.
xiii. Aí se entendeu que o credor que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e outros encargos com o processo, não tem de proceder ao referido depósito.
xiv. Se um credor, porque não tem meios económicos para fazer o depósito, fica impedido de requerer o prosseguimento dos autos, por esse único motivo, tal situação afrontaria flagrantemente o princípio ínsito no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
xv. Veja-se que, conforme se refere nesse mesmo Acórdão da Relação do Porto: “O direito de acção é pacificamente entendido como um “direito público” totalmente independente da existência da situação jurídica para a qual se pede a tutela jurídica, “afirmando-se” como existente: ainda que ela na realidade não exista, a afirmação basta à existência do processo, com o consequente direito à emissão da sentença (Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 1996, 79). Quer para o autor, quer para o réu, o direito ao acesso aos tribunais engloba a inexistência de entraves económicos ao seu exercício. Tal implica, designadamente, a concessão de apoio judiciário a quem dele careça e a proibição de disposições da lei ordinária que limitem o direito à jurisdição por não satisfação de obrigações alheias ao objecto do processo (idem, 91)”.
xvi. Assim, ocorrendo falta de meios, como no caso presente ocorre, não deve o tribunal aplicar a norma que condiciona o acesso à jurisdição, ao pagamento de uma determinada quantia, que o apelante não pode pagar.
xvii. Idêntica decisão, mas agora relativa à alínea d) do n.º 7 do mesmo artigo 39.º do CIRE que, de igual modo faz depender o prosseguimento dos autos de insolvência, mas agora após o trânsito em julgado da decisão que declarou encerrado o processo por insuficiência da massa, do depósito de uma quantia, foi tomada no Acórdão da Relação do Porto de 08/06/2006 (processo n.º 0633048), in www.dgsi.pt: “A norma contida na alínea d) do n.º7 do artigo 39º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, quando interpretada no sentido de que o legitimado para requerer novo processo de insolvência que não tenha meios económicos para depositar as dívidas previsíveis da massa insolvente não pode prosseguir com processo, não respeita o princípio constitucional do acesso ao direito ínsito no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa”.

xviii. Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou pela inconstitucionalidade desta última norma, no seu Acórdão n.º 440/2012 (processo n.º 323/12), de 26/09/2012, in DR, 2.ª Série, n.º 211, 31/10/2012:
“Decide-se julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1 do Constituição, a norma do artigo 39.º, n.º 7, alínea d) do CIRE, quando interpretada no sentido de impor ao requerente do novo processo de insolvência, que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o depósito do montante que o juiz especificar segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas e das dívidas previsíveis da massa insolvente, como condição para o prosseguimento dos autos”.

xix. Idêntico juízo sobre a constitucionalidade desta norma havia já sido proferido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2006 e sobre a norma do n.º 3 do mesmo artigo, no Acórdão do mesmo Tribunal n.º 83/2010.
xx. Assim, sendo certo que o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, pressupõe que tal acesso não seja dificultado em função da condição económica das pessoas – garantia que, no caso vertente, foi concretizada na concessão do apoio judiciário – a norma do artigo 232.º, n.º 2 do CIRE “obstaculiza o funcionamento da garantia constitucional e compromete a finalidade para a qual foi instituído – e, no caso, concedido - o sistema de apoio judiciário” – cfr. primeiro dos Acórdãos do Tribunal Constitucional citados.
xxi. Quer tudo isto dizer que  não  se  mostra  verificada  qualquer  causa  de extinção da instância, seja por impossibilidade seja por inutilidade superveniente da lide.
xxii. O mero encerramento do processo principal de insolvência por insuficiência da massa insolvente não determina a extinção da instância do processo de verificação de créditos reclamados pelo trabalhador recorrente por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
xxiii. Estes autos não perderam o seu efeito útil, já que nada obsta à satisfação da pretensão do credor / trabalhador / recorrente e esta não foi satisfeita por outro meio.
xxiv. Assim, não podia o Tribunal recorrido ter julgado extinta a instância de verificação de créditos.
xxv. A douta decisão recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento tendo violado frontalmente, por erro de interpretação e aplicação, além do mais, o disposto nas normas e princípios legais e constitucionais supra referidos.

Pede, por isso, o apelante, que seja concedido provimento ao recurso e anulada a decisão recorrida e seja substituída por uma outra que, não julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artº 277º, e) do CPC, com fundamento no encerramento dos autos principais de insolvência ao abrigo do artº 233º, nº 2, b) do CIRE, mande prosseguir os ulteriores termos processuais da instância de verificação e graduação de créditos reclamados.
                       
Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise da seguinte questão:

- DA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA DO PROCESSO DE VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS POR INUTILIDADE DA LIDE, COMO DECORRÊNCIA DO ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA POR INSUFICIÊNCIA DA MASSA INSOLVENTE.

III.FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração o iter processual referido no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
   
Insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida que considerou extinto o processo de verificação de créditos, por inutilidade superveniente da lide, na sequência da decisão de encerramento do processo de insolvência.

Vejamos se assiste razão ao apelante.
                       
Releva para o que aqui importa, o regime da verificação do passivo, que corre por apenso ao processo principal e compreende as fases da reclamação de créditos, saneamento, instrução, discussão e julgamento da causa e sentença.

Importa, então, cotejar o que a tal respeito resulta do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Dispõe o artigo 128º do CIRE, sob a epígrafe “Reclamação de créditos”:
1– Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:
a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;
b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável;
d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
e) A taxa de juros moratórios aplicável.

2 – O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado no seu domicílio profissional ou para aí remetido, por correio eletrónico ou por via postal registada, devendo o administrador, respetivamente, assinar no ato de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias da receção, c comprovativo do recebimento, sendo o envio efetuado pela forma utilizada na reclamação.

Por seu turno, estatui o artigo 129º do CIRE, sob a epígrafe “Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos”:
1– Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.
2– Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas.
3– A lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento.
4– Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada, com observância, com as devidas adaptações, do disposto nos artigos 40º a 42º do Regulamento (CE) no 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio, tratando-se de credores com residência habitual, domicílio ou sede em outros Estados membros da União
Europeia que não tenham já sido citados nos termos do nº 3 do artigo 37º.
5– A comunicação referida no número anterior pode ser feita por correio eletrónico nos casos em que a reclamação de créditos haja sido efetuada por este meio e considera-se realizada na data do seu envio.

Estabelece, por outro lado, o artigo 130º, sob a epígrafe “Impugnação da lista de credores reconhecidos”:
1– Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
2– Relativamente aos credores avisados por carta registada, o prazo de 10 dias conta-se a partir do 3º dia útil posterior à data da respectiva expedição.

E, finalmente, prescreve o nº 1 do artigo 131º do CIRE, sob a epígrafe “Resposta à impugnação”: Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor.

Ora, como resulta do artigo 129º do CIRE, acima transcrito, as reclamações de créditos são apreciadas pelo administrador da insolvência, o qual deve, no prazo previsto na lei, entregar duas listas na secretaria do Tribunal, organizadas por ordem alfabética, respeitando uma, aos créditos por si reconhecidos, e outra aos créditos não reconhecidos.

E, resulta ainda do citado normativo que a lista dos créditos reconhecidos pode ter por base, quer a reclamação deduzida pelo credor, mas também pode derivar do facto de os direitos reconhecidos constarem dos elementos da contabilidade do devedor ou ainda derivarem de outra forma de conhecimento do administrador da insolvência, devendo este indicar na lista, a identificação de cada credor, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicáveis e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas.

Pela letra do preceito não se exija que o administrador da insolvência, ao proceder ao reconhecimento de um crédito, o haja de fundamentar, ao contrário do que sucede com o não reconhecimento, que tem sempre que ser fundamentado.

Exige a lei, por outro lado, apenas e tão-somente, a notificação da lista aos credores não reconhecidos, aos reconhecidos que não tenham apresentado reclamação e aos reconhecidos em termos diversos da respectiva reclamação.

Em relação aos demais credores, incumbe-lhes proceder à consulta da lista na secretaria do Tribunal, sabendo que, como decorre dos preceitos legais, a ausência de notificação implica o deferimento integral da sua reclamação.

Assim, e nos termos do nº 5 do artigo 134º do CIRE, o processo judicial, contendo a lista elaborada pelo Administrador da Insolvência será mantida na secretaria do Tribunal para exame e consulta por qualquer interessado.

Para além disso, e nos termos do artigo 133º do CIRE, tanto a comissão de credores como qualquer interessado podem examinar as reclamações de créditos, os documentos que acompanham tais reclamações, bem como os documentos da escrituração do insolvente no local mais adequado que deve ser indicado no final das listas.

No caso vertente, foram cumpridos os supra mencionados preceitos legais. O Administrador da Insolvência apresentou uma única lista com os créditos reconhecidos, identificando o credor, o montante reclamado (capital e juros), a natureza do crédito e a sua proveniência. Identificou o crédito não reconhecido, justificando, é certo, de forma pouco fundamentada a razão do não reconhecimento. Enviou igualmente o respectivo aviso nos termos legalmente previstos, o que deu origem à impugnação da lista pelo credor que não viu o seu crédito reconhecido.
                       
Independentemente de se apreciar aqui, por irrelevante para o caso em apreço, se os créditos laborais reclamados são dívidas da insolvência ou dívidas da massa insolvente, já que apenas os primeiros podem ser reclamados ao abrigo do artigo 128º do CIRE, a verdade é que não houve resposta à impugnação apresentada pelo credor/reclamante e a questão não chegou a ser apreciada, uma vez que no processo de verificação de créditos foi proferida sentença, declarando extinto o processo, por inutilidade superveniente da lide.

Como é sabido a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, está prevista no artigo 277º, alínea e) do Código Processo Civil, e ocorre, como esclarecem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 512, quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida.

A impossibilidade da lide ocorre por morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objecto do processo, ou por extinção de um dos interesses em conflito.

Pode pois concluir-se que a lide se torna impossível, quando sobrevêm circunstâncias que inviabilizam o pedido, não em termos de procedência/mérito, mas por razões conectadas com o mesmo já ter sido atingido por outro meio não podendo sê-lo na causa pendente. E, a lide torna-se inútil se ocorre um facto, ou uma situação, posterior à sua instauração que implique a desnecessidade se sobre ela recair pronúncia judicial por falta de efeito.

A inutilidade superveniente da lide verifica-se, portanto, quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio.

Ora, resulta do disposto no nº 1 do artigo 230º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que:

Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:
a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no nº 6 do artigo 239º;
b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste;
c) A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento;
d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237º.

E, nos termos do nº 2 do aludido normativo, a decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos no artigo 37º e artigo 38º, com indicação da razão determinante.

O encerramento por insuficiência da massa insolvente prevista no artigo 232º do CIRE, só se aplica quando a insuficiência do activo é verificada já no decurso da insolvência, ou seja, em circunstâncias distintas das consagradas no nº 1 do artigo 39º do CIRE.

Estatui-se no citado artigo 232º do CIRE que:

1– Verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo.
2– Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
3– A secretaria do tribunal, quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta, distribui as importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores da massa insolvente, na proporção dos seus créditos.
4– Depois de verificada a insuficiência da massa, é lícito ao administrador da insolvência interromper de imediato a respectiva liquidação.
5– Encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência e se o mesmo ainda não estiver findo, este prossegue os seus termos como incidente limitado.
6– O disposto nos números anteriores não é aplicável na hipótese de o devedor beneficiar do diferimento do pagamento das custas, nos termos do no 1 do artigo 248º, durante a vigência do benefício.
7– Presume-se a insuficiência da massa quando o património seja inferior a €5000.

Constata-se, portanto, que a insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, pode ser conhecida oficiosamente pelo juiz.

Porém, antes de declarar encerrado o processo, deve o juiz ouvir o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, podendo então declarar o encerramento do processo.

E, com base nessa notificação prévia à declaração de encerramento do processo, poderá qualquer interessado pretender o seguimento do processo, o que implica que deverá depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz, segundo o que razoavelmente este entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.

No caso vertente, e pela consulta do processo de insolvência – a que tivemos acesso através do sistema informático - não foi apresentado naquele processo – como cumpriria – requerimento de qualquer interessado, nomeadamente do ora apelante, no sentido de pretender a prossecução do processo, invocando, se fosse caso disso, as razões susceptíveis de justificar o entendimento de que não deveria tal pretensão do interessado estar dependente de qualquer depósito, sendo que nos termos do normativo aqui em apreciação, o depósito do montante que o juiz entenda razoável para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente é condição de procedência do pedido de não encerramento do processo.

Ademais, caso no processo de insolvência haja sido omitido qualquer acto ou qualquer notificação imposta por lei, incumbiria a qualquer interessado, notificado do encerramento do processo, arguir eventual nulidade processual.

Assim, a ter existido a omissão de qualquer notificação de que o Tribunal a quo devesse ter efectuado, deveria o credor/reclamante, aqui apelante, notificado que foi da decisão de encerramento do processo, em 23.09.2015, ter procedido à respectiva arguição de nulidade, no prazo legalmente consagrado no nº 1 do artigo 149º do CPC, o que este não fez, tendo transitado em julgado essa decisão de encerramento do processo, tanto mais que no processo de insolvência já foi elaborada a conta de custas.

Os efeitos do encerramento do processo de insolvência mostram-se elencados no artigo 233º do CIRE, dos quais se destacam:
- Cessação de todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor, o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte (alínea a));
- Cessação das atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência (alínea b));
- A faculdade de os credores da insolvência poderem exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do no 1 do artigo 242º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência (alínea c));
- A faculdade de os credores da massa poderem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos (alínea d)).

Acresce que, se o encerramento do processo de insolvência ocorrer antes do rateio final - como sucedeu no caso vertente-o mesmo determinará, como resulta do nº 2 do citado normativo:
(…)

b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140º, ou se o encerramento decorrer da aprovação de plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias;
(…)

De resto, o nº 4 do citado artigo 233º do CIRE sustenta inequivocamente a extinção dos processos de verificação de créditos, ao estatuir que: exceptuados os processos de verificação de créditos qualquer acção que corra por dependência do processo de insolvência e cuja instância não se extinga, nos termos da alínea b) do nº 2, nem deva ser prosseguida pelo administrador da insolvência, nos termos do plano de insolvência, é desapensada do processo e remetida para o tribunal competente, passando o devedor a ter exclusiva legitimidade para a causa, independentemente de habilitação ou do acordo da contraparte.(bold nosso).

In casu, uma vez que o processo de verificação de créditos se encontrava pendente, sem que nele tivesse ainda sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140º do CIRE, a extinção da instância do processo de verificação de créditos será consequência que resulta ope legis do encerramento do processo de insolvência.

É, aliás, consabido, sendo jurisprudência pacífica, que o recurso jurisdicional visa modificar a decisão proferida e não criar soluções sobre matéria nova, estando vedado aos tribunais superiores apreciar questões não colocadas nas instâncias inferiores, excepto nas situações em que a lei expressamente determine o contrário, ou naquelas em que a matéria em causa seja de conhecimento oficioso – v. a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 27.05.2010 (Pº 5662/07.5YYPRT-A.S1), de 23.10.2003 (Pº 03B1926) e de 19.11.98 (P 98B830), acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Nestes termos, nunca poderia o apelante, neste recurso incidente sobre um despacho proferido neste processo de verificação de créditos, ver apreciadas as questões aqui suscitadas, mormente a eventual inconstitucionalidade da norma do nº 2 in fine do artigo 232º, nº 2 do CIRE, quando interpretada no sentido de impor aos credores que não disponham de condições económicas para o efeito, a obrigatoriedade de procederem ao depósito ali previsto, como condição de procedência do pedido de não encerramento do processo.

Com efeito, tal questão apenas poderia ser invocada no processo de insolvência, através da impugnação da decisão de encerramento do processo de insolvência, o que o apelante, atempadamente, não fez, nem arguiu, se fosse caso disso, qualquer nulidade processual que ao caso coubesse.

Assim, transitada que se mostra a decisão de encerramento do processo de insolvência, a extinção do processo de verificação de créditos traduz-se numa consequência ope legis dessa declaração de encerramento do processo de insolvência.

Improcede, por conseguinte, a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe terá sido concedido.


IV. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Lisboa, 22 de Junho de 2016



Ondina Carmo Alves - Relatora
Lúcia Sousa                                     
Magda Geraldes