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LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
MULTA
INDEMNIZAÇÃO
FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO APÓS O TRANSITO EM JULGADO
Sumário
I) Tendo-se, na sentença que julgou o mérito da causa, decidido que uma parte litigou de má-fé, conforme peticionara a outra, e condenado aquela, logo aí, nos respectivos efeitos – multa e indemnização –, a fixação desta, relegada, por falta de elementos, para momento posterior, nos termos do artº 543º, nº 3, do CPC: -pode ser feita só depois do trânsito em julgado da sentença relativamente ao mérito; -não constitui qualquer incidente propriamente dito, mesmo que seja a parte credora da indemnização a promover tal fixação face à verificada passividade do tribunal; -logo, não tem esta de pagar a taxa de justiça.
II) O caso julgado entretanto formado não alcança a questão da fixação do quantum indemnizatório, nem, relativamente a esta, fica esgotado o poder jurisdicional.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
Correu termos, no Tribunal Judicial de Valença, Comarca de Viana do Castelo, acção ordinária proposta pela autora D. S. contra o réu M. G., na qual, com apoio judiciário, pediu a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 200.000,00€, com o alegado fundamento de que lhe prestou (tal como à esposa e filho, entretanto falecidos), durante 29 anos, serviços domésticos, de assistência, transporte e actividades agrícolas, não tendo ele pago qualquer contrapartida mas criando-lhe a expectativa de a beneficiar em testamento, o que não veio a suceder, pelo que enriqueceu sem causa justa à custa dela.
Na contestação, o réu, também com apoio, pediu a condenação da autora como litigante de má-fé em multa e indemnização.
Por sentença de 23-04-2013, foi julgada procedente a excepção dilatória de caso julgado, o réu foi absolvido (do pedido) e, como litigante de má-fé,condenado na multa de 10 UC´s “e ainda na indemnização, pedida pelo R., sendo certo que os autos não fornecem elementos para fixar desde já, devendo a mesma vir a ser fixada, oportunamente, de acordo com as regras estabelecidas no artº 457º, nº 2, do CPC”.
O réu M. G., em 07-05-2013, apresentou requerimento nos autos a alegar as despesas tidas e a reclamar a condenação da autora no pagamento da quantia indemnizatória de 10.326,60€.
A autora, por requerimento de 10-05-2013, exerceu o contraditório e sugeriu a solicitação de Laudo à Ordem dos Advogados.
Não foi logo proferida decisão sobre a fixação do quantum indemnizatório.
Com efeito, entretanto, por requerimento de 14-05-2013, a autora interpôs recurso da aludida sentença, pelo que os autos subiram à segunda instância.
Tal recurso, tendo também por objecto a questão da litigância de má-fé, por acórdão desta Relação de 24-10-2013, foi julgado totalmente improcedente, confirmando a decisão (incluindo a de condenação da autora àquele título) e a absolvição do réu (esta, porém, da instância).
Inconformada, a autora interpôs recurso de Revista ordinário, ou se assim se não entendesse, excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual para além de questionar o caso julgado, questionou também a condenação como litigante de má-fé.
Por Acórdão de 29-05-2014, transitado em julgado em 12-06-2014, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou a pretendida revista excepcional.
Uma vez baixados os autos à 1ª Instância, discutida neles pelas partes a nota de custas de parte e despachado que sobre isso a secção deveria ter em conta o disposto no nº 6, do artº 26, do RCP (por a parte vencida usufruir de apoio judiciário), em 02-12-2014, foi efectuada a conta dos autos na parte devida, colhidos, em 21-01-2015, os “vistos em correição” e levados os autos pela secretaria ao arquivo, sem que tivesse sido proferida qualquer decisão sobre a fixação da indemnização.
Por requerimento de 24-04-2015, o réu, apresentou nos autos requerimento, alegando:
“1º.A A. D. S. foi condenada nos presentes autos como litigante de má-fé. 2º. Em consequência, o Tribunal entendeu que deveria ser fixada indemnização a favor RR, nos termos do artigo 457º, n.º 2 do CPC, notificado o R. para o efeito. Acontece que, 3º. Em 7 de Maio de 2013, o R. efetuou requerimento nos presentes autos para os efeitos previstos no mencionado preceito legal. Acresce que, 4º A 10 de Maio de 2013, a A. veio pronunciar-se acerca do requerimento supra referido. Acontece que, Até à presente data não houve decisão quanto ao montante a fixar a título de litigância de má-fé, oportunamente requerido. Nestes termos e nos doutamente supridos por V. Excia. requer se digne fixar o montante pelo qual deve a A. ser condenada como litigante de má fé.”
Em 27-04-2015 foi proferido despacho, com o seguinte teor “Aguardem os autos pelo decurso do prazo do contraditório.”
Tal requerimento foi notificado ao Sr. Advogado da autora.
Esta nada requereu, nessa oportunidade.
Seguidamente, com data de 22-05-2015, foi proferido, pela nova Juíza titular do processo, despacho do seguinte teor:
“Por estar em causa parte integrante da decisão proferida a fls. 318 e ss, podendo ainda a questão ser apreciada pela Exm.ª Colega que a proferiu, com base em tal entendimento determina-se que os autos lhe sejam remetidos para apreciação da indemnização liquidada a fls. 325 (c. parte final da decisão – fls. 324).”
A Srª Juíza autora da sentença, com data de 26-05-2015, despachou o seguinte:
“Salvo melhor opinião, a apreciação da liquidação da indemnização por litigância de má fé, trata-se de um incidente que terá de ser decidido nos termos do artigo 543º, n.º 3, do CPC, com novos elementos que terão de ser colididos, após a prolação da sentença dos autos, não sendo parte integrante da mesma, que já foi objeto de recurso, recurso, que já se encontra decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, cuja decisão já transitou em julgado. Assim, por entender que a situação dos autos não se enquadra no princípio da plenitude da assistência do juiz, previsto no artigo 605º do CPC, declaro-me incompetente para decidir a questão em causa. Remeta os autos à Instância Central-Secção Cível-J1.”
Despoletado Conflito Negativo de Competência entre as duas Snrsª Juízas, pela Exmª Vice-Presidente desta Relação foi o mesmo decidido, em 25-06-2015, no sentido de que, competente para apreciar a liquidação da indemnização pela litigância de má-fé, é da Sr. Juíza actual titular do processo.
Regressados os autos à 1ª Instância, em 22-09-2015, foi pelo Srª Juíza competente, proferido despacho do seguinte teor:
“Em face da indemnização liquidada a fls. 325 e ss dos autos, entende o Tribunal estar apenas em causa a referente aos honorários que o R. teve suportar com a sua Ilustre Mandatária, já que o montante despendido a título de taxa de justiça foi-lhe reembolsado. Para a decisão a proferir sobre o montante a arbitrar a tal título entende-se ser de solicitar parecer à AO, o que se determina, remetendo-se oportunamente o processo, com vista a apreciação da liquidação dos honorários constantes de fls. 325º e ss.”
Por despacho de 09-11-2015, foi a Srª Advogada do réu notificada, a solicitação da Ordem, para juntar aos autos cópia da Nota de Despesas e Honorários, o que veio a fazer em 11-11-2015 (fls. 549 a 551), sobre a qual se pronunciou a autora em 20-11-2015, alegando, apenas, o seguinte:
“1. Conforme douto despacho de V. Ex.ª, proferido nos autos, em 22-09-2015, penso ter sido remetido, todo o processo, ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados. 2. Assim, sendo, não vou repetir o exposto no requerimento da Autora de 10/05/2015, com a ref.ª 13352924, junto aos autos, em que se afirma em 5º, que a contestação, para além da litispendência que alega, é uma cópia da apresentada na ação com o processo n.º 68/10.1TBVLN, que consta dos autos, bem como a instrução com testemunhas e todo o processado posteriormente. 3. Relativamente às despesas e honorários, referentes a apensos e incidentes, não deverão ter tidos em conta, pois, jamais, a Autora, em tais apensos e incidentes, foi condenada como litigante de má fé. Ora tais despesas e honorários são apresentados em conjunto e por falta de discriminação, terá que ser feita, pelo Ex-mo Senhor Relator do laudo, e não incluídos no laudo a proferir. 4. A Ilustre Mandatária apresenta o valor relativo a um sucess fee de €3,000.00. Ora. Tal não pdoerá ser levado em conta. Primeiro, por que tal sucess fee penso não resultar de um empenho extraordinários, salvo o devido respeito, da Ilustre Mandatária, para tal majoração de honorários; segundo, não apresenta qualquer documento relativo ao acordo, sobre tal, com o seu cliente; terceiro, esse acordo teria sempre que ser reduzido a escrito, antes dos serviços prestados, como exige o n.º 2 do Art. 100º, dos Estatutos da Ordem dos Advogados. Se existisse, estamos convictos, que o teria junto como era normal, pois não consta dos autos. 5. Por último, para uma prova, também, de que o cliente, M. G., pagou à sua Ilustre Mandatária, tal nota de despesas e honorários, elaborada em 01/07/2014, deveria, como forma de transparência e objetividade, ser junta cópia do recibo emitido ao mandante.”
Em 23-11-2015, foi proferido despacho do seguinte teor: “Solicite a elaboração do laudo de acordo com remetido para o processo pela Ilustre Mandatária a fls. 548, tendo em conta a resposta do Ilustre Mandatário da parte contrária, remetendo-se os autos, a título devolutivo.”
Por despacho da Ordem de 10-05-2016, comunicado em 20-05-2016, o respectivo Conselho Superior entendeu, por força do art. 7º, n.º 1, do R.L.H., não emitir o Laudo em questão. (“É pressuposto da emissão de laudo a existência de conflito ou divergência, expresso ou tácito, entre advogado e o constituinte ou consulente, acerca do valor dos honorários estabelecidos em conta já apresentada.)”
No seguimento, a autora, por requerimento de 03-06-2016, refutou o pressuposto levado em conta pela Ordem, considerou que o conflito se presumia por a conta não ter sido paga e não ter sido junto recibo e requereu que insistisse junto da ordem pela emissão do Laudo.
Então, com data de 13-07-2016, foi proferido o seguinte despacho/decisão (objecto do presente recurso):
“Antes do mais, tendo sido confirmada em sede de recurso a condenação como litigante de má-fé por parte da A., oficie-se aos serviços da Seg. Social competente nos termos e para efeitos do disposto no artigo 10º, nº3 LAJ, já que nos termos da al. d) do nº1 do citado artigo deve considerar-se CANCELADO o apoio judiciário concedido à A.
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O requerido pela A. em resposta ao decidido pelo Conselho Superior da OA não tem cabimento ou fundamento, na medida em que colide expressamente com o teor da decisão proferida por aquele órgão, motivo por que vai indeferido. Notifique.
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Impondo-se agora analisar directamente o conteúdo da indemnização pretendida, e liquidada a fls. 325 e ss Quanto ao reembolso das taxas de justiça pagas, o mesmo já ocorreu por via dos disposto no artigo 26º, nº6 RCP (cf. despacho de fls. 506 e nota de fls. 513. Quanto à indemnização pelos honorários devidos à Ilustre Mandatária: Analisando os serviços prestado de acordo com os critérios fixados no EOA (artigo 100º, nº3): importância dos serviços prestados; grau de criatividade intelectual da sua prestação; resultados obtidos, tempo despendido, usos profissionais, entende-se ser de fixar os honorários no montante de €4.000,00 (quatro mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Na verdade, afigura-se razoável o valor / hora de referência de €100,00; considerou-se como tempo global despendido, reduzindo o apresentado pela Ilustre Mandatário, 40h (quarenta horas); considera-se não aplicável o critério do "success fee" actualmente previsto no artigo 106º, nº3 Lei 145/2015 no âmbito da presente indemnização, por se entender que, a existir esse acordo de majoração dos honorários entre advogado e cliente, não pode o mesmo ser imputável causalmente ao devedor da indemnização em causa. Pelo exposto, fixa-se a indemnização nos termos e para efeitos do disposto no artigo 543º CPC no montante de €4.000,00 (quatro mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Notifique.”.
Por requerimento de 06-09-2016, a autora noticiou e documentou o falecimento, ocorrido em 03-09-2016, do réu, pelo que foi declarada suspensa a instância por despacho de 28-09-2016 e, entretanto, feita a habilitação de sucessora.
A autora inconformada com a decisão de 13-07-2016, apelou, por requerimento de 25-05-2017, para esta Relação, apresentando-nos, para fundamentar o pedido de revogação do despacho recorrido, as alegações e as seguintes conclusões:
“A – O douto despacho recorrido, foi resultado de incidente anómalo e extemporâneo, proferido à revelia dos dispositivos legais e práticas dos tribunais, sem qualquer pagamento de taxa de justiça. B - Expressa, indubitavelmente, que a sentença proferida nos autos foi integralmente confirmada em sede de recurso e transitou em julgado. C – De acordo com a sentença proferida nos autos e transitada em julgado não condena, a A./recorrente, D. S., em qualquer indemnização, mesmo nas que foram apresentadas pelo Réu falecido. D – O Juiz “a quo” não proferiu, mesmo, perante a intervenção do Réu, despacho complementar à sentença, ou a pronunciar-se sobre o exposto e requerido, antes de recurso da sentença, não tendo, pelo mesmo, sido arguida em recurso a nulidade da falta de tal despacho. E – Só após o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos é que, extinto o poder jurisdicional do Juiz, quanto à matéria da causa (Art.º 613º, n.º 1, do C.P.C.), profere o despacho recorrido. F – Assim, no recurso da apelante, interposto da sentença transitada em julgado, como a mesma não se pronunciou sobre a fixação de qualquer indemnização pela litigância de má fé, mesmo em despacho complementar, anterior ao recurso interposto, não foi, tal, abrangido, sendo, neste, que deveria abranger o objeto do recurso, como questão a decidir no Tribunal de recurso. G – O despacho proferido e de que se recorre, sendo proferido após extinto o poder jurisdicional do Juiz, está ferido de nulidade, pois é ato, não só extemporâneo, mas não admitido por lei e, tal irregularidade, influi na decisão da causa, sendo contraditório, e a mesma transitou em julgado. H – Mesmo que não se reconheça a nulidade do despacho e o mesmo se mantenha e transite em julgado, devido à contrariedade com a sentença já transitada em julgado, pois não fixa qualquer indemnização pela litigância de má fé, de acordo com o Art.º 625º do C.P.C., cumpre-se esta e, não, o despacho recorrido. I – O despacho recorrido, ferido de nulidade, e, por isso, não se discute, nem é necessário, pôr em causa os fundamentos em que suporta a decisão, diga-se imprudente, sobre a extemporânea e ilegítima condenação, da A./recorrente, no montante fixado de indemnização como litigante de má fé. J – O despacho recorrido infringiu, entre outros, o Art.º 613º, do C.P.C..
Nestes termos, Revogando o despacho recorrido, Farão, Vossas Excelências, mais uma vez JUSTIÇA.”.
A sucessora habilitada P. P. contra-alegou.
Das pretensas conclusões, que se limitam, a reproduzir por copy past, o texto das alegações e, além disso, apenas constituem um relato dos termos do processo(1), transcrevem-se apenas as nº 20 a 27:
“20. À Recorrente sempre lhe foi concedido o direito do exercício do contraditório e dele usou quando assim o entendeu e casos houve em que, não o fez, apesar de devidamente notificada para o efeito. 21. No entanto, em momento algum colocou em crise a extemporaneidade do requerimento apresentado em 24/04/2015, ou alegou qualquer outro facto que ora lhe permita alegar a sobredita nulidade com tal fundamento. 22. A entender que o requerimento apresentado em 24/04/2015 era extemporâneo deveria ter alegado tal nulidade no prazo para exercer o contraditório, o que não aconteceu. 23. Com exceção das alegações nunca a recorrente alegou a extemporaneidade do supra referido requerimento. 24. A invocação da nulidade deveria ter sido feita na fase processualmente adequada e de forma tempestiva, ou seja, em sede de exercício do contraditório. 25. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não parece ser possível, nesta sede, conhecer do que não foi arguido e pedido em primeira instância e por esta apreciado. 26. Não podendo por isso, salvo melhor opinião, ser esta matéria apreciada em recurso por violação do ónus de alegação, no momento próprio. 27. Em consequência, deve ser negado provimento ao presente recurso interposto pela A. D. S.. Assim se fará a sempre sã e inteira justiça!”
Foi admitido orecurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo, no respectivo despacho a Srª Juiza a quo se tendo pronunciado no sentido de que inexistia qualquer nulidade.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
No caso, importa apreciar e decidir se a decisão deve ser revogada, com algum dos fundamentos esgrimidos nas conclusões da apelante supra transcritas.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Relevam os atrás relatados, emergentes dos autos.
IV. APRECIAÇÃO
À data da sentença que apreciou a questão da litigância de má-fé suscitada pelo réu ainda vigorava o Código de Processo Civil anterior.
Tal sentença transitou em julgado, não obstante os recursos interpostos pela autora, primeiro, para esta Relação e, depois, para o Supremo Tribunal de Justiça.
Além da força obrigatória, dentro do processo e fora dele, conferida pelo caso julgado (valor), este estende-se aos “precisos limites e termos” em que a sentença julgou.
Na sequência do alegado e peticionado a tal propósito pelo réu, a sentença decidiu que a autora litigou de má-fé e, por isso, de acordo com o disposto no nº 1, do artº 456º, do Código então em vigor, condenou-a nos respectivos efeitos: multa e indemnização a pagar àquele.
É, portanto, evidente que, na condenação, ficou logo estabelecida e foi imposta à autora a obrigação de indemnizar o réu.
Assim, esta relação juridicamente vinculante, com um tal objecto e entre aqueles dois sujeitos, tornou-se vigente e indiscutível na ordem jurídica: de um lado, a autora como responsável pelos gastos e prejuízos causados com a sua conduta ilícita; do outro, o réu lesado e credor do respectivo reembolso e restauro.
Como noutras situações acontece, mormente na da prolação da sentença, a prestação integrante do objecto de tal obrigação indemnizatória foi determinada apenas genericamente e não certamente quantificada.
Na verdade, a sentença, embora condenando a autora a pagar ao réu a indemnizaçãopedida, por não fornecerem ainda os autos elementos para fixar logo a respectiva importância – a quantia certa em dinheiro – logo estatuiu o dever de o tribunal a fixar depois: “oportunamente, de acordo com as regras estabelecidas no artº 457º, nº 2, do CPC”.
Tal norma, semelhante à do artº 661º, nº 2, previa exactamente que “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentados pelas partes”.
É o regime que se mantém no actual artº 543º, no 3, do novo CPC.
Não define a lei o preciso modo nem a exacta oportunidade processuais para o tribunal emitir decisão a fixar o quantum indemnizatório.
Uma coisa é certa, porém: apesar de tal envolver a audição das partes e um novo acto decisório, tal não constitui, só por si, propriamente um incidente do tipo então previsto no artº 378º e sgs. nem sequer um qualquer outro incidente inominado, dependente de específico requerimento do credor que o promova e lhe dê andamento e, portanto, do pagamento de uma taxa de justiça devida e correspondente a tal impulso. (2)
Para haver lugar a tal indemnização, ela há-de ter sido pedida – como, no caso, fora (na contestação). Portanto, reconhecido, na sentença, a uma parte, tal direito de crédito, restará ao tribunal fixar a importância devida pela outra e, assim, sem necessidade de para tal ser instado e procedendo nos especiais termos adjectivos em tal matéria definidos (artº 457º), liquidar e fixar em quantia certa a condenação indemnizatória genérica antes proferida.
Por isto e de acordo com o regime tributário emergente do artº 530º, nº 1, do CPC, e dos artºs 6º, 7º e 14º, do RCP, quer pelo requerimento de 07-05-2013 (subsequente à sentença), em que alegou e reclamou as despesas tidas, quer pelo de 24-04-2015 (subsequente ao trânsito, após recursos, e às diligências de conta, que culminaram nos “vistos em correição” e arquivamento, prematuros, dos autos), lembrou e reiterou a pendência do anterior, a falta de decisão do mesmo e repetiu a fixação do montante da indemnização, não tinha o réu, já credor desta, que pagar qualquer taxa de justiça para os autos prosseguirem e obter a decisão.
E, que tivesse, nunca tal problema tendo sido suscitado pela autora nem objecto de decisão pelo tribunal de 1ª instância, jamais ele pode agora, enquanto questão nova, integrar o objecto deste recurso, uma vez que, como é geralmente sabido e constitui jurisprudência pacífica, é princípio básico e elementar, neste domínio, que a impugnação de uma decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do pedido de reexame, na instância superior, das questões nela apreciadas, e não a criação, por esta, de decisão sobre matéria nova só agora e nunca antes invocada, não sendo esta de conhecimento oficioso.
Não tem, pois, sentido e é inconsequente, para a decisão que se pretende atingir, agitar, agora, como faz a apelante, a falta de pagamento de taxa de justiça, jamais fundamentadora da sua pedida revogação.
Não integrando o procedimento subsequente ao trânsito em julgado da sentença condenatória propriamente um incidente, mas apenas o desenvolvimento da questão, nos termos do artº 547º, nº 2, CPC, deixada em aberto e por decidir, também o aludido requerimento de 24-04-2015, não é anómalo nem extemporâneo, ao contrário do que defende a apelante.
Preconizando a lei que a fixação pelo tribunal da importância devida a título de indemnização com fundamento em litigância de má-fé é feita, se não houver elementos suficientes para a tal se proceder na sentença, “depois” desta, sem estabelecer o momento, cremos que nenhum obstáculo existe a que, primeiro, se deixe transitar a condenação genérica respectiva e só depois se decida a fixação da quantia.
Não é, note-se, correcta a afirmação da apelante segundo a qual a sentença transitada em julgado não a condena em qualquer indemnização. Daí que se nos apresente infundada a sua argumentação por falacioso o pressuposto em que a faz assentar.
Como se referiu, a sentença condenou-a na obrigação de indemnizar. Só não fixou o quantum da respectiva prestação.
Como resulta do Acórdão desta Relação, de 02-06-2016, que a apelante cita, mas de que extrai conclusões incorrectas para o caso, “3. Apenas quanto à indemnização a arbitrar a favor da parte contrária (e se esta se mostrar pedida) é consentido ao juiz relegar a sua quantificação para momento posterior à sentença e se os autos não contiverem elementos que o habilitem a fazer, desde logo, na sentença, essa quantificação. 4. Todavia, essa quantificação só é viável se, previamente e na sentença, o juiz tiver proferido decisão no sentido de declarar e condenar a parte como litigante de má-fé, ali fixando a multa processual devida em quantia certa.” (3)
Sendo certo que, como decorre do especial regime do nº 2, do artº 457º, este posterior despacho concretizador e quantificador do montante indemnizatório deve ser proferido nos próprios autos e que, em qualquer caso, ele é sempre um complemento da sentença condenatória, é discutível se, mormente sendo desta logo – como no caso sucedeu – interposto recurso, tal despacho deve ter lugar antes da subida dele ou pode ser proferido depois do julgamento respectivo e da baixa do processo ao tribunal recorrido.
Para nenhuma solução aponta a lei.
Tendo a primeira delas a vantagem de propiciar uma discussão, se não simultânea pelo menos próxima e imediata, da condenação e da quantificação do valor indemnizatório, a segunda possibilita precisamente que, primeiro, se forme caso julgado sobre a obrigação de indemnizar a tal título (evitando-se actividade que pode vir, em razão do sentido desta, a tornar-se inútil) e, só depois, na hipótese de aquela ser reconhecida e nela definitivamente condenada a parte, se fixe o quantum devido.
Seja como for, a sentença ou o recurso em que se aprecia e decide tal obrigação de indemnizar é sempre prejudicial relativamente ao despacho que fixa o seu quantum.
Como se entendeu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 18-01-2011 (4), “A decisão que condena a parte em indemnização, por ter litigado de má-fé (artigo 456º, nº 1), e aquela outra que fixa o valor dessa indemnização (artigo 457º, nº 2), são autónomas e passíveis, cada uma, de um recurso de apelação, se bem que a segunda se configure como meramente complementar e dependente da primeira.”
Assim, nada obrigava a que o despacho complementar em causa fosse proferido de imediato e de modo a que ele fosse abrangido e discutido no mesmo recurso interposto da sentença, como refere a apelante.
Tendo de ser proferido, por só assim, se completar a decisão da questão, nos termos legais, podia sê-lo, como foi, mais tarde, após decisão do recurso.
Não pode, por tudo quanto se disse, fixionar a apelante que a sentença “não condena […] em qualquer indemnização” e que, por isso, tal não foi abrangido no objecto do recurso, nem daí concluir que o caso julgado impede a fixação do respectivo quantum.
É que, no seu recurso, a autora e ora apelante questionou e discutiu precisamente a condenação como litigante de má-fé, defendendo que ela não se verifica e pedindo a revogação de tal decisão. (5) Só que não lhe foi dada razão e a sentença, nela incluída essa parte, transitou.
Sendo verdade que, depois de ouvidas ambas as partes nos termos do artº 457º, nº 2, o tribunal a quo – não sabemos, por nada constar nos autos, se por orientação processual voluntária possível como vimos, se ofuscado pela tramitação do recurso entretanto neles atravessado – nada decidiu, e sendo verdade, ainda, que, uma vez regressado o processo à 1ª Instância, não cuidou logo de o fazer, tendo até ele ido parar ao arquivo, e só se pronunciou depois do requerimento do réu de 24-04-2015, proferindo então o despacho ora recorrido, não nos parece existir em tal retardamento na apreciação e decisão da questão anomalia processualmente relevante nem extemporaneidade atendível que a obstaculizasse e que ora devam ser reconhecidas e justificar a revogação daquele.
E, que existissem, deviam elas ter sido oportunamente suscitadas, mormente pela apelante interessada na colheita de eventuais proventos, quando foi ouvida sobre o prosseguimento, não podendo sê-lo agora, como se disse quanto à taxa de justiça, pelas razões e com as mesmas consequências que aqui se reiteram.
Não parece que devesse ter sido o réu a suscitar também a questão de o despacho complementar não ter sido proferido imediatamente após a sentença, mormente qualquer invalidade, e que daí resulte precludida a possibilidade de decisão posterior, uma vez que tal não parece ter implicado qualquer violação normativa por cuja reposição ele se devesse bater nem vício que devesse arguir.
O caso julgado formado pela sentença alcançou – mas alcançou apenas – a condenação na obrigação de indemnizar por litigância de má-fé. Não a decisão de fixar o quantum indemnizatório.
Logo, quanto a esta questão, não estava esgotado o poder jurisdicional, nos termos do actual artº 613º, do CPC, nem o tribunal impedido de se pronunciar, com tal fundamento. Pelo contrário.
Daí que se não verifique vício de nulidade ou de inexistência da decisão recorrida.
Assim como entre aquela sentença de 23-04-2013 e este despacho de 13-07-2016 não se verifica, nos termos e para os efeitos do artº 625º, do novo CPC, qualquer relação de contrariedade, uma vez que a pretensão e consequente objecto de um – existência da obrigação de indemnizar com fundamento em litigância de má-fé – são completamente diversos das do outro, apesar de complementar e dependente – fixação do quantuamindemnizatório. (6)
Enfim, as considerações expendidas pela apelante não mostram, muito menos convencem, que o despacho recorrido esteja afectado de qualquer vício, designadamente de nulidade ou inexistência, que ele contrarie decisão anterior e ofenda o caso julgado ou exceda o poder jurisdicional.
Por isso e porque a sua substância não vem minimamente questionada não há razão alguma para ele ser revogado, improcedendo a apelação.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela apelante (tendo-se em conta que lhe foi cancelado o apoio) – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 11 de Julho de 2017
José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Higina Orvalho Castelo
1. Por isso não sendo, em termos técnico-jurídicos, verdadeiras conclusões, todavia nem sequer obrigatórias para a parte recorrida. 2. Incidente, sim, é a questão relativa à apreciação da conduta processual das partes e à decisão sobre se ela integra, ou não, litigância de má-fé. Sobre isso, cfr. Acórdão da RP, de 26-09-2013, processo nº 4351/08.8TBVNG.P2, no qual se trata também do objecto e âmbito do mesmo e, consequentemente, do poder jurisdicional implicado e esgotado pela decisão respectiva, relevando o contraponto, a fazer abaixo, com a decisão que, uma vez julgado o incidente, se limita, depois, a fixar o quantum indemnizatório. 3. Processo 128/12.4TBVLN.G2. 4. Processo nº 1807/08.6TVLSB-A.L1-7. 5. Mais uma vez, assim, gerando interrogações sobre a boa ou má fé da sua conduta, mesmo neste recurso. 6. Veja-se, de novo, o citado Acórdão da RL, de 18-01-2011.