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CESSÃO DE CRÉDITO
CONSUMAÇÃO
Sumário
1.Celebrado que seja um contrato de cessão de créditos que tenha por objecto créditos futuros, a perfeição do contrato não se atinge no momento da sua outorga, mas apenas aquando do nascimento do crédito cedido, sendo que este não nasce directamente na titularidade do cessionário, passando antes, obrigatoriamente, por aplicação da teoria da transmissão, pela esfera jurídica do cedente, e só depois se transfere para a titularidade do primeiro. 2.Omitindo o cedente, após a efectiva constituição do crédito na sua esfera jurídica, a transferência do mesmo para a titularidade do cessionário, não pode aquele ser condenado na acção por este deduzida contra o devedor cedido, visto nela ter intervindo na qualidade de interveniente acessório. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
I.RELATÓRIO:
REAL ….. com sede em …….. intentou, em 01.06.1999, contra IBÉRICA …., sita na ……., acção declarativa de condenação com processo ordinário, através da qual pede a condenação desta no pagamento da quantia de Esc: 23.950.000$00, acrescida de um terço do valor em que o remanescente do preço do terreno prometido que tiver excedido aquela quantia, a ainda juros de mora à taxa legal, calculados sobre ambas as quantias, desde a data da escritura de compra e venda do terreno até integral pagamento.
Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
1.Em 30.11.1995 subscreveu um escrito intitulado contrato promessa de cessão de quotas, encerramento de contas correntes e cessão de créditos, igualmente subscrito por diversas pessoas, entre as quais a sociedade Empresa de Estudos (EE);
2.Nos termos da cláusula quarta do documento a A. e a EE, declararam encerrar as contas correntes existentes entre ambas e fixaram o saldo a favor da A. de CHF 2.100.430.
3.A EE, cedeu à A. o seu crédito sobre a R. Ibérica…. correspondente ao remanescente do preço da venda de um terreno sito em Alverca.
4.Tal venda foi prometida por contrato celebrado entre a EE e a R., em 29.03.1993, até ao montante de Esc: 23.500.000$00 e ainda de um terço do montante que exceda essa quantia.
5.A EE, comunicou à R. a cedência do crédito por carta que lhe enviou em 30.11.1995.
6.A obrigação de pagamento da R. à EE, venceu-se na data da escritura, nos termos da cláusula quarta, nº 2, alínea b) do contrato.
Citada, a ré apresentou contestação, em 17.09.1999 (fls. 44 e ss.), impugnando os factos alegados pela autora e, alegou, em síntese que: 1.Recebeu a carta que a EE lhe enviou a comunicar a cessão do crédito e que este crédito estava dependente da celebração da escritura. 2.A EE comunicou-lhe, em 19.01.1997, a revogação da cessão de créditos, exigindo o pagamento das quantias acordadas e, no acto da escritura de compra e venda, pagou à EE. 3.A cessão de créditos é nula por falta de forma, uma vez que tem por base uma cessão de quotas e a venda de um imóvel, devendo ser feita por escritura pública. 4.A A. consentiu na revogação, por ter votado favoravelmente a realização pela EE, da escritura de compra e venda.
Requereu ainda a ré a intervenção das sociedades, Gestão …, e do Eng.º AFSC, uma vez que, quando procedeu ao pagamento à EE, a Gestão .. lhe deu uma livrança em garantia para o caso de a A. a demandar e a R. ser condenada no pagamento dessa quantia, e que todos os chamados a convenceram a pagar à EE pretendendo exercer o direito de regresso contra os requeridos.
A autora pronunciou-se, na réplica, apresentada em 08.02.2000 (fls. 81 e ss.), quanto à matéria da excepção invocada pela ré e requereu a ampliação do pedido para Esc: 24.333.300$00, por estar calculado o valor do remanescente do preço pago, que foi de Esc: 25.100.000$00.
Na tréplica, apresentada em 29.02.2000 (fls. 101 e ss.), a ré pronunciou-se quanto à ampliação do pedido.
Por despacho de 26.05.2000 (fls. 111-112), a requerida intervenção não foi admitida, despacho que foi alvo de recurso de agravo, e por Acórdão da Relação de Lisboa, de 29.05.2001, foi admitida a requerida intervenção provocada dos chamados, salvo de AFSC, tendo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2001 admitido a intervenção deste último (fls. 202 e ss.).
Os intervenientes apresentaram contestação, em 05.04.2002 (fls. 236 e ss.), na qual invocaram a ilegitimidade do interveniente AFSC.
Os intervenientes impugnaram os factos alegados pela autora e invocaram ainda:
1.A impossibilidade da acção prosseguir contra as duas sociedades, Gestão..., e EE., pois que, embora a primeira tenha assumido a responsabilidade solidária com a EE., a A. renunciou à cessão de créditos acordada com a segunda na sequência da revogação da cessão de créditos com o voto favorável da A.
2.A EE é objecto de processo de recuperação no 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do qual foi acordado plano de recuperação, tendo a A. participado na assembleia de credores.
Deduziram, as intervenientes, pedido reconvencional, reclamando da autora o pagamento da quantia global de Esc. 50.000.00,00, requerendo a interveniente Gestão …., a intervenção de LGTMF.
A autora apresentou réplica, em 17.05.2002 (fls. 308 e ss.), pronunciando-se quanto às excepções invocadas e quanto à reconvenção, concluindo como na petição inicial e pedindo a condenação dos intervenientes como litigantes de má fé.
Por despacho de 31.10.2002 (fls. 309-310), foi admitida a intervenção de LGTMF, o qual apresentou contestação, em 03.01.2003 (fls. 376 e ss.), invocando a incompetência territorial, a impropriedade do meio processual utilizado, entendendo que não deveria ter sido demandado. Impugnou ainda os factos invocados pela Gestão …
Concluiu o interveniente, pedindo a condenação da Gestão … como litigante de má fé, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, uma vez que era ela quem estava em mora ao não marcar a escritura de cessão de quotas.
Foi levada a efeito a audiência preliminar, em 27.11.2003 (fls. 458 e ss).
Na sequência dos sucessivos requerimentos que visavam a alteração da designação da autora, por requerimento de 12.01.2004 (fls. 505 e ss), a ré pediu a condenação da autora como litigante de má fé por omissão do dever de colaboração, tendo a autora respondido, por requerimento de 23.01.2004 (fls. 520 e ss.).
Por despacho de 04.01.2005 (fls. 570 e ss.), foi admitida a ampliação do pedido requerida pela autora, admitida a reconvenção apresentada pelas intervenientes EE, Gestão …. e do Engº AFSC, tendo sido declarado competente o tribunal e julgada improcedente a excepção de ilegitimidade do interveniente, AFSC.
Foi realizada a condensação, com a fixação da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória.
Em 21.10.2011 foi proferido despacho (fls. 2310), no qual foi determinado que ficasse sem efeito a reconvenção apresentada pelos intervenientes, nos termos do artigo 39º, nº 6 do aCPC e foi ainda determinado, por despacho de 07.12.2011 (fls. 2403), que ficasse sem efeito a intervenção principal de LGTMF.
Apresentados e admitidos os meios de prova, e expedidas cartas rogatórias para a Suíça para tomada de declarações do representante da autora e inquirição de uma testemunha, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, em 07.12.2011, 14.03.2012, §4.06.2012. 12.07.2012 e proferida decisão sobre a matéria de facto, em 01.10.2012.
As partes apresentaram alegações de direito e, por despacho de 28.11.2012 (fls. 2643-2644) foi a ré convidada a fazer intervir o cônjuge do interveniente, AFSC, convite que a ré aceitou, suscitando, por requerimento de 13.03.2014, a intervenção principal provocada de MESFC, cônjuge do interveniente AFSC, o que foi admitido, por despacho de 22.04.2014 (fls. 2857) a qual, citada, nada disse.
O Tribunal a quo proferiu decisão, em 24.03.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Termos em que, julgo a presente acção improcedente, por não provada, dela absolvendo a R. e os intervenientes. Absolvo a A. e as intervenientes do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, em 05.05.2015 relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i.A douta sentença recorrida qualificou erradamente de futuro o crédito que constitui a causa de pedir na acção, visto que se trata de um crédito existente à data da sua cessão à autora. ii.Ainda que não proceda a conclusão anterior, e que se adopte a qualificação do citado crédito como futuro, a sua inclusão numa das duas categorias enunciadas na douta sentença recorrida deve fazer-se na dos créditos que surgem de uma relação contratual duradoura, já constituída à data da cessão e de onde emerge o crédito cedido. iii.Logo, quer se entenda que o crédito já existe à data da cessão, quer se entenda que é futuro, mas emergente de uma relação contratual duradoura, já constituída na data da cessão, o crédito surge desde logo na titularidade do cessionário, o que obsta à asserção em sentido inverso contida na douta sentença recorrida e à conclusão de que, por esse motivo, foi válido, eficaz e liberatório para a ré o seu pagamento à cedente. iv.Sendo a indagação do momento da verificação da eficácia da cessão quanto ao devedor-cedido um problema de interpretação da vontade das partes, no caso dos autos, o exame desse contrato, tanto no contrato de onde emerge o crédito – contrato-promessa de compra e venda – como no contrato onde o mesmo crédito é cedido, revela que o procedimento para a sua satisfação se mostra desde logo inteiramente definido antes da sua cessão e que, na regulamentação desta, são criados mecanismos tendentes ao seu pagamento directamente à cessionária, com exclusão do cedente, o que evidencia o propósito de considerar que o crédito surge logo na titularidade da dita cessionária. v.Os efeitos de cessão entre as partes produzem-se com a própria cessão, sendo a sua comunicação ao devedor-cedido, ou o seu conhecimento por este, mera condição da oponibilidade da cessão a este último. vi.Acordada a cessão e dada a conhecer ao devedor-cedido, é a mesma oponível a este último, que deixa de poder exonerar-se com o pagamento ao cedente. vii.A admissão pela doutrina da cessão de créditos futuros implica a sua sujeição ao regime definido na lei para esse contrato, nada existindo, quer na lei, quer na doutrina e jurisprudência citadas na douta sentença recorrida, que permita a não aplicação ao caso do disposto no art. 583º do Código Civil. viii.Não sendo a validade da cessão questionada pelo douta sentença recorrida e resultando dos factos provados que essa cessão foi comunicada à cedente do crédito, esse pagamento configura um pagamento a terceiro que, nos termos do art. 770.º do Código Civil, não exonera o devedor. ix.Decorre das conclusões antecedentes que o A. é titular do crédito que constitui a causa de pedir e que essa obrigação não se extinguiu com o pagamento efectuado pela R. à cedente. x.A douta sentença recorrida fez, por conseguinte, errada interpretação e aplicação dos princípios de direito na qualificação do crédito dos autos e, por esse motivo, violou o disposto nos arts. 583.º e 770.º do Código Civil. xi.Deve, por isso ser concedido provimento à apelação e revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se decisão que, julgando a acção procedente, condene a R. no pedido.
A ré apresentou contra-alegações, formulando excessivas CONCLUSÕES, nas quais aborda questões epigrafadas da forma seguinte:
I.INTRODUÇÃO – SÍNTESE DAS RAZÕES EM LITÍGIO E ESTRUTURA DAS PRESENTES (…)
II.CONTRADITÓRIO RELATIVO À MATÉRIA DO RECURSO INTERPOSTO PELA A.
–DA CORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS:
-DA CORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO NO QUE RESPEITA À QUALIFICAÇÃO DO CRÉDITO COMO CRÉDITO FUTURO:
-A correta aplicação do direito no que respeita ao crédito cedido se ter constituído na esfera da cedente EE a quem a R. fez o pagamento: -A correta aplicação do direito no que respeita às consequências da qualificação do crédito sub iudice como um crédito futuro que nasce na esfera da cedente EE e as especiais circunstâncias do caso sub iudice que explicam a extinção do crédito através do pagamento efetuado pela R. em 21.02.1997.
E, a TÍTULO SUBSIDIÁRIO, requereu a AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO AO ABRIGO DO ART. 636º DO CPC, nos seguintes termos:
-INCUMPRIMENTO PELA A. DO ÓNUS DE PROVA DA TITULARIDADE DO CRÉDITO OBJETO DOS PRESENTES AUTOS: (…) -A NULIDADE DE QUE PADECE A CESSÃO DE CRÉDITOS SUB IUDICE, POR CARECER DA FORMA LEGALMENTE EXIGÍVEL: .(…) -A NULIDADE DE QUE PADECE AINDA A CESSÃO DE CRÉDITOS SUB IUDICE, POR NÃO TER HAVIDO O CONSENTIMENTO DO DEVEDOR À CESSÃO, DADO TRATAR-SE DE CRÉDITO INDISSOCIÁVEL DA PESSOA DO CREDOR: -A INEFICÁCIA DA CESSÃO DE CRÉDITOS SUB IUDICE, POR, À DATA DA SUA CONSTITUIÇÃO, NÃO SE VERIFICAREM OS PRESSUPOSTOS LEGALMENTE EXÍGIVEIS PARA A OCORRÊNCIA DA CESSÃO -DA NÃO TRANSMISSÃO DO CRÉDITO SUB IUDICE PARA A A. POR NÃO ESTAREM VERIFICADOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS AO TEMPO DO NASCIMENTO DO CRÉDITO -A REVOGAÇÃO DA CESSÃO DE CRÉDITOS SUB IUDICE -Da especificidade de se tratar da cessão de um crédito futuro -Da especificidade de se tratar de um crédito ligado à pessoa do credor -DA CONCORDÂNCIA COM A REVOGAÇÃO DADA PELA A. (…) -DA ATUAÇÃO DA A. EM ABUSO DE DIREITO IV. NUM SEGUNDO GRAU DE SUBSIDIARIEDADE –CONHECIMENTO PELO TRIBUNAL AD QUEM, AO ABRIGO DO ART. 665º Nº 2 DO CPC, DE TODOS OS PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS DEDUZIDOS PELA R. PARA O CASO DE SER CONDENADA NO PEDIDO E QUE NÃO FORAM CONHECIDOS PELO TRIBUNAL A QUO: -DOS DIREITOS DA R. PERANTE OS INTERVENIENTES EE E GESTÃO … -DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS INTERVENIENTES EE E GESTÃO … COM A R. -DA RESTITUIÇÃO DO INDEVIDO POR PARTE DA EE Concluiu a apelada as suas Conclusões, requerendo que:
a.o recurso de Apelação interposto pela A. ser julgado improcedente, devendo a R. ser integralmente absolvida do pedido; b.subsidiariamente, para o caso de a Ré ser condenada no pedido:
i.a Interveniente GESTÃO… ser condenada a reconhecer a decisão final que vier a ser proferida nestes autos; devendo além disso, ii.as Intervenientes EE e GESTÃO… serem condenadas solidariamente com a R. a pagar à A.; e iii.a EE ser condenada a pagar à R. o montante que esta lhe pagou em 21.02.1997, devidamente atualizado, de acordo com as taxas de inflação dos anos que mediaram entre 21.02.97 e o momento do efetivo e integral pagamento dessa quantia à R.
A autora não respondeu à ampliação do âmbito do recurso formulada pela ré.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i)DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
O que implica a análise:
-DO INSTITUTO JURÍDICO DA CESSÃO DE CRÉDITOS; DOS CRÉDITOS FUTUROS, SUAS CATEGORIAS; DO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DO CRÉDITO FUTURO (Teoria da imediação versus Teoria da transmissão) ii)DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO FORMULADA PELA RÉ.
(A ponderar em caso de procedência da apelação da autora)
***
III.-FUNDAMENTAÇÃO.
A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Foi dado como provado na sentença recorrida o seguinte:
1.No dia 29 de Março de 1993, a sociedade “EE” e a R. subscreveram entre si, o acordo que denominaram de contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual a primeira se comprometeu a vender e a segunda a comprar-lhe uma parcela de terreno com a área aproximada de 8.500 metros quadrados, a destacar do prédio rústico destinado a cultura arvense, sito no «Marco da …», «Java», freguesia de Alverca ……, pelo preço de 15.000$00 por metro quadrado em relação à área efectivamente vendida e medida no local, assim que seja feita a respectiva delimitação, conforme documento de fls. 26 a 32 (alínea C) dos factos assentes). 2.Nos termos da cláusula quarta 3 do citado acordo, "se a escritura de compra e venda não puder ser outorgada até 30 de Setembro de 1993, a “EE” concederá nesta data a posse da parcela de terreno prometida vender à Ibérica, contra o pagamento de 60.000.000$00 sendo a diferença apurada para o preço estipulado paga na data da escritura" (alínea D) dos factos assentes). 3.Do objecto social da “EE” faz parte a execução de obras públicas (resposta ao artº 32) da base instrutória). 4.No dia 30 de Novembro de 1995, a A. subscreveu com o Sr. Dr. LGTMF, casado com MAPVBCTF, e com as sociedades “Gestão ...”e “EE” o acordo plasmado no escrito intitulado contrato-promessa de cessão de quotas, encerramento de conta-correntes e cessão de créditos, que consta de fls. 11 a 38 (resposta ao artº 1) da base instrutória). 5.Nos termos da cláusula quarta do citado acordo, a A. e a “EE” declararam encerrar as conta-correntes existentes entre ambas e fixaram o saldo respectivo, a favor da A., no montante de CHF 2.100.430,00 (dois milhões, cem mil, quatrocentos e trinta francos suíços) (resposta ao artº 2) da base instrutória). 6. Nos termos da cláusula quinta l-b) do mesmo acordo, a “EE” e a A. declararam ceder a esta última o crédito da primeira sobre a aqui R., "correspondente ao remanescente do preço da venda de um terreno sito em Alverca, cuja venda foi prometida por contrato celebrado em 29.03.1993, cuja cópia constitui o Anexo IV do presente contrato, até ao montante de Esc. 23.950.000$00 (vinte e três milhões, novecentos e cinquenta mil escudos) e, ainda, de um terço de todos os montantes que excedam aquela quantia" (resposta ao artº 3) da base instrutória). 7.O terreno referido em 6 corresponde ao terreno descrito em 1 (resposta ao artº 4) da base instrutória). 8.Na data em que foi celebrado o acordo referido em 4, não tinha, ainda, sido exactamente determinado o montante do preço do terreno, que dependia de uma medição (alínea E) dos factos assentes). 9.O preço acordado para a cessão de quotas prometida pela A. é o que consta do acordo referido em 4 (resposta ao artº 16) da base instrutória). 10.A escritura pública de cessão de quotas prometida nos termos do acordo referido em 4 deveria ser celebrada no prazo de sessenta dias (resposta ao artº 29) da base instrutória). 11.A “EE”., enviou à R., em 04.12.1995, a carta cuja cópia consta de fls. 55, nos termos da qual lhe comunicou que o seu crédito "proveniente de contrato-promessa de compra e venda celebrado em 29 de Março de 1993, até ao montante de Escudos 23.950.000$00 e ainda de um terço de todos os montantes que excedam a referida quantia", foi cedido à A. (alínea A) dos factos assentes). 12.A R. não consentiu na cessão do crédito (alínea B) dos factos assentes). 13.No dia 13.01.1997, em Assembleia Geral da sociedade “EE”, em que estiveram presentes o Sr. Dr. DCBLM, em representação da Gestão …, e o Sr. Dr. LGTMF, por si e em representação da A., foi deliberada, por unanimidade, "a integral ratificação do contrato-promessa de compra e venda, subscrito e celebrado em 29 de Março de 1993 com a sociedade Ibérica ….. (…)", e a "concretização da promessa de venda, nas condições convencionadas naquele contrato-promessa" e que ficasse "a Gerência da “EE” (. .. ) adequadamente habilitada a promover a inerente escritura pública de compra e venda e a nela outorgar", conforme documento de fls. 65 e 66 (alínea G) dos factos assentes). 14.A “EE” outorgou a favor da A. o documento que intitulou de “Procuração (por instrumento público)” que consta de fls. 56 (alínea F) dos factos assentes). 15.A procuração a que se refere a cláusula sexta nº 2 do acordo referido em 1) foi outorgada a favor da A. ou do Sr. JYI a fim de representar a “EE” na escritura de compra e venda do imóvel e cobrança do respectivo preço (resposta ao artº 40) da base instrutória). 16.O representante da A. na gerência da “EE”, JYI, que manteve o exercício dessas funções até Dezembro de 1996, não participou na reunião dessa gerência que teve lugar em 16.12.1996 (resposta aos artºs 17) e 27) da base instrutória). 17.Na sequência da cessação do exercício de funções de JYI, a A. conferiu poderes a LGTMF para a representar nas assembleias gerais da “EE” (resposta ao artº 39) da base instrutória). 18.A “EE” escreveu à R. e à A., em 19.01.1997, comunicando o teor de deliberação tomada em reunião do Conselho de Gerência no dia 16.12.1996, na qual ''foi decidido revogar a cessão de crédito existente entre a “Ibérica”., a favor de “CZ", conforme documento de fls. 92 a 94 (alínea H) dos factos assentes). 19.Nessa reunião do Conselho de Gerência estiveram presentes o Sr. Dr. JMSB, o Sr. AFC, o Sr. JMG e o Sr. LT F (alínea I) dos factos assentes). 20.A A. recebeu a carta referida em 18 e junta a fls. 92, comunicando o que dela consta, à qual respondeu nos termos que constam das cartas juntas a fls. 95 e 97, respetivamente (resposta aos artºs 18), 19) e 20) da base instrutória). 21.Em 12.03.1997, a A. enviou à R. a carta cuja cópia consta de fls. 67, solicitando informação sobre a data em que ocorrerá o pagamento da dívida (min. Esc. 23.900.000$00) (alínea K) dos factos assentes). 22.Na mesma data, a A. enviou à “EE” a carta cuja cópia consta de fls. 69, no essencial do seguinte teor: "a deliberação da gerência de 16.12.1996 é nula (…). Acresce que a cessão produziu os seus efeitos com a assinatura do contrato-promessa de 30.11.1995 e vincula a devedora, “Ibérica”., a quem foi notificada" (alínea L) dos factos assentes). 23.Ainda nessa data, a A., enviou à “Gestão ...”a carta datada de 12.03.1997, cuja cópia consta de fls. 70, na qual consta “A cessão de crédito da “EE”., sobre a “Ibérica”., foi formalizada pelo contrato promessa de 30 de Novembro de 1995 e já produziu os seus efeitos. A cessão foi comunicada à devedora, que só à nossa sociedade poderá efectuar validamente o pagamento. O contrato promessa mantém-se em vigor e renovamos o convite a V. Exªs. para que procedam à marcação da escritura de cessão de quotas” (alínea M) dos factos assentes). 24.A A., em 12.03.1997, conhecia a deliberação da Gerência da “EE” de 16.12.1996 (alínea J) dos factos assentes). 25.O Sr. AFC informou a R. que a razão subjacente à revogação da cessão do crédito sobre a R. a favor da A. e a outorga da escritura de compra e venda por dois gerentes da “EE”, recebendo estes o remanescente do preço pago pela R., se deveu ao facto de a “EE” estar a atravessar uma grave crise financeira, havendo atrasos no pagamento dos salários aos trabalhadores (resposta ao artº 42) da base instrutória). 26.A R. tinha, entretanto, com conhecimento e consentimento da “EE”, construído sobre esse mesmo prédio instalações suas, nas quais estavam já a laborar todos os seus escritórios e serviços não fabris (resposta ao artº 44) da base instrutória). 27.O prédio em causa tinha como prédio vizinho e limítrofe outro prédio onde a R. tinha (e tem) implantada a construção da sua fábrica (resposta ao artº 45) da base instrutória). 28.Em 18/02/1997, a “EE” comunicou à R. os resultados da medição definitiva do terreno objecto da compra e venda, ou seja, que este tinha a área de 8.340 m2 (resposta ao artº 8) da base instrutória). 29.A “EE”, a “Gestão ...”e AFC, conhecendo o acordo referido em 5 e a deliberação referida em 18, comunicaram à R. que a escritura pública de compra e venda prometida só seria celebrada se o pagamento do remanescente do preço (do qual a R. já pagara € 100.000,00) fosse efectuado à “EE” e não à A. como previsto na cláusula referida em 6 (resposta aos artºs 5), 7) e 43) da base instrutória). 30.Aquando da celebração da escritura pública junta a fls. 57-61, que teve lugar em 21.02.1997, a R. pagou à “EE” e não à A. como previsto na cláusula referida em 6, o remanescente do preço acordado (resposta aos artºs 6) e 9) da base instrutória). 31.Ao tempo das deliberações referidas em 13 e 18, a “EE” tinha retribuições em dívida aos seus trabalhadores (resposta ao artº 11) da base instrutória). 32.No momento da entrega referida em 30, a “Gestão”, por exigência e para segurança da R., deu-lhe em garantia uma livrança, assinada pelos seus legais representantes e com os demais dizeres em branco, tendo então sido assinado o acordo que consta de fls. 72 e 73, e que denominaram de pacto de preenchimento, segundo o qual se a A. pedisse à R. a referida quantia, ou se a R. fosse condenada a pagá-la à A., ou se a R. a pagasse à A., a “Gestão ...”deveria reembolsar a R., podendo esta preencher a referida livrança pelo valor que tivesse entregue à A. e respectivos juros (resposta ao artº 12) da base instrutória). 33.Entre outros, JMESMC foi nomeado gerente da “EE” em 30.04.1992, tendo cessado funções em 30.11.1995, data em que, por proposta da “Ibérica”, foram nomeados quatro novos gerentes da “EE”: AFSC, JMSB, JJVMC e JMCMG (resposta aos artºs 15) e 50) da base instrutória). 34.Até à presente data, a “Gestão ...”não marcou data para a realização da escritura pública de cessão de quotas (alínea N) dos factos assentes). 35.No final do ano de 1996, a “EE” enfrentou dificuldades de tesouraria, que motivaram atrasos no pagamento dos salários aos seus trabalhadores (resposta ao artº 21) da base instrutória). 36. No dia 8 de Janeiro de 1997, a “EE” tinha em atraso 20% das remunerações devidas aos seus trabalhadores referentes ao mês de Novembro de 1996 e a totalidade das retribuições de Dezembro de 1996 e subsídio de Natal (resposta ao artº 22) da base instrutória). 37.A situação de salários em atraso estava a ser acompanhada pelo IDICT Instituto de D.I.C.T. e pelas associações sindicais afectas ao sector da construção (resposta ao artº 23) da base instrutória). 38.Até ao dia 13 de Fevereiro de 1997, a “EE” não logrou solver as retribuições em atraso (resposta ao artº 24) da base instrutória). 39.A A. tinha conhecimento do referido nas quatro alíneas que antecedem (resposta ao artº 25) da base instrutória). 40.Em 25 de Fevereiro de 1997 a “EE” liquidou as retribuições em dívida aos trabalhadores (resposta ao artº 28) da base instrutória). 41.A “EE” entrou, em 1997, num processo de recuperação de empresa, autos que correram termos sob o Procº nº 8/97, no 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa (alínea O) dos factos assentes). 42.Nos autos atrás referidos o gestor judicial reconheceu um crédito não reclamado da autora, que representava 3,76% do total dos créditos reconhecidos e correspondia ao saldo de conta corrente referido em 5 (resposta aos artºs 36) e 37) da base instrutória). 43.Nesses autos o mandatário da requerente “EE” foi o Dr. …… (resposta ao artº 54) da base instrutória). 44.Por despacho proferido no dia 08.07.1999, e transitado em julgado, no âmbito do processo de recuperação, foi homologada a deliberação da assembleia de credores que aprovou a medida de gestão controlada, conforme fls. 546 a 550 (alínea P) dos factos assentes). 45.No dia 01/06/1999, a A. aprovou a medida de recuperação referida em 44 (resposta ao artº 38) da base instrutória). 46.Por despacho proferido no dia 13.07.2001, e transitado em julgado, no âmbito do processo supra referido, foi julgada cessada a medida de recuperação de gestão controlada, retomando a empresa a sua actividade normal, conforme fls. 551 (alínea Q) dos factos assentes).
B-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
i.DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
Insurge-se a autora/apelante quanto à sentença recorrida, que considerou que o contrato celebrado entre a autora e a sociedade ““EE””, através do qual esta declarou ceder àquela um crédito da “EE” sobre a ré, correspondia a uma cessão de créditos futuros que se constituiu primeiro na titularidade da cedente e somente em momento posterior seria transferido para a cessionária.
Como é sabido, a cessão de créditos, sendo uma forma de transmissão das obrigações pode definir-se, como decorre do artigo 577.º do Código Civil, como o contrato pelo qual o credor, designado por cedente, transmite a terceiro, a que se dá o nome de cessionário, independentemente do consentimento do devedor cedido, a totalidade ou uma parte do seu crédito.
A aludida forma de transmissão das obrigações pressupõe a existência de um negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte de um crédito, podendo esse negócio consistir, nomeadamente, numa compra e venda (artigo 874º do C.Ci.), numa doação (artigo 940º C.C.), numa sociedade (artigo 984º, al. c) do C.C.), num contrato de factoring, numa dação em cumprimento (artigo 837º do C.C:) ou pro solvendo (artigo 840º, nº 2 do C.C.) ou num acto de constituição de garantia.
A validade da cessão depende da verificação de requisitos comuns e outros especiais.
De acordo com o nº 1 do artigo 578º do Código Civil alguns requisitos variam consoante o tipo de negócio que lhe serve de base; outros são comuns a todos os contratos de cessão, seja qual for a sua causa.
São, todavia, requisitos específicos da transmissão do crédito, como apontam JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª ed., Almedina, 266-281 ou JORGE LEITE AREIAS RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 509-526: a)Cebibilidade do crédito, sendo certo que a incedibilidade do crédito pode resultar da lei, de convenção ou da própria natureza da prestação; b)Carácter não litigioso do direito cedido, quanto a determinadas pessoas (artigo 579º do C.C.); c)Notificação ou aceitação da cessão, ou conhecimento dela por parte do debitor cessus, d)A efectiva constituição ou aquisição do crédito na cessão de créditos futuros.
A notificação do devedor não carece de qualquer forma especial (artigo 219º do C.C.), equivalendo a aceitação expressa ou tácita à notificação (artigo 583º, nº 1 do C.C.), tendo o mero conhecimento da cessão por qualquer via idónea efeitos próximos da notificação.
É que o objectivo prosseguido pela notificação reside na protecção do devedor, dando-lhe conhecimento da ocorrência da cessão. Daí que o nº 2 do artigo 583º do C.C. prevê que, ainda que não tenha havido notificação ou aceitação, se o devedor tiver conhecimento da transmissão, o pagamento feito ao cedente não é tido por liberatório e não é oponível ao cessionário.
Pode, assim, concluir-se que os efeitos perante o devedor não se produzem apenas em virtude da notificação ou da aceitação, mas também em virtude do conhecimento do devedor da ocorrência da cessão. Neste caso, provando-se que o devedor tinha conhecimento da transmissão (ónus de prova que cabe ao cessionário), já não há razão para que a aludida protecção seja concedida ao devedor cedido, pois quando estava a pagar ao credor aparente, ou originário já sabia que ele não era já o actual titular do direito.
Uma modalidade específica de cessão consiste na cessão de créditos futuros, já que nada impede as partes de ceder um crédito futuro.
Admite, com efeito, a lei, que os bens futuros possam ser objecto de venda (artigo 880º do C.C.), mas não de doação (artigo 942º, nº 1 do C.C.), desde que, evidentemente, esteja preenchido o requisito da determinabilidade (artigo 280º, nº 1 do C.C.), posto que a cessão de créditos futuros é encarada como um negócio de disposição e não como um mero negócio obrigacional – v. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Cessão de Créditos (Reimpressão), 418-419.
Relativamente ao requisito da aquisição do crédito na cessão de créditos futuros, importa esclarecer que a cessão pode ter por objecto: a)créditos presentes (já vencidos; a prazo, ainda por vencer; ou mesmo condicionais, suspensiva ou resolutivamente), b)créditos ainda não existentes, ou créditos já existentes, mas que o cedente ainda não tem direito, embora espere vir adquiri-los, mas tendo como base relações contratuais duradouras, já constituídas à data do contrato de cessão, c)créditos que hão-de provir de relações contratuais ainda não constituídas no momento em que a cessão é efectuada, sendo certo que estes créditos futuros são cedíveis, desde que sejam determináveis, nos termos correspondentes aos requisitos exigíveis do objecto negocial, conforme decorre do artigo 280º do CC.
Com efeito, e como saliente CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual (Reimpressão), Almedina, 226-234, na categoria de créditos futuros cedíveis estãoenglobados: i.Os que vêm a surgir pro rata temporis (por ex., os créditos de rendas futuras no arrendamento), ii.Aqueles cuja fonte ou tipo legal constitutivo ainda deve ser completado (por ex., o crédito às contraprestações em contrato de fornecimento sucessivo onde o montante da prestação ainda há-de ser determinado, o crédito aos dividendos futuros no contrato de sociedade), iii.Aqueles cujo fundamento só surge com o decurso do tempo.
Sucede que a doutrina diverge no que concerne à eficácia da cessão de créditos futuros, quanto ao processo de aquisição do crédito, ou seja, se o crédito surge directamente na esfera do cessionário, ou vem a passar primariamente pelo património do cedente.
Segundo uns, por aplicação da teoria da imediação, o crédito futuro cedido surge imediatamente na pessoa do cessionário.
Para outros, por aplicação da teoria da transmissão, o crédito, no momento em que vem a nascer, constituiu-se na pessoa do transmitente e só depois, passa para o adquirente, ou seja, no momento do seu surgimento o crédito futuro cedido é adquirido pelo originário titular, transferindo-se ao cessionário, sempre que se tenham verificado as condições de transferência – v. em defesa desta teoria, CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, ob.cit, 227 e ss. JORGE LEITE AREIAS RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, II, 525 e ss.
Para CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, defensor da doutrina da transmissão, ob. cit. loc. cit., os pressupostos de aquisição do crédito futuro pelo cessionário devem verificar-se na pessoa do cedente. Daí que a teoria da imediação só poderia ser aceite, se os requisitos de aquisição do crédito devessem concorrer na pessoa do cessionário.
Uma posição intermédia (a que se adere), é sustentada por ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações, II, 317 e ss, fundada na circunstância de se ter de distinguir entre os créditos futuros em relação aos quais já existe um fundamento de vigência (créditos que se poderão constituir em virtude da verificação de uma condição ou do vencimento de um termo e ainda os créditos cuja futura constituição possa ser determinada em virtude de um negócio já celebrado) e os créditos futuros em que falta totalmente esse fundamento de vigência (créditos que apenas poderão resultar de negócios a celebrar futuramente).
No primeiro caso, o cedente transmitia não apenas o crédito futuro, mas também uma expectativa da sua aquisição que já possuía, pelo que o crédito constituir-se-ia directamente na esfera do cessionário.
No segundo caso, uma vez que não haveria qualquer negócio celebrado de onde o crédito possa resultar, já não poderia ocorrer qualquer transmissão de expectativas, pelo que o crédito adviria ao cessionário por via da titularidade do cedente, e apenas no momento em que se viesse a constituir.
É de rejeitar a solução defendida pela teoria da imediação, pois o cessionário só virá a adquirir o direito, se o cedente, sem a cessão, o teria adquirido e o seu regime será o mesmo a que estaria sujeito na titularidade do cedente.
De resto, à teoria da imediação se opõe o que decorre da disposição geral do nº 2 do artigo 408º do C.C. que genericamente consagra que, em relação a qualquer coisa futura, a transmissão se dá quando a coisa é adquirida pelo alienante, não podendo um crédito futuro ser excepção a esta regra.
Acresce que o exemplo do artigo 1058º do C.C. pode ser dado como manifestação de um regime só compatível com a doutrina da transmissão, visto que, nesse caso (alienação de créditos futuros e transmissão em seguida, da relação locatícia, o pagamento deve ser feito ao novo locador e não ao cessionário dos créditos), o crédito não é adquirido pelo cessionário, porque no momento em que surge, o cedente já não é o locador, o que reforça a ideia de que, na cessão de créditos futuros, o crédito surge na pessoa do cedente e logo se transfere para o cessionário.
Há, portanto, que concluir, em relação à cedibilidade dos créditos futuros, que: a)Os mesmos têm de ser determináveis; b)Não podem ser objecto de uma doação (artigo 942º do C.C. proíbe expressamente que a doação abranja bens futuros); c)Transferem-se para o cessionário, nos termos da doutrina da transmissão, o que significa que não perdem, até ao momento da sua constituição, qualquer nexo com o cedente.
Por outro lado, tratando-se de obrigações simples a constituir no futuro, mas tendo por base relações duradoiras, já constituídas à data do contrato de cessão, o crédito nascerá directamente, em princípio, na titularidade do cessionário, visto este ter adquirido a partir da celebração da cessão, a expectativa jurídica de aquisição desse crédito.
No caso de estarem em causa créditos que hão-de provir de relações contratuais ainda não constituídas no momento em que a cessão é efectuada e, uma vez que ainda há necessidade de celebrar contratos que irão dar lugar ao nascimento dos créditos futuros cedidos, e esses contratos terão como um dos seus sujeitos, justamente o cedente, tais créditos em expectativa nascerão na titularidade do cedente e só depois serão transferidos para o cessionário.
No que com concerne aos efeitos do contrato de cessão, importa realçar o principal efeito, que consiste na transferência do cedente para o cessionário do direito à prestação debitória.
Analisado o regime jurídico da cessão de créditos futuros, importa apreciar o que sucedeu no caso vertente.
No caso em apreciação, está provado que, em 30.11.1995, foi celebrado entre a autora, LGTMF, “Gestão ...”e “EE”um contrato-promessa de cessão de quotas e encerramento de contas-correntes, declarando autora e a “EE” encerrar as contas-correntes existentes entre ambas e fixaram o saldo respectivo, a favor da autora, em dois milhões, cem mil, quatrocentos e trinta francos suícos.
E, numa das cláusulas desse contrato a “EE” declarou ceder à autora um crédito que detinha sobre a sociedade ré, crédito esse correspondente ao remanescente do preço da venda de um terreno sito em Alverca, cuja venda fora prometida à ré, por contrato celebrado em 29.03.1993 – v. Nºs 1, 2, 4 a 7 da Fundamentação de Facto.
O preço do terreno prometido vender não estava ainda determinado, nem na data da celebração do contrato-promessa de compra e venda, nem na data da celebração do contrato-promessa de cessão de quotas e encerramento de contas correntes, o qual engloba a aludida cessão de crédito. Sucede, no entanto, que tal crédito era determinável, já que dependia da delimitação que teria de ser efectuada no local - v. Nºs 1 a 8 da Fundamentação de Facto.
Na sequência da celebração do mencionado contrato-promessa de cessão de quota, a “EE” comunicou à ré a cessão do crédito nele constante, não tendo esta, contudo, consentido na cessão – v. Nºs 11 e 12 da Fundamentação de Facto - o que, como antes ficou dito, para o caso não releva, posto que não obstava à efectiva celebração do contrato.
Ficou, portanto, apurada a celebração de um contrato, no qual a “EE”, na qualidade de cedente, declarou transmitir à autora, na qualidade de cessionária, um crédito que detinha sobre a ré (devedor cedido), sendo tal negócio independente do consentimento desta. Tal contrato de cessão de créditos, sendo uma forma de transmissão de obrigações, tem subjacente uma prometida cessão de quotas.
Este contrato de cessão de créditos formalizado entre a autora e a “EE” foi reduzido a escrito, é oneroso, o crédito é cedível, foi notificado ao devedor cedido, pese embora este com ele não haja concordado, bastando, todavia, o mero conhecimento efectivo da cessão do crédito.
Estamos, portanto, perante uma cessão de crédito cujo objecto incide sobre um bem futuro, ou seja, a eventual venda de um terreno que foi objecto de um contrato-promessa, sendo o crédito que a “EE” declarou ceder à autora, o remanescente do pagamento do preço que viesse a ser pago, aquando da celebração do contrato definitivo.
Ora, como é sabido e decorre do artigo 410º e 411º do Código Civil, entende-se por contrato-promessa, a convenção pela qual ambas as partes ou apenas uma delas se obrigam a celebrar, dentro de certo prazo e verificados certos pressupostos, determinado contrato - v. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I., 264 .
Se a obrigação é relativa a ambas as partes, há um contrato de promessa bilateral.
Com o contrato-promessa de compra e venda não se opera a transferência da propriedade sobre determinada coisa. Dele emerge apenas para os contraentes, a obrigação de facto positivo de contratar, de outorgar no contrato de compra e venda prometido que tenha por objecto essa coisa determinável.
Tal significa que o crédito que a “EE” declarou ceder à autora é, de facto, determinável, nas reporta-se a um crédito que há-de provir de relações contratuais ainda não constituídas à data da celebração da cessão de créditos.
O crédito cedido só se constituirá na esfera do cedente (“EE”) no momento da efectiva celebração do contrato de compra e venda.
E, será nesse momento com a realização da escritura pública de compra e venda e o inerente pagamento do remanescente do preço, que se dá o surgimento do cedido crédito futuro, podendo então passar para o património do cessionário.
É que, com efeito, os requisitos da aquisição do crédito cedido não concorrem na pessoa do cessionário, visto que ele apenas resultará do negócio que o cedente vier a realizar, ou seja, do contrato de compra e venda.
Ademais, não está em causa uma cessão de créditos presentes, na qual, em relação às partes, o crédito se transmite por mero efeito do contrato, operando-se de imediato a transmissão do cedente para o cessionário, o que significaria, de acordo com o artigo 577.º do C.C., que o cessionário se tornaria, desde logo, o novo titular do crédito.
Tão pouco ocorre uma cessão da posição contratual, consistente, segundo vem definida no artigo 424.º do C. C, no negócio pelo qual um dos contraentes, num contrato de prestações recíprocas, transmite a um terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato. Neste caso, a cessão envolve uma substituição de sujeitos num dos lados da relação contratual, uma modificação subjectiva numa relação contratual que, todavia, permanece a mesma: a relação contratual que existia entre o cedente e o cedido é a mesma de que passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário. Necessário é, porém, que a substituição do cedente tenha o consentimento do cedido.
Acresce que, seguindo-se a posição intermédia de ANTUNES VARELA, a que acima se fez referência, nunca se poderia entender que o cedente transmitira uma expectativa da sua aquisição que já possuía, pois no caso em análise, o crédito futuro alvo de cessão não se mostra fundamentado em nenhum negócio já celebrado, nascerá e constituir-se-á com a celebração da escritura pública de compra e venda e só nessa data poderia, por conseguinte, advir à autora cessionária, por via da titularidade da cedente EP.
O pagamento do remanescente do preço efectuado pela ré à “EE” não pode, pois, considerar-se um pagamento a terceiro com as consequências decorrentes do preceituado no artigo 770.º do C.C., ao contrário do que a autora/apelante defende.
Relativamente à responsabilidade da interveniente “EE”, razão assiste à sentença recorrida ao remeter para a modalidade em que se processou a sua intervenção no processo – intervenção acessória provocada.
Destarte, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. ii. DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO POR PARTE DA RECORRIDA
A ré, nas suas contra-alegações veio requerer a ampliação do objecto do recurso, invocando, subsidiariamente diferentes fundamentos não analisados pelo Tribunal de 1ª instância e que, em seu entender, sempre acarretariam a improcedência da acção.
É consabido que a ampliação do recurso, prevista no nº 1 do artigo 636º do CPC, destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer do fundamento da acção não considerado na sentença recorrida, no caso em que determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente.
Como esclarece JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2003, em anotação ao artigo 684º-A do aCPC: “o nº 1, prevê o caso de haver pluralidade de fundamentos da acção (causas de pedir) ou da defesa (excepções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Por sua vez, o nº 2 do citado normativo permite ao recorrido, na sua respectiva alegação e a título subsidiário, nomeadamente, impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas, situação que, no entanto, não está aqui em causa.
No caso vertente, pese a discordância da apelada poder integrar o fundamento de ampliação do recurso contemplado no nº 1 do citado normativo, a verdade é que, face ao ora decidido, quanto à improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida, prejudicada ficou a apreciação da ampliação do objecto do recurso da autora, formulada pela ré.
A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
IV.DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.