REGISTO CRIMINAL
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Sumário

I-Inexiste impedimento legal ao cancelamento provisório do registo criminal para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa – que é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no artigo 229º, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade - de decisão condenatória sofrida pelo requerente pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos.
II-O cancelamento do registo criminal e a concessão da nacionalidade são duas questões que se colocam em momentos diferentes e perante entidades diversas. Uma precede a outra. (Sumário elaborado pelo Relator).

Texto Integral

Acordam, em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1.Nos autos com o Nº 934/15.8TXLSB-B, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa – J2, foi proferida decisão, aos 03/05/2016, que determinou o cancelamento provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa, da sentença proferida no Proc. nº 20/06.1PFAMD, da Secção Criminal da Instância Local de Lisboa.

2.O Ministério Público não se conformou com o teor da decisão e dela interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

O requerente I., através do requerimento de fls. 3 a 5, veio requerer, para a finalidade de obtenção da nacionalidade portuguesa, o cancelamento da condenações que se mostra averbada no seu certificado de registo criminal, a saber:
1.No PCS n.º 20/06.1PFAMD, no qual foi condenado, por decisão judicial de 29/01/2013, transitada a 09/03/2013, pela prática, em 01/12/2005, de um crime de maus tratos, p. e p. pelo Art. 152º n.º 2, com referência ao n.º 1, al. a), do C. Penal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova.
2.A pena referida em 1. 1) foi declarada extinta em 29/01/2013.
3.No processo referido em 1. 1) não foi fixada obrigação de indemnizar.
4.De acordo com informação policial e relatório da DGRSP, carreados para os Autos, nada desabona o requerente.
5.O Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12/10, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 40/2010, define no seu Art. 229º, n.º 1 as situações em que pode ser requerido o cancelamento provisório do registo criminal.
6.Embora, não esteja na lei indicado, taxativamente, o caso de pedido de aquisição de nacionalidade, afigura-se-nos que tal pedido pode caber na expressão usada nesse preceito " ...ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, ...".
7.Impõe-se saber se, "in casu", existem ou não obstáculos legais que impeçam a satisfação do requerido e deferido.
8.Afigura-se-nos que, sim, face à Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 03/10, com as alterações da Lei 25/94, de 19/08, Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14/12, Lei n.º 1/2004, de 15/01 e Lei n.º 2/2006, de 17/04.
9.Com efeito, a Lei da Nacionalidade no seu Art. 6º n.º 1 faz referência aos requisitos gerais que, cumulativamente, devem estar preenchidos para que a um estrangeiro possa ser concedida a nacionalidade portuguesa.
10.Entre esses requisitos sobressai para o caso, em apreço, o da al. d), do n.º 1 do dito Art. 6º o qual estipula: "Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa".
11.Sucede que o crime referido em 1. 1) é punido, em abstrato, com pena de 1 a 5 anos de prisão.
12.Desde logo, se verifica que o crime, em referência, não é punível com pena de prisão inferior a 3 anos, patamar esse que, como veremos mais à frente, não constituirá impedimento a que a um cidadão estrangeiro, verificados os demais requisitos estabelecidos no Art. 6º da dita Lei, se coloque em condições de obter a nacionalidade, por naturalização, diferentemente do que sucede no patamar exigido pela referida al. d) n.º 1 do Art. 6º do citado diploma.
13.Estando suficientemente comprovada a falta, de um dos requisitos para que a um estrangeiro possa ser concedida a nacionalidade portuguesa, em momento, oportuno, a fis. 27 a 28, deste Apenso B exarámos parecer de indeferimento liminar do requerido, nos termos do Art. 230º n.º 2 do CEPMPL, de modo a evitar-se a prática de atos processuais reputados de inúteis.
14.Porém, o tribunal " a quo", a fls. 29 a 31, estribando-se no entendimento de que, tendo presente os requisitos cumulativos exigidos pelo Art. 12º da Lei n.° 37/2015, de 05/05 – a saber: a) tenham sido declaradas extintas as penas aplicadas, b) bom comportamento do requerente com a sua readaptação à vida social e c) o cumprimento da obrigação de indemnizar o ofendido – conjugados com o nos n.ºs 5 e 6 do Art. 10º da citada lei; mormente, no segmento, "... para qualquer outra finalidade, ..." essa qualquer outra finalidade inclui, também, a aquisição da nacionalidade.
15.Nesse trilho o tribunal " a quo" concluiu, ainda, que "...dispondo a lei que o cancelamento pode ser decretado quando se trate de emitir um certificado para qualquer finalidade, não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art. 229, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade" (Sic e itálico nosso).
16.Afigura-se-nos que, salvo o devido respeito, que é muito, esta interpretação é precipitada e não consentânea lei.
17.Na verdade, se é certo que, face à factualidade referida de 1. a 4., o requerente preenche todos os requisitos previstos no Art. 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, não é menos, que perante a condenação que sofreu no PCS n.º 20/06.1PFAMD, pela prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, inequivocamente, não preenche um dos requisitos para a aquisição da nacionalidade, o previsto na al. d), do n.º 1 do Art. 6º da Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 03/10, com as alterações da Lei 25/94, de 19/08, Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14/12, Lei n.º 1/2004, de 15/01 e Lei n.º 2/2006, de 17/04 – razão pela qual o seu pedido deveria ter sido liminarmente, indeferido.
18.O tribunal "a quo", na busca de encontrar diferençadas entre o regime antigo da Lei nº 57/98, de 18/08, revogado pela Lei n.º 37/2015, de 05/05 — que, salvo melhor interpretação/entendimento, não permitem, as conclusões extraídas de que o texto legal hoje permite o cancelamento provisório, para outra finalidade incluindo, também, a aquisição da nacionalidade - não conciliou/articulou, como se lhe impunha, os pressupostos exigidos pelo Art. 12º da dita Lei e o restante ordenamento jurídico, mormente, com a al. d), do n.º 1 do Art. 6º da Lei da Nacionalidade, com a consequente violação de lei.
19.É pacífico, na jurisprudência, que o legislador, para efeitos de concessão de nacionalidade, por naturalização, estabeleceu como pressuposto a não condenação pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, desinteressando-se da pena, em concreto, aplicada/imposta.
20.Decorre da "ratio legis" do preceito que o legislador elegeu um patamar ou baliza de gravidade de infração penal, a partir do qual não ser de conceder o direito de naturalização.
21.Foi, precisamente, este patamar/baliza, ao arrepio da lei, que a decisão judicial objeto de recurso não considerou/atendeu e ignorou.
22.E não se diga, que "... não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, ...", quando, na verdade, o legislador estabelece um patamar de gravidade de infração penal, que não oferece qualquer dúvida e não pode ser afastado, de todo, por via, de decisão judicial proferida em sede de cancelamento provisório do registo criminal.
23.Argumentar, pois, "in casu" com pretensa ilegítima restrição a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, frise-se, salvo o devido respeito, que é muito, é pôr em causa a opção legislativa, em matéria de legislação sobre estrangeiros que, em boa verdade, não cabe ao julgador questionar.
24.Aduza-se, ainda, que se o patamar for inferior a 3 anos de prisão, tal não constituirá impedimento a que a um cidadão estrangeiro, verificados os demais requisitos estabelecidos no Art. 6º da dita Lei, se coloque em condições de obter a nacionalidade, por naturalização e alcançará requerendo, eventual, cancelamento provisório, quando o certificado se destine a obter a nacionalidade.
25.Saliente-se, ainda, que tal baliza/patamar fixado pelo legislador não é caso único, em matéria de direito de estrangeiros.
26.Na verdade, no âmbito da Lei da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de estrangeiros do território nacional - Lei n.º 23/2007, de 04/07 - aí, igualmente, se exige que, para efeitos de autorização de residência, a título temporário e renovação dessa mesma autorização, nos termos dos Art. 77º nº 1 al. g) “Ausência de condenação por crime em Portugal punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano”, Art. 78º n.º 2 al. d) "Não tenham sido condenados em pena ou penas que, isolada ou cumulativamente, ultrapassem um ano de prisão, ainda que, no caso de condenação por crime doloso previsto na presente lei ou com ele conexo ou por crime de terrorismo, por criminalidade violenta ou por criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, a respetiva execução tenha sido suipensa."
27.Também, aí, o legislador estabeleceu um patamar, desta feita, de 1 ano de prisão, que tem de ser observado pelo intérprete/julgador
28.O direito à nacionalidade, o direito a autorização de residência e renovação dessa, a conferir a cidadãos estrangeiros, face ao ordenamento jurídico vigente, só pode se alcançado se estes, entre outros requisitos legais, revelarem ausência de antecedentes criminais, no quadro das penas abstratas dos patamares supras referidos.
29.E bem se compreende, face às necessidades de segurança interna, a que o cidadão anónimo e a sociedade, no seu todo, exigem que o legislador preserve.
30.Tais necessidades, à data de publicação da Lei da Nacionalidade e demais alterações, impunham-se, sendo que hoje estão na ordem do dia, face a eventos históricos de todos conhecidos, no espaço da União Europeia.
31.Com efeito, tais direitos conferem ao seu titular uma multiplicidade de direitos, por sua vez conexos a outros, inerentes à qualidade de cidadãos dos respetivos países onde se integram, por via da naturalização e autorização de residência.
32.A entender-se como o decidido, por via do cancelamento provisório de registo criminal, o julgador poderia pôr em causa necessidades de segurança interna que não são de todo o seu terreno de trabalho, o qual se deve cingir à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos.
33.O cancelamento provisório do registo criminal, de condenação como à do requerente, para efeitos de trabalho, face ao quadro legal vigente, desde que, observados os requisitos do Art. 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05, não constitui qualquer óbice, sendo que o mesmo poderá levar uma vida de normalidade, bem como a sua família, em plena integração na sociedade portuguesa.
34.Distinta é a situação de pretender alcançar o direito à nacionalidade, por via da naturalização, através do cancelamento provisório do registo criminal, o qual lhe está vedado, pelo menos até ao cancelamento definitivo do registo criminal, nos termos do Art. 11º da Lei n.º 37/2015, de 05/05.
35.Pelo exposto, o tribunal "a quo" violou o disposto conjugado nos Arts. 229º, n.º 1, 230º n.º 2 do CEPMPL, 6º, n.º 1, al. d), da Lei da Nacionalidade — Lei n.º 37/81, de 03/10, com as alterações da Lei 25/94, de 19/08, Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14/12, Lei n.º 1/2004, de 15/01 e Lei n.º 2/2006, de 17/04 – 10º, n.ºs 5, 6 e 12º da Lei n.º 37/2015, de 05/05.
36.A decisão judicial impugnada deve ser revogada e substituída por outra que indefira o cancelamento provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa, da decisão judicial condenatória proferida no PCS n. º 20/06.1PFAMD.

3.-I., requerente do cancelamento provisório do registo criminal da sentença em que foi condenado, apresentou resposta à motivação de recurso, concluindo pela manutenção do decidido.

4.-Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

5.-Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

6.-Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO.

1.-Âmbito do Recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se existe fundamento legal para o deferimento pelo Juiz de Execução das Penas do pedido de cancelamento provisório no registo criminal, para o fim de obtenção da nacionalidade, da decisão judicial condenatória proferida no NUIPC 20/06.1PFAMD.

2.-Elementos relevantes para a decisão

2.1-Aos 04/09/2015, I. impetrou o cancelamento provisório no registo criminal da condenação que sofreu no NUIPC 20/06.1PFAMD, do actual Tribunal da Comarca de Lisboa – Lisboa – Instância Local Criminal – J9, onde, por sentença de 17/02/2011, transitada em julgado aos 09/03/2011, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 152º, nº 2, do Código Penal, lhe foi aplicada pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova. A pena foi declarada extinta em 29/01/2013.

2.2-Tem o seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):

I-Relatório:
I., nascido a 14.10.1964, em São Tomé e Príncipe, nacional da República Democrática de São Tomé e Príncipe, filho de M. e de E., titular do título de residência no 5VO4163W4, veio pedir o cancelamento provisório da decisão constante do seu registo criminal, para efeitos de obtenção da nacionalidade portuguesa.
Juntou certificado de registo criminal e certidão da decisão condenatória.
Foi requisitada cópia da ficha biográfica e elaborado relatório pelos serviços de reinserção social.
Solicitou-se às autoridades policiais da área de residência do requerente informação sobre o ser comportamento social e eventual prática de actos ilícitos.
Finda a instrução dos autos, o Ministério emitiu parecer desfavorável à pretensão do Requerente.
II-Fundamentação
2.1.-Os factos
Atentos os elementos documentais juntos aos autos, considero demonstrados os seguintes factos:
2.1.1.-O ora Requerente foi condenado por decisão de 17.02.2011, transitada a 09.03.2011, proferida no processo nº 20/ 06.1PFAMD, da Secção Criminal da Instância Local de Lisboa, pela prática, em 01.12.2005, de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º, nº 2, do Código Penal, com referência ao nº 1, al. a), do mesmo preceito, na pena de dezoito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de dezoito meses (fls. 7 e 9-19).
2.1.2.-Por despacho de 29.01.2013, foi declarada extinta essa pena (fls. 8, 2º boletim).
2.1.3.-Segundo os serviços de reinserção social, o Requerente viveu em S. Tomé e Príncipe com a família de origem, constituída por três irmãos uterinos e um germano, sendo criado essencialmente pelas irmãs uterinas mais velhas, em virtude do pai integrar outro agregado e a mãe se deslocar pelo país no exercício da sua profissão de vendedora ambulante.
2.1.4.-Frequentou a escola até aos catorze anos de idade, tendo concluído o 5º ano de escolaridade; após o abandono da escola trabalhou numa oficina de mecânica e aos dezoito anos passou a trabalhar na empresa de água e electricidade, onde aprendeu o ofício de canalizador; posteriormente, trabalhou na área da construção civil, sendo possuidor de hábitos de trabalho e capacidade empreendedora.
2.1.5.-Ainda no país de origem, manteve três relações afectivas, tendo três filhas da companheira que considera legítima, e uma filha de cada uma das outras companheiras, não se relacionando com estas desde que emigrou para Portugal, em 1999.
2.1.6.-Em Portugal começou por trabalhar na construção civil, por conta de outrem, garantindo desde logo a sua autonomia económica.
2.1.7.-Entre 2000 e 2006, o Requerente viveu maritalmente com MO, de quem teve uma filha, actualmente com doze anos de idade; aquela relação foi conflituosa desde o início da vida em comum, devido à variação repentina do estado de humor e temperamento possessivo do Requerente relativamente à companheira; o casal separou-se na sequência de um episódio de violência do Requerente sobre a companheira.
2.1.8.-No âmbito de dois processos-crime (suspensão provisória do processo e suspensão da execução da pena de dezoito meses de prisão) cumpriu integralmente as obrigações que aí lhe foram fixadas.
2.1.9.-Actualmente reside sozinho numa habitação arrendada, no Prior Velho, pagando € 240,00 de renda mensal e subsistindo com base no exercício de actividade laboral de ajudante de electricista, através de um contrato de trabalho com uma empresa de trabalho temporário, a qual iniciou em 23.11.2015.
2.1.10.-Apesar de não pagar a prestação de alimentos à filha mais nova, por ter permanecido vários meses desempregado, mantém contactos regulares com a filha mais nova, assim como contactos telefónicos esporádicos com as restantes filhas que vivem em S. Tomé e Príncipe.
2.1.11.-Tem autorização de residência, mas pretende vir a obter a nacionalidade portuguesa para ter mais meios de obter trabalho contratualizado e estável, nomeadamente vir a exercer a actividade de canalizador em outros países, razão pela qual pede o cancelamento provisório do registro criminal.
2.1.12.-Concluem os serviços de reinserção social que a reabilitação judicial do Requerente poderá contribuir para a sua reinserção e a concessão da nacionalidade portuguesa constituir-se como elemento facilitador do seu processo de ressocialização e de melhoria das suas condições económicas, ressalvando-se uma eventual perturbação ao nível do seu baixo controlo de impulsos que poderá condicionar no futuro o seu percurso de vida.

2.2.-Subsunção dos factos ao Direito.

2.2.1.-Conforme se dispõe no artigo 12º da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, que entrou em vigor a 06.05.2015, o tribunal de execução das penas poderá determinar o cancelamento das decisões constantes do registo criminal, desde que:
a)Já tenham sido extintas as penas aplicadas;
b)O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e
c)O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.
2.2.2.-Do teor certificado de registo criminal resulta que a pena referida em 2.1. se mostra extinta.
O Requerente não praticou novos factos com relevo criminal e nada indicia que não se mostre inserido na sociedade, sendo que o relatório social conclui no sentido de ser razoável supor que se encontra readaptado.
Não foi fixada obrigação de indemnizar.
Por isso, mostram-se reunidos os requisitos legais necessários ao deferimento do requerido.
2.2.3.-Sucede que o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao pretendido cancelamento, em virtude do Requerente pretender o cancelamento provisório do registo referente à condenação no processo 20/06.1PFAMD, da Secção Criminal da Instância Local de Lisboa, onde foi condenado pela prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º, nº 2, do Código Penal, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa.
No entender do Ministério Público, falta um dos requisitos para que a um estrangeiro possa adquirir a nacionalidade portuguesa, por a al. d) do nº 1 do art. 6º da Lei nº 37/81, de 3/10, exigir a não condenação, com trânsito em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Efectivamente, a Lei nº 37/81, de 3/10, veda a aquisição da nacionalidade portuguesa ao cidadão estrangeiro que tenha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.
Tal disposição dirige-se tanto ao cidadão requerente como à entidade competente para a concessão da nacionalidade, que não é este Tribunal.


Sucede que o processo de cancelamento provisório do registo criminal visa precisamente reabilitar o cidadão, seja ele nacional ou estrangeiro, que foi condenado pela prática de um crime.
A finalidade do processo é o cancelamento do registo referente a essa condenação.
Se se deferir a respectiva pretensão, do registo já não constará a condenação.
Portanto, o cancelamento do registo criminal e a concessão da nacionalidade são duas questões que se colocam em momentos diferentes e perante entidades diversas. Uma precede a outra.
No caso dos autos, o que releva é apenas o primeiro momento: em sede de processo judicial no TEP, perante um concreto pedido deduzido para uma certa finalidade (que tem de ser indicada no requerimento inicial), tem de se apurar se é admissível o cancelamento provisório do registo da condenação para aquela finalidade. Repare-se que o TEP não é o destinatário do certificado do registo criminal, designadamente não é a entidade que tem de apreciar se existem inibições, interdições ou incapacidades em virtude da prática de crime, as quais vedam o acesso a actividades, profissões, funções, etc. Na fase em que o TEP intervém o certificado do registo criminal contém sempre a menção à condenação cujo cancelamento se pretende.
O que o TEP tem de apurar, nesta fase, é se existe alguma disposição que impeça o requerente de recorrer ao cancelamento provisório do registo criminal para a concreta finalidade indicada no requerimento inicial.
Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não se vislumbra que actualmente exista qualquer obstáculo legal ao requerido cancelamento.
Com efeito, no âmbito da Lei nº 57/98, de 18/8, era permitido, em princípio, o cancelamento do registo criminal para qualquer fim, mas o art. 16º, nº 1, ressalvava "sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 11º". Significava isto que nos casos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 11º não era admissível o cancelamento do registo criminal, existindo portanto um obstáculo legal à formulação de um pedido de cancelamento "nos casos em que, por força de lei, exija ausência de quaisquer antecedentes criminais ou apenas de alguns para o exercício de determinada profissão ou actividade".
Porém, a Lei nº 57/98, de 18/8, foi revogada pelo art. 46º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, e actualmente não existe qualquer obstáculo legal a que seja pedido o cancelamento para qualquer finalidade, sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17/9 (medidas de protecção de menores). Nos casos previstos na Lei no 113/2009 é que existem obstáculos legais ao recurso ao processo de cancelamento provisório do registo criminal, mas não é esse o circunstancialismo que está em causa nestes autos.
Isso mesmo resulta expressamente do art. 12º da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, ao dispor que o tribunal de execução de penas pode determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, "estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos do n°s 5 e 6 do artigo 10º", onde se descriminam as seguintes finalidades:
a)Fins de emprego, público ou privado;
b)Exercício de profissão ou actividade em Portugal;
c)Exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa;
d)Qualquer outra finalidade.
Portanto, dispondo a lei que o cancelamento pode ser decretado quando se trate de emitir um certificado para qualquer finalidade, não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art. 229, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

III-Decisão.
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, defiro o requerido e determino o cancelamento provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa, da decisão proferida no processo nº 20/06.1PFAMD, da Secção Criminal da Instância Local de Lisboa.
Custas a suportar pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em uma UC. Registe, notifique e comunique.


Apreciemos.

No entender do recorrente Ministério Público estava vedado ao Tribunal de Execução das Penas conceder o impetrado cancelamento provisório do registo criminal, para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa, da decisão condenatória proferida no Proc. nº 20/06.1PFAMD, da Secção Criminal da Instância Local de Lisboa.

Aduz, em favor do seu entendimento, no essencial, que o impedia o estabelecido no artigo 6º, nº 1, da Lei da Nacionalidade – Lei nº 37/81, de 03/10 – que estabelece os requisitos gerais que devem estar preenchidos para que a nacionalidade portuguesa possa ser concedida a um estrangeiro, onde se inclui a não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, sendo certo que o requerente Inácio Madre de Deus foi condenado pelo cometimento de crime punível com moldura penal máxima de 5 anos de prisão.

Ora, como acertadamente se assinala na decisão revidenda “o cancelamento do registo criminal e a concessão da nacionalidade são duas questões que se colocam em momentos diferentes e perante entidades diversas. Uma precede a outra”.

Com efeito, conforme resulta do estabelecido no artigo 12º em conjugação com o consagrado nos nºs 5 e 6, do artigo 10º, da Lei nº 37/2015, de 05/05, é admissível o cancelamento provisório das decisões que deveriam constar do certificado de registo criminal requerido por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, desde que tenham sido já declaradas extintas as penas aplicadas, o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado e haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.

Quer dizer, o que se tem de apurar – o Tribunal da Execução das Penas, a quem compete a decisão - face ao pedido formulado de cancelamento é qual a finalidade pretendida e se estão preenchidos cumulativamente os enunciados requisitos, não constando do diploma legal mencionado a previsão de qualquer circunstância liminarmente impeditiva do requerimento de cancelamento provisório das decisões que deveriam constar do registo criminal.

E, nem na invocada Lei da Nacionalidade – Lei nº 37/81, de 03/10, na sua versão actualizada – se consagram quaisquer impedimentos a esse pedido, ao contrário do que entendeu o legislador estabelecer no artigo 4º, da Lei nº 113/2009, de 17/09 (medidas de protecção de menores), pois, como bem alumia o Sr. Juiz a quo, “nos casos previstos na Lei no 113/2009 é que existem obstáculos legais ao recurso ao processo de cancelamento provisório do registo criminal, mas não é esse o circunstancialismo que está em causa nestes autos.”

Ora, sendo a finalidade de aquisição da nacionalidade portuguesa legalmente admissível, “não é legítimo restringir a possibilidade de cancelamento quando o certificado se destina a obter a nacionalidade portuguesa, pois esse é um fim legalmente permitido para efeitos do disposto no art. 229, nº 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade”, como correctamente se entendeu na decisão revidenda.

Termos em que, cumpre negar provimento ao recurso.

III-DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da ...ª Secção desta Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar a decisão recorrida.
Sem tributação.



Lisboa, 27 de Setembro de 2016.

  
                                
(Artur Vargues)                                  
(Jorge Gonçalves)