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JUNÇÃO DE DOCUMENTO POR TERCEIRO
ESCRITURAÇÃO MERCANTIL
EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS COMERCIAIS
EXIBIÇÃO DE ESCRITURAÇÃO MERCANTIL
SIGILO MERCANTIL
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
DEPOIMENTO DE PARTE
Sumário
I–Verificou-se uma considerável mudança de paradigmas, quer ao nível da escrituração mercantil, sua composição e sigilo, como ao nível do processo civil e da preponderância do poder inquisitório e oficioso do juiz sobre a iniciativa e impulso das partes, em nome do princípio da descoberta da verdade material e não apenas da verdade formal e carreada por autor e réu para os autos (tudo sem prejuízo dos limites impostos pelo pedido e pela causa de pedir). II–Não existe equiparação, para efeitos do artigo 435.º do NCPC, entre os artigos 42.º e 43.º do Código Comercial, pois só o artigo 42.º prevê verdadeiramente a exibição integral da escrituração e inerente documentação, ao passo que o artigo 43.º está gizado para uma situação de exame (judicial) parcial ou parcelar de tal realidade, fugindo assim à regra daquele artigo do regime processual comum, sem que tal signifique a sua revogação ou desconsideração jurídicas mas antes a sua articulação com o regime da notificação ou requisição de elementos e informações ínsitas nessa escrituração comercial e documentos complementares, assim como o dever de colaboração do artigo 417.º do NCPC, sendo que tal exame judicial não integral pode incidir sobre a escrituração do comerciante ou comerciantes que são partes ou de comerciantes terceiros relativamente ao litígio judicial em presença. III–Deverão ser devida, casuística e rigorosamente ponderados, pesados e avaliados os interesses contraditórios em presença, a natureza dos valores jurídicos em contraposição e os fins perseguidos pelos regimes legais em confronto, havendo que dar prevalência ao princípio da descoberta material da verdade (artigo 417.º do NCPC) sobre o regime do sigilo mercantil (contido no artigo 42.º do C. Comercial) sempre que no âmbito do objeto do litígio, o respeito do segundo, em termos de conteúdo, sentido e alcance, se revele objetivamente injustificado e/ou desproporcionado (excessivo), por referência à realização da justiça material no caso concreto em presença, admitindo-se assim que o referido segredo mercantil não ceda em todos os restantes cenários, assim como nas situações em que os factos que se pretendem demonstrar através do levantamento do mesmo se revelarem não essenciais – ou seja, se traduzam em factos acessórios ou secundários ou, na linguagem do legislador, complementares e instrumentais -, por referência à causa ou causas de pedir e às pretensões formuladas nos autos ou quando a sua prova, ainda que os factos sejam essenciais, possa ser feita por outros meios que não o exame judicial parcial da escrituração mercantil. IV–Se quanto aos balanços e balancetes, pela obrigatoriedade legal da sua publicação e registo, não nos repugna, em tese, o seu deferimento, já quanto aos outros pedidos, pela sua natureza – conhecimento de todos os clientes e da respetiva faturação, desde fevereiro de 2014 em diante, da CC, quando é exatamente isso que pretendeu evitar com a cláusula de confidencialidade firmada com a Ré e cujo desrespeito pretende ver reparado pecuniariamente - e extensão temporal, temos de encará-los de forma cautelosa, afigurando-se-nos que os mesmos cabem no âmbito de previsão do artigo 43.º do Código Comercial, havendo assim que passá-los pelo crivo da exigência aí contida - «…quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida» -, tanto mais que a empresa comercial visada é terceira relativamente ao pleito dos autos. V–Estão reunidos os pressupostos do artigo 43.º do Código Comercial dado ocorrer o conhecimento por parte dessa outra empresa da ligação profissional que a Ré teve anteriormente com a aqui Autora e dos benefícios que pretende recolher não apenas da experiência profissional aí obtida, como dos próprios conhecimentos e contactos pessoais com os clientes dessa anterior entidade patronal da trabalhadora, não obstante esta estar vinculada ao segredo sobre tais dados e elementos. VI–O depoimento de parte da Ré deveria ter sido admitido, dado os factos a que o mesmo foi indicado não possuírem natureza criminal, nem poderem ser qualificados de «torpes» (artigo 454.º, número 2, do NCPC). (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Parcial
Decisão Sumária Proferida ao Abrigo do Artigo 656º do NCPC.
I–RELATÓRIO:
AA, SA, sociedade anónima com sede no (…), Rua (…), pessoa coletiva n.º (…o), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais propôs, em 03/03/2015, ação declarativa de condenação com processo comum contra BB, divorciada, portadora do bilhete de identidade n.º (…) emitido em (…) pelos serviços de identificação civil do (…), contribuinte fiscal n.º (…), com domicílio profissional na Rua (…) e domicílio pessoal na (…), onde, pediu, em síntese, o seguinte:
«Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada e, por conseguinte:
a) Ser a Ré condenada ao pagamento à Autora da quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) decorrente da violação da cláusula 18.a do Contrato de Trabalho;
b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora os juros de mora sobre todas as quantias atrás referidas, à taxa legal, contados desde a data do seu vencimento e até integral e efetivo pagamento.»
*
A Autora alegou para o efeito o seguinte:
«I.DOS FACTOS.
1.º-A Autora é uma empresa que tem como objeto social, entre outros, a compra e venda de aparelhos auditivos e respetivos acessórios e quaisquer outros produtos, direta ou indiretamente relacionados, bem como a prestação de serviços de assistência técnica, reparação e quaisquer outros serviços direta ou indiretamente relacionados com os aparelhos auditivos, conforme documento n.º 1 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 2.º-No dia 6 de setembro de 2010 a Autora celebrou com a Ré um contrato de trabalho para o exercício das funções de Rececionista ("Contrato de Trabalho"), conforme documento n.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (…) 4.º-Posteriormente, em 16 de março de 2011, Autora e Ré celebraram entre si um aditamento ao Contrato de Trabalho, tendo a Ré passado a exercer as funções de Vendedora Especializada (Audioprotesista) para a Autora (Documento n.º 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (…) 6.º-No âmbito das suas funções, a Ré tinha acesso às bases de dados da Autora, designadamente aos dados, identificação, endereços e telefones dos seus clientes e a todos os dados de natureza confidencial e comercial. 7.º-Nos termos da cláusula 18.ª, n.º 1 do Contrato de Trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, esta comprometeu-se a não revelar a pessoas estranhas à Autora quaisquer informações confidenciais relativas a projetos, estudos, contabilidade, especificidades de produtos, segredos comerciais e de produção, metodologia comercial, a que a Ré tivesse acesso acerca dos negócios ou atividade da Autora ou dos seus clientes (Vd. Documento n.º 2). 8.º-Nos termos da mesma cláusula, ficou ainda estabelecido que quaisquer nomes, endereços e informações relativas a clientes eram propriedade exclusiva da Autora, não sendo permitido à Ré manter qualquer tipo de registo sobre os clientes (Vd. Cláusula 18.ª, n.º 2 do Contrato de Trabalho junto como Documento n.º 2). 9.º-Ficou ainda estabelecida a expressa proibição à Ré da utilização, divulgação ou cedência, a qualquer título, de informações relativas aos clientes ou aos trabalhadores da Autora, a que a Ré tivesse acesso no âmbito da prestação da sua atividade (Vd. Cláusula 18.ª, n.º 3 do Contrato de Trabalho junto como Documento n.º 2). 10.º-A Ré comprometeu-se a cumprir estes deveres mesmo após a cessação do contrato de trabalho e por um período não inferior a 3 anos (Vd. Cláusula 18.ª, n.º 4 do Contrato de Trabalho junto como Documento n.º 2). 11.º-Por fim, foi ainda acordado entre as partes que a violação dos deveres estabelecidos nesta cláusula implicaria para a Ré o pagamento de uma indemnização no valor mínimo de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sem prejuízo do ressarcimento de danos emergentes e lucros cessantes que excedessem o referido valor (Vd. Cláusula 18.ª, n.º 6 do Contrato de Trabalho junto como Documento n.º 2). 12.º-O Contrato de Trabalho cessou no ano 2014 por vontade da Ré. 13.º-Posteriormente à cessação do Contrato de Trabalho, a Autora passou a prestar serviços para a CC, LDA. ("CC"), pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua (…). 14.º - Com efeito, no perfil da Ré publicado na rede social do FACEBOOK, pode ler-se que a mesma é "Especialista na empresa CC, LDA" desde 2014 até ao presente (Documento n.º 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 15.º-Na mesma página da Ré da rede social do FACEBOOK pode também encontrar-se uma fotografia da Ré associada à marca da empresa CC, com a legenda: "Começou a trabalhar na empresa CC, LDA.; março de 2014 — Especialista; (…)” (Documento n.º 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 16.º-Por outro lado, na página da Ré da referida rede social podem encontrar-se diversas fotografias que evidenciam a ligação da Ré à CC (Documentos n.ºs 6 e 7 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). 17.º-Também a carta divulgada pela CC (que se junta infra como documento n.º 11) revela que a Ré se encontrava, pelo menos àquela data, a trabalhar na CC. 18.º-Com efeito, nessa carta pode ler-se "Informamos que a especialista BB que exerceu funções na empresa AA terá todo o prazer de os receber para fazer um exame auditivo completo sem qualquer compromisso, e desde já deixa o convite a todos os seus clientes que está disponível para continuar a fazer o acompanhamento/manutenção, oferecendo as mesmas condições que oferecia quando foi especialista na AA. Se confia no trabalho da especialista BB, então venha agora à CC porque a BB espera por si.". 19.º-A CC é uma sociedade que tem como objeto social o comércio, importação, exportação e representação de produtos e equipamentos médicos e ortopédicos, aparelhos auditivos, marcas e patentes (Documento n.º 8 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 20.º-São sócios da CC (i) DD, contribuinte fiscal n.º (…), residente na Rua (…) e (ii) EE, contribuinte fiscal n.º (…), residente (…) (Cfr. Documento n.º 8 junto supra). 21.º-A Ré manteve (e poderá manter ainda) uma relação do tipo conjugal com DD, sócio da CC, conforme informou a própria Ré à Autora para efeitos de inclusão de seus familiares no seguro de saúde de grupo da Autora (Documentos n.ºs 9 e 10 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). 22.º-A Ré tem interesses profissionais e pessoais no bom funcionamento e saúde financeira da CC. 23.º-Posteriormente à cessação do Contrato de Trabalho, a Ré realizou diversos contactos com clientes ou ex-clientes da Autora, utilizando para o efeito os nomes, endereços, contactos e informações que se encontravam na base de dados da Autora. 24.º-A Ré obteve os nomes, endereços, contactos e toda a informação a respeito dos dados dos clientes da Autora nas bases de dados da Autora e no âmbito da execução do Contrato de Trabalho. 25.º-Nesses contactos, a Ré (i) convidou os clientes a visitarem-na na sua nova loja (ou seja, na CC); (ii) afirmou que a Autora e a Segunda Ré pertenciam ao mesmo grupo empresarial ou económico, (iii) mencionou que a Autora encerrara as suas instalações sitas (…) e as reabrira na Rua (…) com um novo nome; (iv) mencionou que trabalhara durante 5 anos para a Autora, que conhecia o seu modo de funcionamento e que consigo o cliente teria um acompanhamento e serviço melhores; e/ou (v) ofereceu os seus serviços na sua nova loja (CC). Com efeito, 26.º-A Ré contactou a cliente da Autora FF, cujos dados e contactos obteve na base de dados da Autora, dizendo-lhe que deveria fazer a manutenção do seu aparelho auditivo (adquirido na Autora) na CC, acrescentando que a CC "era a mesma coisa" que a Autora. 27.º-A Ré contactou também o cliente da Autora GG, cujos dados e contactos obteve na base de dados da Autora, informando-o de que a Autora encerrara as suas instalações no seu antigo endereço e reabrira no endereço sito (…) (que corresponde à sede da CC). 28.º-A Ré contactou ainda a cliente da Autora HH, cujos dados e contactos obteve na base de dados da Autora, convidando-a a visitá-la na sua nova loja onde lhe seriam prestados melhores serviços do que os prestados pela Autora. Mais informou a Ré à referida cliente que trabalhara para a Autora durante 5 anos e conhecia bastante bem a forma pela qual a mesma trabalhava, acrescentando que consigo a cliente teria um melhor acompanhamento. 29.º-A Ré efetuou também outros contactos com clientes ou ex-clientes da Autora com o mesmo propósito acima descrito. 30.º-Para além destes contactos feitos diretamente pela Ré com clientes ou ex-clientes da Autora supra exposto, a Ré forneceu à CC os nomes, contactos, endereços, telefones e/ou todos os dados e informações relativos a todos ou parte dos clientes da Autora. 31.º-Os nomes, contactos, endereços, telefones e/ou todos os dados e informações relativos a todos ou parte dos clientes da Autora fornecidos pela Ré à CC foram obtidos pela mesma nas bases de dados da Autora e no âmbito da execução do Contrato de Trabalho. 32.º-Utilizando os dados que a Ré forneceu à CC, esta enviou a diversos clientes e ex-clientes da Autora uma carta com o teor da que aqui se junta como Documento n.º 11 e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. 33.º-Mediante estas condutas da Ré, a CC vendeu produtos, prestou serviços a clientes ou ex-clientes da Autora, beneficiando assim de informações e segredos que lhe foram transmitidos pela Ré, que lhe trouxeram lucros e faturação. 34.º-A CC obteve lucros e faturação decorrente da angariação de clientes que eram clientes ou ex-clientes da Autora. 35.º-Consequentemente, a Autora perdeu clientela o que implicou uma diminuição substancial do seu nível de vendas e dos seus resultados financeiros.
II.Do Direito (…) 40.º-No caso concreto dos autos, Autora e Ré fixaram, no mesmo contrato, regras relativas ao contrato de trabalho, estabelecendo-se a obrigação de prestação de atividade por parte da Ré à Autora, sob autoridade e direção desta, mediante o pagamento de uma retribuição, e regras relativas a um acordo de confidencialidade, estabelecendo-se uma obrigação de sigilo. 41.º-Nos termos desse acordo de confidencialidade foi estabelecida a obrigação de sigilo designadamente, quanto a projetos, estudos, especificidades de produtos, segredos comerciais e de produção, metodologia comercial, clientes, tendo-se estabelecido a proibição de a Ré manter qualquer tipo de registo sobre os clientes (Vd. Cláusula 18.ª, n.ºs 1 e 2 do Contrato de Trabalho junto como Documento n.º 2). Por outro lado, foi ainda estabelecida a expressa proibição de utilização, divulgação ou cedência, a qualquer título, de informações relativas aos clientes da Autora, a que a Ré tivesse acesso no âmbito da prestação da sua atividade (Vd. Cláusula 18.ª, n.º 3 do Contrato de Trabalho junto como Documento n.º 2). Por fim, foi ainda acordado entre as partes que a violação dos deveres estabelecidos nesta cláusula implicaria para a Ré o pagamento de uma indemnização no valor mínimo de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sem prejuízo do ressarcimento de danos emergentes e lucros cessantes que excedessem o referido valor. (…) 47.º-Termos em que se conclui ser devido pela Ré à Autora o pagamento da quantia estipulada contratualmente e que se fixou num mínimo de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por força da violação pela Ré da cláusula 18.ª do Contrato de Trabalho.».
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A Autora, no final da sua Petição Inicial, apresentou e requereu os seguintes meios de prova:
«Prova: A) Por confissão: Requer-se a prestação de depoimento de parte da Ré à matéria de facto alegada nos artigos 13.°, 22.°, 23.°, 24.°, 26.°, 27.°, 28.°, 29.°, 30.°, 31.º e 33.º da presente petição inicial. B) Testemunhal: 1. (…) 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. C) Documental: 1.Para prova da matéria de facto alegada no artigo 34.º da presente petição inicial, requer-se a notificação da CC, LDA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), para juntar aos autos a sua listagem de clientes desde Fevereiro de 2014 até ao momento em que seja notificada; 2.Para prova da matéria de facto alegada no artigo 34.º da presente petição inicial, requer-se a notificação da CC, LDA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), para juntar aos autos faturas emitidas no período decorrido entre desde Fevereiro de 2014 até ao momento em que seja notificada; 3.Para prova da matéria de facto alegada no artigo 34.º da presente petição inicial, requer-se a notificação da CC, LDA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), para juntar aos autos balanços e balancetes correspondentes ao ano 2014. D) Gravação da audiência: Nos termos do artigo 68.º, n.º 4 do CPT, requer-se a gravação da audiência.»
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Os presentes autos, tendo seguido a sua normal tramitação, com oportuna realização da Audiência de Partes, a apresentação pela Ré da sua contestação, onde arguiu a exceção dilatória da incompetência em razão da matéria do tribunal do trabalho e impugnou parte dos factos alegados pela sua anterior entidade empregadora e a resposta da Autora a tal exceção, veio a culminar na proferição, a fls. 27 a 29, do competente despacho saneador, onde foi fixado à ação o valor de € 50.000,00, julgada improcedente a referida exceção dilatória e declarado competente em razão da matéria o Tribunal do Trabalho do Funchal, considerada válida e regular a correspondente instância, fixada a matéria de facto assente e enunciados os Temas de Prova (5 relativos à Autora e um sexto referente à Ré [[1]])
O Tribunal do Trabalho do Funchal proferiu ainda e com a mesma data de 19/10/2015, o despacho de fls. 29, que reza o seguinte:
“Diligências probatórias: a) Indefiro a pela Autora requerida notificação da "CC", já porque o facto que se pretende provar é irrelevante, já porque a escrituração comercial está dispensada pela lei processual civil da obrigatoriedade (art.º 435.º) de junção. b) Não admito o depoimento de parte da Ré, por o mesmo recair sobre factos possivelmente integrados nos termos do art.º 454.º, n.º 2 do CPC. c) Admito os róis de testemunhas. Notifique.”
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A Autora AA, SA, inconformada com tal despacho, veio, a fls. 30 e seguintes, interpor recurso do mesmo, que numa primeira fase não foi admitido pelo tribunal recorrido, tendo, mais tarde e na sequência de reclamação apresentada pela recorrente, que foi atendida, sido o referido recurso admitido como de Apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (despacho de fls. 46 e 46 verso, datado de 2/2016).
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A Apelante apresentou, a fls. 31 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
36. Ao rejeitar os meios probatórios requeridos pela Recorrente na respetiva Petição Inicial, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 411.°, 429.º, n.º 2, 435.º e 454.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
***
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso sendo revogada a decisão recorrida e„ em consequência, ser a mesma substituída por outra que admita os meios probatórios indicados pela Recorrente na respetiva Petição Inicial, designadamente (i) a notificação da Recorrida para juntar aos autos listagens de clientes desde Fevereiro de 2014 até ao momento em que fosse notificada, (ii) as faturas emitidas no período compreendido entre Fevereiro de 2014 e o momento em que fosse notificada, (iii) os balanços e balancetes correspondentes ao ano de 2014 e (iv) o depoimento de parte da Recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
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A Autora, na sequência da respetiva notificação, não veio apresentar contra-alegações dentro do prazo legal.
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O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da procedência do recurso de Apelação (fls. 53), não tendo as partes se pronunciado acerca do referido Parecer, dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito.
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Considerando a simplicidade das questões suscitadas, o relator, fazendo apelo ao disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 656.º do Novo Código de Processo Civil, vai julgar o presente recurso de apelação através de decisão singular e sumária.
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Cumpre apreciar e decidir.
II–OS FACTOS.
A factualidade que releva para o julgamento do presente recurso de Apelação mostra-se descrita no Relatório da presente Decisão Singular, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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III–OS FACTOS E O DIREITO.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*
A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS.
Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 03/03/2015, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime do mesmo derivado que aqui irá ser chamado pontualmente à colação em função da factualidade alegada.
B–OBJECTO DO RECURSO.
Atendendo ao teor do despacho judicial recorrido, é natural que as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, questionem unicamente a circunstância do tribunal da 1.ª instância não ter admitido a notificação da empresa CC para fazer a junção de três conjuntos de documentos requeridos pela Autora, assim como a prestação do depoimento de parte pela Ré.
C–JUNÇÃO DE DOCUMENTOS POR TERCEIROS – ESCRITURAÇÃO MERCANTIL - REGIME LEGAL.
Importa, antes de mais, chamar à colação as disposições legais com pertinência nesta matéria estando em tal posição os artigos 63.º do Código do Processo do Trabalho e 417.º, 432.º a 439.º do Código de Processo Civil de 2013, que rezam o seguinte [[2]]:
Artigo 63.º Indicação das provas.
1–Com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.
2–(…) TÍTULO V
Da instrução do processo CAPÍTULO I
Disposições gerais
(…) Artigo 417.º
Dever de cooperação para a descoberta da verdade
1-Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2-Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
3-A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4-Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
CAPÍTULO II Prova por documentos
(…)
Artigo 432.º Documentos em poder de terceiro.
Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429.º.
Artigo 433.º Sanções aplicáveis ao notificado.
O tribunal pode ordenar a apreensão do documento e condenar o notificado em multa, quando ele não efetuar a entrega, nem fizer nenhuma declaração, ou quando declarar que não possui o documento e o requerente provar que a declaração é falsa.
Artigo 434.º Recusa de entrega justificada.
Se o possuidor, apesar de não se verificar nenhum dos casos previstos no n.º 3 do artigo 417.º, alegar justa causa para não efetuar a entrega, é obrigado, sob pena de lhe serem aplicáveis as sanções prescritas no artigo anterior, a facultar o documento para o efeito de ser fotografado, examinado judicialmente, ou se extraírem dele as cópias ou reproduções necessárias.
Artigo 435.º Ressalva da escrituração comercial.
A exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial.
Artigo 436.º Requisição de documentos.
1-Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.
2-A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros.
Artigo 437.º Sanções aplicáveis às partes e a terceiros.
As partes e terceiros que não cumpram a requisição incorrem em multa, salvo se justificarem o seu procedimento, sem prejuízo dos meios coercitivos destinados ao cumprimento da requisição.
Artigo 438.º Despesas provocadas pela requisição.
1-As despesas a que der lugar a requisição entram em regra de custas, a título de encargos, sendo logo abonadas aos organismos oficiais e a terceiros pela parte que tiver sugerido a diligência ou por aquela a quem a diligência aproveitar.
2-Quando o juiz verifique que os documentos requisitados se revelam manifestamente impertinentes ou desnecessários e caso a parte requerente não tenha atuado com a prudência devida, é a mesma condenada ao pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
Artigo 439.º Notificação às partes.
A obtenção dos documentos requisitados é notificada às partes.
Será, portanto, com este extenso conjunto de normas legais como pano de fundo jurídico, que iremos a bordar esta primeira problemática suscitada no recurso de Apelação da Autora.
D–INTERPRETAÇÃO DO REGIME LEGAL TRANSCRITO.
Importa, nesta matéria, atentar na considerável mudança de paradigmas que se verificou, quer ao nível da escrituração mercantil, sua composição e sigilo, como ao nível do processo civil e da preponderância do poder inquisitório e oficioso do juiz sobre a iniciativa e impulso das partes, em nome do princípio da descoberta da verdade material e não apenas da verdade formal e carreada por autor e réu para os autos (tudo sem prejuízo dos limites impostos pelo pedido e pela causa de pedir).
Bastará, no que concerne ao primeiro instituto jurídico – escrituração mercantil – fazer o confronto entre o regime jurídico que vigorava até 29/6/2006 [[3]] e o que foi introduzido a partir de 30/6/2006 e que deixámos reproduzido em anterior Nota de Rodapé para compreender a profunda modificação (simplificação) que afetou o mesmo, assistindo-se, por outro lado e no que toca às regras e princípios em que se radicava a estrutura e a tramitação do processo civil, a um desequilíbrio (ou ao reforço positivo das funções do segundo, numa outra perspetiva) entre o papel exclusivo e fundador dos litigantes e a posição e postura (secundarizadas) do juiz no seio do processo, que se viram crescentemente pautadas por uma significativa, profunda e cada vez mais abrangente intervenção oficiosa do julgador na direção e gestão da ação (sendo que o Código de Processo do Trabalho se revelou pioneiro nessa matéria, designadamente com as normas dos atuais artigos 27.º, 72.º e 74.º).
Tudo isto para dizer que a interpretação jurídica das normas legais que acima deixámos transcritas tem de ter essa evolução quantitativa e qualitativa em especial consideração, com uma compressão do conteúdo, alcance e sentido do sigilo da escrituração mercantil e uma conjugação cuidada e atenta aos novos valores e finalidades que impregnam o atual processo civil.
Impõe-se chamar à colação o pedido formulado pela Autora (anterior entidade patronal da Ré) no que concerne à requisição de diversa documentação da empresa terceira e atual entidade empregadora da demandada, para dizer que aí se visa não a exibição judicial e integral da escrituração mercantil desta última (que, como resulta das normas legais acima reproduzidas, incluem o livro de atas da reuniões societárias, o que não é desde logo reclamado pela demandante) do artigo 42.º do Código Comercial mas apenas o acesso a parte (ainda que significativa) da mesma e respetivos documentos, o que parece nos fazer recair sob o campo de aplicação do artigo 43.º do mesmo diploma legal.
Nesta matéria, haverá que dizer que o artigo 435.º do NCPC, quando se refere apenas à «exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos» e remete para o disposto na legislação comercial, parece pretender aludir apenas ao artigo 42.º do Código Comercial e já não ao artigo 43.º, pois só o primeiro tem por base a exibição judicial e integral dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos.
Tal interpretação das normas envolvidas pode conduzir-nos à seguinte conclusão: a mera exibição ou exame de excertos ou partes (ainda que extensos e/ou essenciais) ou de meros documentos avulsos dessa realidade (que se mostram abarcados pelo artigo 43.º do Código Comercial) acham-se regulados já e apenas pelo regime processual civil comum, sendo que o sigilo mercantil ou comercial não se mostra hoje abrangido (ao menos em todas as suas facetas) pelo artigo 417.º do Novo Código de Processo Civil[[4]].
Será, de facto, assim?
O Dr. Luís BRITO CORREIA, obra e local citados, define a escrituração mercantil nos seguintes moldes:
«1.A escrituração mercantil é o registo dos factos relativos aos comerciantes que podem influir na sua situação patrimonial. Surgiu da necessidade de os comerciantes conhecerem a sua própria situação patrimonial, os seus ganhos e perdas, os seus direitos e obrigações. Posteriormente veio a ser utilizada como meio de prova dos factos registados, em litígios entre o comerciante e terceiros. Usa-se também para verificar a regularidade da atuação do comerciante, nomeadamente no caso de falência, tendo em vista o interesse público; e serve de base à liquidação de impostos e contribuições, como, por exemplo, a contribuição industrial e o imposto de transações. Não deve confundir-se escrituração mercantil com contabilidade. Chama-se contabilidade à compilação, registo, análise e apresentação de informações, em termos monetários, sobre operações patrimoniais. Assim a contabilidade comercial é uma parte da escrituração mercantil; mas esta inclui registos não contabilísticos (por exemplo, atas, contratos, com todas as suas cláusulas, e correspondência do comerciante); e há contabilidade não comercial (por exemplo, a de uma empresa puramente agrária, ou de uma pessoa física não-comerciante), como há escrituração não comercial.»
Este mesmo autor fala-nos depois do segredo mercantil da escrituração e do regime previsto nos artigos 42.º e 43.º do Código Comercial, na sua redação original:
«8. Como regra a escrituração mercantil dos comerciantes é secreta (C.Com. art.º41.º e C.P.C. art.º 519.º); o comerciante não é obrigado a revelar o seu conteúdo. De facto, diz-se muitas vezes que "o segredo é a alma do negócio".
Esta regra sofre, porém, várias exceções; a)Pode ser ordenada a exibição judicial por inteiro (apresentação ao tribunal de toda a escrituração mercantil), mas apenas em questões de sucessão universal (nomeadamente, em processo de inventário para partilha de todos os bens deixados por um comerciante falecido), de comunhão (para partilha de bens comuns), de sociedade e de falência (C. Com. art.º 42.º, C.P.C., arts. 520.º, 570.º, 1141.º, 1145.º, 1168.º e 1205.º); no caso de falência, a escrita é apreendida e vista no tribunal (Cód. Proc. Civ., art.º 1205.º); nos outros casos, deve ser examinada no escritório do comerciante [[5]]; b)Pode proceder-se a exame judicial limitado (observação pelo tribunal de apenas alguns elementos da escrituração mercantil), quando a pessoa a quem pertençam os livros ou documentos tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida (mesmo que não seja parte na causa), sendo o exame feito no escritório do comerciante e limitado aos pontos especificados, que tenham relação com a questão (C.Com. - art.º 43.º); (…)»
Por seu turno, o Professor Fernando Olavo, obra e local citados, acerca do sigilo mercantil e do regime jurídico originariamente constante das aludidas disposições legais diz o seguinte:
«O princípio do segredo da escrituração mercantil encontra-se acolhido no artigo 41.º do Código Comercial, ao determinar que «nenhuma autoridade, juízo ou tribunal pode fazer ou ordenar varejo ou diligência alguma para examinar se o comerciante arruma ou não devidamente os seus livros de escrituração mercantil.[[6]] Por outro lado, os artigos 42.º e 43.º, nos termos em que estão redigidos, parecem inculcar que os livros e documentos de escrituração só têm de ser patenteados nos casos excecionais neles prevenidos - exibição judicial por inteiro e exame judicial limitado. A verdade, porém, é que deparamos com numerosos desvios àquela regra, já em outras disposições do Código Comercial, já em diversos diplomas especiais. (…) O exame judicial limitado, conforme já se observou, funciona como meio de prova de factos controvertidos numa causa já instaurada, ou a discutir em causa a instaurar. Pode ter por objeto a escrituração de qualquer das partes no processo, sendo até permitido que qualquer delas requeira exame à sua própria escrita, pois o artigo 44.º do Código Comercial admite que esta seja invocada em seu benefício. O exame judicial pode ainda recair sobre a escrituração de quem não seja parte na causa. O artigo 43.º permite proceder a exame quando a pessoa a quem a escrita pertença tenha interesse ou responsabilidade na questão, e do artigo 27.º do Código de Processo Civil resulta que pode haver pessoas que, não obstante não serem partes na causa, têm na questão em litígio interesse ou responsabilidade [[7]]. Não se objete, porém, que o Código de Processo Civil, depois de deixar ver no art.º 533.º que os terceiros podem ser obrigados a apresentar a exame os documentos em seu poder, estabelece no art.º 534.º que esta disposição não é aplicável aos livros e documentos de escrituração, e assim considera estarem estes excluídos daquele dever. É que o art.º 534.º, ao declarar inaplicável o disposto no artigo 533.º aos livros e documentos da escrita, limita-se a afirmar que tal artigo não abrange esta hipótese particular, e portanto não interfere nem no sentido de submeter terceiros àquela obrigação, nem no sentido contrário, deixando consequentemente em vigor o art.º 43.º, que da hipótese em causa se ocupa. A doutrina e a jurisprudência dominantes têm entendido não ser lícito requerer exame na escrita de quem não possua interesse ou responsabilidade na questão que se debate [[8]]. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1958 [[9]], em face do art.º 520.º do anterior Código de Processo Civil, que corresponde ao art.º 519.º do atual, pronunciou-se, porém, em contrário, admitindo o exame à escrita de qualquer terceiro, tenha ou não esse interesse ou responsabilidade. Se, de harmonia com aquele artigo, aos terceiros cabe a obrigação de fornecer todos os elementos úteis ao apuramento da verdade, e se da aplicação desta regra só se exclui, no n.º 4, a exibição por inteiro da escrituração, é de concluir - dizia o Acórdão - que o exame judicial não se encontra excluído da referida regra. Este Acórdão esqueceu, no entanto, o preceituado no n.º 4 do artigo 550.º do anterior Código, correspondente ao art.º 534.º do atualmente em vigor, que torna inaplicável a norma sobre a sujeição de terceiros a exames aos livros e documentos da escrituração comercial. Assim, por força do citado n.º 4 do artigo 550.º do Código anterior, como do art.º 534.º do atual, permanece em vigor o artigo 43.º do Código Comercial, que não permite efetuar exames à escrituração de quem não tenha interesse ou responsabilidade na questão, bem como, por ressalva do antigo artigo 520.º, n.º 4, e hoje do art.º 519.º, n.º 4, continua em vigor o artigo 42.º, no que toca à exibição por inteiro.» [[10]]
A Apelante refere o seguinte Aresto deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa para fundar a posição sustentada nas suas alegações de recurso:
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/01/2015, Processo n.º 313/11.6TVLSB-B.L1-6, relator: António Martins, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
«-O que o art.º 435.º do CPC ressalva e manda reger pelo disposto na legislação comercial é a “exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos”.
-Os art.ºs 42.º e 43.º do Código Comercial, que protegem o segredo comercial, só são aplicáveis quando se trate da exibição de toda a escrituração comercial e documentos a ela relativos (os livros comerciais, máxime as compras, as vendas, o balanço, o inventário, os contratos).
-Assim, quando se trata de uma pequena parte dessa escrituração, como a apresentação dos livros de atas das reuniões dos Conselhos de Administração na secretaria do tribunal, com vista a que o autor possa identificar quais as reuniões de que pretende cópias para serem juntas aos autos, a pretensão não se rege pelo disposto na legislação comercial, obedecendo antes aos normativos e princípios atinentes previstos no CPC, máxime o princípio geral da cooperação, previsto no art.º 417.º, n.º 1, do CPC, justificando-se que as apelantes, apesar de não serem parte na causa, estejam sujeitas ao dever de colaborar para a descoberta da verdade.
-Esta interpretação é conforme ao acolhimento, restrito, do sigilo profissional do comerciante o qual, embora se apresente como necessário a garantir um mínimo de segurança e confiança no funcionamento do comércio e no comerciante ou sociedade comercial, deve ceder perante um interesse público superior, o da realização da justiça.
-Não permitir o acesso aos documentos em causa, além de contrário ao espírito que anima a moderna dogmática processual civil, de uma exigência crescente quanto a um processo civil assente no apuramento da verdade, configuraria uma violação do princípio geral do processo justo e equitativo, consagrado no art.º 20.º n.º 4 da Constituição e com manifestações em instrumentos de direito internacional, máxime no “direito à prova”, consagrado na al. d) do n.º 3 do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem para o “direito à prova em processo criminal”, deduzido daí para todos os processos jurisdicionais.» [[11]]/[[12]]
Ora, se tivermos em atenção a doutrina acima expressa e que, ainda que significativamente atenuada nos moldes anteriormente referidos (por força das alterações introduzidas, quer no plano do direito substantivo, como no do direito adjetivo) não deixa de valer como farol interpretativo do regime especial dos artigos 42.º e 43.º do Código Comercial, há que aceitar e acatar, na sua essência e razão de ser, a manutenção legal do aludido sigilo mercantil como regra, assim como a destrinça que é feita entre o regime dos artigos 42.º e 43.º do Código Comercial (exibição integral e exame judicial limitado) e que nos parece a mais conforme com a letra e o espírito das respetivas normas.
Ora, a ser assim, não podemos concordar com os Arestos antes mencionados, quando equiparam, para efeitos do artigo 435.º do NCPC, os dois dispositivos legais, pois só o artigo 42.º prevê verdadeiramente a exibição integral da escrituração e inerente documentação, ao passo que o artigo 43.º está gizado para uma situação de exame (judicial) parcial ou parcelar de tal realidade, fugindo assim à regra daquele artigo do regime processual comum, sem que tal signifique a sua revogação ou desconsideração jurídicas mas antes a sua articulação com o regime da notificação ou requisição de elementos e informações ínsitas nessa escrituração comercial e documentos complementares, assim como o dever de colaboração do artigo 417.º do NCPC, sendo que tal exame judicial não integral pode incidir sobre a escrituração do comerciante ou comerciantes que são partes ou de comerciantes terceiros relativamente ao litígio judicial em presença [[13]].
O Juiz Conselheiro FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, a respeito da conciliação de tais normas jurídicas, refere o seguinte, na obra e local citados: «O que significa que fora do caso da exibição por inteiro da escrituração, que apenas é facultada nas situações previstas no preceito citado [[14]], nada impede a exibição, para exame e/ou junção de cópia, de elementos da escrituração comercial. A lei do processo não admite a recusa de tais elementos, sendo certo que o artigo 43.º do Código Comercial até prevê, com limites, o exame daqueles elementos, ao estabelecer que «fora dos casos previstos no artigo precedente, só poderá proceder-se a exame nos livros e documentos dos comerciantes, a instâncias da parte, ou de oficio, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida». A diferença de regimes tem inteira justificação, pois que enquanto "a exibição por inteiro” envolve o exame completo dos livros, permitindo uma devassa total da atividade profissional do comerciante, e só pode, por isso, ter lugar nos casos, taxativamente, enumerados no artigo 42.º, já a "apresentação" constitui, segundo o artigo 43.º um exame restrito aos elementos da escrituração que interessam à prova de determinado facto concreto, não assumindo, consequentemente, a mesma incomodidade. Da conjugação dos normativos citados decorre, pois, que o segredo da escrituração mercantil, previsto nos artigos 41.º, 42.º e 43.º do Código Comercial, não faculta às partes recusar a apresentação dos documentos quando se trate de apurar factos em que tenha interesse ou responsabilidade a pessoa a quem eles pertençam, na medida em que aquele segredo não pode subsistir em tal situação, sendo que, em todo o caso, face a um eventual conflito de interesses, por um lado, o do segredo comercial e, por outro, o do dever geral de colaboração com a administração da justiça, sempre o direito ao segredo deve ceder perante um interesse público superior, que é o da boa administração da justiça. Aliás, como bem se entendeu no douto Acórdão do STJ de 25.11.97, a escrituração comercial não é mais secreta que quaisquer outros assentos ou escritos particulares, pelo contrário, e precisamente porque é imposta por lei para permitir conhecer em cada momento o estado do negócio e fortuna do comerciante, isto é, porque se destina a constituir essencialmente um meio de prova, a escrita pode ser objeto de exame, até contra a vontade e os interesses daquele a quem pertence. Tanto na imposição aos comerciantes da obrigação da escrita, como na determinação do modo por que deve ser organizada, também se atendeu ao interesse geral e mal se explicaria que, representando uma prova pré-constituída, quando essa prova se tornasse necessária e oportuna, se impedisse a sua prestação[[15]]. Não se pode ser mais convincente.»[[16]]
Afigura-se-nos que há que procurar conjugar, conciliar e contrabalançar os dois regimes, um pouco à imagem do que ressalta dos dois seguintes Arestos:
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/05/2006, Processo n.º 1572/2006-7, relator: Luís Espírito Santo, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
I-No âmbito do direito à contraprova, visando-se demonstrar que o concessionário, após a cessação do contrato, não deixou de continuar a receber retribuição por contratos negociados ou concluídos entretanto, não tendo, assim sendo, direito a indemnização de clientela, deve ser deferido o pedido de notificação para junção de faturas emitidas desde a data de cessação do “contrato de concessão” respeitantes a transações efetuadas.
II-Prevalece o dever de cooperação das partes para a descoberta da verdade, que tem o seu fundamento legal no disposto nos artigos 266.º, n.º 1 e 519.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sobre a proteção do segredo da escrituração mercantil.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/04/2008, Processo n.º 9558/2007-6, relatora: Manuela Gomes, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
I-O disposto no art.º 519.º n.º 1, como enunciação de um princípio geral, que é, está também ele sujeito ao princípio da proporcionalidade.
II-Perante uma contraposição de interesses entre o dever de colaboração das partes e a proteção devida à documentação comercial, há que ponderar da indispensabilidade ou não dos documentos em causa para a apreciação do pedido, devendo ter em consideração, para além das normas conflituantes dos arts. 41.º a 43.º do C. Com e art.º 519.º do CPC, ainda as regras atinentes ao ónus da prova, ao dito princípio da proporcionalidade em sentido restrito.
III-Se a parte dispunha de meios probatórios, pelo menos facilitadores da descoberta da verdade dos factos, de que injustificadamente se não serviu, na ponderação dos interesses conflituantes em causa, e tendo em conta os parâmetros limitadores enunciados leva a que se entenda não ser de dar prevalência ao princípio do dever de colaboração da parte contrária para a descoberta da verdade dos factos constante do art.º 519.º do CPC.
Entendemos que deverão ser devida, casuística e rigorosamente ponderados, pesados e avaliados os interesses contraditórios em presença, a natureza dos valores jurídicos em contraposição e os fins perseguidos pelos regimes legais em confronto, havendo que dar prevalência ao princípio da descoberta material da verdade (artigo 417.º do NCPC) sobre o regime do sigilo mercantil (contido no artigo 42.º do C. Comercial) sempre que no âmbito do objeto do litígio, o respeito do segundo, em termos de conteúdo, sentido e alcance, se revele objetivamente injustificado e/ou desproporcionado (excessivo), por referência à realização da justiça material no caso concreto em presença, admitindo-se assim que o referido segredo mercantil não ceda em todos os restantes cenários, assim como nas situações em que os factos que se pretendem demonstrar através do levantamento do mesmo se revelarem não essenciais – ou seja, se traduzam em factos acessórios ou secundários ou, na linguagem do legislador, complementares e instrumentais -, por referência à causa ou causas de pedir e às pretensões formuladas nos autos ou quando a sua prova, ainda que os factos sejam essenciais, possa ser feita por outros meios que não o exame judicial parcial da escrituração mercantil.
Restam, finalmente, as hipóteses em que os elementos pretendidos não configuram, verdadeiramente, a indesejada violação ou revelação do segredo comercial protegido pelo legislador e, nessa medida, em que se torna ato inútil proceder à prévia análise e ponderação acima referidas.
E–SITUAÇÃO DOS AUTOS.
Se nos parece, com efeito, que a mera junção a uma ação judicial de documentos avulsos ou restritos a um ou mais negócios jurídicos celebrados em concreto pelo comerciante notificado para os apresentar, ainda que não seja parte nos referidos autos, não suscita, em regra, grandes dúvidas ou perplexidades jurídicas quanto à obrigatoriedade da sua junção, pois dificilmente constituirá uma devassa da escrituração mercantil para efeitos da violação do sigilo mercantil previsto nos artigos 42.º e 43.º do Código Comercial, já numa situação como a dos autos, temos dificuldade em encarar ou reconduzir os pedidos feitos pela Autora a um tal quadro adjetivo e relativamente inócuo, em termos da dita violação, dado que a mesma formula as seguintes pretensões de cariz probatório documental: «1.Para prova da matéria de facto alegada no artigo 34.º da presente petição inicial, requer-se a notificação da CC, LDA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), para juntar aos autos a sua listagem de clientes desde Fevereiro de 2014 até ao momento em que seja notificada; 2.Para prova da matéria de facto alegada no artigo 34.º da presente petição inicial, requer-se a notificação da CC, LDA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), para juntar aos autos faturas emitidas no período decorrido entre desde Fevereiro de 2014 até ao momento em que seja notificada; 3.Para prova da matéria de facto alegada no artigo 34.º da presente petição inicial, requer-se a notificação da CC, LDA., pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…), para juntar aos autos balanços e balancetes correspondentes ao ano 2014.»
O artigo 34.º da Petição Inicial possui o seguinte teor:
«34.º-A CC obteve lucros e faturação decorrente da angariação de clientes que eram clientes ou ex-clientes da Autora.»
Ora, se quanto aos balanços e balancetes, pela obrigatoriedade legal da sua publicação e registo, não nos repugna, em tese, o seu deferimento, já quanto aos outros pedidos, pela sua natureza – conhecimento de todos os clientes e da respetiva faturação, desde fevereiro de 2014 em diante, da CC, quando é exatamente isso que pretendeu evitar com a cláusula de confidencialidade firmada com a Ré e cujo desrespeito pretende ver reparado pecuniariamente - e extensão temporal, temos de encará-los de forma cautelosa, afigurando-se-nos que os mesmos cabem no âmbito de previsão do artigo 43.º do Código Comercial, havendo assim que passá-los pelo crivo da exigência aí contida - «…quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida» -, tanto mais que a empresa comercial visada é terceira relativamente ao pleito dos autos.
A ser assim e chegados aqui, estão alegados nos autos factos que nos permitam afirmar que a CC, LDA tem interesse ou responsabilidade na questão aqui em discussão: violação do dever de confidencialidade por parte da Ré e reparação dos eventuais prejuízos sofridos pela Autora, por desvio da sua clientela para aquela sociedade, atual entidade empregadora?
Pensamos que o artigo 18.º da Petição Inicial da Autora responde suficiente e afirmativamente a essa interrogação, ao afirmar o seguinte: 18.°-Com efeito, nessa carta pode ler-se "Informamos que a especialista BB que exerceu funções na empresa AA terá todo o prazer de os receber para fazer um exame auditivo completo sem qualquer compromisso, e desde já deixa o convite a todos os seus clientes que está disponível para continuar a fazer o acompanhamento/manutenção, oferecendo as mesmas condições que oferecia quando foi especialista na AA. Se confia no trabalho da especialista BB, então venha agora à CC porque a BB espera por si.".
Parece não existirem grandes dúvidas quanto ao conhecimento por parte dessa outra empresa da ligação profissional que a Ré teve anteriormente com a aqui Autora e dos benefícios que pretende recolher não apenas da experiência profissional aí obtida, como dos próprios conhecimentos e contactos pessoais com os clientes dessa anterior entidade patronal da trabalhadora, não obstante esta estar vinculada ao segredo sobre tais dados e elementos.
Logo, não nos parece que o despacho recorrido, pela mera invocação do sigilo mercantil dos artigos 42.º e 43.º do Código Comercial, tenha apreciado e decidido correta e devidamente as pretensões da Autora e aqui Apelante nesta matéria.
Iremos assim revogar o despacho recorrido nessa sua vertente, sem, contudo, olvidar que o exame judicial da requerida documentação, a efetivamente verificar-se, deve obedecer ao disposto no número 2 do artigo 43.º do citado diploma legal e referir que tal revogação não exonera o tribunal recorrido, ultrapassado este primeiro obstáculo de cariz legal, de ter de analisar e julgar das efetivas adequação e real eficácia da documentação requisitada, em função da causa de pedir e da pretensão indemnizatória formuladas pela Autora e da prova que se pretende obter através do seu exame judicial.
Tal julgamento extravasa manifestamente o objeto do presente recurso de Apelação e os poderes, ainda que oficiosos, deste Tribunal da Relação de Lisboa.
Sendo assim, o presente recurso de Apelação tem de ser julgado procedente nesta parte, com a revogação do despacho impugnado, pelo conjunto de fundamentos deixados expostos.
F–DEPOIMENTO DE PARTE – SUA INADMISSIBILIDADE LEGAL.
A segunda temática deste recurso de Apelação radica-se no indeferimento do depoimento de parte da Ré requerido pela Autora, no final da sua Petição Inicial: «A) Por confissão: Requer-se a prestação de depoimento de parte da Ré à matéria de facto alegada nos artigos 13.°, 22.°, 23.°, 24.°, 26.°, 27.°, 28.°, 29.°, 30.°, 31.º e 33.º da presente petição inicial.» Como já antes referimos, em sede do Relatório deste Aresto, o despacho judicial que rejeitou tal meio de prova tem o seguinte teor: «b) Não admito o depoimento de parte da Ré, por o mesmo recair sobre factos possivelmente integrados nos termos do art.º 454.º, n.º 2 do CPC.»
O artigo 454.º do NCPC tem a seguinte redação:
Artigo 454.º Factos sobre que pode recair.
1-O depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.
2-Não é, porém, admissível o depoimento sobre factos criminosos ou torpes, de que a parte seja arguida.
Os artigos da Petição Inicial sobre os quais deve incindir o pretendido depoimento de parte são os seguintes:
«13.º-Posteriormente à cessação do Contrato de Trabalho, a Autora passou a prestar serviços para a CC, LDA. ("CC"), pessoa coletiva n.º (…), com sede na (…). 22.º-A Ré tem interesses profissionais e pessoais no bom funcionamento e saúde financeira da CC. 23.º-Posteriormente à cessação do Contrato de Trabalho, a Ré realizou diversos contactos com clientes ou ex-clientes da Autora, utilizando para o efeito os nomes, endereços, contactos e informações que se encontravam na base de dados da Autora. 24.º-A Ré obteve os nomes, endereços, contactos e toda a informação a respeito dos dados dos clientes da Autora nas bases de dados da Autora e no âmbito da execução do Contrato de Trabalho. 26.º-A Ré contactou a cliente da Autora FF, cujos dados e contactos obteve na base de dados da Autora, dizendo-lhe que deveria fazer a manutenção do seu aparelho auditivo (adquirido na Autora) na CC, acrescentando que a CC "era a mesma coisa" que a Autora. 27.º-A Ré contactou também o cliente da Autora GG, cujos dados e contactos obteve na base de dados da Autora, informando-o de que a Autora encerrara as suas instalações no seu antigo endereço e reabrira no endereço sito na (…) (que corresponde à sede da CC). 28.º-A Ré contactou ainda a cliente da Autora HH, cujos dados e contactos obteve na base de dados da Autora, convidando-a a visitá-la na sua nova loja onde lhe seriam prestados melhores serviços do que os prestados pela Autora. Mais informou a Ré à referida cliente que trabalhara para a Autora durante 5 anos e conhecia bastante bem a forma pela qual a mesma trabalhava, acrescentando que consigo a cliente teria um melhor acompanhamento. 29.º-A Ré efetuou também outros contactos com clientes ou ex-clientes da Autora com o mesmo propósito acima descrito. 30.º-Para além destes contactos feitos diretamente pela Ré com clientes ou ex-clientes da Autora supra exposto, a Ré forneceu à CC os nomes, contactos, endereços, telefones e/ou todos os dados e informações relativos a todos ou parte dos clientes da Autora. 31.º-Os nomes, contactos, endereços, telefones e/ou todos os dados e informações relativos a todos ou parte dos clientes da Autora fornecidos pela Ré à CC foram obtidos pela mesma nas bases de dados da Autora e no âmbito da execução do Contrato de Trabalho. 33.º-Mediante estas condutas da Ré, a CC vendeu produtos, prestou serviços a clientes ou ex-clientes da Autora, beneficiando assim de informações e segredos que lhe foram transmitidos pela Ré, que lhe trouxeram lucros e faturação.»
Ora, não vislumbrando como os factos acima transcritos podem possuir natureza criminal, resta saber se os mesmos serão «torpes», havendo que ouvir, a esse respeito, o Juiz-Conselheiro JORGE AUGUSTO PAIS DE AMARAL, obra citada, páginas 333 e 334, quando os define nos seguintes moldes:
«Como factos torpes devem entender-se os factos que, embora não sejam criminosos ou ilegais, são todavia contrários à moral pública ou reprovados pelos bons costumes. [[17]] A parte não terá, assim, de ser colocada perante o dilema de ter de mentir ou ter de confessar uma conduta de que se envergonha».
A referida noção jurídica, quando cruzada com os factos alegados nos aludidos artigos da Petição Inicial da Autora, mostra-se claramente inverificada quanto a eles, não havendo, por tal motivo, fundamento legal, ao abrigo do número 2 do artigo 454.º do Novo Código de Processo Civil, para indeferir, como veio a fazer indevidamente o tribunal recorrido, o pretendido depoimento de parte da Ré.
Sendo assim, também nesta segunda vertente tem o recurso de Apelação da Autora de ser julgado improcedente, com a inerente revogação do despacho recorrido, que, deverá ser substituído por um outro que, admitindo tal meio de prova, deverá analisar e definir o objeto do mesmo, por referência aos artigos da Petição Inicial indicados.
IV–DECISÃO.
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1 do Código de Processo do Trabalho e 656.º do Novo Código de Processo Civil, decide-se, mediante decisão sumária e singular, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de Apelação interposto por AA, SA, com a revogação do despacho recorrido e sua substituição por um outro que, admitindo, juridicamente, os referidos dois meios de prova – exame judicial da documentação requerida da empresa CC e depoimento de parte da Ré -, deverá, não obstante, analisar e julgar em concreto da sua adequação e eficácia, nos moldes antes definidos, ou do seu objeto em concreto.
Custas do presente recurso a cargo da Apelada, nos termos do artigo 527.º, número 1, do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 28 de setembro de 2016
José Eduardo Sapateiro
[1]«Temas de Prova
a). Da Autora:
1.°-A Ré tem interesses profissionais e pessoais no funcionamento e saúde financeira da CC?
2.°-Enquanto ao serviço da Autora, a Ré acedeu à base de dados da Autora e obteve os nomes, endereços, contactos e toda a informação natureza confidencial e comercial a respeito dos clientes da Autora?
3.°-Após a referida cessação do contrato de trabalho, a Ré, utilizando os referidos dados, contactou diretamente com clientes ou ex-clientes da Autora, convidando-os a visitarem-na na loja da "CC"; afirmando que a Autora e a "CC" pertenciam ao mesmo grupo empresarial ou económico, mencionando que a Autora encerrara as suas instalações sitas na (…) e as reabrira na (…), com um novo nome; mencionando que trabalhara durante 5 anos para a Autora e conhecia o seu modo de funcionamento e que, com ela, o cliente teria um acompanhamento e serviço melhores; e/ou oferecendo os seus serviços na sua nova loja da CC?
4.°-A Ré forneceu à CC aqueles dados, a qual, utilizando-os, enviou a diversos clientes e ex-clientes da Autora uma carta publicitária e vendeu-lhes produtos e prestou serviços?
5.°-A perda de clientela implicou para a Autora uma diminuição de vendas e de resultados financeiros?
Da Ré:
6.°-Da referida colaboração com a "CC", a Ré não retira qualquer contrapartida financeira?» [2]Não será despiciendo chamar igualmente a atenção para o estatuído nos artigos 29.º a 31.º e 37.º a 44.º do Código Comercial, na redação que resultou das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29/03, sendo que os artigos 32.º a 36.º desse mesmo diploma legal foram revogados por tal Decreto-Lei:
TÍTULO IV
DA ESCRITURAÇÃO
Artigo 29.º
Obrigatoriedade da escrituração mercantil
Todo o comerciante é obrigado a ter escrituração mercantil efetuada de acordo com a lei.
Artigo 30.º
Liberdade de organização da escrituração mercantil
O comerciante pode escolher o modo de organização da escrituração mercantil, bem como o seu suporte físico, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 31.º
Livros obrigatórios
1-As sociedades comerciais são obrigadas a possuir livros para atas.
2-Os livros de atas podem ser constituídos por folhas soltas numeradas sequencialmente e rubricadas pela administração ou pelos membros do órgão social a que respeitam ou, quando existam, pelo secretário da sociedade ou pelo presidente da mesa da assembleia geral da sociedade, que lavram, igualmente, os termos de abertura e de encerramento, devendo as folhas soltas ser encadernadas depois de utilizadas.
Artigo 37.º
Livros das «atas» das sociedades
Os livros ou as folhas das atas das sociedades servirão para neles se lançarem as atas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.
Artigo 38.º
Quem pode realizar a escrituração
Todo o comerciante pode fazer a sua escrituração mercantil por si ou por outra pessoa a quem para tal fim autorizar.
§ Único. Se o comerciante por si próprio não fizer a escrituração, presumir-se-á que autorizou a pessoa que a fizer.
Artigo 39.º
Requisitos externos dos livros de atas
1-Sem prejuízo da utilização de livros de atas em suporte eletrónico, as atas devem ser lavradas sem intervalos em branco, entrelinhas ou rasuras.
2-No caso de erro, omissão ou rasura deve tal facto ser ressalvado antes da assinatura.
Artigo 40.º
Obrigação de arquivar a correspondência, a escrituração mercantil e os documentos
1-Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos.
2-Os documentos referidos no número anterior podem ser arquivados com recurso a meios eletrónicos.
Artigo 41.º
Inspeções à escrita
As autoridades administrativas ou judiciárias, ao analisarem se o comerciante organiza ou não devidamente a sua escrituração mercantil, devem respeitar as suas opções, realizadas nos termos do artigo 30.º.
Artigo 42.º
Exibição judicial da escrituração mercantil
A exibição judicial dos livros de escrituração mercantil, e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.
Artigo 43.º
Exame da escrituração e documentos
1-Fora dos casos previstos no artigo anterior, só pode proceder-se a exame da escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte, ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
2-O exame da escrituração e dos documentos do comerciante ocorre no domicílio profissional ou na sede deste, em sua presença, e é limitado à averiguação e extração dos elementos que tenham relação com a questão.
Artigo 44.º
Força probatória da escrituração
Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos em juízo a fazer prova entre comerciantes, em factos do seu comércio, nos termos seguintes:
1.º-Os assentos lançados nos livros de comércio, ainda quando não regularmente arrumados, provam contra os comerciantes, cujos são; mas os litigantes, que tais assentos quiserem ajudar-se, devem aceitar igualmente os que lhes forem prejudiciais;
2.º-Os assentos lançados em livros de comércio, regularmente arrumados, fazem prova em favor dos seus respetivos proprietários, não apresentando o outro litigante assentos opostos em livros arrumados nos mesmos termos ou prova em contrário;
3.º-Quando da combinação dos livros mercantis de um e de outro litigante, regularmente arrumados, resultar prova contraditória, o tribunal decidirá a questão pelo merecimento de quaisquer provas do processo;
4.º-Se entre os assentos dos livros de um e de outro comerciante houver discrepância, achando-se os de um regularmente arrumados e os do outro não, aqueles farão fé contra estes, salva a demonstração do contrário por meio de outras provas em direito admissíveis.
§ Único. Se um comerciante não tiver livros de escrituração, ou recusar apresentá-los, farão fé contra ele os do outro litigante, devidamente arrumados, exceto sendo a falta dos livros devida a caso de força maior, e ficando sempre salva a prova contra os assentos exibidos pelos meios admissíveis em juízo. [3]Cfr., a esse respeito, o Professor FERNANDO OLAVO, em «Direito Comercial», Volume I, 2.ª Edição (2.ª Reimpressão), 1978, Coimbra Editora, páginas 320 a 368, o DR. LUÍS BRITO CORREIA, em «Direito Comercial», 1.º Volume, Sumários desenvolvidos das lições dadas à Turma B-Dia do 3.º ano jurídico de 1981/1982, DR. PAULO OLAVO CUNHA, em «Direito das Sociedades Comerciais», 4.ª Edição, Maio de 2010, Almedina, páginas 33 e seguintes, quanto à “Reforma societária de 2006» e DR. FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, «Os Meios de Prova em Processo Civil», 2016, Almedina, páginas 118 a 120. [4A exclusão do segredo mercantil, na vertente prevista no artigo 43.º do Código Comercial, das exceções contidas no número 2 do artigo 417.º do NCPC é expressamente defendida pelo Juiz Conselheiro FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, na obra e local citados («O segredo comercial, no seu todo, não está contemplado nas exceções à regra. O que a lei apenas excetua, no artigo 435.º do Código de Processo Civil, é o caso particular da exibição por inteiro dos livros e documentos de escrituração mercantil, estabelecendo que “(texto do artigo)”. Remete, assim, nes6ta matéria, para o artigo 42.º do Código Comercial que diz que “(texto do artigo)»), convindo recordar que no âmbito do artigo 519.º do Código de Processo Civil de 1961 e até à reforma de 1995/1996, o número 4 de tal disposição estabelecia que «Fica salvo o disposto quanto à exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos», regera esta que desapareceu, bem como o teor do artigo 534.º - «O disposto nos artigos anteriores não é aplicável aos livros de escrituração comercial, nem aos documentos relativos a ela» - que foi substituído por um texto em tudo idêntico ao do atual artigo 435.º, acima transcrito. [5]«Neste sentido, cf. F. OLAVO, Direito Comercial, pág. 352 e seg..» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO [6]«Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1949, em Vida Judiciária, ano 11.º, pág. 298.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO [7]«Assim, nos casos de solidariedade ativa e passiva, se só um credor exigir a prestação ou se esta apenas for exigida a um devedor, nos termos do artigo 27.º, n.º 2, os demais credores e devedores, não sendo partes, têm, contudo, respetivamente, interesse e responsabilidade na causa.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO [8]«Cfr. J. A. REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 43; Acórdãos do S. T. J. de 5-1-1960, Bol. Min. Just., n.º 93, pág. 260, de 24-10-961, Bol. Min. Just., n.º 110, pág. 467, e de 22-1-963, Bol. Min. Just., n.º 123, pág. 578 - todos com base em disposições correspondentes às atuais.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO [9]«Cfr. Revista dos Tribunais, ano 77.º, pág. 61, e Bol. Min. Just., n.º 81, pág. 441.» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO [10]Cfr., neste sentido, JORGE AUGUSTO PAIS DE AMARAL, «Direito Processual Civil», 11.ª Edição, 2014, Almedina, páginas 318 e 319. [11]Cfr., nesse mesmo sentido:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/2/2000, Processo n.º 99S260, relator: Manuel Pereira, publicado em www.dgsi.pt (só Sumário):
I-Se há que proteger a escrita dos comerciantes, pondo-a a coberto de devassas injustificadas, já não se concebe uma proteção dirigida à ocultação de dados que não interessam somente ao comerciante mas também àqueles que com ele contrataram.
II-Elementares exigências de justiça, levam à admissibilidade dos exames à escrituração mercantil enquanto meios adequados para se chegar à verdade em causa em que é responsabilizado o comerciante.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/11/2004, Processo n.º 9105/2004-6, relator: Olindo Geraldes, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
«O segredo comercial pode ceder perante o dever de cooperação para a descoberta da verdade, consagrado no art.º 519.º do CPC.
A parte que não é favorecida pelo segredo da escrituração comercial não tem legitimidade para o invocar.
Havendo reconhecimento do interesse da outra parte na apresentação da escrita comercial, não pode ser oposta a recusa com fundamento no seu carácter secreto.
A apresentação dos documentos em tribunal não contende com a norma do art.º 43.º do Código Comercial.» [12]Em sentido oposto, os seguintes Arestos:
-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/4/1993, Processo n.º 003641, relator: Dias Simão, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
«I-Os artigos 42 e 43 do Código Comercial são normas de direito substantivo e de garantia do crédito dos comerciantes, do segredo e do êxito das suas operações, daí que se mantenham em vigor, prevalecendo as suas disposições especiais sobre as estatuições gerais do Código de Processo Civil, nomeadamente sobre o artigo 519 deste Código.
II-Sendo a sociedade comercial ré numa ação emergente de contrato de trabalho em que se pede a declaração de ilicitude do despedimento do Autor verifica-se o condicionalismo exigido no artigo 43.º do Código Comercial para a efetivação do exame judicial à escrita comercial.»
–Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/01/2010, Processo n.º 7494/06.9TBLRA.C1, relator: Gregório Jesus, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
«I–O art.º 41.º do Código Comercial consagra o princípio geral do carácter secreto da escrituração comercial.
II–Porém, no que se refere às relações civis, regulam os art.ºs 42.º e 43.º do Código Comercial as formas de aceder à escrituração mercantil, por remissão do art.º 534.º do CPC.
III–O art.º 42.º permite a exibição judicial por inteiro, da escrituração comercial e dos documentos a ela relativos, a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de quebra – em qualquer uma destas circunstâncias o comerciante é obrigado, se lhe for solicitado, a colocar à disposição do tribunal toda a escrituração mercantil, para ser analisada com vista à prova das questões suscitadas.
IV–Por sua vez, o art.º 43.º admite um exame parcial da escrita mercantil, que pode ser requerido por qualquer uma das partes em litígio ou oficiosamente, relativamente à escrita na posse da outra ou mesmo de terceiro, desde que a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
V–O exame a realizar está conexo com a prova por arbitramento ou inspeção judicial – com efeito, estas diligências permitem conciliar, de forma proporcional, os direitos ao segredo comercial e à descoberta da verdade material.
VI–De um lado, os peritos ou o tribunal analisam e avaliam, no escritório do comerciante, o que importa ao apuramento da verdade sem reproduzirem as partes inspecionadas ou examinadas; de outro lado, assim se evita que a escrita, ou parte dela, estando à disposição do tribunal, possa ficar fora do controle do comerciante e ao alcance de terceiros.
VII–O que quer dizer que, se o comerciante não autorizar outra forma de análise da escrita mercantil, esta só poderá ser feita nos termos específicos do art.º 43.º do C. Comercial.
VIII–Assim, salvo expressa disposição legal nesse sentido, nunca é permitida a cópia, reprodução, requisição ou apreensão dos documentos de escrituração sem a anuência da entidade cuja escrita é examinada.» [13]Discordando-se, por isso, do seguinte Aresto:
-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/03/2013, Processo n.º 882/09.0TBPMS-A.C1, relatora: Catarina Gonçalves, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
I–Porque qualquer uma das partes em litígio tem interesse ou responsabilidade nas questões que se suscitam e estão controvertidas no âmbito de uma ação judicial em que são partes e que, como tal, estão inseridas no objeto do litígio que entre elas se desenvolve, não poderá deixar de ser admissível, à luz do disposto no art.º 43.º do Código Comercial, o exame à escrita comercial de qualquer uma delas com vista ao apuramento de determinados factos que são necessários à apreciação e decisão daquelas questões.
II–O segredo da escrituração comercial – que apenas vigora em plenitude para o efeito de obstar à sua devassa com o único objetivo de verificar se o comerciante arruma ou não devidamente os seus livros (cfr. art.º 41.º) – manifesta-se sobretudo nas restrições colocadas à exibição judicial dos livros de escrituração comercial por inteiro (que apenas é admitida nas situações previstas no art.º 42.º) e nas restrições colocadas ao exame da escrituração de pessoas estranhas às ações judiciais onde são ordenados (exames que, em conformidade com o disposto no art.º 43.º, apenas serão admissíveis quando essas pessoas tenham interesse ou responsabilidade na questão); tal segredo não obsta, porém, à realização de exames ordenados no âmbito de uma ação judicial relativamente à escrituração comercial de qualquer uma das partes, na medida em que estas terão sempre interesse ou responsabilidade na questão que nela se discute e que reclama a realização do exame. [14]Artigo 42.º do Código Comercial (Nota da nossa autoria) [15]«Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.» - - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO [16] Cfr., no mesmo sentido, os seguintes Arestos:
-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/11/2011, Processo n.º 462/10.8TBVFR-W.P1, relator: José Eusébio Almeida, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
1-A pertinência da junção ou apresentação de um documento em poder da parte contrária, ao abrigo do artigo 528.º do Código de Processo Civil decorre da circunstância de os factos a provar com esse documento interessarem à decisão da causa, ou seja, constarem da base instrutória ou estarem em condições de nela poderem ser compreendidos.
2–A recusa da parte em apresentar ou juntar determinado documento em seu poder só é legítima nas situações excecionais previstas no n.º 3 do artigo 519.º do CPC e o segredo comercial não está aí contemplado. E se não está em causa a sua exibição por inteiro, nada impede – nem a lei processual cível nem o Código Comercial - a exibição, para exame ou junção de cópia de (parciais e pertinentes) elementos da escrituração comercial.
-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/11/2011, Processo n.º 462/10.8TBVFR-V.P1, relator: Abílio Costa, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
A exibição por inteiro dos livros da escrituração comercial está, em princípio, vedada, mas tal não impede o exame ou inspeção parcial, na parte que seja necessária à prova "… para tanto bastando que se requeira o exame da "escrituração que for necessária" para apuramento de determinados factos…”.
-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/11/2008, Processo n.º 0855318, relatora: Maria Adelaide Domingos, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
I–O sigilo comercial abrange as situações referidas no art.º 42.º do C. Comercial (ex-vi art.º 534.º do CPC) sendo, assim, requerida a exibição por inteiro dos livros e documentos relativos à escrita.
II–O mesmo sigilo não impede a junção aos autos de documentos inseridos na escrituração comercial de um terceiro, que não tenha interesse ou responsabilidade nos autos, nomeadamente faturas relativas aos negócios em discussão no processo entre as partes. [17]«Alberto dos Reis, ob. Cit., vol. IV, pág. 88» - NOTA DE RODAPÉ DO TEXTO TRANSCRITO