CITAÇÃO
NULIDADE
Sumário

1. Qualquer anomalia em citação ou notificação, capaz de fundamentar nulidade ou irregularidade, além de ter de ser invocada, carece de ser provada pela parte a quem aproveita.

2. Se há omissão de prova, e esta nada tem a ver com o mandante, mas depende exclusiva e directamente do mandatário, como no caso, a correspondente improcedência repercute-se, em sede de custas, neste e não naquele, por ser este quem dá causa ao resultado.

3. Se a parte, pretendendo alegadamente recorrer, está dotada de todos os elementos, fundamentos e sentido da decisão judicial, sem qualquer dúvida, é acto supérfluo pedir o envio de uma página, alegadamente não recebida, por desnecessária, tendo tal acto apenas como finalidade o adiamento do início da contagem do prazo de recurso (acto dilatório).

4. Ainda neste caso, as custas são por quem tal acto pratica.

Texto Integral

Nos presentes autos, o Sr. Dr. Ilustre Advogado ... – que nos mesmos é mandatário da ... – tendo sido notificado da decisão de improcedência da reclamação aqui em causa, vem requerer a repetição da notificação porquanto alega ter sido irregularmente notificado já que, tendo-lhe sido mandadas as folhas 80 a 85 da aludida decisão, falta-lhe “pelo menos mais uma página” da mesma.
Seguidamente conclui que a decisão “lhe é certamente desfavorável” e refere que “está a ponderar sériamente a hipótese de interpor recurso da mesma para o Tribunal Constitucional”; e que “dada a falta da aludida página”, a “reclamante está impossibilitada de aceder a toda a fundamentação e alcance da decisão em causa”.
Pede assim que a dita página lhe seja remetida, via fax, se possível.

Ouvida a secção e o reclamado, este veio aos autos, conforme fls. 109 e 112, dizer que a notificação que igualmente lhe foi feita estava dotada de todas as fotocópias, eram legíveis, sem qualquer vício e tinha folhas de páginas 80 a 86; por sua vez, aquela informou, pela chefe respectiva, em síntese que:
a) foi quem paginou a decisão;
b) que não esperava a alegação de nenhum lapso imputável à secção porquanto, quando da paginação, nenhuma folha estava em falta;--
c) que foram tirados cinco grupos de fotocópias, todos iguais, conformes com o original;
d) distribuído cada grupo por destinos diferentes, ninguém dos restantes quatro invocou qualquer anomalia;
e) que durante as horas de expediente são enviadas dezenas de cartas registadas contendo fotocópias de despachos, decisões,, acórdãos, etc., não tendo havido reclamações, por incompletas.
f) Este Tribunal fez já centenas ou milhares de notificações às partes, sem reclamações, pelo referido fundamento.
g) E tal permite concluir que têm cumprido bem as mesmas.
h) Apenas com este Sr. ilustre mandatário, nestes autos e no proc. penal (recurso) n.º 1004/03, é que este tipo de lapso foi invocado.

Estas as posições das pessoas intervenientes ouvidas e os factos ocorridos.
Cumpre decidir:
I - A irregularidade, como qualquer nulidade, tem de ser arguida.
E a sua arguição, como qualquer petição ou requerimento, implica fundamentação e prova – art.ºs 193º a 208º e 467º n.º 1 al. d). Do C.P.C..
Nos termos do art.º 341º do C. Civil as provas têm como finalidade a demonstração da realidade dos factos.

E o n.º 1 do art.º 342º do mesmo diploma legal “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
Ora, o requerente alega os factos, mas não apresenta quaisquer provas da realidade dos mesmos.

E a repetição da notificação não é inócua.

Sendo o prazo de recurso de caducidade – findo o prazo, o acto não pode ser praticado (art.ºs 411º do C. P. Penal e 685º do C.P.C.) – não é irrelevante poder ou não, través do meio utilizado, utilizar de mais tempo para poder, se o desejar, recorrer.
Se a simples invocação, sem qualquer obrigatoriedade de provas, pudesse conduzir ao afastamento das regras legais sobre provas - note-se que até o justo impedimento, a recepção fora dos prazos legais das cartas (art.ºs 144º n.º 2 e 204º n.º 2 do C.P.C.), os actos legais influentes no cumprimento ou não dos prazos legais estão sujeitos a provas - institucionalizar-se-ia um meio de fazer precludir, sem quaisquer ónus, a aplicação das normas sobre provas; e prazos legais, neste caso, de recursos.
Ou seja, estaria “na praça pública”, sem regulação possível, o meio de não aplicação da lei; e os prazos legais, pelo menos, sempre que dependessem de actos judiciais prévios, poderiam ser afastados com a simples alegação, sem necessidade de quaisquer provas, de que o tribunal tinha errado.

Ora, entendemos que assim não pode ser.

Por isso, tendo em conta as regras legais pertinentes e aplicáveis, a que todos – Tribunal e partes – estão sujeitos, e não tendo o requerente apresentado quaisquer provas, cremos que, por isso, a pretensão não pode ser deferida.
Aliás, se mais não houvesse, trata-se de um incidente processual a que se aplica, cremos, o disposto no art.º 302º e segs. do C.P.C. pelo menos na parte, nomeadamente, referente às provas e sua apreciação.
Na verdade, escreve o Prof. Lebre de Freitas que estes normativos se aplicam “a qualquer incidente da instância” (C.P.C. anot. I vol. pag. 538), sendo que o art.º 303º dispõe que no requerimento bem como na oposição, são logo oferecidas as provas.
E sobre este mesmo aspecto escreve-se in C.P.C. anotado de A. Neto – art.º 302º - “... na sua actual formulação, a tramitação – tipo, plasmada nos art.ºs 302º a 304º foi ampliada por forma a abranger o processamento de todo e qualquer incidente que não apenas os incidentes da instância nominados tipificados e regulados pela lei de processo no capítulo em questão...”.
Temos assim pois que, não tendo o requerente apresentado quaisquer provas, não se encontra provada a invocada irregularidade; e já não o pode provar.
Por isso, não pode ser deferida.

É esta a consequência legal do facto da parte, sobre quem impende o ónus da prova, não o ter feito.
Na verdade, “é de acordo com a distribuição do ónus da prova que o tribunal determinará como deve ser decidida a questão, no caso de não ser feita a prova do facto, pela parte onerada (vide, Ac. R.L. – CJ – 1988 – 4.º - 99; - “a repartição do ónus da prova tem de fazer-se segundo os critérios estabelecidos nos art.ºs 342º e segs. do Código Civil, cabendo a quem invoca um direito fazer a prova dos factos constituintes deste...” – BMJ – 451 – 419 – Ac. S.T.J. – “O ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta” – ac. in CJ – 1987 – 75º - 80.

II – Mas se a pretensão do requerente não se basta para ser deferida, pela sua simples afirmação de faltar a última página, sem mais, não deixa de causar alguma, e fundamentada, estranheza tal invocação; e para mais, nestes mesmos autos.
E porquê ?
Se pelas afirmações proferidas pela secção e pelo requerido se constata que não só a notificação deste mas também os restantes exemplares (em fotocópias) estavam todos na perfeição, e se a máquina fotocopiadora e o processo técnico para todas as notificações foi o mesmo,

como é que foi só na notificação do requerente que faltou a última página ?

Note-se que a notificação foi feita por carta registada, e não foi invocado que a mesma apresentasse quaisquer sinais de violação.
E dissemos “nestes mesmos autos”, porquanto a questão de fundo aqui em causa tem também a ver com problema suscitado pelo envio, via fax, de apenas uma pequena parte da notificação de recurso, na última hora e dia do prazo, que o Mmo. Juiz não considerou.
E também neste caso a invocação da irregularidade se fez fora das horas normais de funcionamento do tribunal e último dia do prazo – via fax – tendo ainda que invocar – o que fez – com vista à consideração de sua apresentação tempestiva, a recepção da carta no 5.º dia posterior ao do registo, com fundamento em greve dos C.T.T..
Ora, o que seria normal fazer-se era que, tendo recebido a carta, se não logo, pelo menos em tempo razoável, por simples fax ou telefonema – meios simples e rápidos de comunicação – tivesse solicitado a colmatação do lapso – se é que este existia – já que se tratava de uma simples página que de imediato lhe seria enviada no regresso “via fax” e o processo seguiria seus termos de acordo com os trâmites e tempos normais.
O esperar-se pelas 21.00 horas do dia 03/07/2003 para, por fax, invocar a necessidade de repetição do acto, com vista a eventual recurso para o Tribunal Constitucional, contando com novo prazo, é que nos parece não se coadunar com o dever de colaboração das partes e dos Srs. ilustres Advogados na administração, se não célere, da Justiça, pelo menos no seu tempo normal legal.
Também a secção refere que no decurso do funcionamento deste Tribunal – já lá vai ano e meio – fez já talvez centenas ou milhares de notificações, e só estas faltas têm ocorrido com este Sr. Ilustre Advogado, já que igual invocação só existiu também num outro processo igualmente seu.

Todos estes factos e a apreciação dos mesmos permitem concluir pela presunção judicial ou material de cumprimento correcto, pelo Tribunal, da notificação.
Dispõe o art.º 349º do Cód. Civil que “presunções são as ilações que a lei ou o julgador teria de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
Sobre o tema, escreve A. Lopes Cardoso in R.T. – 16º - 112 e AA. aí citados que “ estas presunções – referindo-se às judiciais ou materiais - são afinal o produto das regras da experiência: o Juiz, valendo-se de certo facto e das regras da experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um acto é a consequência típica do outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou, se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência”. – no mesmo sentido, vide STJ – in AD, 373º - 117.
E se de todos os factos nesta vertente apreciados resulta a presunção natural, judicial ou de facto de bom cumprimento, pelo Tribunal, da notificação, então competia ao requerente, ainda e também por isso, apresentar as provas do facto invocado.

III – As consequências legais do deferimento da deduzida pretensão – se fosse esse o caso – consistiriam na repetição do acto de notificação a partir da qual se contaria novo prazo para a interposição de recurso.
Estando, ao contrário, a notificação bem feita, ao requerente competia, no prazo legal, que a partir desta se iniciou, interpô-lo.

Mas, pondo de parte tudo o que para trás se disse, será que o requerente para “atacar” a decisão pela via do recurso, neste caso, precisaria da página que alegou não ter recebido ?

Cremos claramente que não.

Conforme se vê da decisão, todos os fundamentos constam das páginas ditas recebidas; assim como nelas constam referências repetidas à improcedência da pretensão.
A título de exemplo apenas duas:
“Entende-se que o Mmo. Juiz, perante tudo o que para trás ficou, decidiu bem” e “Não vemos, por tudo o que ficou dito, que o Mmo. Juiz devesse ter decidido de outro modo”.
É que a decisão, na sua última página, contém mesmo e só escassas meias seis linhas e delas uma só para dizer que a pretensão improcede.
E o requerente, pelo menos parece, como que dá a entender que tal seria assim.
Com efeito, no seu requerimento há três passagens que, se concatenadas, permitem tal ideia.
No seu 1.º período começa por referir que “a peça processual terá pelo menos mais uma página”.
No 2.º, que “a decisão lhe é certamente desfavorável (o sublinhado é nosso).
No 3.º refere-se “a falta da aludida página” extraindo do texto a expressão “pelo menos” e utilizando apenas o singular, quando o uso daquela expressão é pressuposto de admissão que as páginas em falta poderiam ser mais.
E a final pede apenas “uma cópia da página em falta”.
Aqui o texto já demonstra mais certeza: “página em falta”; - interpretando – é apenas uma; utiliza-se o singular.

Ora, esta página nada de substancial leva à decisão que esta não contivesse já.
Por isso, os elementos enviados ao ilustre Advogado mesmo sem a última página – a admitir-se que a não recebeu – constituíam em si toda a decisão, quanto aos fundamentos e sentido da mesma.
Não carecia assim da dita página. Logo, a notificação teria de considerar-se bem feita, mesmo sem ela.
A notificação cumpriu, mesmo nesse caso, a sua função de dar conhecimento da decisão (art.ºs 259º do C.P.C.).
A exigência do envio da página, para fundamentar a repetição da notificação e, consequentemente, só então se iniciar a contagem de prazo para a interposição do recurso, representa – dado o que ficou exposto – acto que o caso não justifica; e, nesse caso, inútil (que a lei proíbe – art.º 137º, por analogia), “supérfluo”, por não necessário (art.º 448º n.º 2 do C.P.C.).

Face a todo o exposto, forçoso é concluir:

a) As irregularidades têm de ser invocadas por quem dessa invocação pretende tirar proveito; esta constitui incidente processual está sujeito a prova legal.
b) Não tendo sido apresentada nem feita prova da irregularidade invocada, a pretensão não pode ser deferida (ónus da prova).
c) Se pela notificação feita, com os elementos enviados, o notificado fica a saber certamente não só o sentido da decisão mas também todos os seus fundamentos, não se verifica falta de notificação, inexistindo irregularidade relevante.
d) O pedido de repetição de notificação invocando-se, como fundamento, falta ou insuficiência de elemento dela - este, por sua vez, irrelevante - representa prática de acto inútil e supérfluo.

Custas -

São fundamento de improcedência, em síntese:
- A não apresentação de qualquer prova, pelo ilustre mandatário, da existência do facto invocado, fundamento da irregularidade.
Ora, essa prova só a si competia fazê-la, e não à parte, porquanto o facto passa-se entre o Tribunal e o seu escritório.
A não apresentação da prova é pois uma omissão da sua exclusiva responsabilidade.

- Como, por último, se referiu o pedido feito, mesmo para efeitos de eventual recurso, e ainda que tivesse ocorrido o invocado lapso do tribunal, traduziu-se em acto desnecessário.
Na verdade, o Sr. Ilustre Advogado conhecia todos os fundamentos e claramente o sentido de improcedência contido no despacho.
Ora, nos termos do n.º 2 do art.º 448º do C.P.C. “devem considerar-se supérfluos os actos e incidentes desnecessários para a declaração e defesa do direito.
As custas destes actos ficam à conta de quem os requereu”.

Conclusão:

1.º - A parte não pode ser responsabilizada pela omissão de um acto que ao Sr. ilustre mandatário competia fazer; e só a ele.
Dá assim causa à improcedência.

2.º - O pedido feito, nas circunstâncias em que ocorre, e para os fins ditos – eventual recurso – representa acto desnecessário; logo, supérfluo.
Quer pelo 1.º quer pelo 2.º fundamento, a responsabilidade das custas cabe ao Sr. ilustre mandatário.



Face a tudo o que atrás ficou exposto, improcede a pretensão do requerente.
Custas pelo Sr. Advogado.
Taxa de Justiça – 4 UC´s.
Guimarães, 01 de Outubro de 2003