INJUNÇÃO
INIBIÇÃO CONDUÇÃO
Sumário

1.Cumprida que se mostra a inibição de conduzir aplicada como condição para a suspensão provisória do processo, ela deve ser descontada na pena de inibição de conduzir, aplicada em sede de sentença.
Em causa está a execução de penas, a que é aplicável o disposto nos artº 80ºCP e 82ºCP

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

***

I–Relatório:


Em processo abreviado, a arguida P, filha de F e de I, nascida a 19-11-1980, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, desempregada, solteira, portadora do cartão de cidadão n° Y e da licença de condução n° Z, com residência na Rua X, foi condenada pela prática em 06/04/2014, em autoria e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art° 292º/1 do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 250,00 e na pena acessória de 3 meses de inibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, que foi declarada extinta ao abrigo do disposto no artº 475º/CPP.
***

O Ministério Público recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«1.-Inexiste fundamento legal para descontar na pena acessória em que a arguida foi condenada o período de tempo em que, no decurso do inquérito, ficou proibida de conduzir por força da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo;
2.-Apesar de ter alterado, por inúmeras vezes, a redacção do Código Penal e do Código de Processo Penal vigentes e de, seguramente, não desconhecer a divergência jurisprudencial que, a este propósito, existe há vários anos, o legislador português não o previu nem no artigo 80.° do Código Penal, nem em qualquer outra norma legal;
3.-Ao invés, previu, expressamente, no n° 4 do artigo 282° do Código de Processo Penal que, caso o processo prossiga para julgamento, “as prestações feitas não podem ser repetidas", expressão que só pode ser entendida como proibição de devolução daquilo que a arguida prestou a título de injunção determinada em sede de suspensão provisória do processo:
4.-As proibições da dupla sujeição da arguida a julgamento e da sua dupla condenação pelos mesmos factos, que são as únicas que estão ínsitas no princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 29.°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa, não impõem a realização de tal desconto, na medida em que as injunções/medidas impostas não são equiparáveis a penas e a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo não se confunde com a submissão da arguida a julgamento, conforme decorre do preceituado nos artigos 202° e 219°, ambos da Constituição da República Portuguesa;
5.-A não ser assim, o processo não poderia prosseguir para julgamento na sequência da aplicação do referido instituto ou pelo menos a medida da pena - acessória - a aplicar não poderia exceder a da proibição de conduzir imposta no decurso do inquérito;
6.-Muito embora possa ser defendido de iure condendo e consagrado em alteração legislativa que venha a ser aprovada, não pode o julgador substituir-se ao legislador naquilo que foi, claramente, uma opção legislativa, dispensando de pena, por via de tal desconto, a arguida que, tendo podido eximir-se ao julgamento, assumiu, voluntariamente, uma postura que tornou evidente não ser, afinal, merecedor dessa oportunidade que lhe foi dada.
Termos em que entendemos dever ser revogada a decisão proferida pelo Mmo. Juiz a quo na parte em que descontou na pena acessória em que condenou a arguida, P., o período de 3 (três) meses durante o qual, na fase de inquérito, a mesma esteve proibida de conduzir veículos motorizados e que, de imediato, a declarou extinta por força do cumprimento, de harmonia com o preceituado no artigo 475.° do Código de Processo Penal, e substituída por outra que, de harmonia com o preceituado nos artigos 69.°, n° 3, do Código Penal e 500.°, n° 2. do Código de Processo Penal e, ainda, conforme jurisprudência fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 2/2013, de 8 de Janeiro, a notifique para, em 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, os seus títulos de condução, a fim de cumprir a pena acessória em que foi condenada, sob pena de os mesmos lhe serem apreendidos e de incorrer na prática de crime de desobediência, p.e p. pelo artigo 348.°, n° 1. alínea a), do Código Penal».
***

Contra-alegou a arguida, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
«I-O presente recurso está centrado na impugnação da Douta decisão do Tribunal a quo, que decidiu julgar extinta a pena acessória de inibição de conduzir, em virtude de a mesma já estar cumprida pela imposição do Instituto da Suspensão Provisória do Processo.
II-Ora salvo melhor opinião e conforme resulta da prova em audiência de julgamento, a decisão do Tribunal a quo é integralmente acertada.
III-O recorrente, sustenta o seu recurso no fato da inexistência de fundamento legal para se proceder ao desconto na pena acessória, do período de tempo em que a arguida ficou proibida de conduzir veículos, por força da aplicação do Instituto da Suspensão Provisória do Processo.
IV-A arguida por força da Suspensão Provisória do Processo entregou o seu título de condução n° LI740292 na Procuradoria da Inst.Local - Pequena Criminalidade em 25-02-2015 e levantou a mesma em 26-05-2015, conforme fls 29 e 33 dos autos.
V-A arguida já cumpriu o período de 3 (três) meses de inibição de conduzir. Sendo que a INJUNÇÃO e a PENA acessória têm a mesma justificação prática, o mesmo modo de execução e finalidade sancionatória.
VI-O n° 3 do art° 281°do CPP, na redação introduzida pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro, institui um caráter obrigatório no sentido de que diz " e obrigatoriamente oponível aa arguida a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor".
VII-Ora salvo melhor interpretação, significa que a arguida P. ao cumprir a injunção de proibição conduzir veículos com motor, não se está no âmbito duma simples prestação, mas sim no âmbito dumapena.
VIII-Assim, a injunção imposta e cumprida pela arguida não pode em circunstância alguma ser repetida sob pena de se violar o principio ne bis in idem. 
IX-Pelo exposto, salvo melhor opinião, não assiste razão ao Ministério Publico, mas sim decidiu bem a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, julgando extinta a pena acessória de inibição de conduzir, ora aplicada à arguida, nos precisos termos do art° 475° do CPP.
Termos em que deve a sentença objeto de recurso ser confirmada, negando-se provimento ao recurso interposto».
***

Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta não emitiu parecer.
***
***

II-Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
A questão colocada pela recorrente é a de saber se na contagem da pena acessória de proibição de conduzir, aplicada à arguida, deve ser descontado o tempo em que cumpriu a injunção de proibição de conduzir, enquanto medida aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo.
***
***

III-Fundamentação de facto:
Para decisão da questão colocada em recurso há que considerar que:
1-No âmbito deste processo foi aplicada à arguida suspensão provisória do mesmo, mediante a injunção, dentre o mais, de se abster de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses, procedendo à entrega do título de condução nos autos.
2-A arguida cumpriu a injunção supra referida - entregou nos autos o título de condução a 25-02- 2015 e levantou-o a 26-05-2015
3-Por não cumprimento de uma outra injunção foi revogada a suspensão provisória do processo e sujeita a arguida a julgamento.
4-Julgada a arguida, foi condenado na pena acessória de 3 meses de inibição de conduzir, tendo a pena sido declarada extinta, em face do cumprimento da injunção aplicada por força da suspensão do processo.
***

IV-Fundamentação probatória:
O Tribunal considerou os documentos contidos nos autos.
***
***

V-Fundamentos de direito:
A única questão que se coloca é saber se deve ser descontado o período de tempo em que a arguida cumpriu a injunção de inibição de condução, enquanto medida condicionante da suspensão provisória do processo, ou não, ao tempo de execução da pena acessória em que foi condenada, de inibição de conduzir. 
Esta questão tem sido sobejamente tratada na jurisprudência e, abreviando razões, perfilhamos o preciso entendimento contido nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, designadamente nos processos nº 23/13.0GCPBL.C1 (de 10-12-2014) e 204/13.6GAACB.C1 (de 11-02-2015) que, para além do mais, contém uma resenha do elemento histórico de interpretação do artº 281º, relevante para a apreciação da questão. Por manifesta desnecessidade de proceder a nova construção, transcreve-se, aqui, o que consta do primeiro dos referidos processos, aplicável, tal e qual, ao caso dos autos.
Neste caso, a arguida não cumpriu outra injunção que lhe foi aplicada, enquanto condição da suspensão do processo, o que determinou a revogação dessa suspensão, mas cumpriu a medida de inibição de condução, que lhe foi fixada entregando a carta de condução nos autos.

« (…) Diremos que não se trata de matéria virgem; pelo contrário já foi objecto de apreciação por parte dos tribunais superiores, contudo, com resultado nem sempre convergente.
Assim, no sentido de que o «tempo» de proibição de conduzir, determinado a título de injunção aquando da suspensão provisória do processo e que veio a ser objecto de cumprimento, não pode, em caso de revogação desta, ser objecto de desconto na pena acessória de proibição de conduzir pronunciou-se o acórdão do TRL de 06.03.2012 [proferido no âmbito do processo n.º 282/09.2SILSB.L1–5], do qual se respiga:
 «As penas acessórias cumprem (…) uma função preventiva adjuvante da pena principal.
Por outro lado a injunção a que o recorrente se obrigou, não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória. De facto, o recorrente quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou (…) e que visava a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281º do Cód. Proc. Penal.
Ora de acordo com o n.º 4, alínea a) do art. 282º do Cód. Proc. Penal, se a arguida não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas.
E por prestações, nos termos deste normativo, devem entender-se não apenas as dádivas ou doações pecuniárias mas também outras prestações, como a de abster-se de certas actividades (como a de conduzir) ou mesmo as de efectuar serviço de interesse público (…).
O princípio “ne bis in idem” está consagrado no n.º 5 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos deste normativo, “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, ou seja, não pode haver novo julgamento da mesma questão (é o chamado “efeito negativo do caso julgado”). (…)
Ora, no caso, o despacho de suspensão provisória do processo não envolve qualquer julgamento sobre o mérito da questão. Trata-se de um despacho proferido numa fase inicial do inquérito e necessita da concordância, além do mais, da arguida. Acresce que (e sobretudo) é, como o nome indica, uma decisão provisória, que não põe fim ao processo (…).
Desta forma, não pode entender-se que a condenação, em julgamento, em pena acessória de inibição de conduzir, depois de ter sido cumprida a injunção de abstenção de conduzir, em suspensão provisória do processo, configura uma violação do princípio “ne bis in idem”.
Em sentido contrário, depois de, com fundamentos idênticos aos do aresto acima citado, afastar, no caso, a violação do ne bis in idem, sem questionar a diferente natureza da injunção fixada por ocasião da suspensão provisória do processo e da pena acessória de proibição de conduzir a que se reporta o artigo 69.º do C. Penal, conclui o acórdão do TRG de 06.01.2014 [proferido no âmbito do processo n.º 99/12.7GAVNC.G1]:
«Esta condenação teve em vista um facto – condução de veículo em estado de embriaguez no dia (…)
A injunção cumprida pela arguida teve em vista o mesmíssimo facto.
E foi cumprida da mesma forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenado.
Argumenta-se que a entrega da carta nas duas situações é diversa em virtude de na injunção esta ser feita de forma voluntária e na outra não. Pensamos que tal argumento não colhe pois que assistimos inclusive a situações em que os próprios arguidos quando tomam conhecimento das decisões e delas não pretendem recorrer, antecipam-se na entrega da carta na data do depósito sem aguardarem o respectivo trânsito, fazendo-o, pois, também nesta situação, de forma voluntária.
De qualquer modo, sendo certo que estamos perante natureza jurídica diferente da injunção e da pena acessória, atualmente nem sequer é possível esgrimir com a pretensa voluntariedade na adesão da arguida à injunção relativa à proibição de conduzir veículos motorizados uma vez que querendo beneficiar da suspensão provisória do processo, tem mesmo que a aceitar, pois que resulta de imposição legal.  (…)
A injunção de proibição de conduzir veículos com motor que consta, agora, do elenco das aplicáveis é, exatamente, aquela que foi aplicada ao recorrente, no âmbito da suspensão provisória do processo.
Que ele cumpriu.
E que (…) mais não é do que a sanção acessória de proibição de conduzir, aplicada no âmbito desse “desvio processual” que é a suspensão provisória do processo: a mesma finalidade, a mesma justificação, o mesmo modo de execução.
Aliás, no nosso ordenamento encontramos situação idêntica com a prisão preventiva e cumprimento de pena efetiva, que de igual modo têm natureza jurídica diferente e no entanto, quando a arguida passa a cumprimento de pena a prisão preventiva é objeto de desconto na pena de prisão, sem que para o efeito seja atribuído qualquer obstáculo.  (…)
A questão não se coloca ao nível da condenação, antes relativamente ao cumprimento da pena (acessória).
Sendo a nosso ver impróprio que alguém possa ser obrigado a cumprir a mesma pena duas vezes, a pretensão do recorrente há-de proceder. Com efeito, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor mostra-se extinta, pelo cumprimento (…). (…)».
Idêntica posição já havia sido sufragada pelo acórdão do TRE de 11.07.2013 [proferido no âmbito do processo n.º 108/11.7PTSTB.E1], donde se extracta: 
«Em termos materiais, substantivos, no fundo, os efeitos decorrentes de uma e outra medida são rigorosamente os mesmos: a arguida entrega a sua licença de condução e abstém-se de conduzir veículos motorizados. A distinta natureza jurídica das duas figuras tem, seguramente, um interesse doutrinário relevante mas não afasta a questão de fundo: caso uma e outra sejam cumpridas, são-no da mesma forma, exigindo da arguida a mesma conduta.  (…)
É bem certo que se dispõe no art.º 282º, nº 4 do CPP que em caso de incumprimento das injunções e regras de conduta “o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas”.  (…)
A “repetição da prestação” há-de, aqui, ser entendida com o mesmo sentido que lhe é dado em direito civil, isto é, “tal não quer significar que haja lugar a repetir a prestação no sentido de a realizar outra vez. O que existe é o direito de reaver aquilo que foi satisfeito. Isto é: a proibição da repetição das prestações tem o mesmo sentido e alcance da impossibilidade de “restituição de prestações” efectuadas, em caso de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, constante do nº 2 do artº 56º do Cód. Penal.
E assim vistas as coisas, obviamente que a “prestação” em causa nestes autos não é repetível (…).
A questão é outra e consiste em saber se tendo a arguida cumprido a obrigação de entregar a sua carta de condução e de se abster de conduzir veículos motorizados por 3 meses, deve ser considerada cumprida a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses em que veio a ser condenada, na sequência da revogação da suspensão provisória do processo.
Esta condenação teve em vista um facto – condução de veículo em estado de embriaguez no dia (…).
A injunção cumprida pela arguida teve em vista o mesmíssimo facto.
E foi cumprida da mesmíssima forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenada.
Que diferença existe, então, a impedir que se considere efectuado o cumprimento?
Não vemos que faça a diferença: inúmeras são as situações em que os arguidos cumprem voluntariamente a obrigação de entrega da sua carta de condução, em cumprimento da pena acessória em que foram condenados, concordando com tal decisão (de que não recorrem), por vezes mesmo antecipando-se ao trânsito em julgado da decisão (e várias vezes, mesmo ao depósito da sentença …)
Será, então, em função da diferente natureza jurídica da injunção e da pena acessória?
É verdade (…) que “a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena criminal, seja detentiva ou não detentiva, tem fins próprios de prevenção especial e geral”. Como é verdade aquilo que se afirma no Ac. RL de 6/3/2012: as penas acessórias cumprem “uma função preventiva adjuvante da pena principal”.
Mais uma vez, porém, isso não resolve o problema: condenada a arguida em pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizado, a função preventiva adjuvante da pena principal não se mostra já cumprida (esgotada) com o cumprimento dessa proibição, efectuada no âmbito da suspensão provisória do processo?
Repare-se, aliás, que o art.º 281º do CPP foi recentemente alterado pela Lei 20/2013, de 21/2 …  (…)
Quer dizer: actualmente nem sequer é possível esgrimir com a pretensa voluntariedade na adesão da arguida à injunção relativa à proibição de veículos motorizados: querendo beneficiar da suspensão provisória do processo, tem que aceitar, pois que resulta de imposição legal.
Não deixa de ser curioso que não fosse essa a intenção primeira do legislador.
Como é sabido, na Proposta de Lei nº 77/XII (que está na génese da Lei 20/2013, de 21/2) pugnava-se, com a alteração da redacção do artº 281.º, n.º 1, al. e) do CPP, pela impossibilidade de suspender provisoriamente o processo em caso “de crime doloso para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor”. E isto porque, como consta da respectiva exposição de motivos, “a pena acessória de inibição de condução encontra fundamento material na grave censura que merece o exercício da condução em certas condições, cumprindo um importante papel relativamente às necessidades, quer de prevenção especial, quer de prevenção geral de intimidação, o que contribui, em medida significativa, para a consciência cívica dos condutores. A possibilidade legal de suspensão provisória do processo relativamente a este tipo de ilícitos tem esvaziado de conteúdo útil a função da pena acessória de inibição de conduzir e determina disfuncionalidades em face do regime legal aplicável aos casos em que a condução sob o efeito do álcool é sancionada como contraordenação.
Importava, assim, alterar o regime vigente, determinando que não pode ter lugar a suspensão provisória do processo relativamente a crimes dolosos para o qual esteja legalmente prevista a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor».  (…)
Ainda no mesmo sentido foi o parecer dos docentes da Faculdade de Direito de Lisboa … no âmbito da consulta que lhes foi feita pelo Parlamento: «Em princípio, a cominação legal de penas acessórias, mesmo no caso de inibição de condução de veículo a motor, é totalmente compatível com a suspensão provisória do processo e, se esta for a medida adequada, o julgamento apenas agravará a situação. É bom recordar que a suspensão provisória do processo é uma medida de diversão processual que apenas constitui um desvio à tramitação normal que conduziria ao julgamento. O que se evita com a suspensão provisória do processo é o julgamento, mas não a sanção acessória quando esta possa equivaler, materialmente, à imposição de uma injunção ou regra de conduta.
Em tese, a inibição de condução, enquanto sanção acessória, também pode consistir numa injunção aplicada através de suspensão provisória do processo, aliás tornada efectiva mais prontamente do que se fosse aplicada como resultado de uma condenação transitada em julgado». [todos estes documentos, relativos ao processo legislativo em causa, podem ser consultados no site da Assembleia da República, mais concretamente neste link: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa. aspx?BID=37090. 
Foi no seguimento destas objecções que os grupos parlamentares do PSD e do CDS-PP apresentaram uma proposta de alteração à Proposta de Lei 77/XII, suprimindo a alteração à al. e) do n.º 1 do art.º 281º do CPP e alterando o n.º 3 do mesmo artigo, proposta que foi aprovada, dando origem à actual redacção daquele artigo.
A injunção de proibição de conduzir veículos com motor que consta, agora, do elenco das aplicáveis é, exactamente, aquela que foi aplicada à recorrente, no âmbito da suspensão provisória do processo.
Que ela cumpriu.  (…)
Daí que a decisão recorrida não possa subsistir.
Não por violação do princípio ne bis in idem (…)
Na verdade, posto que revogada a suspensão provisória do processo, sempre o julgamento teria que ter lugar. E sempre, aliás, teria a arguida que ser condenada na pena acessória prevista no art.º69º, n.º 1, al. a) do Cod. Penal, verificados os respectivos pressupostos. Como, aliás, teria que ser efectuada a comunicação a que alude o n.º 4 do mesmo preceito.
A questão não se coloca ao nível da condenação, antes relativamente ao cumprimento da pena (acessória).
(…) a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados mostra-se extinta, pelo cumprimento (…)».
Desenhados que estão os argumentos nos dois sentidos, sem que necessário se torne voltar a equacioná-los, perfilhamos sem qualquer reserva a posição que, privilegiando a substância - não negando, embora, a diferente natureza que, numa perspectiva dogmática, subjaz à injunção, por um lado, e à pena acessória de proibição de conduzir, por outro lado [tal como sucede quanto à medida de coacção de prisão preventiva no confronto com a pena de prisão efectiva, não sendo, por via disso, que aquela deixa de ser objecto de «desconto» nesta] -, não deixando de convocar a redacção do preceito introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21.02 [donde resulta não constituir a inibição de conduzir, para quem pretenda beneficiar da suspensão provisória do processo, um acto voluntário] e, não menos relevante, os elementos «legislativos» e «doutrinários» que precederam tal alteração [cf. artigo 281.º, n.º 3 do CPP], destaca a identidade da finalidade, da justificação e do modo de execução da injunção da inibição de conduzir e da pena acessória prevista no artigo 69.º do C. Penal, concluindo-se, assim, pelo bem fundado da pretensão do recorrente, o que, perante os dados factuais fornecidos pelos autos – donde resulta inequívoco o integral cumprimento da injunção em questão, não tendo o período da pena acessória fixado na sentença ido além do «tempo» de inibição de conduzir, por ocasião da suspensão provisória do processo, determinado e cumprido – tem como consequência a declaração de extinção, pelo cumprimento, da pena acessória de proibição de conduzir veículos pela qual o recorrente sofreu condenação».

Aderimos completamente, repte-se, a esta análise e solução. Acrescentando ainda que a questão é tão- somente uma questão de execução de penas e só esta solução é compatível com o regime contido no CP quanto aos descontos a fazer na execução das penas (artºs 80º e ss) - sendo que em direito penal a interpretação extensiva é admissível desde que beneficie a arguida.

Aí se determina a forma de descontar nas penas as medidas de coacção e as penas já sofridas. Não há qualquer referência às penas acessórias de proibição de condução de veículos mas, em face do conteúdo do artº 82º/CP que, visando igualizar os descontos de penas aplicadas no estrangeiro com aquele que se faz das penas aplicadas em Portugal, se refere, expressamente que «qualquer medida processual» deve ser descontada. Nesse âmbito cai, seguramente, a injunção da proibição de condução de veículos com motor, tornada obrigatória desde a vigência da Lei 20/2013, de 21/2, que se deu a 23/03/2013.

Considerar, na execução da pena acessória, o tempo pelo qual o agente cumpriu injunção de igual conteúdo não tem nada que ver com a proibição do ne bis in idem porque a injunção cumprida não adveio de nenhuma condenação – tal como a prisão preventiva cumprida não adveio, o que não obsta ao regime do artº 80º/CP – nem configura qualquer inconstitucionalidade subsequente, como pretende o recorrente.

Por outro lado, a proibição de repetição das prestações efectuadas contida no nº 4 do artº 282º/CPP só se aplica, obviamente, àquelas cuja restituição é possível, situação em que não cai, seguramente, a prestação de non facere que nos ocupa.

Em face do exposto, impõe-se a declaração de improcedência do recurso
***
***

VI-Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas
***


Lisboa, 12/10/2016
      


Graça Santos Silva-(Texto processado e integralmente revisto pela relatora).
Américo Augusto Lourenço
                                                                                             
                                  

[1]Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2]Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 9/10/1995, D.R., I – A Série,
de 28/12/1995.